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Os Movimentos Feministas e as mudanças no Direito de Família.

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Academic year: 2021

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Os feminismos latino-americanos e suas múltiplas temporalidades no século XX. ST 40 Claudia Regina Nichnig

Universidade Federal de Santa Catarina

Palavras-chave: Feminismo. Família. Legislação.

Os Movimentos Feministas e as mudanças no Direito de Família.

O presente trabalho faz parte da pesquisa realizada no curso de pós-graduação em História intitulada “Os movimentos Feministas e as mudanças legislativas relativas ao direito das mulheres no Brasil: 1970 a 1990”. Neste momento, traremos o debate em torno da lei do divórcio e de outras modificações no Código Civil a partir do jornal “O Mulherio”, percebendo como as articulistas do jornal apresentam a questão.

Algumas considerações devem ser feitas sobre o período e a necessidade de mudança na legislação para acompanhar aquelas ocorridas no comportamento feminino. Assim, alterações na legislação foram propostas e discutidas por movimentos feministas.

A legislação brasileira, no que se refere ao direito das mulheres, sofreu diversas modificações, principalmente durante o Século XX. A primeira conquista desejada pelas mulheres foi o direito de votar e ser votada, o que somente aconteceu em 1932.

A norma que regula o Direito de Família no período analisado é o Código Civil vigente desde 1916. O tópico que trata do Direito de Família foi organizado por Clóvis Beviláqua considerado, para a época, um jurista de idéias avançadas. Entretanto as idéias de Beviláqua foram abafadas por correntes conservadoras, principalmente no que se refere ao casamento, aos filhos e à situação da mulher. Beviláqua discutiu a questão feminina, abrindo os olhos dos legisladores sobre a “libertação da mulher de uma inferioridade que não mais compadecia com a concepção atual de vida”.1

Alguns avanços podem ser notados, como a responsabilidade conjunta da mulher frente à entidade familiar; entretanto o Código de 1916 confirmou o conservadorismo vigente no país, reafirmando a superioridade masculina, para gerir a família e os filhos. A mulher casada era considerada relativamente incapaz, assim como os índios, os menores e os pródigos.

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Entretanto, a legislação que foi o condutor de muitas mudanças preservou o conservadorismo da época. Assim, as mudanças na legislação brasileira referente ao direito das mulheres foram construídas de forma lenta e gradual. O Código de 1916, além de determinar regras minuciosas para o casamento, evidenciando uma sociedade na qual estavam presentes as hierarquias de gênero, desconsiderou a família não provinda do casamento e os filhos nascidos de relações não matrimoniais.

O Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121), do ano de 1962, modificou algumas questões do Código de 1916, principalmente permitindo que as mulheres tivessem algum poder de decisão sobre suas vidas. No Código de 1916, em sua redação original, a mulher, sem autorização do marido, não podia aceitar ou repudiar herança ou legado; aceitar tutela, curatela ou qualquer outro encargo outorgado por autoridade pública; ajuizar ação cível ou comercial, exercer profissão ou aceitar mandato.

Durante o regime militar, a Constituição de 1967 é promulgada. Da mesma forma que constituições anteriores, a indissolubilidade do casamento ainda é vigente no Brasil.

No ano de 1968, foi promulgada a Lei 5.478, que dispõe sobre as ações de alimentos, para que as mulheres buscassem pensão para elas próprias e para seus filhos.

Já na década de 1970, a companheira adquire o direito de uso do nome de família do companheiro, por meio da Lei 6.015, de 1973. Começa aí a mudança gradativa para a conquista de igualdade de direitos das então denominadas “concubinas”.

Grandes mudanças ainda estavam por vir. Através da Emenda Constitucional n.º 9, de 1977, que alterou a Constituição de 1967, fica estabelecido o divórcio, após três anos de separação judicial. A Lei do Divórcio, de 26 de dezembro de 1977, mudou as regras que disciplinavam o relacionamento entre homens e mulheres no país. Até este momento, as Constituições e a Legislação Brasileira definiram a família exclusivamente através do casamento.

O Código Civil de 1916, alterado pela tão esperada “Lei do Divórcio”, proporcionou diversas modificações no que se refere ao direito das mulheres, como a ruptura do vínculo conjugal após três anos de separação judicial, a possibilidade do novo casamento após divórcio, dentre outras. Além disso, permitiu que as mulheres pudessem permanecer com seus nomes de solteiras após o casamento.

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Diante deste contexto, nosso objetivo é observar as mudanças na legislação brasileira que foram impulsionadas por movimentos sociais, como os movimentos feministas no Brasil.

Marina Maluf e Maria Lúcia Mott tratam da questão das mulheres e seus direitos frente ao Código Civil de 1916.2

Fator de ascensão social para homens e mulheres, o casamento era considerado como uma imposição às mulheres, para que estas pudessem desempenhar os únicos papéis que lhes eram cabíveis: o de esposa e mãe.

Simone de Beauvoir inspirou mulheres a pensarem a respeito da instituição do casamento: “O destino que a sociedade propõe tradicionalmente à mulher é o casamento. Em sua maioria, ainda hoje, as mulheres são casadas, ou foram, ou se prepararam para sê-lo, ou sofrem por não o ser.”3

Frente ao novo modelo de família que é construído a partir da urbanização ocorrida no final do século XIX e início do Século XX, permitiu-se a criação de oportunidades de emprego e de ascensão social, anteriormente limitada ao casamento.4 O processo de urbanização e industrialização do Brasil fez com que fossem criados diferentes tipos de entidades familiares, fora do alcance dos cartórios e da observação da sociedade. Além disso, a família dita “irregular” era o constante, sendo que o casamento civil foi gradativamente imposto pela sociedade como o correto e desejado.5

A mudança da legislação brasileira que possibilitou, dentre outras coisas, a possibilidade do divórcio, a opção do uso pela mulher do “apelido” do marido, como dispõe o artigo 240, parágrafo único do Código de 1916, fez parte de um conjunto de transformações ocorridas na década de 1970.

O movimento feminista então propõe que as pessoas não fiquem presas em conceitos pré-estabelecidos pela sociedade, a qual estabelece papéis estanques para homens e mulheres, mas que cada um busque sua própria identidade, levando em consideração a igualdade entre os gêneros. Nas décadas de 1960 e 1970, impulsionados pelos movimentos estudantis ocorridos na França, pela liberação sexual pretendida pelo movimento hippie, mudanças nas relações amorosas, uso da pílula anticoncepcional, um novo feminismo é proposto em diversos países.

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Vivenciando a ditadura militar, os movimentos sociais no Brasil precisam se unir contra um inimigo comum: a inexistência de direitos políticos. Na década de 1970, ocorre a denominada “segunda onda” do feminismo brasileiro sob forte influência do movimento feminista europeu e norte-americano. A Organização das Nações Unidas - ONU declara o ano de 1975 como o ano internacional da Mulher, favorecendo o debate. Esta efervescência internacional somou-se à ocupação cada vez maior de mulheres nas universidades e no mercado de trabalho. 6

O fato das mulheres deixarem o espaço privado em busca do espaço público, somado às inúmeras transformações comportamentais vividas na década de 70, não passaram incólumes. As mulheres da década de 1970 reivindicam direitos iguais, já que agora são donas dos seus corpos e dos frutos do seu trabalho. Não cabe mais haver diferenciações entre homens e mulheres nesta sociedade. A nova forma de ver e viver daqueles dias entra em choque com o padrão tradicional, principalmente nas relações familiares. As mulheres não permitem mais que seus maridos e seus pais ditem a forma de viver suas vidas.

No Ano Internacional da Mulher é fundado em São Paulo o Movimento Feminino pela Anistia. A ONU promove debates no Rio de Janeiro e São Paulo, a respeito da condição feminina. Como fruto destas reuniões é fundado o Centro da Mulher Brasileira, nas duas cidades, o qual é considerado uma organização feminista. Neste mesmo ano surgem jornais feministas como o Brasil-Mulher (Londrina e posteriormente São Paulo) e o Nós Mulheres (São Paulo).

O contexto social propiciou o surgimento de grupos de reflexão, movimentos engajados com a resistência de esquerda, dentre outros; há um questionamento dos relacionamentos entre homens e mulheres, da discriminação e da condição de inferioridade vivida pelas mulheres. Jornais, revistas e programas de televisão que discutem a questão feminina tornam-se sucesso nacional.

Os movimentos feministas propõem a construção de um novo modelo comportamental, levantando questões como a violência contra a mulher, a busca por melhores condições de saúde (o direito ao aborto é uma das bandeiras defendidas com unhas e dentes pelo movimento até os dias atuais), e principalmente a igualdade entre os gêneros, em todos os sentidos e em todos os âmbitos.

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Discutem a postura adotada por mulheres resignadas que, embora insatisfeitas em sua condição, permanecem investidas em uma postura servil. As feministas da década de 80 discutem estas questões e, principalmente, fazem com que as mulheres se fortaleçam, buscando a igualdade de gênero, na luta por direitos iguais.

A feminista e jornalista Carmem da Silva, que em seus artigos publicados no período de 1963 a 1984 na revista Claúdia tratou das mudanças comportamentais e das relações de gênero ocorridas nas décadas de 1960 e 1970 discutiu a necessidade da regulamentação do divórcio no Brasil, a partir de 1966, alongando o debate até a efetiva concessão do direito em 1977. 7

Nos primeiros onze periódicos do jornal feminista “O Mulherio” analisados para este trabalho, que circularam no período de 1982 a 1988, percebemos a presença do discurso jurídico em busca da igualdade, através de reportagens que tratam da violência contra a mulher, e em reportagens que analisam a capacidade civil da mulher.

Chocadas com a violência contra a mulher, reportagens do jornal trouxeram a discussão, principalmente diante de homicídios de mulheres por seus maridos, que não aceitavam a separação. O caso Lindomar Castilho, que matou sua esposa Eliane de Gramont8, e Doca Street, que tirou a vida de Ângela Diniz9, entre outros, fizeram parte da campanha nacional contra o uso do recurso pelos homens da “legítima defesa da honra”.

No tocante às discussões relativas ao Direito de Família, a primeira observação que deve ser feita é que o jornal “O Mulherio” iniciou sua circulação após a promulgação da Lei do Divórcio, de 1977, o que por certo não traz a discussão que antecedeu a introdução da lei.

Apesar de inovações no texto legal, o jornal “ O Mulherio” denuncia em sua edição 10, que circulou em novembro e dezembro de 1982, que transcorridos cinco anos da Lei do Divórcio “os cartórios de paz obrigam a nubente a adotar o sobrenome do marido”.10

Esta observação está presente na reportagem que traz as propostas de alteração do Código Civil. Desde o ano de 1975 tramitava no congresso um projeto de novo Código Civil (Projeto634/75). A proposta original de alteração do Código Civil mantinha o marido como chefe da sociedade conjugal, a imposição do sobrenome do marido à esposa, o pátrio poder cabe aos pais, prevalecendo a opinião do pai.

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Apesar das alterações da Lei do Divórcio, como a não imposição do sobrenome do marido à mulher, não havia ainda na legislação brasileira previsão legal de igualdade entre homens e mulheres, e a chefia da sociedade conjugal pertencia ao marido.

Assim, as advogadas feministas Sílvia Pimentel e Florisa Verucci apresentam um projeto, no curso da tramitação do Projeto do Novo Código Civil, que seria chamado de Novo Estatuto Civil da Mulher, em 1980.

O fato do marido ser considerado o chefe da relação conjugal incomodava os movimentos feministas ativos no período, conforme podemos perceber nas edições do jornal “ O Mulherio”. Estes apoiaram o projeto de lei apresentadas pelas advogadas, que visavam alterar questões cruciais, que mantinham a mulher em estado de submissão ao marido.

A própria advogada Florisa Verucci esclarece que acompanhado de 40 mulheres, representantes de várias entidades e de vários estados, junto com um abaixo-assinado, o projeto foi encaminhado ao Presidente do Congresso Nacional, Dr. Jarbas Passarinho, em novembro de 1980.11

O projeto continha inovações, como o acréscimo no artigo dos deveres dos cônjuges “o respeito e consideração mútuos”, a chefia da sociedade seria exercida pelo marido e pela mulher; determinou a igualdade nos feitos do casamento; a igualdade no exercício do poder sobre os filhos; dentre outras medidas que vedavam a discriminação da mulher.

O projeto permitiu uma ampla discussão na sociedade das questões relativas ao direito da mulher, presente no jornal “O Mulherio”. Na reportagem de Sílvia Pimentel chamada “E a democracia doméstica, como vai”12, a feminista esclarece que a democracia deve se iniciar dentro de cada lar, pois não podemos falar em democracia, enquanto a mulher estiver em situação subalterna, enquanto couber ao marido a chefia, a administração dos bens do casal e dos bens particulares da esposa, enquanto for ele que determinar o domicílio do casal e for o detentor do pátrio poder.

A edição n. º 5, que circulou no início do ano de 1982, deixa as leitoras atentas quanto as inovações do Projeto de Florisa Verucci e Sílvia Pimentel.

Segundo Florisa Verucci “continuamos a levar os temas a debate pelo país afora, a convite de organizações não governamentais, grupos feministas, sindicatos, seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, Faculdades de Direito e outras instituições, onde

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colhemos contribuições importantes não só das “atividades de direito”, mas de professores e colegas ilustres”.13 Apesar da autora do projeto julgar que o mesmo foi considerado “um trabalho frustrado” pois, afinal, não foi transformado em lei, o mesmo serviu de alicerce para mudanças que se seguiram, principalmente com a Constituição de 1988.

A Constituição de 1988 foi um grande passo no sentido de alcançar a igualdade entre homens e mulheres, principalmente no sentido que as normas reflitam a realidade da família, a organização da sociedade conjugal e os direitos dos filhos.

Através das publicações feministas nos é permitido discutir as legislações que tratam dos direitos das mulheres, que foram alteradas nas décadas de 1970 e 1980, por meio de uma construção de gênero, utilizando como fio condutor desta análise os movimentos feministas.

As reivindicações dos movimentos feministas na Constituinte e em outros momentos garantiram avanços visíveis na Constituição de 1988. Entretanto não podemos esquecer que as leis, muitas vezes, não são cumpridas. Assim, precisamos manter vivo o debate para que atitudes sejam modificadas e pensamentos que visem a igualdade entre os gêneros sejam incorporados por homens e mulheres.

1 BEVILAQUA, Clovis. Comentários ao Código Civil – vol. 1. Observação I ao art. 233.

2 MALUF, Marina e MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do Mundo Feminino. In: História da Vida Privada no Brasil; 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 375/376.

3 BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Trad. Sérgio Milliet. Vol 2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 165.

4 BESSE, Susan K. Modernizando a Desigualdade: Reestruturação da Ideologia de Gênero no Brasil, 1914-1940; tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. 5 AREND, Silvia Maria Fávero. Amasiar ou Casar? A família popular no final do século XIX. Porto Alegre: Ed. Da UFRGS, 2001.

6 ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jaqueline. O que é feminismo. 8ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1991.

7 DUARTE, Ana Rita Fonteles. O Feminismo na imprensa Brasileira. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005.

8 Jornal “O Mulherio”, Edição 3, 1981, p. 23 e edição 5, 1982, p. 06. 9 Jornal “O Mulherio”, Edição 5, 1982, p. 06.

10 Jornal “O Mulherio”, Edição 11, 1982.

11 VERUCCI, Florisa. O direito da mulher em mutação: os desafios da igualdade. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 85/86.

12 Jornal “O Mulherio”, Edição 3, 1981, p.7. 13 VERUCCI, Florisa. Op.cit, p. 87.

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