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MULHERES, ESCRITA & RESISTÊNCIA

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Vol. 02, N. 01, Jan. - Mar., 2019 · www.revistas.unilab.edu.br/index.php/rebeh 247

TESSITURAS ARTÍSTICAS

MULHERES, ESCRITA & RESISTÊNCIA

Kamilly Barros1

A mulher que fala: exibicionista, espalhafatosa, “pra frente”, “tá querendo”. A mulher que fala alto: descontrolada, exagerada, desequilibrada, “tá precisando”. A mulher que si fala: egocêntrica, alienada, histérica. A mulher que fala por si, por e para outras: bruxa, subversiva, terrorista, perigosa. A mulher que escreve (de si e de outras, para si e para outras): deprimida, esquizofrênica, autista, bipolar, suicida.

Para nós, então, o que foi reservado? O que nos cabe, o que podemos?

O mundo nos quer silentes, enclausuradas. Não há lugar para nós, nos recusam qualquer poder, negam nossa potência. Às mulheres, silêncio e vazio. Calma. Anestesia. Ou dor mesmo _ e que seja doce, abnegada, silenciosamente enfrentada (“seus gritos perturbam as outras”, ouvimos).

A mulher que aciona no seu próprio corpo, singular, uma natureza coletiva e ancestral; a que fala, grita, chama e congrega, é um acinte, um desvio necessitado de “corretivo”.

Somos rebeldes. Não aceitamos o enquadramento, o diagnóstico, o sintoma, a medicalização do desejo de ser e de ser ouvida. Não aceitamos a identificação da liberdade com a loucura. Nossa arte não é só êxtase _ é também pensamento e trabalho. Há uma voz, há vozes em nós. E há muito a dizer: do passado, o que ainda não foi dito (e sufoca); do futuro, o que ainda vai ser inventado; do presente, nossa ação e resistência cotidianas. Porque uma mulher falando move o mundo. O seu e o de outras.

Esses poemas, escritos entre março de 2017 e março de 2019, foram feitos com esse desejo, essa certeza, dentro do coração. Quero falar, falar alto, falar junto. Eu, Kamilly Barros, poeta. Mais uma mulher do Brasil.

1 Doutoranda e Mestre em História pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal

de Goiás – UFG.

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Menomátria

Mulher

: esse país fora do mapa. Esse lugar de espera e de ciclo, de chão manchado de sangue.

Dizem desse sangue: “sujo! insignificante!” Mentem.

Esse sangue é imaculado.

É néctar de deusas, iguaria refinada, matéria-prima de vida e memória, signo de poder e de dor valiosa.

Desse lugar dizem: “beleza, maravilha! próprio para a conquista! sítio-alvo, sítio-prêmio-para-o-apto.”

Mentem.

Essa paisagem _ vales, picos, grutas, nascentes _ não existe para ser

violada saqueada devastada difamada.

Não é canto de exílio e nem serve à dominação. Aqui só reina a violência da vontade,

da força de parir sonho e natureza. Aqui nascem os segredos indomáveis... Nesse solo chicote e mordaça não pisam, cabresto não vinga.

Esse país é livre. Rubro-livre!

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Almoço de domingo

Para Matilde Campilho

a fome (do Mal) grassa.

e junto com essa fome o medo a violência a injustiça o preconceito o cinismo a ignorância a covardia,

todos sócios & associados _ o país virado em “é pra levar”. essa fome (Corporation TM, ltda, s/a etc)

encontra abrigo, todos os dias, dentro de nós

: parasita-hóspede, inquilina que suga. ela vem em Prato Feito de sangue, em PM,

em milícia, em bala,

de aço e de borracha. ela vem também em sede de envenenar rios.

Ela vem roncando pra capturar e fagocitar,

expelindo ácidos que corroem a arte, a ciência e a beleza. ela vem num menu assim:

• uma travesti com o coração arrancado • uma menina-índia raptada

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• um bebê-fêmea atingido na cabeça • uma guerreira negra alvejada na cabeça

(porque miram no cérebro das mulheres, seja com armas ou gaslighting). de sobremesa, nos empurram goela abaixo a culpa da vítima.

nos põem overweight de um enorme vazio e anoréxicos do que alimenta,

inapetentes para as iguarias da vida, esquálidos para suster e resistir. Pois não engulo.

regurgito, lanço

e meu refluxo é de hiato, vazante.

“no, thanks” para essa fome _ sôfrega, hiperfágica. nem comensalismo eu quero.

eu quero é a fome sarada!

quero abocar, codear, devorar, galdir, lambiscar, rangar! quero conviva, slow food, fazer o quilo _ digestivo. quero papilas gostosas & gustativas,

quero expoká, full. eu quero a Outra Fome. a fome da alegria guerrilheira, a (boa) fome que o amor me faz.

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“Alterizando”

Ao vivo com Hannah, Judith e Angela

“PÁRIAS!”, nos dizem.

E nos fazem emblema de precariedade herdeiras de uma maldição de nascença desviantes

encarceradas em nossos corpos. Mas acontece

que nossas diferenças nos unem.

Porque politicamente seguimos é princípio prático: aprendemos a identidade pelo reconhecimento (dA OutrA).

Acontece que estamos

em enquadramento de coligação. Em todos os planos.

Não queremos ser castas nem retas. Queremos nos mover

e mover o mundo. Circularmente.

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Modéstia, essa variante do Tropo OU A ironia é política amaldiçoados sejam os que nasceram com o pé na senzala e carregam um nariz aristocrático,

os que vestem andrajos com ares de “your ladyship”. amaldiçoados sejam os insolentes

os atrevidos os briosos

os que não sabem o seu lugar. amaldiçoados sejam os que acham (procurando ou não).

amaldiçoados sejam os que afirmam os que negam

os que estão nas pontas. condenados sejam. ao limbo

ao exílio ao silêncio ao esquecimento.

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“Poetisa”

I

“Poesia de Mulher” não se escreve com útero

com buceta com mama

“Poesia de Mulher” se escreve é só com peito mesmo (e fala do que quiser)

“Poesia de Mulher” é cabeça de Hidra : se mata uma, vem duas no lugar. II

“Poesia de Mulher” não é feita para O que agride ou O que faz gozar. ela é reflexo. {A}utofricção.

III

“Poesia de Mulher” é feita de palavras. Palavras sem sexo, sem gênero, sem orientação.

Recebido em: 20/02/2019 Aceito em: 03/04/2019

Referências

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