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Novas configurações familiares: A homoparentalidade em questão

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Academic year: 2021

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Novas configurações familiares: A homoparentalidade em questão Rodriguez, Brunela Gomes, Isabel Cristina Diante da diversidade de modelos familiares da contemporaneidade nos deparamos com a dificuldade de se abstrair um sentido único para a família. Apesar da coexistência de referenciais tradicionais e modernos, nota-se que os modelos que predominam estão, todavia, presos ao modelo tradicional de família heterossexual, monogâmico, hierárquico e com ênfase no biológico. A maior liberdade de valores tem levado a família a estabelecer novos sentidos atribuídos às suas relações, papéis e funções. Com isso, temos o aparecimento crescente das famílias monoparentais, pluriparentais, homoparentais, dentre outros modelos diversos. Com isso nos deparamos com a necessidade de construir conhecimento acerca das novas formas de se relacionar e vivenciar a parentalidade.

A família homoparental, que é a situação na qual ao menos um indivíduo homossexual assume a responsabilidade por uma criança, parece ser a que causa mais polêmica e questionamento. O termo homoparentalidade, originalmente francês e criado em 1997 pela APGL1 (Roudinesco, 2003), tem sido alvo de questionamentos por colocar o foco na orientação sexual dos pais ao mesmo tempo em que refere ao cuidado dos filhos. A homoparentalidade pode ser resultado de família recomposta com filhos de relacionamento heterossexual anterior, adoção (legal ou não) ou o uso de tecnologias reprodutivas. A família homoparental é caracterizada pela ausência de papéis fixos entre os membros, pela inexistência de hierarquias e pela circulação das lideranças no grupo, pela presença de múltiplas formas de composição familiar e, conseqüentemente, de formação dos laços afetivos e sociais, o que possibilita distintas referências de autoridade, tanto dentro do grupo como no mundo externo (Passos, 2005).

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Como aponta o Censo de 2010 (primeira edição do recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a contabilizar essa população), há no Brasil mais de 60 mil casais homossexuais, ou seja; há um número considerável de famílias homoparentais e estas começam a ganhar visibilidade. Com relação à adoção, a atual jurisdição brasileira é omissa quanto à possibilidade de casais homossexuais adotarem. O Estatuto da criança e do adolescente não se posiciona com relação à adoção por homossexuais, e tampouco aparece a referência sexual como parâmetro para adoção. A legislação brasileira atual permite que casais homossexuais firmem união estável e o Supremo Tribunal Federal os reconhece como entidade familiar (Santos, 2011).

Pesquisas sobre a homoparentalidade e suas decorrências (Tarnovski, 2002; Uziel, 2002) vêm crescendo e apontam um momento de experimentação e construção de novas formas de ser e de relacionar-se, perpassando questões como vivência de papéis e funções.

É fundamental considerar que o desejo de constituir família e ter filhos não é exclusivo dos casais heterossexuais, e, cada vez mais se observa casais homossexuais recorrendo à adoção ou à biotecnologia a fim de sua concretização. As reivindicações dos homossexuais por seu reconhecimento jurídico, social e simbólico, parecem provocar deslocamentos num dos pilares que repousa a norma sexual, a “diferença sexual” suposta fundadora da cultura e subjetividade (Arán, 2009).

Contra a homoparentalidade são dois os argumentos mais utilizados, o primeiro aponta a necessidade de preservação da instituição família, em defesa da ordem familiar (contra o casamento e a filiação homossexual), baseado em duas noções da psicanálise: “função paterna” e a "dupla referência identitária". Ou seja; a homoparentalidade, bem como tudo o que está fora da norma, colocaria em risco a cultura e a sociabilidade. O segundo refere à suposta necessidade de resguardar o simbólico através da articulação da diferença sexual com a diferença de gerações, e só assim estaria garantida a emergência/constituição da subjetividade.

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O dispositivo sexual na psicanálise restringe a noção da diferença e

conduz a matriz binária; feminino/masculino,

heterossexualidade/homossexualidade, que persiste como modelo de laço social (Arán, 2009). Esse modelo que sustenta a lei dita simbólica, correspondente à lei natural da diferença sexual considerada por alguns autores fundamental para a estruturação do psiquismo, considerando a vivência da diferença entre homossexuais impossível.

Dor (apud Perelson, 2005) afirma que a presença do “pai” na família, como figura que representa a lei e tem função estruturante do psiquismo infantil, não pode ser reduzida a uma função simbólica. Ele argumenta a necessidade de um terceiro que exerça a mediação entre o desejo da mãe e do filho, e pontua que para garantir a função do pai há que existir a diferença sexual no casal parental.

Apesar de alguns psicanalistas manterem ressalvas com relação à falta da imagem de mãe/pai real na homoparentalidade, Perelson (2005) se utiliza dos termos “posição materna” e “posição paterna” para desvincular o sexo biológico dos pais de suas atuações no seio da família e contrapõe a visão determinista de alguns autores que afirmam ser a diferença sexual fundamental na triangulação da criança dentro de uma família, questionando a função paterna a partir da fragmentação e multiplicação de seus agentes (“não há mais o pai”). O pai e a mãe não precisam existir realmente, mas podem ser posições ou figuras imaginárias. Há que pensar a “sexuação” como o processo de construção de identidade psíquica-sexual, e por fim como alicerce da organização das funções dentro do espaço familiar. Na família homoparental essas funções não tem uma determinação biológica, mas subjetiva, e que dessa maneira cada sujeito constituiria um lugar junto à criança, marcando sua presença e exercendo uma função.

Apesar de questionamentos e temores, pesquisadores da área (Santos, 2004; Tarnovski, 2002) salientam que é a capacidade de cuidar e a qualidade do vínculo com os filhos o determinante da boa parentalidade e não a orientação sexual dos pais.

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A homoparentalidade, assim como outras formas de constituir família, necessita uma ética que leve em conta suas demandas afetivas atendendo com justiça às transformações humanas. Esta ética deve estar assentada nas diferentes formas de conjugalidade, parentalidade e filiação que configuram um contexto familiar baseado nos laços de afeto (Passos, 2005), priorizando os vínculos psíquicos à questão biológica.

Considerações finais

Ressaltamos a importância do estabelecimento de uma relação produtiva entre a psicanálise e as novas formas de construção de gênero e parentalidade na cultura contemporânea (Arán, 2009), em que as diferenças, singularidades e alteridades ultrapassem os limites do simbólico2 e da própria teoria psicanalítica, sendo cada indivíduo aceito em sua singularidade, para além das definições prescritas da heteronormatividade.

Para isso propomos deixar em aberto questionamentos que possam gerar novos estudos e pesquisas com o objetivo de compreender a vida psíquica daqueles que vivem fora do parentesco normativo. Na ausência da diferença sexual (anatômica) a criança encontrará outros organizadores de pensamento, como o da complementaridade de funções de cada membro do casal parental? (Smola, 2010) Como influem as representações parentais sobre os filhos? Qual é a fantasia de amor homossexual que a criança inconscientemente adota em famílias gays? Que narrativas culturais estão à sua disposição, e que interpretações particulares elas dão a essas condições? Como compreender que formas de diferenciação de gênero ocorrem para a criança quando a heterossexualidade não é a pressuposição do complexo de Édipo?

Diante dessas questões, conclui-se que faltam estudos de longo prazo que possam mostrar os efeitos da homoparentalidade na subjetividade dos filhos. O futuro dessas histórias de filiação, de constituição de psiquismo das

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crianças nessas novas famílias e sua evolução poderão ser observados com o desenrolar do tempo.

Como foi apresentado, a homoparentalidade questiona o modelo de complementaridade bipolar que sempre permeou a relação entre feminino e masculino e o complexo de Édipo como estruturante de identidades e subjetividades. Ela só poderá adquirir outro status, mais próximo da normalidade, se aceitarmos outra lógica como constituinte do ser humano, assentada na supremacia dos vínculos e funções, independentemente do sexo biológico de quem as exerça. Sendo assim, a ênfase na triangulação edípica recairá na estrutura de exclusão que a constitui e no lugar que cada um ocupa, bem como na transmissão decorrente dessa nova maneira de conceber o conceito. Na contemporaneidade, novos modelos de parentalidade devem ser revisitados e reinterpretados. Com base nesse pressuposto, propomos um diálogo com profissionais da área e estudiosos, no sentido de aprofundar a discussão psicanalítica acerca da homoparentalidade.

Resumo:

O fenômeno da homoparentalidade, famílias constituídas por um casal homossexual e ao menos uma criança, reflete a série de transformações que vêm ocorrendo com a instituição família na contemporaneidade. Este trabalho tem como objetivo promover uma reflexão sobre esses novos modelos familiares e parentais que surgem com ênfase na filiação psíquica, desprendendo-se da heteronormatividade biológica. Por meio de pesquisas recentes coloca-se em pauta questionamentos como a falta de diferença sexual (anatômica) do casal parental e suas possíveis decorrências na constituição subjetiva dos filhos, e outros associados a conceitos psicanalíticos centrais, como o complexo de édipo, que tem suas raízes no modelo tradicional de família e que necessitam de um dialogo interdisciplinar atual. Palavras-chave: homoparentalidade, família, psicanálise

Referências Bibliográficas

Amazonas, M. C. L. A. & Braga, M. G. R. (2006). Reflexões acerca das novas

formas de parentalidade e suas possíveis vicissitudes culturais e subjetivas.

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Arán, M. (2009). A psicanálise e o dispositivo diferença sexual. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, 17, (3), Dec.

Butler, J. (2003). O parentesco é sempre tido como heterossexual?. Cad. Pagu. (21), 219-260.

Passos, M. C. (2005). Homoparentalidade: uma entre outras formas de ser

família. Psicol. clin., 17, (2), 31-40.

Perelson, S. (2005). A parentalidade homossexual: uma exposição do debate

psicanalítico no cenário francês atual. Rev. Estud. Fem., 14, (3), 709-730.

Roudinesco, E. (2003). A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Santos, C. (2004). A parentalidade em famílias homossexuais com filhos: um

estudo fenomenológico de vivências de gays e lésbicas. Tese de Doutorado,

FFCLPRP. Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.

Smola, A. (2010) Homoparentalidades. In: Homoparentalidades: Nuevas familias. Eva Rotenberg e Beatriz Agrest Wainer (organizadoras). Lugar Editorial, Buenos Aires, 2010, 2a. edicion.

Tarnovski, F. L. (2002). Pais assumidos: adoção e paternidade homossexual no

Brasil contemporâneo. Dissertação (Mestrado em Antropologia

Social)-Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

Uziel, A. P. (2002). Família e homossexualidade: velhas questões, novos

problemas. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, IFCH, Universidade

Referências

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