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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 94.332 - SC (2018/0017702-2)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

RECORRENTE : ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DE SANTA CATARINA - OAB/SC

ADVOGADOS : ALCEU DE OLIVEIRA PINTO JÚNIOR - SC008845

MARCO AURELIO RODRIGUES MARTINS E OUTRO(S) - SC032368

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

PACIENTE : JULIANA DE OLIVEIRA ANDRADE

DECISÃO

Trata-se de recurso em habeas corpus interposto por JULIANA DE OLIVEIRA ANDRADE, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

Consta dos autos que a recorrente foi denunciada, em concurso com outros 7 corréus, como incursa no art. 89 da Lei 8.666/1993. Irresignada, a defesa impetrou prévio mandamus , pugnando pelo trancamento da ação penal por ausência de justa causa. Contudo, a ordem foi denegada, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 1.080):

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PACIENTE DENUNCIADA PELA PRÁTICA, EM TESE, DO CRIME DE DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. ART. 89, CAPUT, DA LEI 8.666/93. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O OFERECIMENTO E RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PREENCHIDOS. ADVOGADA QUE, NA CONDIÇÃO

DE ASSESSORA JURÍDICA DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, EMITE PARECER FAVORÁVEL À DISPENSA DE LICITAÇÃO. CONDUTA TÍPICA.

IMUNIDADE PROFISSIONAL QUE NÃO AFASTA, POR SI SÓ, A SUPOSTA INTENÇÃO DO AGENTE. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA PARA AFERIR O DOLO DA CONDUTA PERPETRADA. ORDEM DENEGADA.

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apenas por ter ofertado parecer, sem que a acusação tenha se desincumbido de demonstrar que tenha agido como dolo.

Ademais, afirma que não é relatado nexo causal entre sua conduta e eventual dano ao erário. Assevera, assim, que "a denúncia restringe-se a tipificar a emissão de parecer "favorável" pela dispensa de procedimentos licitatórios, posteriormente considerado ilegal pelo Ministério Público, como crime".

Alude, outrossim, que a dispensa de licitação já estava homologada quando da elaboração do parecer, o que revela a ausência de liame entre o parecer e a dispensa efetivada. Dessarte, conclui que a inicial é inepta e carente de justa causa, criminalizando "o exercício regular da profissão, o que não se admite".

Pugna, inclusive liminarmente, pelo trancamento da ação penal.

A liminar foi indeferida, às e-STJ fls. 1.145/1.148, pelo Ministro Humberto Martins, Vice-Presidente no exercício da Presidência. Às e-STJ fls. 1.155/1.182, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB requereu seu ingresso como assistente do recorrente, o que foi indeferido às e-STJ fls. 1.185/1.189. Por fim, o Ministério Público Federal manifestou-se, às e-STJ fls. 1.191/1.194, pelo provimento do recurso, nos seguintes termos:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DISPENSA DE LICITAÇÃO. ARTIGO 89, DA LEI Nº 8.666/1993. DENÚNCIA QUE IMPUTA À PACIENTE REFERIDA PRATICA DELITUOSA, TENDO EM VISTA, TÃO SOMENTE, A EMISSÃO DE PARECER FAVORÁVEL, NA CONDIÇÃO DE ASSESSORA JURÍDICA DE AUTARQUIA MUNICIPAL. INÉPCIA DA EXORDIAL ACUSATÓRIA CONFIGURADA. Pelo provimento do recurso para que seja trancada a ação penal em curso, apenas em relação à mencionada ré, ressalvada a possibilidade de oferecimento de nova denúncia, adequada às exigências da lei processual em vigor.

É o relatório.

Como é cediço, o trancamento da ação penal, na via estreita do habeas

corpus , somente é possível em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a

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punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou prova da materialidade do delito.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que "o trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de

habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada,

inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito" (RHC n. 43.659/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 04/12/2014, DJe 15/12/2014).

Não se admite, por essa razão, na maior parte das vezes, a apreciação de alegações fundadas na ausência de dolo na conduta do agente ou de inexistência de indícios de autoria e materialidade em sede mandamental, pois tais constatações dependem, via de regra, da análise pormenorizada dos fatos, ensejando revolvimento de provas incompatível, como referido alhures, com o rito sumário do mandamus .

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL. SONEGAÇÃO FISCAL. PIC NO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRANCAMENTO. ATIPICIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO. HABEAS CORPUS. VIA INADEQUADA. 1. O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento de PIC - Procedimento de Investigação Criminal no Ministério Público, por conduta, em tese, tida como sonegação fiscal, à guisa de ausência de tipicidade (dolo), não relevada, primo oculi. 2. Intento, em tal caso, que demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com a via restrita do writ. 3. Impetração não conhecida. (HC 342.272/BA, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016).

No caso dos autos, a recorrente aponta a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para a ação penal, haja vista estar sendo processada apenas pela emissão de parecer, sem que se tenha demonstrado seu dolo. Dessa forma, mister se faz a transcrição da denúncia, a fim de aferir a tipicidade da conduta bem como a existência ou não de justa causa (e-STJ fls. 32/34):

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No dia 16 de dezembro de 2010, em endereço não determinado, nesta Comarca, Átila Rocha dos Santos, na qualidade de Superintendente do IPUF, por meio de assinatura no Termo de Dispensa de Licitação n. 005/IPUF/2010 (fls.125/135); Juliana de Oliveira Andrade, na qualidade de consultora jurídica do IPUF, por meio de parecer favorável ao mencionado Termo de Dispensa de Licitação (fls. 121/124); Francisco Pereira, na qualidade de Superintendente Adjunto do IPUF, por meio de autorização para contratação de empresa sem o devido processo licitatório (fl. 153); e Jurandir Ascendino da Cunha, na qualidade de Chefe Financeiro e Contábil do IPUF, por meio de aprovação da nota de empenho da dispensa n. 74/11 (fl. 112), em comunhão de desígnios e unidade de esforços, dispensaram licitação fora das hipóteses previstas em lei, salientando-se que Dário Elias Berqer, na qualidade de Prefeito Municipal, dispensou licitação fora das hipóteses previstas em lei e realizou serviço sem estabelecer o devido processo de concorrência exigido em lei, por meio de sua autorização para contratação de empresa sem o devido processo licitatório (fl. 153).

Ressalta-se que os Denunciados, mesmo cientes da existência do certame de Concorrência Pública n. 506/SMAP/DLC/2009 em aberto para contratação de empresa responsável pela execução dos mesmos serviços – o qual estava sob análise do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (vide relatório às fls. 70/89) - dispensaram licitação indevidamente, de maneira dolosa, por meio da homologação do Termo de Dispensa de Licitação n. 005/IPUF/2010 (fls. 136/142), tendo por base o art. 24, IV, da Lei 8666/93, e contrataram indevidamente a empresa a ENGEBRAS S/A para execução dos serviços de instalação, operação e manutenção de equipamentos de sensoriamento para controle de infrações de trânsito, pelo valor total de 1.590.000,00 (um milhão e quinhentos e noventa mil reais) - fl. 138.

Salienta-se que as justificativas usadas pelos Réus para a dispensa da licitação não encontram amparo legal, pois não se tratava de nenhuma das hipóteses previstas no art. 24, IV, da Lei 8666/93, que se aplicam unicamente em caso de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situações que possam ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços e equipamentos, situações estas ausentes no presente caso, portanto, concorreram os Ex-gestores do Município para a prática de ato ilegal.

Na mesma data e local, os denunciados José Afonso Ribeiro, Rodolfo Valentino Imbimbo e Reqinaldo Maurício Rocha, na qualidade de representantes da empresa ENGEBRAS S/A, ao participarem da realização do Termo de Dispensa de Licitação n. 005/IPUF/2010 (fls. 136/142), que habilitou a referida empresa para fins de contratação emergencial, participaram dolosamente da consumação da contratação ilegal, em comunhão de desígnios e unidade de esforços,

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beneficiando-se da dispensa de licitação indevida, para celebrar contrato com o Poder Público.

O Tribunal de origem, por seu turno, consignou que "a acusação atende aos requisitos mínimos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal, à deflagração da ação penal, bem assim para o pleno exercício de defesa, mormente porque a materialidade e os indícios de autoria, em princípio, estão configurados, dependendo, obviamente, da instrução à sua confirmação final" (e-STJ fl. 1.085). No mais, encampou entendimento apresentado pelo Magistrado de origem, no sentido da desnecessidade de se descrever na inicial acusatória o dolo específico e o dano ao erário.

Dessa forma, revela-se manifesta a inépcia da inicial acusatória. Com efeito, a denúncia apenas imputa à recorrente a conduta de emitir parecer favorável, na qualidade de consultora jurídica do IPUF, sem trazer nenhuma circunstância que a vincule, subjetivamente, ao propósito delitivo.

Tal deficiência, à evidência, prejudica o exercício da defesa, porquanto emitir pareceres faz parte da rotina de um advogado de ente público em âmbito administrativo, de forma que a descrição desse ato, por si só, não é suficiente para a configuração do crime imputado à recorrente, o que revela, de forma patente e manifesta, a inépcia da exordial com relação à recorrente.

Nesse sentido, são inúmeros os precedentes desta Corte:

HABEAS CORPUS. QUESTÃO PRELIMINAR. PEDIDO DE ASSISTÊNCIA FORMULADO PELO CONSELHO FEDERAL DA OAB. INDEFERIMENTO. MÉRITO DA IMPETRAÇÃO. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CRIME DE DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO ESPECÍFICO DE LESAR O PATRIMÔNIO PÚBLICO. DENÚNCIA QUE APENAS AFIRMA QUE OS PACIENTES EMITIRAM PARECER NO PROCEDIMENTO QUE CULMINOU NA DISPENSA DE LICITAÇÃO. INÉPCIA DA INICIAL RECONHECIDA.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.

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PACIENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. A pretendida intervenção, em sede de habeas corpus, seja na qualidade de assistente ou de amicus curiae, além de não possuir amparo legal, é refutada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Assim, não obstante a impetração tenha por escopo o trancamento da ação penal em relação a dois advogados inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, por ter sido formulado em sede de habeas corpus, a hipótese é de indeferimento do pedido de ingresso do Conselho Federal da OAB na qualidade de assistente dos pacientes. 2. É assente a jurisprudência desta Corte no sentido de que o trancamento de ação penal em sede de habeas corpus constitui medida excepcional, somente admitida quando restar demonstrado, sem a necessidade de exame do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, a inexistência de indícios da autoria ou prova da materialidade delitiva, ou ainda, a inépcia da exordial acusatória. 3. Não obstante a ausência de disposição legal expressa, a jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o tipo penal inscrito no art. 89 da Lei 8.666/1993 exige "o prejuízo ao erário e a finalidade específica de favorecimento indevido como necessários à adequação típica - INQ 2.616, relator min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 29.5.2014" (AP 683/MA, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe 06/3/2017). Dessa forma, a denúncia deve especificar, ao menos de forma sucinta, atos ou circunstâncias concretas que denotem a intenção dos agentes em elidir o procedimento licitatório em prejuízo do erário. 4. Hipótese em que a exordial acusatória, embora descreva a sucessão de atos que culminaram na dispensa de licitação, no que toca aos pacientes, apenas aponta que eles emitiram pareceres na qualidade de Procurador-Geral e Consultor Jurídico municipal, sem nenhuma circunstância que os vinculem, subjetivamente, ao propósito delitivo, revelando-se inepta a denúncia. 5. Em denúncia similar à presente, em outra ação penal proposta contra os mesmos pacientes, decorrente de outro contrato com suposta dispensa irregular de licitação, a Sexta Turma desta Corte determinou o trancamento da ação por inépcia da denúncia (HC 377.430/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 19/12/2016). 6. Ordem de habeas corpus concedida para cassar a decisão que recebeu a denúncia, apenas em relação aos pacientes, ante o reconhecimento da inépcia da inicial acusatória, sem prejuízo de que outra seja apresentada em obediência à lei processual. (HC 377.453/RJ, da minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 05/04/2017)

RECURSO EM HABEAS CORPUS. DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL. INTENÇÃO DE LESAR O PATRIMÔNIO PÚBLICO. EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. DOLO ESPECÍFICO

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NÃO INDICADO. RECURSO PROVIDO. 1. Consoante o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, a partir da APn n. 480, para a imputação do delito previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 é necessária a demonstração do dolo específico de causar dano ao erário e a configuração do efetivo prejuízo ao patrimônio público. 2. Conforme disposto no art. 133 da Carta Magna, "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei", sendo possível sua responsabilização penal apenas se indicadas circunstâncias concretas que o vinculem, subjetivamente, ao propósito delitivo. 3. Na espécie, o Ministério Público estadual, em sua peça acusatória, imputou aos recorrentes a conduta delitiva em análise, alicerçado tão somente no desempenho tópico da função pública por eles exercida - ao elaborarem parecer acerca da possibilidade de não realização de processo licitatório - sem demonstrar a vontade de provocar lesão ao erário, tampouco a ocorrência de prejuízo. 4. Recurso provido para reconhecer a atipicidade da conduta perpetrada pelos recorrentes e trancar, ab initio, o processo movido contra ambos. (RHC 46.102/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 10/11/2016)

HABEAS CORPUS. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO (ART. 89, CAPUT, C/C O ART. 84, § 2º, DA LEI N. 8.666/1993). WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NA VIA ELEITA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA, ATIPICIDADE DA CONDUTA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PACIENTES RESPONSÁVEIS PELA EMISSÃO DO PARECER FAVORÁVEL À DISPENSA DE LICITAÇÃO. DESCRIÇÃO DO INDISPENSÁVEL NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA IMPUTADA E A OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA PENAL. AUSÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DO VÍNCULO ENTRE OS DENUNCIADOS E OS DEMAIS CORRÉUS QUE PROCEDERAM DE FORMA INDEVIDA. INEXISTÊNCIA. ÓBICE AO EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. DESCRIÇÃO DA INTENÇÃO DOS AGENTES EM LESAR O ERÁRIO E O EFETIVO PREJUÍZO. AUSÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em recentes decisões, não admitem mais a utilização do habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso próprio ou mesmo a revisão criminal, salvo em situações excepcionais. Precedentes. 2. Apesar de se ter solidificado o entendimento no sentido da impossibilidade de utilização do habeas corpus como substitutivo do recurso cabível, este Superior Tribunal analisa, com a devida atenção e caso a caso, a existência de coação manifesta à liberdade de locomoção, não tendo sido aplicado o referido

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entendimento de forma irrestrita, de modo a prejudicar eventual vítima de coação ilegal ou abuso de poder e convalidar ofensa à liberdade ambulatorial. 3. Esta Corte pacificou o entendimento de que o trancamento de ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, cabível apenas quando demonstrada, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a manifesta ausência de provas da existência do crime e de indícios de autoria. 4. No caso, o Ministério Público Federal atribuiu aos acusados a conduta de colaborar para a dispensa indevida de licitação, fora das hipóteses legais, apenas pelo fato de eles serem os Procuradores Federais responsáveis pela emissão do parecer favorável à dispensa de licitação reputada ilegal, deixando-se de se descrever o necessário nexo causal entre a conduta atribuída e a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal. 5. Sem a mínima menção à atuação ou contribuição dos acusados na empreitada criminosa, imputou-se-lhes a ocorrência do fato delituoso, consubstanciando-se exclusivamente na função exercida por eles, situação que impossibilita o exercício do contraditório e da ampla defesa. 6. Não se demonstrou também de que forma a dispensa da licitação configurou o crime previsto no art. 89 da Lei n 8.666/1993. Não ficou nítida na inicial acusatória a intenção dos agentes em lesar os cofres públicos, tampouco a ocorrência de prejuízo. Em outras palavras, não há na inicial ofertada pelo Parquet menção à ocorrência de dolo específico ou de dano ao erário. 7. Conforme entendimento pacificado nesta Corte, para a configuração do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, devem ficar demonstradas a intenção dos agentes em lesionar os cofres públicos e a existência de dano ao erário (APn n. 480/MG, Relator p/ o acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 15/6/2012). 8. Impetração não conhecida. Concessão de ordem de habeas corpus de ofício, para declarar a inépcia da inicial acusatória e, por conseguinte, a nulidade de todo o processo em relação aos pacientes, ressalvada a possibilidade de oferecimento de nova denúncia com a correta individualização das ações a eles atribuídas que efetivamente possam ter contribuído para a prática delituosa, ensejando, desse modo, o exercício da ampla defesa. (HC 233.619/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 27/06/2014)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ART. 89 DA LEI N.º 8.666/93. PROCURADORES MUNICIPAIS. SIMPLES EMISSÃO E APROVAÇÃO DE PARECER JURÍDICO OPINANDO PELA DISPENSA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. IMUNIDADE DO ADVOGADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE QUALQUER ELEMENTO INDICIÁRIO VÁLIDO. TRANCAMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. Recorrentes denunciados juntamente com outros 10 corréus como incursos no art. 89, caput, da Lei n.º 8.666/1993, pois teriam colaborado com dispensa indevida de licitação para realização de obra pública, beneficiando a empresa contratada em R$ 21.607.812,96 (vinte e um

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milhões, seiscentos e sete mil, oitocentos e doze reais e noventa e seis centavos). 2. Resta evidenciada a atipicidade das condutas dos Recorrentes, uma vez que foram denunciados apenas pela simples emissão e suposta aprovação de parecer jurídico, sem demonstração da presença de nexo de causalidade entre a conduta a eles imputada e a realização do fato típico. 3. O regular exercício da ação penal - que já traz consigo uma agressão ao status dignitatis do acusado - exige um lastro probatório mínimo para subsidiar a acusação. Não basta mera afirmação de ter havido uma conduta criminosa. A denúncia deve, ainda, apontar elementos, mínimos que sejam, capazes de respaldar o início da persecução criminal, sob pena de subversão do dever estatal em inaceitável arbítrio. Ausente o requisito indiciário do fato alegadamente criminoso, falta justa causa para a ação penal. 4. Recurso provido para trancar a ação penal em tela somente em relação aos ora Recorrentes. (RHC 39.644/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 29/10/2013)

No mais, verifico que a conclusão das instâncias ordinárias no sentido da desnecessidade de se comprovar o dolo específico bem como o dano ao erário vai de encontro ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça bem como do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, no julgamento da Ação Penal originária n. 480/MG, em 29/3/2012, a Corte Especial acolheu, por maioria, a tese de ser imprescindível a presença do dolo específico de causar dano ao erário e a demonstração do efetivo prejuízo para a tipificação do crime previsto no artigo 89 da Lei n. 8.666/1993.

A propósito, confira-se a ementa do referido julgado:

AÇÃO PENAL. EX-PREFEITA. ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. FESTA DE CARNAVAL. FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVIÇOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 89 DA Lei N. 8.666/1993. ORDENAÇÃO E EFETUAÇÃO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI. PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVIÇO PELO PARTICULAR CONTRATADO. ARTIGO 1º, INCISO V, DO DECRETO-LEI N. 201/1967 C/C OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N. 4.320/1964. AUSÊNCIA DE FATOS TÍPICOS. ELEMENTO SUBJETIVO. INSUFICIÊNCIA DO DOLO GENÉRICO. NECESSIDADE DO DOLO ESPECÍFICO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO E DA CARACTERIZAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. - Os

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crimes previstos nos artigos 89 da Lei n. 8.666/1993 (dispensa de licitação mediante, no caso concreto, fracionamento da contratação) e 1º, inciso V, do Decreto-lei n. 201/1967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviço pelo particular) exigem, para que sejam tipificados, a presença do dolo específico de causar dano ao erário e da caracterização do efetivo prejuízo. Precedentes da Corte Especial e do Supremo Tribunal Federal. - Caso em que não estão caracterizados o dolo específico e o dano ao erário. Ação penal improcedente." (APn 480/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Corte Especial, julgado em 29/3/2012, DJe 15/6/2012).

Assim, não obstante a ausência de disposição legal expressa, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o tipo penal inscrito no art. 89 da Lei 8.666/1993 exige "o prejuízo ao erário e a finalidade específica de favorecimento indevido como necessários à adequação típica – Inq 2.616, relator min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 29.5.2014" (AP 683/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 06/3/2017). Dessa forma, a denúncia deve especificar, ao menos de forma sucinta, atos ou circunstâncias concretas que denotem a intenção dos agentes em elidir o procedimento licitatório em prejuízo do erário.

De igual forma, em recente decisão publicada no informativo n. 891/STF, o Supremo Tribunal Federal reafirmou que "o tipo penal em questão não criminaliza o mero descumprimento de formalidades, antes tipifica tal descumprimento quando em aparente conjunto com a violação de princípios cardeais da administração pública. Irregularidades pontuais são inerentes à burocracia estatal e não devem, por si só, gerar criminalização de condutas, se não projetam ofensa consistente – tipicidade material – ao bem jurídico tutelado, no caso, ao procedimento licitatório".

Consignou-se, outrossim, que "inexiste prova indiciária de ter o acusado agido em conluio com os pareceristas, com vistas a fraudar o procedimento de contratação direta, ausente a prática de conduta dolosa do gestor público para fins da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993. O delito em questão exige, além do dolo genérico – representado pela vontade consciente de

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dispensar ou inexigir licitação com descumprimento das formalidades –, a configuração do especial fim de agir, que consiste no dolo específico de causar dano ao erário ou de gerar o enriquecimento ilícito dos agentes envolvidos na empreitada criminosa". (Inq 3962/DF, rel. Min Rosa Weber, julgamento em

20.2.2018).

Portanto, não constando da denúncia o dolo específico de causar dano ao erário e a demonstração do efetivo prejuízo, verifica-se que não ficou devidamente demonstrada a tipicidade do delito imputado, revelando-se, dessa forma, inepta a inicial acusatória. Nesse contexto, constatada a inépcia formal da denúncia, inevitável o trancamento da ação penal, sem prejuízo da apresentação de nova inicial acusatória, desde que devidamente descritos os elementos do tipo penal imputado.

A propósito:

HABEAS CORPUS. DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. 1. Diz a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o crime do art. 89 da Lei n. 8.666/1993 não é de mera conduta, cumprindo ao Parquet imputar não apenas a contratação indevida, mas também o dolo específico do agente de causar dano à Administração Pública, bem como o efetivo prejuízo ao erário. Precedentes. 2. No caso, o órgão ministerial ao apresentar a denúncia, embora tenha registrado que prefeito do município, sem a instauração de procedimento licitatório, teria contratado, com base em parecer elaborado pelo então advogado da municipalidade, serviços de assessoria jurídica de outro profissional da área, deixou de descrever o efetivo prejuízo ao erário decorrente dessa conduta. Não há na peça vestibular nenhuma menção à ocorrência de danos aos cofres públicos decorrentes da dispensa de licitação. Assim, a exordial acusatória não é apta a deflagrar a ação penal em questão. 3. Ordem concedida para reconhecer a inépcia formal da denúncia. (HC 343.715/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 17/11/2016, DJe 01/12/2016).

RECURSO EM HABEAS CORPUS. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO (ARTIGO 89 DA LEI Nº 8.666/93). TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE DOLO ESPECÍFICO E DE EFETIVA LESÃO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INADMISSIBILIDADE DE

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ANÁLISE NA VIA ELEITA. EXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. NULIDADE DA AÇÃO PENAL A PARTIR DO OFERECIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Em razão da excepcionalidade do trancamento da ação penal, tal medida somente se verifica possível quando ficar demonstrado, de plano e sem necessidade de dilação probatória, a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade. É certa, ainda, a possibilidade de trancamento da persecução penal nos casos em que a denúncia for inepta, não atendendo o que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal, o que não impede a propositura de nova ação desde que suprida a irregularidade. 2. Este Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Corte Especial, firmou o entendimento de que a configuração do delito tipificado no art. 89 da Lei n. 8.666/93 exige a demonstração, ao menos em tese, de dolo específico do dano e da efetiva comprovação de prejuízo ao erário. Precedente. 3. In casu, da leitura da denúncia não se extraem os elementos mínimos exigidos pelo art. 41 do Código de Processo Penal para a caracterização do delito imputado, na linha da jurisprudência desta Corte Superior. Verifica-se que a inicial acusatória se limita a noticiar que a paciente, então prefeita municipal, autorizou dispensa de licitação em desconformidade com a lei. Não se extrai da denúncia nenhum elemento que aponte, sequer em tese, a existência do dolo específico da paciente, como prefeita municipal, de causar prejuízo ao erário, bem como da efetiva ocorrência de tal dano, limitando-se o Parquet a assinalar a irregularidade formal do procedimento de dispensa licitatória, sendo, portanto, inepta a denúncia. 4. É inadmissível, na via eleita, a aferição da alegação de ausência de justa causa para a ação penal, pela ausência do dolo específico e do prejuízo ao erário, tendo em vista que demandaria análise fático-probatória, incompatível com o rito do habeas corpus. Recurso parcialmente provido para anular a ação penal desde o oferecimento da denúncia, sem prejuízo de que o Ministério Público apresente nova inicial acusatória em atendimento aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, demonstrando o dolo lesivo específico e o efetivo prejuízo ao erário. Ordem concedida, de ofício, para estender os efeitos deste recurso aos corréus. (RHC 67.420/RJ, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 13/09/2016, DJe 23/09/2016)

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Superior Tribunal de Justiça

Ante o exposto, dou provimento ao recurso em habeas corpus , para trancar a Ação Penal n. 0900026-70.2014.8.24.0023, em virtude da inépcia formal da denúncia, sem prejuízo de que outra seja oferecida, em obediência à lei processual. Encontrando-se os codenunciados Átila Rocha dos Santos, Dário Elias Berger, Francisco Pereira da Silva, Jurandir Ascendino da Cunha, José Afonso Ribeiro Velho, Rodolfo Valentino Imbimbo e Reginaldo Maurício Rocha, na mesma situação processual da recorrente, estendo a eles os efeitos da presente decisão, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal.

Publique-se.

Brasília, 22 de março de 2018.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator

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