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MARACATUS RURAIS NOS RECEPTIVOS TURÍSTICOS DO RECIFE (PE): um olhar sobre as apresentações para turistas.

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MARACATUS RURAIS NOS RECEPTIVOS TURÍSTICOS DO RECIFE (PE): um olhar sobre as apresentações para turistas.

Sofia Araujo de Oliveira1

Leonardo Leal Esteves2

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo compreender as atuais relações entre os maracatus rurais e os receptivos turísticos do Recife através da análise dos interesses em trabalhar nesses receptivos; da observação das alterações dos elementos do maracatu quando expostos nos receptivos e da identificação das tensões que surgem a partir das relações econômicas estabelecidas. Neste estudo, foram estudados os maracatus Piaba de Ouro e o Leão Formoso, pois correspondem aos dois grupos de maracatu rural que se apresentaram nos receptivos turísticos da prefeitura do Recife e da EMPETUR/ FUNDARPE no período de alta estação entre novembro de 2008 e fevereiro de 2009. A investigação desta pesquisa foi desenvolvida através da abordagem etnográfica se utilizando da observação participante (SILVA, 2006). Também foram realizadas entrevistas semi-estruturadas visando a coletas de dados necessários para montagem deste estudo. Verificou-se com este estudo que existem interesses econômicos em participar dos receptivos, mas a renda obtida corresponde a um ganho extra dos maracatuzeiros; observou-se, ainda, a reificação dos elementos do maracatu rural impostos pelos contratantes, assim como o surgimento de tensões acerca do modo como são contratados os grupos. Percebeu-se também que a apresentações com intuito comercial fazem com que os grupos e integrantes adotem uma postura “profissional”, separando as apresentações ligadas ao carnaval (ligadas ao prazer) das apresentações comerciais onde os aspectos de obrigações ligados ao campo do trabalho estão envolvidas.

Palavras-chave: Cultura Popular, maracatu rural, turismo

1 Universidade Estadual de Santa Cruz – sofia_plantur@yahoo.com.br 2 Universidade Federal de Pernambuco - leonardolesteves@yahoo.com.br

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MARACATUS RURAIS NOS RECEPTIVOS TURÍSTICOS DO RECIFE (PE): um olhar sobre as apresentações para turistas.

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Sofia Araujo de Oliveira

Leonardo Leal Esteves

ABSTRACT

The present work reports as a case study where its objective is to understand the current relationship between the maracatus rurais and receptives tours in Recife through the analysis of the interests at work in these receptives, the observation of changes in elements of maracatu when exposed to receptive and the identification of the tensions that arise from economic relations established. In this study, we studied the maracatus Piaba de Ouro and Leão Formoso because they correspond to two groups of maracatu rural that presented in receptive tour of the prefecture of Recife and EMPETUR / FUNDARPE during high season between vovember 2008 and february 2009 . The investigation of this research was developed through ethnographic approach using participant observation (SILVA, 2006). Were also conducted semi-structured interviews aimed at collecting data necessary for write this study. It was verified, with this study, that there are economic interests involved to participate of the receptive tours, but the cache received by the maracatuzeiros is just a extra gain. It was observed also that the elements of maracatu are reified because the impositions contractor´s. The way the contracts are signed cause tensions between contractor and maracatuzeiros. It was noticed that the presentations with the objective commercial requires of members of groups a “professional attitude”. So, the carnival is related to the pleasure and the commercial presentations are related to work.

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INTRODUÇÃO

Pernambuco vem, nas últimas duas décadas, intensificando a utilização oficial de manifestações de cultura popular em diversos setores de sua Indústria Cultural como símbolos da “identidade local”. Dentre as manifestações utilizadas está o maracatu rural.

Sabe-se que o turismo utiliza-se dos recursos culturais das localidades como atrativos, porém percebe-se que, muitas vezes, manifestações culturais artísticas e religiosas são alteradas em seu formato, visando exclusivamente alguns aspectos econômicos da atividade. Tais manifestações são apresentadas, freqüentemente, por exemplo, na recepção aos turistas através de performances com alterações significativas em suas práticas e aspectos simbólicos que não condizem com os interesses de grande parte dos integrantes que tradicionalmente participam destas manifestações.

Neste estudo, procurei, então, compreender como se dão as apresentações dos maracatus rurais nos receptivos3 turísticos do Recife. Mais especificamente, procurei analisar os interesses econômicos dos maracatus em trabalhar nesses receptivos; as possíveis alterações dos elementos do maracatu quando expostos nos receptivos e as tensões que surgem a partir das relações estabelecidas entre os maracatus e os promotores da atividade turística.

Nesta pesquisa, foram estudados, então, os maracatus Piaba de Ouro4 e o Leão

Formoso5, pois correspondem aos dois grupos de maracatu rural que se apresentaram nos

3 Ao longo dos últimos anos a prefeitura do Recife, a Empresa Pernambucana de Turismo - EMPETUR - e a

Fundação Artística do Patrimônio Histórico e Arquitetônico – FUNDARPE - vem utilizando o maracatu rural nos receptivos turísticos em locais como o Aeroporto e o Porto do Recife. Estas apresentações duram o tempo que os passageiros permanecem no local de desembarque, são realizados com alguns representantes dos grupos, em torno de vinte integrantes, onde são representados, pelos próprios integrantes dos grupos, as apresentações tradicionais ligadas ao carnaval.

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O Maracatu Rural Piaba de Ouro foi fundado em 11 de setembro de 1977 por Mestre Salustiano (autoridade na Cultura Popular e mestre de outros folguedos, Agostinho Pires e Manuel Mauro de Souza, no bairro dos Bultrins, Olinda (PE) e tinha como objetivo reviver os folguedos populares da Zona da Mata de Pernambuco.

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receptivos turísticos da prefeitura do Recife e da FUNDARPE (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco) no período entre novembro de 2008 e fevereiro de 20096.

A pesquisa foi desenvolvida através da abordagem etnográfica se utilizando da observação participante. De acordo com Silva (2006, p.13), este tipo de observação enfatiza a coleta in loco dos dados, permitindo que o pesquisador se coloque como um instrumento de pesquisa, propiciando a “perspectiva intersticial” (o olhar de dentro). Após a observação, procura-se elaborar uma “descrição densa” acerca dos fenômenos estudados (GEERTZ, 1978).

O “trabalho de campo” se deu através da observação do maracatu Piaba de Ouro no receptivo do aeroporto durante setes dias no mês de novembro de 2008. A observação do maracatu Leão Formoso no receptivo dos navios, por sua vez, ocorreu no dia 27 de dezembro de 2008. As informações e fotos obtidas da apresentação do Leão Formoso no receptivo do aeroporto foram fornecidas no local pela informante Genilda (tesoureira e esposa do presidente do maracatu Leão Formoso), devido à impossibilidade de acesso ao embarque nacional neste período da pesquisa. Acompanhei o maracatu Piaba de Ouro nas duas semanas pré-carnavalescas, através da visitas à sede e na segunda-feira de carnaval.

Além da observação participante, realizei entrevistas semi-estruturadas (DENCKER, 1998) com os componentes do maracatu Piaba de Ouro e do maracatu Leão Formoso.

Atualmente sua sede está localizada no município de Olinda. O grupo é dirigido por Manoelzinho Salustiano (filho do Mestre Salú) e conta com a participação de aproximadamente 300 integrantes, entre familiares, pessoas de comunidades vizinhas , brincantes de municípios da Zona da Mata Norte Pernambucana e de outros estados.

5 O maracatu Leão Formoso foi fundado em 1973 na cidade de Igarassu (PE). Atualmente está sediado no

município de Olinda. Seu atual dirigente é Luiz Barbosa,conhecido com Nazaré. O maracatu possui cerca de 300 integrantes que residem em diversas cidades do estado de Pernambuco.

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Acredita-se, portanto, que este estudo poderá ajudar a compreender um pouco mais acerca os processos de trocas econômicas e alterações simbólicas que muitas vezes se desenvolvem nas relações entre a atividade turística e as manifestações de cultura popular. Com isto, espera-se contribuir para apontar caminhos e evitar desvios na busca pelo “desenvolvimento sustentável” da atividade.

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1 CULTURA POPULAR E A RELAÇÃO COM O TURISMO

O conceito de cultura popular ainda não é consenso, porém entende-se neste artigo que

As culturas populares (termo que achamos mais adequado do que a cultura popular) se constituem por um processo de apropriação desigual dos bens econômicos e culturais de uma nação ou etnia por parte dos seus setores subalternos, e pela compreensão, reprodução e transformação, rela e simbólica, das condições gerais e especificas do trabalho e da vida. (CANCLINI,1983, p.43)

Nesta relação está presente o poder, pertencente às classes hegemônicas, verificando-se uma relação entre a cultura do povo (camadas subalternas) e da elite. A cultura do povo está ligada intimamente à história do trabalho e de suas instituições e sua cultura se organiza em torno da contradição das forças populares versus bloco de poder.

Entende-se que a cultura se modifica constantemente e que a interação com a cultura de massa é constante e inevitável. Desta forma, percebe-se diversos mecanismos de utilização de manifestações populares que vão ora resistindo ora cedendo à industria cultural. É importante ressaltar que a comercialização da cultura popular não é uma novidade visto que remonta à idade moderna. (CAVALCANTI, 2006)

Aparentemente, as tensões ocorrem por conta dos freqüentes processos de reificação das manifestações, frente a interesses prioritariamente econômicos que se estabelecem nestas relações com o “mercado”, na medida em que há, forçadamente, uma excessiva simplificação nas práticas e alteração em dimensões simbólicas consideradas importantes para seus integrantes.

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A utilização de manifestações culturais populares como entretenimento tem sido cada vez mais comum, em diversos setores da indústria cultural, como é o caso do turismo. O entretenimento “é um dos pilares de nossa forma urbana capitalista de viver [...]” (CARVALHO, 2000, p. 70).

A utilização destas manifestações culturais populares para fins comerciais e de entretenimento pode contribuir para que ocorram mudanças nas manifestações. Segundo Carvalho, “No caso mais freqüente, os rituais sofrem uma redução semiológica e semântica no momento em que são transformados em espetáculo comercial” (2000, p.71). As performances comerciais desvinculam as manifestações de “suas dimensões locais de identidade, pertença, religiosidade, consciência histórica, criação estética, originalidade, fonte de auto-estima e resistência política” (Op. Cit, p. 79).

Com a crescente uniformização de culturas provocada pela globalização, surge a tendência de uma procura maior por destinações onde se encontre a cultura como atrativo. Por outro lado da uniformização, “[...] há também uma fascinação pela diferença e com a mercantilização da etnia e da alteridade. Há juntamente com o impacto global, um novo interesse pelo local.” (HALL, 2000, p.37)

A gestão turística ansiosa por resultados e sob a ótica capitalista, quase sempre, não engloba em seu planejamento bases sustentáveis que permitirá a perpetuação de seus recursos (ambientais e culturais) (DIAS, 2003). A ausência do planejamento e de sua implementação provoca impactos negativos no âmbito cultural e pode acarretar, no caso de rituais e folguedos, a espetacularização para apresentação aos turistas. Segundo Cooper et al (2001, p. 211), cerimônias e rituais podem ser “[...]reduzidos, tornados mais coloridos, mais dramáticos e mais espetaculares [...]” para atrair a atenção de turistas que não possuem conhecimento prévio para entender a manifestação.

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Para que as comunidades envolvidas com tais manifestações possam ser impactadas positivamente com a integração com o turismo, é necessário um intenso envolvimento da comunidade no planejamento desta atividade, buscando definir os benefícios e limites para que a população possa ser beneficiada e, ao mesmo tempo, respeitada, contribuindo para a sua manutenção simbólica e também como uma alternativa de renda.

2 O MARACATU DE BAQUE SOLTO

Em Pernambuco existem dois tipos de manifestações populares conhecidas como “maracatu”: o maracatu nação (também chamado de “maracatu baque virado”) e o maracatu rural (também conhecido como “maracatu de baque solto”).

O maracatu nação tem sua origem nas festas de coroação dos Reis do Congo que aconteciam nos séculos XVII e XVIII, e era ao mesmo tempo uma forma de expressão cultural dos negros e uma espécie de controle dos senhores sob seus escravos (ESTEVES, 2006).

Existem várias denominações para se referir ao outro maracatu, dentre elas, as mais conhecidas são “maracatu rural” ou de “baque solto”. O maracatu rural é uma manifestação típica da zona da mata norte de Pernambuco que tem sua origem no sincretismo de vários folguedos populares existentes no interior de Pernambuco (pastoril e `baianas`, cavalo-marinho, caboclinhos, folia (ou ranho) de Reis, etc.). (REAL, 1990)

O maracatu rural tem seu contexto de origem nos engenhos e usinas de cana-de-açúcar, onde os brincantes7 vivem e trabalham no corte da cana. De acordo com Medeiros (2005, p.206), este ambiente era opressor, existindo a violência causada pelo forte

7 Brinquedo é sinônimo de folga, festa, folguedo. Brincadeira é também diversão carnavalesca, folia. Várias

manifestações pernambucanas ligadas ao carnaval são assim chamadas e seus integrantes denominados

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coronelismo. Neste contexto, o maracatu rural se constitui como umas das primeiras formas de contestação dos maracatuzeiros, onde eles imprimem sua revolta através da manifestação.

No período de preparação do maracatu dimensões econômicas, sociais, lúdicas e sagradas costumam estar presentes de forma indissociável, demonstrando a complexidade do maracatu para os seus integrantes.

Os maracatus rurais têm como base para a preparação do carnaval as suas sedes, onde são confeccionadas as fantasias, realizadas as reuniões e, muitas vezes, as sambadas8 De um

modo geral, pode-se observar os seguintes elementos, ao lançar um olhar sobre o universo do maracatu rural:

a) Baianas

As baianas usam vestidos longos, com saia de armação de arame e seguram nas mãos os emblemas dos grupos. Dentre elas, existe a ‘dama da boneca” que segura uma boneca que tem a a responsabilidade de trazer consigo a proteção do Maracatu rural.” (MELO apud NASCIMENTO, 2005, p. 96)

b) Caboclos de lança

Este personagem é a figura que mais se destaca no maracatu, por estar em grande número, pela riqueza de sua fantasia e pelas evoluções feitas durante a apresentação do maracatu. Os caboclos de lança usam nas costa o surrão, uma indumentária de madeira com 3,5 ou 7 chocalhos de bronze que fazem muito barulho com os movimentos dos caboclos. Para cobrir o surrão, usa-se

[…] uma grande gola, que vai até a altura dos joelhos, tecida em veludo e bordada com lantejoulas coloridas, formandos os mais variados desenhos; na cabeça usam um chapéu revestido por uma grande quantidade de papéis multicoloridos cortados em tirinhas,

8 As sambadas são encontros de dois maracatus onde estão presentes os Mestres com os ternos e os demais

componentes. Nestes encontros, as fantasias são deixadas em casa, pois eles se encontram para “afinar o improviso”. (ASSIS, 1996) (VICENTE, 2005)

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www.eca.usp.br/turismocultural | 9 dando a idéia de uma enorme cabeleira. [...] usam sapato tênis, meias de jogador até os joelhos e calças curtas coloridas sobrepondo-se às meias. Camisas de mangas compridas também coloridas, completam a indumentária Pintam seus rostos com tinta vermelha ou laranja e usam uma lança de madeira pontiaguda recoberta com inúmeras fitas coloridas, chamada guiada. Estão sempre de óculos escuros e os mestres dos caboclos usam um cravo branco na boca, que segundo eles serve para “fechar o corpo”, não deixando que nenhum mal os ameace (ASSIS, 1996, p. 25-26).

A guiada, que inicialmente era um instrumento de defesa dos caboclos9, hoje é utilizada para realizar movimentações.

c) Caboclos de pena ou arrea-má

Os caboclos de pena, também chamados arrea-má que segundo Assis (1996) que dizer o “que tira o mal”, tem relação com o catimbó. Eles usam um chapéu com penas de pavão assemelhando-se a uma coroa e uma mini gola ou “camisa bordada, calça na altura dos joelhos, e, na cintura, fitas e penas de pássaros e usam um cravo na boca. Trazem consigo arco e flecha enfeitados de fitas, e também é comum usarem óculos escuros.” (NASCIMENTO, 2005, p. 96).

d) Corte Real

Ela10 é composta pelo rei, a rainha, porta-estandarte, dama do passo (baiana que segura a calunga, boneca que tem a função de proteger o grupo) e o mestre caboclo (é o mestre que puxa o grupo, indicando as movimentações a serem feitas).

e) Orquestra

Inicialmente o grupo musical do maracatu era chamado de terno, por possuir basicamente três instrumentos: o bombo, a porca e o gonguê. Atualmente é chamado de orquestra porque foram acrescentados outros instrumentos, sendo eles: trombone, trompete,

9 Eram freqüentes as brigas entre maracatus rurais quando estes se encontravam. Hoje não ocorrem mais brigas

porque a Federação Carnavalesca proibiu. (VIEIRA, 1999, p. 20).

10 De acordo com Assis (1996), o maracatu rural não possuía a corte, o acréscimo desta no folguedo foi uma

pressão da Federação Carnavalesca de Pernambuco. A corte era um componente associado ao maracatu nação e, passou depois desta pressão a integrar também os maracatus rurais.

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clarinete e surdo. (LAÍSE11, 2009) Contudo, de acordo com Nascimento, a composição da orquestra pode variar, retirando alguns desses instrumentos ou acrescentando outros como o ganzá e o saxofone.

f) Loas

As loas do maracatu são versos que podem ser classificados em: marchas, sambas e galope, conforme a estrutura de métrica e rima. Os versos se assemelham com o do aboio e do repente. (ASSIS, 1996) A improvisação própria deste tipo de música, permite que os Mestres dêem sua opinião sobre diversos assuntos. (NASCIMENTO, 2005, p.97)

g) Organização das Apresentações

Nas apresentações, os caboclos de lança formam dois cordões, chamados de trincheiras. Existe um caboclo que fica encarregado de “puxar” o cordão, chamado de boca-de-trincheira. As trincheiras separam o espaço sagrado do profano e são formadas para o maracatu evoluir. (ASSIS, 1996) Os caboclos de lança se localizam na parte externa, formando a proteção do interior onde se situam os demais componentes.

Nas apresentações, “o mestre12, de apito e bengala na mão, comanda o grupo e puxa as toadas quando a orquestra silencia. Então canta as loas, o baianal repete parte do canto, e a orquestra recomeça a tocar […].” (NASCIMENTO, 2005, p.97) Logo a após o coro, inicia-se uma coreografia onde os caboclos de lança “se dividem em dois grupos paralelos que correm em direção contrária formando um círculo, correndo com as lanças apontadas uns para os outros como se fossem brigar entre si.” (MELO apud NASCIMENTO, 2005, p.97)

11Informações cedidas à autora. Laíse é Rainha e vice-secretária do maracatu Piaba de Ouro

12 É importante distinguir o mestre caboclo que orienta as movimentações, deste mestre aqui referido que é o

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h) Aspectos sagrados

A “essência” do maracatu teria uma relação com as religiões afro-brasileiras com influência indígena. (VIEIRA apud VICENTE, 2005) De acordo com Nascimento (2005), a dificuldade de se obter informações sobre as tradições transmitidas pelos mestres se justifica pelo fato de que as religiões afro-brasileiras sofreram perseguição no passado.

De acordo com estudiosos da cultura popular em Pernambuco, o maracatu rural tem ligação com o catimbó-jurema. O catimbó é um culto sincrético, que une elementos dos rituais indígenas e católicos. O culto à Jurema pode ser definido como “[...] um complexo semiótico, fundamentado no culto aos mestres, caboclos e reis, cuja origem remonta aos povos indígenas nordestinos [...]”.(SALLES, 2004, p.101).

Entre os rituais existentes no maracatu rural, está o ritual de preparação e purificação dos caboclos. Estes iniciam uma abstinência sexual da sexta-feira de carnaval até a quarta-feira de cinzas (ASSIS,1996). Eles não podem tomar banho no período de carnaval para “não abrir o corpo”. (BONALD apud NASCIMENTO, 2005) A preparação pré-carnavalesca também envolve uma proteção espiritual conseguida em uma casa de Xangô ou catimbó-jurema onde os caboclos são benzidos e protegidos durante a brincadeira (Op.Cit.). Esta proteção é denominada calço e pode ser individual ou coletivo.

Entre as restrições estaria a não participação de mulheres menstruadas, pois elas estariam de corpo aberto e poderiam atrapalhar o desempenho do maracatu. Além disto, antes do carnaval não se deve ingerir bebidas alcoólicas.

Em relação à fantasia, são calçados o cravo com o intuito de “fechar o corpo” (VIEIRA,2004), assim como a guiada (ASSIS, 2006). “No sábado antes de saírem se reúnem com seu mestre, o chefe dos caboclos e tomam um preparado chamado azougue.” (ASSIS, 1996, p.26). O azougue é uma mistura de aguardente, azeite, pólvora e limão que os

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transforma em “azougados”. Esta bebida permite que eles não sintam o peso das fantasias que chega a pesar 25 kg. Quem não toma azougue, toma cachaça o carnaval todo.

O Leão Formoso possui como padroeira a Nossa Senhora da Conceição de quem o dono13 deste maracatu, Nazaré, é devoto. Apesar da fé católica do dono, afirma que “tem que fazer as obrigações”, referindo-se aos rituais sagrados ligados às religiões afro-brasileiras. Existe um espaço na sede chamado de “peji” onde são feitas as oferendas e os rituais sagrados do maracatu. De acordo com ele, um pai-de-santo vai à sede e realiza os rituais necessários. Nazaré prossegue dizendo que “tem que ter cachaça, defumador, para tirar as mazelas daqui”. O Piaba de Ouro também realiza rituais sagrados deste tipo. De acordo com Laíse, segunda secretária e rainha do maracatu, os rituais são realizados individualmente pelos integrantes mais antigos. De acordo com Maciel, filho do Mestre Salustiano, “A gente não tem pai de santo no Piaba fei[...], mas dentro do maracatu da gente tem pessoas que são calçadas, que têm as obrigações.” (Maciel Salú apud Nascimento, 2005, p.184)

Percebeu-se que os componentes mais novos passam a não realizar mais os rituais sagrados referentes ao maracatu, passando a ter novas visões acerca destes aspectos. Em relação ao uso do cravo que é utilizado na boca, Nado (rei do maracatu Piaba de Ouro e ex-integrante da diretoria) comenta que antes se “Pegava o cravo, fazia uma oração. Hoje não tem mais, é mais como um adereço da fantasia.” Em relação à proteção à guiada ele ainda diz que alguns ainda fazem a proteção dela.

Em relação à quarentena, Laíse comenta “antes do carnaval a gente fica na quarentena, não pode ter relação alguma entre marido e mulher, a partir da última sambada que tem o ensaio geral do maracatu.” A quarentena foi o ritual mais observado entre os integrantes.

13 O termo “dono” é utilizado entre integrantes de manifestações populares em Pernambuco, para se referir à

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Percebe-se que as proteções solicitadas através dos rituais são voltadas principalmente para que o grupo esteja protegido das brigas que eram freqüentes no passado e permanecem na memória dos integrantes dos maracatus, assim como, para que eles tenham sucesso em suas apresentações e demais atividades que participam.

3 UM OLHAR SOBRE AS RELAÇÕES DOS MARACATUS RURAIS COM OS RECEPTIVOS TURÍSTICOS

A EMPETUR e prefeitura do Recife realizam anualmente no período de alta estação (entre novembro e fevereiro) um receptivo turístico com o intuito de dar boas-vindas aos turistas que chegam ao estado.

3.1 MARACATU PIABA DE OURO

No período de 3 de novembro a 5 de fevereiro de 2009, o maracatu Piaba de Ouro apresentou-se no receptivo turístico do aeroporto. Eles trabalhavam das dez horas da manhã às quatro da tarde no receptivo nacional e recebiam alguns vôos internacionais à tarde. Todos os dias da semana iam cerca de dez caboclos de lança e, algumas vezes, era apresentados alguns caboclos e a corte do maracatu. Pude observar que os caboclos se apresentavam sempre com algum outro tipo de manifestação que se revezavam ao longo da semana sendo estas: grupo de frevo, caboclinho, forró, cavalo-marinho e pastoril (no período do Natal).

Quando os vôos chegavam, os caboclos e a corte se distribuíam como um grande paredão para recepcionar aos passageiros, estes permaneciam parados sem realizar movimentos e a manifestação cultural que acompanhava o maracatu nos receptivos ficava responsável pela execução de músicas como o forró e o frevo.

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Observou-se que em todos os vôos os passageiros encantavam-se com as fantasias coloridas dos caboclos e sentiam-se motivados a tirar fotografias. A estética dos caboclos encantava por sua fantasia “chamativa” e “diferente”, pois o olhar do turista identifica o que é “diferente”, é na busca pelo diferente que o turismo se embasa, a quebra da rotina é o motor do turismo de lazer.

Neste sentido, figuras “exóticas” como os caboclos de lança se adéquam neste objetivo, pois encantam com sua fantasia diferenciada e única. De acordo com Urry (1996), os produtos culturais pós-modernos são consumidos pela distração e não mais pela contemplação. Ele ainda afirma que “o turismo é prefiguramente pós-moderno devido a sua particular combinação do visual, do estético e do popular.” (URRY, 1996, p.123)

3.2 MARACATU LEÃO FORMOSO

O maracatu Leão Formoso também é contratado pelos órgãos oficiais para participar dos receptivos turísticos do aeroporto e do terminal marítimo do Recife. Em 2009, o maracatu apresentou-se no aeroporto no período de 6 de fevereiro a 20 de fevereiro de 2009 das 10h da manhã às 10 da noite. Apresentaram-se apenas oito caboclos de lança em duas turmas, sendo quatro caboclos de manhã/ tarde (10h as 16h ) e quatro à tarde/ noite (16h as 22h).

Em 2009 a FUNDARPE agregou o receptivo com a apresentação de vários personagens carnavalescos típicos de diversas cidades do estado. Aliado a estes personagens, apresentaram-se os caboclos de lança e os passistas e a orquestra de frevo.

No terminal marítimo do Recife são contratados quatro caboclos de lança que se distribuem no local. Os turistas que chegam de navio em Recife desembarcam no porto e se deslocam ao terminal marítimo de ônibus onde estão disponíveis suas bagagens. Neste local é montada uma estrutura de receptivo ao turista, composta por posto de informações turísticas, lanchonete, barracas de artesanato e apresentação de orquestra e passistas de frevo. Os

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caboclos de lança permanecem parados para recepcionar os turistas, dois na entrada do salão onde são disponibilizadas as bagagens e dois na entrada principal do terminal onde os turistas saem para terem acesso ao seu meio de transporte (táxis, vans para transfer ou city tour). Na entrada principal apresentam-se a orquestra de frevo e os passistas.

No receptivo do navio também foi observado que os turistas se encantavam com a figura “exótica” do caboclo de lança tirando muitas fotos com eles.

3.3 A REIFICAÇÃO DO MARACATU

Os maracatus rurais em suas exibições nos receptivos, apresentam-se apenas com alguns personagens. O elemento de destaque é o caboclo de lança com sua fantasia colorida que capta a atenção dos turistas, o que foi verificado nos receptivos através da quantidade de fotografias.

De acordo com Ana (esposa do diretor do maracatu Piaba de Ouro e colaboradora da Associação dos maracatus de baque solto de Pernambuco), a exibição dos caboclos do maracatu Piaba de Ouro de lança no aeroporto foi “uma exposição dos caboclos e uma exposição da corte”. Segundo ela, em uma apresentação para turistas “a gente faz às vezes com dança, faz dançando, faz com terno. Agora, no aeroporto não era possível por causa da zoada que incomodava os locatários do aeroporto”.

O maracatu Piaba de Ouro teve que se adaptar às normas do aeroporto tirando os chocalhos dos caboclos de lança por causa do som que se intensificava já que o desembarque é um espaço fechado. Segundo Ana

[...] a gente teve que se adaptar às normas do aeroporto. [...] Agora na verdade, o público-alvo, os turistas, queriam encontrar era mais zoada, queria encontrar o chocalho dos caboclos batendo.

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O maracatu Leão Formoso, por apresentar um menor número de caboclos permaneceu com os chocalhos nas fantasias dos caboclos de lança onde dois dançavam e dois permaneciam parados. Porém, observou-se que mesmo com as medidas de silêncio durante os anúncios no som, alguns funcionários pediam para diminuir o som dos grupos de música e dos caboclos do Leão Formoso (que estavam com chocalhos) quando o barulho dificultava a operação do desembarque

A reificação do maracatu rural durante os receptivos ocorre também em outras apresentações para turistas. O Piaba de Ouro em apresentações em hotéis leva cd´s quando não se pode levar o terno por causa barulho que é causado em locais fechados. Nessas apresentações, o maracatu não vai completo, vão apenas alguns personagens.

Para Laíse, o maracatu “original” é a apresentação do maracatu completo, com todos os personagens.. Laíse ainda afirma que apresentar-se para turistas não é a mesma coisa que no carnaval porque como é apenas uma amostra, “fica a desejar”, ou seja, o maracatu não é apresentado de forma completa. Para Nado, a apresentação para o turismo é teatro

O grupo Piaba em 2008 se apresentou quase o ano todo. Aí se torna um grupo teatral, deixa de ser aquela parte de cultura pra ser uma pessoa física que vai em prol do turismo, do capital, né? O carnaval é por prazer e o resto do ano é trabalho, a diferença é essa.

Genilda informa que a apresentação no carnaval é mais séria envolvendo todos os ritos de preparação, mas

[...] no hotel a gente tem o compromisso, a responsabilidade de fazer do mesmo jeito, assim de brincar. Do jeito que a gente faz carnaval, a gente faz receptivo, ta entendendo? A responsabilidade é a mesma, agora assim, de se cuidar, de ter precaução de que as pessoas não transem, essas coisas a gente não pode exigir. Exigir sim respeito dentro do maracatu, agora pra fora do maracatu não tem nada a ver, né?

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Percebe-se que já existe uma consciência acerca da profissionalização do grupo e das diferenças entre as apresentações para a indústria cultural e o turismo e do carnaval.

3.4 OS INTERESSES DOS BRINCANTES EM TRABALHAR NOS RECEPTIVOS

Para os integrantes do grupo, a apresentação para o turismo é vista de forma profissional. Segundo Laíse, “o maracatu a partir de um momento se torna um trabalho como foi essa história do aeroporto. A obrigação do horário...a gente encarou como trabalho mesmo”. Verifica-se que a apresentação para o turismo envolve a dimensão econômica em plano de destaque, o que ocorre ao contrário no carnaval onde o prazer é um dos objetivos principais.

Contudo, observa-se que as apresentações para o turismo não correspondem a uma fonte de renda fixa, já que são sazonais além de que, muitas vezes, quando se apresentam para o governo, os cachês demorarem meses para serem pagos. Apesar destes entraves, de certa forma, esta renda auxilia nos gastos do grupo, pois é uma forma de ajudar nos gastos que o grupo terá para elaborar as fantasias.

Para os integrantes do maracatu a utilização deste pelo turismo é positiva, porém, de acordo com Laíse, “acho que tá faltando mais a ação diretamente. Ta tendo mais agora, mas as oportunidades são poucas aqui.” Ela acha que deveria ter “mais acesso, mais informação.” O lado positivo refere-se à oportunidade de se expor e de se fazer conhecido por outras pessoas, pois segundo ela, esta exposição permite uma divulgação gratuita do grupo que propicia novas contratações.

Nado ainda confirma informando que a divulgação através do turismo é importante porque “é muito caro divulgar e nem toda impressa quer divulgar. Tem a questão dos direitos autorais.” Genilda, confirma que o turismo divulga o maracatu, pois segundo ela “acho que o

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turismo é bom né? Porque muita gente que hoje ainda não sabe o que é maracatu. Isso é importante para o turista, a divulgação do que a gente tem, né?”

Outro beneficio do turismo é apontado por Nado é a melhora da auto-estima dos brincantes, pois “o turista, o turismo traz aquela alegria. Os caboclos se sentem bem. Qualquer povo se sente bem, tendo sua cultura vista por outro povo com bons olhos.”

Nazaré, dirigente do Leão formoso, diz que o receptivo é importante, pois é ele que dá suporte financeiro para que o maracatu possa sair no carnaval porque o volume de despesas deste é grande no período carnavalesco. De modo geral, Nado acredita que o turismo traz benefícios econômicos para outras áreas, mas não para o maracatu.

3.5 TENSÕES EM TORNO DOS RECEPTIVOS

A utilização dos maracatus pelo turismo não ocorre de forma harmoniosa, pois, como foi relatado, existem exigências que são necessárias para as apresentações. Neste sentido, a visão dos componentes do maracatu oscila entre os interesses econômicos e de divulgação do maracatu, como foi relatado, e a visão negativa em ter que ceder.

Nado afirma que o turismo poderia sim trazer benefícios para o grupo se houvesse um trabalho do governo no sentido de aliar a cultura e o turismo.

Apesar de alguns elementos do maracatu rural terem sido cortados nas apresentações, a exibição no aeroporto pelo Piaba de Ouro foi vista como positiva por Ana, pois, segundo ela “não tinha essa parte do som do maracatu, mas tinha essa parte visual. [Os turistas] Perguntavam, conversavam. Muita gente nunca tinha visto um caboclo de lança, só tinha visto através de fotos, televisão ou revista.”

Em relação aos pontos negativos da utilização do maracatu nos receptivos e turismo em geral, a opinião dos entrevistados estava voltada na formatação das exibições e das exigências de adaptações ao espaço do aeroporto e hotéis. Laíse acredita que levar só o

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caboclo não é correto “porque tira um pouco a originalidade. Como, por exemplo, no aeroporto tinha várias coisas que a gente queria fazer.” Ela acha que não era necessário levar o grupo todo “ mas poderia mostrar o toque do maracatu, a toada do mestre, alguma coisa do tipo”.

De acordo com ela, torna-se difícil trabalhar com os impedimentos, como por exemplo, os entraves relacionados com o barulho da orquestra e dos caboclos. Ana acredita que é mais interessante para o turista ver as apresentações tradicionais e completas.

Genilda tem a mesma opinião de Ana, pois acha que para o turista entender o que é o maracatu poderiam “contratar as peças principais do maracatu”. Contudo, Genilda afirma que é bom se trabalhar com poucos caboclos nos receptivos porque as despesas são menores do que o grupo todo, pois é comum ela hospedar em sua casa os caboclos que vem do interior tendo que fornecer alimentação e transporte.

Nado acredita que o maracatu não se “descaracteriza” quando se apresenta para a indústria cultural e o turismo, pois segundo ele, “O maracatu taí independente deles. Quem perde são eles de ver outras partes do maracatu, de vê o maracatu formado. [...] a gente vai sempre manter essa cultura, ta no sangue do pernambucano o maracatu.” Como se observa em sua fala, ele acredita que o maracatu permanecerá nos moldes tradicionais no carnaval, sendo alterado nas apresentações contratadas ao longo do ano, onde é necessária a contratação de integrantes que tenham maior habilidade na execução dos movimentos típicos do maracatu.

Esta “seleção” dos integrantes já é um fenômeno delicado que passou a ser observado na atualidade a partir da questão da profissionalização e da burocratização dos grupos como pessoas jurídicas, sendo uma das exigências que filtram os grupos para integrarem projetos como relata Nado: “Os maracatus hoje tão se organizando. O maracatu daqui é pessoa física [jurídica], tem nota fiscal, tem tudo. Quem ta no comércio hoje e não se organizar, tá fora”

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na adaptação de manifestações culturais populares para a apresentação para turistas são realizadas alterações no formato. Contudo, é importante observar que as manifestações, como o maracatu rural, aqui estudado, são muito complexas, pois envolvem dimensões lúdicas, culturais, sagradas, sociais e econômicas. Desta forma, muitos elementos aos olhos dos contratantes, que podem ser retirados para se adequar à ‘formatação’ enxuta que agrade ao turista ou se encaixe no modelo de apresentação proposto pela atividade turística, podem ser de grande importância simbólica para os brincantes.

Ao que pude observar, a apresentação nos receptivos turísticos do aeroporto e do porto do Recife correspondem a uma mera exibição dos caboclos de lança e, em alguns casos, da corte real. Na maioria das vezes, estes personagens são contratados para ficarem parados recebendo os turistas e o restante dos personagens e elementos que compõem o maracatu são excluídos destas “apresentações”, tais como as baianas, os arrea-má, o terno, etc.

A utilização dos caboclos é justificada, pelos promotores oficiais do turismo, pela sua indumentária colorida e atrativa, assim como, pela facilidade operacional referente ao transporte e organização do grupo no local de apresentação.

Contudo, percebe-se que a percepção dos turistas é prejudicada, pois a eles é passado o “maracatu no formato do receptivo”, sem informá-los que aquilo é apenas uma exibição ou performance, sendo o maracatu muito mais que aquilo e mais complexo. Além disto, a percepção ainda se torna mais prejudicada quando o maracatu é exposto com outras manifestações.

É importante observar também como as contratações ocorrem, pois nelas já são expostas as condições de apresentação não havendo muitas vezes voz por parte dos grupos para negociações. Neste sentido, ocorre a adaptação da manifestação para se inserir no

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modelo ditado pelo turismo.

O trabalho permitiu verificar também as transformações que vêm ocorrendo e que podem ser intensificadas caso se perpetue com mais freqüência a utilização das performances dos maracatus pelo turismo. Verificou-se, por exemplo, que os brincantes encaram estas apresentações com o cunho “profissional”, desligado das obrigações sagradas que ocorre no carnaval ,assim como, já existe a seleção de componentes mais habilidosos para apresentações pagas. Observando-se uma clara distinção entre o maracatu remunerado ligado a uma geração de renda ao longo do ano versus o maracatu voltado ao lazer e à brincadeira ligada ao ciclo carnavalesco.

Como foi mencionado anteriormente, no maracatu voltado para o carnaval, todo o simbolismo da manifestação é respeitado e os brincantes estão livres para realizarem as mudanças que julguem necessárias. Já nas apresentações para os turistas, os grupos se submetem as adaptações “impostas” pelos contratantes.

A apresentação dos maracatus rurais de forma comercial é um fato, desta forma, é importante que a operacionalização do turismo se atenha a uma utilização consciente das manifestações populares visto que elas são atrativos do turismo e devem ser preservadas de forma a continuarem emanando a sua “aura”, evitando que estas tornem-se apresentações descaracterizadas, perdendo seu sentido.

É importante que os contratantes levem em consideração que os maracatus são manifestações complexas onde estão inseridas as dimensões lúdicas, sociais, econômicas e sagradas. Neste sentido, para que ocorra um turismo de fato sustentável ou responsável14, é necessário que os brincantes tenham participação nos processos de decisão da formatação das apresentações para os turistas de forma a contribuírem e exporem as melhores maneiras de

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Visando minimizar os impactos negativos do turismo, surgem novos conceitos como o turismo “brando”, “alternativo”, “responsável”, “ecológico” e “sustentável”. (RUSCHMANN, 1997)

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apresentar os maracatus, de maneira a se sentirem satisfeitos ao apresentar a “a missão expressiva a que se dispuseram internamente” (Carvalho, 2000). Vale ressaltar que esta missão está ligada as dimensões locais de “identidade, pertença, religiosidade, consciência histórica, criação estética, originalidade, fonte de auto-estima e resistência política”(Op.Cit, p. 79).

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