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1º Tópico: Reflexão em torno dos conceitos nietzscheanos de conhecimento e perspectivismo; e vontade de potência (em sua conservação ou expansão).

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Academic year: 2021

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Nietzsche em dois tópicos

por João Borba

1º Tópico: Reflexão em torno dos conceitos nietzscheanos de

conhecimento e perspectivismo; e vontade de potência (em sua conservação

ou expansão).

O que é o conhecimento? Tradicionalmente, uma relação entre sujeito e objeto. Mas considerar assim o conhecimento é pressupor um sujeito e um objeto, a distinção entre os dois e a relação entre ambos.

Para Nietzsche, tais “recortes” da realidade, como ademais qualquer outro “recorte” que se faça distinguindo uma coisa de outra, são formulações criadas pelos homens apenas na medida em que apresentaram, quando de sua criação, alguma utilidade para a vida, ou pareceram apresentar uma tal utilidade — na medida em que, então, contribuíram por exemplo para a conservação da espécie. Tais formulações são sustentadas pelos homens, ou seja, mantidas, na medida em que ainda parecem apresentar alguma utilidade para a vida ou não se mostraram contrárias a ela; mais precisamente na medida em que os homens sentem

a necessidade de apoiarem-se nelas ou a possibilidade de o fazerem se vierem a necessitar

de apoio nelas. Isto significa que o mais correto seria dizer que os homens sustentam sua vida apoiando-a em tais formulações, e não o contrário.

Ora, pressupor — o que quer que seja — caracteriza-se muito freqüentemente como

apoiar-se no pressuposto, a menos que não se deposite nesse pressuposto nenhuma

capacidade de nos sustentar no que quer que seja, caracterizando-o justamente como apenas um instrumento para a vida.

Dois pontos precisariam ser discutidos a respeito de Nietzsche, neste caso (na verdade muitos pontos, mas comecemos por estes dois): estaria Nietzsche, ao questionar os “recortes” que fazemos da realidade na pretensa “verdade” com que os supomos, pressupondo por sua vez o mundo concebido de manira monista, como uno? — a resposta é

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—; estaria Nietzsche, em segundo lugar, considerando a consciência acerca da condição

de puros instrumentos para a vida dos pressupostos tidos como “verdadeiros”, como uma

forma de superar a submissão da vida a esses pressupostos e colocá-los sob o domínio dela? — a resposta, mais uma vez, é “não”. Podemos conscientemente ou não tomar nossos “recortes” da realidade como algo em si mesmo dotado de “realidade”, ou como algo de caráter instrumental em função da vida, portanto não é a consciência em relação ao caráter dos nossos pressupostos o que os caracteriza como instrumentos dominados pela vida e a inconsciência disso o que os caracteriza (ilusoriamente) como algo “superior” a exercer seu domínio sobre a vida: pensar deste modo ainda seria cair sob os mesmos modos de operar condenados por Nietzsche, em que atribuímos aos nossos pressupostos o poder de dominar a vida.

Lamentavelmente não estou mais habituado a este tipo de exercício “rápido” e não me será possível dizer tudo o que me propus a dizer.

Resumindo brutalmente: tudo são configurações de forças que Nietzsche chama de “vontades de potência” e que só existem na medida em que se exercem umas sobre as outras. Nesse exercer-se das forças, as mais fracas buscam apenas a conservação da configuração em que existem, as mais fortes movem-se rumo ao seu máximo, ao seu “plus” — que é o máximo da vitalidade ou força vital, e que para expandir-se deste modo precisa também conservar-se, mas não tem a conservação como fim, e se expande até o limite e, se ainda puder, além dele — o que significa a morte, a desconfiguração (da configuração de forças em questão).

Cada força e cada configuração de forças caracteriza também um ponto de vista na medida em que se projeta sobre o que a rodeia, e ao projetar-se assume-se como valor a partir do qual tudo o mais deve ser avaliado. Configurações mais fracas tendem a adotar valores supremos colocados acima de si mesmas, para terem solidez suficiente em suas avaliações ao apoiarem-se em tais valores, pois não sentem em si mesmas tanta firmeza —

carecem de firmeza. Configurações mais fortes não precisam buscar nenhuma firmeza, e

atrevem-se facilmente a enfrentar situações que as destroem.

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mas fazendo-o espontaneamente. No entanto, toda e qualquer perspectiva, todo e qualquer ponto de vista, não passa de uma interpretação — inclusive o do próprio Nietzsche. Isto não incomoda a quem se caracteriza como uma configuração forte, mas as configurações fracas precisam afirmar algo que lhes pareça mais sólido que uma interpretação.

2º Tópico: Comentário ao Aforismo 347 da Gaia Ciência

Nietzsche inicia o texto considerando a força da fé como fraqueza — quanto maior essa “força”, maior a fraqueza, que pode ser medida em função da necessidade do crente de apoiar-se em princípios sólidos para viver. A refutação não leva o necessitado a abandonar tais princípios se ele ainda necessita deles, e — supõe-se — pode servir também como instrumento de medida da fraqueza: o que mil vezes refutado ainda se mantém há de estar sustentado por uma enorme necessidade, ou seja, por uma enorme fraqueza. Isto aponta para um desapego aos princípios ou independência em relação a eles como sinal de superação da fraqueza. O desejo de algo que permaneça sempre o mesmo e que, portanto, possa ser dominado, caracteriza a fraqueza — ou baixa dosagem de força, o que sugere desde já que a força, quando presente em alta dosagem, tende ao que possa oferecer-lhe

resistência maior, ou seja, tende ao enfrentamento de forças maiores, mais dificilmente

domináveis.

Nietzsche em seguida desfila uma primeira série de sintomas de fraqueza facilmente reconhecíveis como tais, pessimismo, fadiga, fatalismo, decepção, medo da decepção — trata-se de uma série aberta que o leitor poderia estender por si mesmo com alguma facilidade, e acrescenta a consideração desses sintomas como algo que “mascara” a fraqueza, ao mesmo tempo em que a manifesta. Esta sutileza prepara o terreno para que ele avance para uma nova série de sintomas já não tão facilmente associáveis à noção popular de “fraqueza”, e cuja compreensão é mediada por uma compreensão mais profunda da filosofia: ele aponta, nesta série de sintomas, patriotismo, chauvinismo, naturalismo e vários outros, aos quais associa a noção de que está presente, em todos esses casos, alguma forma de violência, com maior ou menor sutileza.

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A vontade é apontada por Nietzsche como emoção do comando, e sinal de força e soberania, mas é mais forte na medida em que ocorra espontaneamente, sem dar-se como uma exigência de caráter violento de que se comande com severidade — exigência que Nietzsche parece sugerir característica do dominado, mas também do dominante que sente a necessidade de dominar, portanto, indiretamente, uma certa falta de domínio.

Nietzsche não está falando apenas do domínio de pessoas, coletividades, instituições uns sobre os outros: todos estes são meios pelos quais se manifestam diferentes conjunções e configurações de forças — trata-se sempre, em última instância, do domínio de configurações de forças sobre outras configurações de forças (ou, imaginando um “mínimum” dessas configurações em que abstraímos tantas forças envolvidas quantas nos for possível, pode tratar-se de duas forças exercendo-se uma sobre a outra — mas a rigor, são “forças” justamente e apenas na medida em que “se exercem sobre” algo, portanto são antes pólos de força que só existem um em função do outro, um como que extraindo do outro a sua força).

Em todas essas configurações de forças que consideramos como “unidades” e às quais atribuímos “nomes” e classificações, tais como “indivíduo”, “coletividade”, ou mesmo “idéia”, “sentimento” ou outras coisas do gênero, as configurações que mais interessam a Nietzsche são aquelas às quais atribuímos alto valor — e que costumamos chamar de “valores”.

Neste texto, Nietzsche não está focalizando as configurações de força enquanto tais, e o esclarecimento que procurei colocar entre parênteses quanto ao que seria um “mínimum” abstratamente imaginado dessas configurações não está presente. Ele focaliza acima de tudo os processos que geram a adoção de um valor como supremo, a ponto de o colocarmos como algo que supomos dominar a vida, orientá-la, ordená-la, mas não se aprofunda aqui nesses processos até sua concepção do mundo como rede de “vontades de potência” exercendo-se umas sobre as outras.

No entanto, o esclarecimento neste nível é útil para a compreensão de um ponto fundamental do texto: Nietzche caracteriza o fanatismo como uma nutrição exagerada, ou seja, uma hipertrofia, “de um único sentimento, de um único ponto de vista dominante”.

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Este sentimento, que caracteriza também um ponto de vista, é uma vontade de potência ou configuração de vontades de potência colocada — pela configuração maior que a engloba ou com ela se relaciona — por exemplo pelo indivíduo ou pela coletividade que sente isto — como um valor supremo, capaz de dominar, regular, orientar as configurações que a colocam nessa condição de supremacia. Tal situação de hiperconcentração de força em um ponto do conjunto caracteriza, justamente, a fraqueza do resto do conjunto, e de modo igualmente agudo na medida em que consideramos apenas esse ponto, se ele

necessita, para manter-se dominante, da dominação violenta de regiões muito mais fracas

do conjunto, ao invés de atingir esse ponto espontaneamente por si mesmo — assim, a

necessidade de comando, seja por parte do dominante ou do dominado, caracteriza fraqueza

— e no caso do dominante, uma ilusão de estar em um ponto de concentração de forças

talvez — mas aqui já estou avançando para além do que posso em sala de aula, sem os

devidos materiais de pesquisa, e não gosto de vestir um chapéu maior do que a minha cabeça. Abstenho-me de avançar mais nesta especulação sobre o texto.

Apenas concluo que o espírito livre, conforme o final do texto de Nietzsche, estaria para além dessa necessidade ou carência de força, concentrando-a espontaneamente; portanto, estaria liberto de quaisquer forças colocadas acima das que o caracterizam intrinsecamente como necessárias, acima da fé e da vontade de verdade, apenas exercendo a vontade pura e simplesmente, determinando seus próprios objetos de vontade, pois a vontade é marca característica da vitalidade.

Referências

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