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GUERRA, GUERRILHA OU REVOLTA DE PORECATU? VÁRIOS OLHARES, O MESMO ACONTECIMENTO ( )

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GUERRA, GUERRILHA OU REVOLTA DE PORECATU? VÁRIOS OLHARES, O MESMO ACONTECIMENTO (1940-2011)

Leandro Cesar Leocádio Orientador: Prof. Dr. Rogério Ivano

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo demonstrar as distintas formas existentes para se nomear os conflitos pela terra que ocorreram, entre as décadas de 1940 e 1950, no Norte do Paraná, mais especificamente nos arredores da cidade de Porecatu, palco de inúmeros confrontos entre famílias de posseiros (auxiliados por militantes do PCB) e jagunços (contratados por fazendeiros), todos interessados por terras no até então inóspito “sertão” paranaense. Passados tantos anos, ainda hoje é difícil definir um conceito para caracterizar tais acontecimentos: podemos classificá-los como guerra ou caracterizá-los como uma campanha guerrilheira? Seria uma revolta por parte de homens defendendo suas posses ou um embate entre aqueles que possuíam influência política e os que não?

Seja pelo jornalismo, pela história ou sociologia, há uma diversidade de conceitos para tratar deste assunto; assim como nos depoimentos de pessoas que vivenciaram de alguma forma os embates que iremos tratar e que, passados tantos anos, são convidadas a relatar o que por tanto tempo habitou suas memórias. Propomos, portanto, acompanhar os embates nominativos que permeiam tanto os distintos campos investigativos aqui analisados quanto os relatos de testemunhas que participaram de corpo presente destes acontecimentos e ficaram impossibilitadas de narrar àquilo que vivenciaram.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo demonstrar as distintas formas existentes para se nomear os conflitos pela terra que ocorreram, entre as décadas de 1940 e 1950, no Norte do Paraná, mais especificamente nos arredores da cidade de Porecatu, palco de inúmeros confrontos entre famílias de posseiros (auxiliados por militantes do PCB) e jagunços (contratados por fazendeiros), todos interessados por terras no até então inóspito “sertão” paranaense. Passados tantos anos, ainda hoje é difícil definir um conceito para caracterizar tais acontecimentos: podemos classificá-los como guerra ou caracterizá-los como uma campanha guerrilheira? Seria uma revolta por parte de homens defendendo suas posses ou um embate entre aqueles que possuíam influência política e os que não?

Seja pelo jornalismo, pela história ou sociologia, há uma diversidade de conceitos para tratar deste assunto; assim como nos depoimentos de pessoas que vivenciaram de alguma forma os embates que iremos tratar e que, passados tantos anos, são convidadas a relatar o que por tanto tempo habitou suas memórias. Propomos, portanto, acompanhar os embates nominativos que permeiam tanto os distintos campos investigativos aqui analisados quanto os relatos de testemunhas que participaram de corpo presente destes acontecimentos e ficaram impossibilitadas de narrar àquilo que vivenciaram.

MARCHA PARA O OESTE

Procurando desbravar localidades ainda intocadas pela irrefreável e avassaladora ordem progressista, a Marcha para o Oeste, proposta governamental empreendida pelo governo de Getúlio Vargas, visava à ocupação de territórios inóspitos, ainda pouco ou nada explorados econômica e demograficamente, em meados dos anos de 1940. No Paraná, tal política ocupacional fora posta em prática na região onde hoje se localizam as cidades de Porecatu, Jaguapitã, Guaraci, Miraselva, Florestópolis, Alvorada do Sul, Centenário do Sul, Lupionópolis, Cafeara, um território de aproximadamente 120 mil hectares de terras no Norte do estado, região conturbada quando o assunto refere-se à posse de terra.

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Vale lembrar que o norte paranaense, especificamente a região aqui estudada, já desde o século XIX lidava com questões conflitantes no que diz respeito à terra e, portanto, mesmo passados tantos anos, não é difícil imaginar a dificuldade de regularizar uma área de tal magnitude. Portanto, seria necessário adotar medidas que caminhassem lado a lado com os preceitos políticos propostos na Marcha para o Oeste, que visava primordialmente

[...] o rompimento com o pensamento agrário conservador. As exportações tradicionais de produtos agrícolas diminuíram consideravelmente, a partir do crash de 1929 e do fechamento dos mercados internacionais, o que levou o setor a uma dura retração, perdendo a capacidade de gerar renda (e divisas) e, conseqüentemente, sua ampla autonomia política, passando a ser objeto da intervenção do Estado. Enquanto as exportações despencavam, por falta de mercado, internamente havia uma crescente demanda por alimentos e matérias-primas. [...] Portanto, esse projeto de reorientação agrária, visando modernizar a economia, através da intensificação da produção [...] era feito, sobretudo, através de uma grande intervenção do Estado. No Paraná esse processo pode ser notado, sobretudo, pela legislação agrária elaborada após os anos 301.

Mas, no Paraná, tal política de ocupação de terras

[...] esbarra em muitas terras griladas, concessões em situação irregular, glebas enormes que permanecem incultas, intensa procura por terras pela extensão da cafeicultura e o crescimento do fluxo de migrantes que ocupam terras inabitadas e estabelecem suas posses. Um relatório da Interventoria Federal no Paraná ao Presidente da República relaciona 20 grandes grilos de terras no Estado num total de 2.434.567 alqueires2.

1 PRIORI, Ângelo Aparecido. A revolta camponesa de Porecatu: a luta pela defesa da terra camponesa e a

atuação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no campo (1942-1952). Maringá. Tese (Doutorado em História Social) Universidade Estadual de Maringá, 2000, p. 83-84.

2 OIKAWA, Marcelo Eiji. Porecatu: a guerrilha que os comunistas esqueceram. São Paulo: Expressão Popular,

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Quando tal proposta chega à região aqui estudada, a diversidade de conflitos jurídicos a respeito da posse das terras, que já era de conhecimento das autoridades, acaba se tornando um empecilho para que tal política de ocupação de terras seja realizada. Portanto, para que tal perspectiva obtivesse sucesso, era necessário resolver tais imbróglios. E foi justamente isso o que ocorreu.

OS PRIMEIROS CONTATOS COM A “TERRA PROMETIDA”

Início dos anos de 1940. Após detalhado levantamento realizado durante os primeiros anos de governo do então Interventor Manoel Ribas a respeito de como se encontravam as terras do Norte do Paraná para que, aos poucos, fosse efetivamente posta em prática a tão aguardada Marcha para o Oeste, a região de Porecatu e adjacências é, enfim, direcionada para caminhar lado a lado a tal política varguista.

Diversas foram às famílias que deixaram suas regiões em direção à tão sonhada “terra prometida”. Abandonaram suas propriedades que não “vingavam”, deixaram de trabalhar como colonos para terceiros, almejando transformarem-se em pequenos proprietários de terra. A ideia de ocupação de tais glebas fundamentava-se, basicamente, na seguinte perspectiva:

[...] Por decreto, qualquer pessoa pode solicitar um lote de terras com 200 hectares ao preço mínimo de 18 mil-réis por hectare, sendo um pouco mais caro dependendo de sua localização e fertilidade. Atraia milhares de paulistas, mineiros e nordestinos, que vêm em busca de um lote. [...] Para adquiri-lo, basta escolher um e o requerer à Comissão Mista de Terras. Deve-se obedecer apenas uma regra: derrubar a floresta, plantar, produzir e viver na posse durante seis anos. Ao final desse período, o posseiro pode requerer o título definitivo da propriedade. O comprador do lote [...] paga de 20 a 50 mil-réis o hectare, pelas facilidades de infra-estrutura existentes como estrada e núcleo urbano próximo. O pagamento estabelece seis parcelas anuais. Com o pagamento da primeira, o comprador recebe o título provisório e com o pagamento da

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última o título definitivo, com a obrigação de manter a moradia habitual e a terra produtiva3.

Mas, para que este sonho não viesse a se tornar pesadelo, era constante a preocupação dos posseiros com a regularização de suas posses. Tanto é que, mesmo com as garantias governamentais de que, quem cumprisse com as regras estipuladas teria garantidas as suas terras em documento lavrado em cartório e reconhecido nacionalmente, a preocupação destes posseiros era algo que não os deixava em paz. O empenho para ter em mãos o reconhecimento legal de suas posses era motivado justamente pela precaução de que alguém, algum dia, pudesse vir a reivindicar o direito de tais terras4. Fato este que não demorou para acontecer, principalmente por parte de fazendeiros interessados em aumentar suas propriedades ou adquirir grandes extensões de terras.

Assim, no intuito de defesas das terras que consideravam como suas por direito, as famílias de posseiros organizaram-se no que hoje é considerado como uma das primeiras organizações de camponeses no Brasil, no claro intuito de defesa das terras que desmataram, prepararam e produziram e que, portanto, acreditavam ter por elas o direito a legalização, conforme fora proposto anos antes pelo governo de Vargas e posto em prática, no Paraná, pelo seu Interventor Manoel Ribas.

Resistir contra as investidas de fazendeiros que, inescrupulosamente, contratavam jagunços para aterrorizar as famílias de posseiros em suas moradias, era agora a medida tomada em comum acordo contra as “visitas” destes homens que, adentrando nas posses, destruíam plantações, matavam animais, humilhavam seus moradores e exigiam que assinassem acordos baseados em insignificantes compensações financeiras, quando não expulsavam homens, mulheres e crianças sem qualquer cerimônia.

Em meio a este contexto descrito até o momento é que o PCB, através primeiramente de lideranças regionais, se aproxima dessas famílias até então desamparadas de qualquer apoio vindo de fora de suas cercanias. Se até

3 OIKAWA, Op. Cit., p. 51.

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meados dos anos de 1940 o desinteresse por parte do alto escalão do Partido frente às massas camponesas era a premissa que imperava, neste momento podemos perceber a aproximação de militantes na ajuda para com as famílias5.

A APROXIMAÇÃO DO PCB COM OS POSSEIROS DA REGIÃO DE PORECATU Se em maio de 1947 o PCB era, mais uma vez, impelido à ilegalidade, obrigado a rever uma política conciliatória que vinha então pondo em prática na vida política brasileira, nos arredores de Porecatu a paciência dos posseiros em reivindicar, através de vias pacíficas, o direito a suas posses estava, pouco a pouco, esvaindo-se. A possibilidade concreta da perda de suas posses e o constante desgaste de, a todo o momento, ter de se mobilizar contra invasões que se tornaram uma constante, potencializavam um sentimento de luta que, a cada dia que se passava, aumentava mais e mais.

A união e solidariedade em que se amparavam (exemplo disso é o apoio mutuo em torno das Ligas Camponesas) eram ingredientes que não estavam surtindo o efeito desejado. Ainda mais quando, no início de 1947, após quase dois anos do final do mandato de Manoel Ribas e inconstantes posses de interventores que se sucederam durante este período (no total, foram quatro: Clotário de Macedo Portugal, Brasil Pinheiro Machado, Mário Gomes da Silva e Antonio Augusto de Carvalho Chaves), Moisés Lupion torna-se governador do Paraná. A posse de Lupion chegou para inflamar ainda mais os ânimos de todos, pois acirrou a discórdia e as disputas pelas terras ao favorecer descaradamente agiotas e escancarar, de vez, as portas para a corrupção.

Da noite para o dia, terras que estavam sendo utilizadas pelos posseiros há anos (seguindo os moldes propostos pela Marcha pra o Oeste) eram negociadas por pessoas ligadas diretamente a Lupion que, “misteriosamente”, forjavam documentos referentes às glebas da região de Porecatu, vendendo-as

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ilegalmente logo em seguida6. Os que adquiriam uma quantidade significativa de terras não tardavam para

[...] fazer valer seus direitos, pois, afinal, tinham documentos oficiais teoricamente mais valiosos que os dos posseiros. Outros compravam os lotes sabendo da situação, mas apostavam na influência e no poder de dissuasão da Polícia. E foram estes que incentivaram a ação policial no Norte do Paraná7.

Em meio a estas situações, os posseiros de Porecatu lutavam como podiam para impedir as investidas que vinham sofrendo e que, a cada dia que se passava, só aumentava. De forma desorganizada, atentavam contra quem tentasse retirá-los de suas terras, sejam fazendeiros, jagunços, até mesmo a polícia. Para isso, utilizavam-se das armas de que dispunham, que não passavam de seus próprios instrumentos de trabalhos. Não havia comandos disciplinadores, estratégias elaboradas, decisões tomadas no coletivo. Nada, somente o forte desejo de luta. Ao longo de todo o ano de 1948, vários foram os acordos que inúmeras famílias de posseiros eram obrigadas a assinar, sempre os prejudicando e, claro, beneficiando algum compadrio político de Lupion. Várias são também as intimações que estes posseiros recebiam, sempre os obrigando a deixar suas posses. O cerco a eles estava se fechando. Era necessário agir, e agir o mais rápido possível!

E assim, buscando a defesa das terras que consideravam como suas por direito, os posseiros se aliam ao PCB. Assim, uma das uma primeiras estratégias posta em prática foi a realização de duas frentes de resistência, sendo a primeira armada, envolta em uma disciplina rigorosa e um comando forte, consistente, e a segunda “[...] composta por algumas centenas de camponeses, nas posses e nas fazendas, além de uma frente de solidariedade e ajuda mútua, nas cidades8”.

Com a aproximação entre posseiros e PCB, militantes do Partidão foram enviados a região de Porecatu e embrenharam-se mata adentro, tendo como

6 FELISMINO, 14 de julho de 1985. 7 FELISMINO, 14 de julho de 1985. 8 PRIORI, Op. Cit., p. 223.

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tarefa “[...] realizar levantamento geográfico, conhecer os rios, ribeirões, picadas e estabelecer os locais estratégicos para a montagem dos acampamentos de operação9”.

Após meses de intensos embates os posseiros foram, aos poucos, ficando cada vez mais encurralados. E, dessa forma, dia após dia, diversos foram os posseiros que debandaram e simplesmente abandonaram tudo e fugiram com medo de represarias mais fortes. Aos poucos, a luta foi perdendo força. Até que, na noite do dia 17 de junho de 1951, após uma verdadeira caçada por Londrina, policiais conseguem localizar e prender algumas importantes lideranças do PCB. A partir da prisão de praticamente todos os que organizaram as estratégias de luta, concomitantemente as deserções que a cada dia só aumentava, a luta vai, assim, entrando em um processo irreversível de decadência.

REVOLTA, GUERRILHA OU GUERRA? OS VÁRIOS OLHARES

Assim, após tantos anos do final destes conflitos que marcaram a história do Norte do Paraná, alguns questionamentos ainda persistem. ainda hoje é difícil encontrar um consenso para se referir a este evento. Teria sido ele uma guerra? Os posseiros e militantes podem ser considerados guerrilheiros em mata paranaense? Teriam eles apenas se revoltado contra a invasão de suas posses por parte de grileiros, jagunços e fazendeiros? Ou tudo não passou de uma disputa por terras neste rincão brasileiro entre os que têm e os que não têm influência política?

Para o historiador Angelo Priori, definitivamente não foi uma guerrilha o que ocorreu em terras do norte paranaense. Por mais que as características deste evento se assemelhem às peculiaridades e técnicas empreendidas em um movimento guerrilheiro, “[...] esta claro que o que ocorreu na região de Porecatu não se tratou de uma guerrilha10”.

Priori faz questão de frisar que, para que um movimento possa ser reconhecido como guerrilha, algumas características se fazem essenciais: a

9 FELISMINO, 16 de julho de 1985. 10 PRIORI, Op. Cit., p. 37.

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perspectiva em mente da derrubada do poder governamental vigente e a consequente tomada do poder por parte dos guerrilheiros; e a luta tornar-se nacionalmente conhecida.

[...] um movimento guerrilheiro sempre tem um objetivo maior: a derrubada de um governante ou de um regime e, conseqüentemente, a tomada do poder. A possibilidade de vitória, no entanto, é ínfima. E para isso ela deve ganhar uma dimensão nacional, ou pelo menos, ter presença em regiões estratégicas dentro dos países11.

No caso de Porecatu, a ideia de tomada do poder não era uma preocupação que afligia, ao menos, as famílias de posseiros. Para estes, bastava resolver as questões referentes à terra que o conflito estaria resolvido. Em outras palavras, ter o direito às posses legalmente era a perspectiva que movia os interesses daqueles que lutaram pelas suas terras.

Já o sociólogo Osvaldo Heller da Silva faz questão de destacar que, em sua opinião, guerrilha seria a terminologia mais adequada a se empregar para classificar tais acontecimentos, e o emprego da nomenclatura guerra para caracterizar tal evento seria algo assim desproporcional12. Para o sociólogo, portanto, não há dúvidas acerca de como se referir a estes embates:

Os raros pesquisadores que mencionaram esses acontecimentos – sem analisá-los em profundidade – preferiram referir-se à “guerrilha” de Porecatu. Pensamos que essa definição seja a mais adequada, pois falar em “guerra” seria desproporcional. [...] não se pode falar [sequer] de uma revolta ou de uma rebelião camponesa. É preciso dar nome aos bois: chame-se o conflito de Porecatu de guerrilha e seus combatentes de guerrilheiros13.

11 PRIORI, Op. Cit., p. 38. 12 SILVA, Op. Cit., p. 110. 13 SILVA, Op. Cit., p. 110-111.

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Silva vai mais além, considerando que

[...] Porecatu ficou igualmente marcada como a primeira e única tentativa de guerrilha camponesa que foi levada a cabo no território nacional pelo Partido Comunista durante toda sua existência. [...] A guerrilha de Porecatu fica, portanto, como um momento forte da história social do Paraná14.

Já no que diz respeito ao jornalismo, as fontes utilizadas para este trabalho expõem pontos de vistas antagônicos a respeito da nomenclatura a se utilizar para se referir ao conflito aqui analisado.

Pedro Paulo Felismino realizou uma série de reportagens e as publicou no jornal Folha de Londrina em meados dos anos de 1980 com o nome “A

Guerra de Porecatu: a história do movimento armado pela posse da terra que sacudiu o Norte do Paraná nas décadas de 40 e 50”. A justificativa de Felismino pela

utilização da palavra “Guerra” (assim mesmo, com letra maiúscula e entre aspas) se deve ao fato desta ter sido utilizada por aqueles que participaram e vivenciaram o conflito, e é “[...] exatamente por isso que o conflito merece um nome dos mais adequados, pois brotou da própria gente que o presenciava ou dele participava de corpo e alma: ‘Guerra de Porecatu’15”.

Guerrilha chega a ser mencionado por Felismino, justificando que talvez “[...] pela ausência de informações fecundas sobre o episódio, predominou o título de ‘Guerrilha de Porecatu’16”. Enfatiza que, para ele, pouco importa a utilização de um ou de outro termo; mas, fato é que, ao longo de todo seu texto, o uso da palavra “guerra” é o conceito presente em boa parte de sua narrativa jornalística.

Leonêncio Nossa e Celso Júnior, no caderno especial do jornal O Estado de São Paulo, publicado no dia 19 de dezembro de 2010, utilizam-se dos três conceitos até aqui tratados: começam falando sobre os conflitos referindo-se a

14 SILVA, Op. Cit., p. 115.

15 FELISMINO, 14 de julho de 1985. 16 FELISMINO, 14 de julho de 1985.

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ele como “guerrilha”, nomeiam o título da reportagem como “guerra”, mas, ao longo de todo o texto, referem-se a ele também como “revolta”.

De início, até como forma de contextualização, destacam que o que ocorreu em terras do norte paranaense foi uma guerrilha, com a participação direta do Partido Comunista Brasileiro (PCB) já em sua fase final.

[...] a guerrilha moderna no Brasil teve origens caboclas. Na região entre os Rios Paranapanema e Centenário, no norte do Paraná, divisa com São Paulo, eclodiu um movimento de posseiros ou “posseantes” que usava práticas da guerrilha no conceito que se popularizou durante a Guerra Fria – as mesmas que constavam de manuais produzidos no Leste Europeu, na China e na Rússia, adotados mais tarde por partidos de esquerda17.

Como título desta reportagem, nomeiam-na de “Guerra do Quebra-Milho”. Não tratam de forma explícita sobre o assunto, mas o que dá a entender é que a utilização do conceito guerra talvez se dê justamente pelo fato (assim como a justificativa de Felismino) de algumas pessoas da região de Porecatu, ao serem entrevistadas pelos jornalistas, relembrarem assim estes acontecimentos. Sobre a utilização do nome revolta, podemos utilizar a título de exemplo um trecho da reportagem em que relatam a quantidade de famílias que estavam envolvidas nesta disputa, e o local onde se deu o foco do conflito armado:

[...] viviam na região de conflito cerca de 1.500 famílias de posseiros. A relação completa dessas famílias, feita pelo Dops, foi encontrada pelo Estado no Arquivo Público do Paraná. [...] O foco da revolta era a Vila Progresso, então município de Porecatu, que hoje é um povoado quase abandonado de Centenário do Sul18.

Na reportagem realizada pelos jornalistas Nossa e Júnior, não parece ser a preocupação de ambos classificar, em definitivo, este conflito. As nomenclaturas utilizadas (guerrilha, guerra, revolta) permeiam boa parte da narrativa jornalística, conforme a necessidade do texto.

17 NOSSA & JÚNIOR, Op. Cit., p. 14. 18 NOSSA & JÚNIOR, Op. Cit., p. 14.

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Oikawa, em seu livro lançado no ano de 2011 intitulado “Porecatu: a

guerrilha que os comunistas esqueceram”, já no título faz menção à nomenclatura

“guerrilha”, inclusive destacando o fato de esta ter sido esquecida pelo PCB. Ao longo de sua narrativa, elabora capítulos em que remete constantemente à terminologia guerrilha, utilizando nomes como “A preparação e o início da guerrilha”,

“No diário da guerrilha” e “A guerrilha tem novo chefe”. Mas é no capítulo “Foi guerrilha?” que faz um resumo sobre as principais metodologias investigativas que

tratam deste evento.

Neste capítulo, atenta-se para as divergências existentes entre a história e a sociologia no tocante a nomenclatura a se utilizar para se referir a este conflito.

Curioso notar que a definição do caráter de luta armada de Porecatu dividiu-se em opiniões divergentes entre historiadores e sociólogos. Como indica Angelo Priori, um historiador, os trabalhos do campo da história ou não se preocupam em formar uma definição ou lhe atribui a definição de revolta. [...] Já os sociólogos, como no caso de Osvaldo Heller de Souza e outros autores como Clodomir dos Santos Morais, José de Souza Martins, Porecatu foi guerrilha19.

Assim, analisando os apontamentos sobre como Oikawa trata em seu livro em relação às definições utilizadas pelas mais diversas metodologias investigativas, podemos compreender a opção feita pelo autor pela utilização de guerrilha lendo o final deste capítulo, onde encerra com o seguinte argumento:

[...] se recorrermos às definições em dicionários, vamos encontrar grande identidade entre o que se define nos livros como guerrilha e o que aconteceu em Porecatu. [...] O termo, guerrilha, deriva do espanhol “guerrilla”, ou seja, pequena guerra. É um tipo de guerra não convencional em que o principal estratagema é a ocultação e a extrema mobilidade dos combatentes, chamados guerrilheiros. [...] A idéia é a de que, em situação de grande inferioridade de meios, procura-se sobreviver

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recusando combate direto e empregando uma tática de fustigamento para manter aceso o conflito. É uma tática velha como o mundo, esquecida e reaprendida a cada geração20.

Em relação aos que participaram dos embates aqui narrados, comecemos relatando a opinião de Manoel Jacinto Correia. Primeiro vereador comunista eleito pela cidade de Londrina em finais dos anos de 1940 (foi um dos principais elementos de ligação entre posseiros e os militantes do partido), esta respeitável testemunha refuta a hipótese de designar os conflitos pela terra na região de Porecatu como sendo uma ação guerrilheira ou algo do gênero.

No desenvolvimento daquela luta, as próprias pessoas que a dirigiam, que a desencadearam e participaram, sentiam dificuldade em caracterizá-la. O Exército da salvação não era, porque os posseiros não tinham o objetivo de tomar o poder no Brasil. Guerrilheiros não eram, porque não combatiam na retaguarda de nenhum Exército em luta com objetivos maiores. De sorte que a sua caracterização, se própria ou imprópria, é de que se tratava de um grupo armado em defesa dos posseiros21.

Conforme podemos perceber na citação acima, Correia salienta que os embates que marcaram o Norte do Paraná não podem ser vistos como um movimento pautado em táticas de guerrilha, e que também os posseiros não podem ser considerados como guerrilheiros, afinal, como podemos perceber na citação abaixo, para o “velho Mané” (como era conhecido Manoel Jacinto Correia) o interesse desses homens não era a tomada do poder via luta armada (uma das principais características apontadas por Priori para que uma luta possa ser considerada como um movimento guerrilheiro), mas sim garantir a segurança necessária para trabalhar em suas terras e conseguir, de forma definitiva, a regularização de suas posses.

[...] A polícia estava num canto e o Juiz de Direito no outro. Todos trabalhando juntos para expulsar os

20 OIKAWA, Op. Cit., p. 319.

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trabalhadores de suas posses. Portanto, eles não tinham mais a quem apelar e com isso surgiu a necessidade de se lutar, de se organizar a resistência, não com o objetivo de mudar o regime, nem de tomar o poder, mas sim de conquistar, de se manter as posses ameaçadas pela reação22.

Já para João Saldanha, figura de destaque e que anos mais tarde ficou nacionalmente conhecido por ter, como técnico, levado o Brasil a conseguir a classificação para a Copa do Mundo de 1970 (depois substituído por Zagalo), tais acontecimentos não poderiam ser considerados como guerra, revolta ou sequer guerrilha. Para ele, o que ouve foi uma disputa por terra entre pequenos e grandes grileiros23. Para justificar esta opinião, dá a seguinte declaração:

O que garante a posse é o grilo. Portanto, os posseiros eram grileiros. Assim, a luta foi ilegal dos dois lados, já que a terra disputada era do Estado. [...] Mas o que é necessário compreender sempre é que a luta de Porecatu não foi deflagrada como um movimento revolucionário. Foi deflagrada, sim, como um movimento de luta feroz pela posse da terra24.

Para Saldanha, portanto, a utilização de qualquer um destes termos é algo descabido, assim como querer caracterizar, como queriam fazer alguns comunistas da época, tais embates pela terra como um movimento revolucionário. Para este personagem, querer caracterizar tal movimento como revolucionário, como se os posseiros almejassem, em determinado momento de suas reivindicações, a tomada do poder via luta armada, é algo que não tem qualquer cabimento. Considera, inclusive, que a luta em si, quando da chegada do PCB à região, já tinha acabado25.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com vistas em tais preceitos foi que optamos por apresentar ao leitor a seguinte perspectiva: tais conflitos não se restringem apenas aos eventos aqui

22 Depoimento de Manoel Jacinto Correia a FELISMINO, 26 de julho de 1985. 23 FELISMINO, 25 de julho de 1985.

24 Depoimento de João Saldanha a FELISMINO, 25 de julho de 1985. 25 Depoimento de João Saldanha a FELISMINO, 25 de julho de 1985.

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narrados. Ocupa também um espaço significativo em torno dos estudos realizados a seu respeito. E realizar um levantamento acerca das nomenclaturas que envolvem estudar tais embates faz transparecer o conflito existente entre esses diversos campos que continuam se empenhando em buscar informações das mais diversas sobre estes acontecimentos. É por isso que, ao longo destas páginas, é constante encontrar palavras como conflito, disputa ou embate. São palavras com significados muito similares, e que podem muito bem ser empregadas, sem com isso desconsiderar o posicionamento escolhido por este ou aquele campo investigativo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

FELISMINO, Pedro Paulo. A Guerra de Porecatu: a história do movimento armado

pela posse da terra que sacudiu o Norte do Paraná nas décadas de 40 e 50. Folha de Londrina, 14-28 de julho de 1985.

NOSSA, Leonencio & JÚNIOR, Celso. Guerra do Quebra-Milho. In Guerras Desconhecidas do Brasil. O Estado de São Paulo, 19 dez 2010, p. 14-15.

OIKAWA, Marcelo Eiji. Porecatu: a guerrilha que os comunistas esqueceram. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

PRIORI, Ângelo Aparecido. A revolta camponesa de Porecatu: a luta pela defesa da

terra camponesa e a atuação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no campo (1942-1952). Maringá. Tese (Doutorado em História Social) Universidade Estadual

de Maringá, 2000.

SILVA, Osvaldo Heller da. Guerrilha de Porecatu: o evento fundador do Partido

Referências

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