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A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS EM MATÉRIA CONSULTIVA: DESENVOLVIMENTOS RECENTES

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A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

EM MATÉRIA CONSULTIVA:

DESENVOLVIMENTOS RECENTES

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BÁRBARA PINCOWSCA CARDOSO CAMPOS

Bolsista do Centro Bancaja de los Cursos Euromediterráneos de Derecho Internacional (Castellón, España). Baclarelanda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.

I. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a globalização consolidou-se como fenômeno de grande magnitude. As transformações que se experimentam nessa era global apontam para a criação de um mercado cada vez mais integrado mediante o livre comércio, a modernização e a intensificação dos fluxos econômicos e financeiros. Entretanto, em contraste com essas transformações econômicas, vem ocorrendo uma preocupante concentração de renda e aumento da exclusão social em escala mundial. Os avanços logrados no plano econômico-financeiro não se têm feito acompanhar de melhorias nas condições de vida dos mais marginalizados. Ao contrário, o que se verifica, neste começo de século, é o aumento da pobreza global, da marginalização e das violações cometidas contra os seres humanos. Se, por um lado, os países estão se abrindo aos capitais e ao comércio de bens e serviços, por outro lado suas fronteiras parecem fechar-se cada vez mais aos seres humanos.1

Diante das crescentes complexidades e contradições surgidas a partir da globalização, o fenômeno das migrações adquire relevância cada vez maior. Nesse contexto, os tribunais internacionais de proteção de direitos humanos revestem-se de especial importância, pois, ao desenvolverem o Direito Internacional dos Direitos Humanos, ampliam as bases jurídicas de proteção daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, como é o caso dos migrantes em geral, especialmente dos trabalhadores migrantes em situação irregular e dos presos estrangeiros.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada, neste artigo, “Corte”, “Corte Interamericana” ou “Tribunal”) tem desenvolvido, nos últimos anos, vasta jurisprudência sobre esta matéria.

Não obstante, é grande o desconhecimento, no meio acadêmico brasileiro, não só de sua jurisprudência, mas também de seu funcionamento. Pretende-se destacar, nas linhas que se seguem, alguns pontos relevantes da competência da Corte Interamericana e de sua jurisprudência mais recente em matéria consultiva. Quiçá estas reflexões possam contribuir de alguma forma para uma conscientização da opinião pública brasileira sobre as atividades e a importância desse Tribunal.

II.BREVES CONSIDERAÇÕES A

RESPEITO DA COMPETÊNCIA

CONSULTIVA DA CORTE

INTERAMERICANA DE

DIREITOS HUMANOS

A Corte Interamericana é uma instituição judicial autônoma da Organização dos Estados Americanos (OEA). Em conformidade com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “Convenção Americana” ou “Convenção”), a Corte exerce essencialmente duas funções, a contenciosa e a consultiva.2 No exercício da primeira, o Tribunal analisa

uma demanda específica, estabelece a veracidade dos fatos ocorridos, decide se eles constituem uma violação aos direitos protegidos pela mencionada Convenção e por seus protocolos e determina reparações às vítimas e a seus familiares. Apenas a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e os Estados Parte na Convenção que tenham reconhecido a competência contenciosa da Corte podem lhe submeter casos.3

No tocante à função consultiva, o artigo 64 da Convenção Americana confere à Corte o mais amplo alcance dessa faculdade. Todos os Estados membros da OEA, sejam eles Parte ou não da Convenção

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Americana, e os órgãos da OEA, no que lhes compete, estão legitimados a solicitar parecer jurídico da Corte sobre a interpretação da Convenção Americana ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. O objeto de uma consulta não está, portanto, limitado à Convenção Americana. Qualquer dispositivo de um tratado internacional referente à proteção dos direitos humanos nas Américas se enquadra dentro do âmbito da faculdade consultiva do Tribunal. O artigo 64 (2) da Convenção ainda faculta à Corte emitir, a pedido de um Estado, parecer jurídico acerca da compatibilidade entre quaisquer de suas leis nacionais e a Convenção ou outros tratados de direitos humanos. 4

Assim, a Convenção permite que a Corte emita dois tipos de pareceres: pareceres interpretativos de tratados de direitos humanos e pareceres sobre a compatibilidade entre leis internas e a Convenção Americana.5 Cabe ressaltar que os pareceres emitidos

não têm o mesmo efeito vinculante que se reconhece às sentenças proferidas pelo Tribunal. Sem embargo, têm inquestionável validade jurídica. Conforme salienta André de Carvalho Ramos, “embora não se possa supor a força vinculante de tais pareceres, é certo que os mesmos declaram o Direito Internacional e com isso, possibilitam maior certeza jurídica aos sujeitos de Direito Internacional”.6 São, portanto, importante fonte de

jurisprudência, demonstrando a compreensão do Tribunal sobre a matéria solicitada.

De sua instalação (1979) até o presente (2004), a Corte Interamericana já emitiu 18 pareceres jurídicos que tratam dos mais variados assuntos. O presente artigo tem como objeto de reflexão dois dos pareceres mais recentes proferidos pelo Tribunal: o Parecer Jurídico nº 16, de 1° de outubro de 1999,7 relativo ao Direito à

Informação sobre a Assistência Consular no Âmbito das Garantias do Devido Processo Legal e o Parecer

n° 18, de 17 de setembro de 2003,8 sobre a Condição

Jurídica e os Direitos dos Migrantes Indocumentados.

Esses dois pareceres trazem importantes avanços para o desenvolvimento jurisprudencial não só da Corte Interamericana, mas do Direito Internacional dos Direitos Humanos em geral. São esses pareceres, na visão do juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, os mais importantes de toda a história da Corte.9 Além da enorme

repercussão em diversos países do continente americano, vale destacar que estas foram as duas consultas que mais movimentaram o Tribunal, delas participando não só Estados membros da OEA, mas também diversas organizações não governamentais (ONGs), como se verá a seguir.

III.DIREITO À INFORMAÇÃO

SOBRE A ASSISTÊNCIA

CONSULAR NO ÂMBITO

DAS GARANTIAS DO

DEVIDO PROCESSO

LEGAL

Em 9 de dezembro de 1997, o México submeteu à Corte Interamericana de Direitos Humanos solicitação de parecer jurídico, cujo objeto se referia ao direito à informação sobre assistência consular e sua relação com as garantias judiciais mínimas e o devido processo legal no caso de detidos estrangeiros condenados à pena de morte. A consulta envolveu vários instrumentos internacionais, entre os quais a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

O México indagou, primeiramente, se o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares poderia ser entendido como um dispositivo atinente à proteção dos direitos humanos,10 enquadrando-se na

definição de “outros tratados concernentes à proteção de direitos humanos nos Estados americanos” do art. 64 (1) da Convenção Americana. Em seguida, solicitou a interpretação da Corte sobre o sentido da expressão “sem dilação” contida no art. 36 (1) (b) da referida Convenção de Viena e as possíveis conseqüências jurídicas decorrentes da imposição e execução da pena de morte ante a falta de notificação sobre a assistência consular.

A respeito do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, questionou o México se o art. 14 (direito ao devido processo legal) incluiria a imediata notificação do detido estrangeiro sobre seu direito à assistência consular e se, no marco desse artigo, a omissão por parte do Estado receptor de informar o acusado não prejudicaria a preparação de sua defesa. Logo adiante, perguntou o México se, em se tratando de Estados Federados, não estariam também esses últimos obrigados a assegurar o direito à notificação previsto no art. 36 da Convenção de Viena aos presos estrangeiros condenados à morte em todo seu território. Antes de assinalar o entendimento da Corte sobre as questões levantadas pelo México, cumpre destacar o considerável número de Estados, ONGs e indivíduos que participaram nesse procedimento consultivo. Oito Estados americanos apresentaram seus pontos de vista: México, El Salvador, República Dominicana, Honduras, Guatemala, Paraguai, Costa Rica e os Estados Unidos. Diversos juristas e ONGs

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apresentaram também suas observações na qualidade de amici curiae, a exemplo da Anistia Internacional, da

Human Rights Watch/Américas e do CEJIL.11

Quanto às questões levantadas na consulta, a Corte se pronunciou, em primeiro lugar, a respeito da relação existente entre o art. 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares e a proteção dos direitos humanos no continente americano. Assim, afirmou a Corte que se, por um lado, o objeto principal da Convenção de Viena não é a proteção dos direitos humanos, não se pode negar, por outro lado, que os direitos previstos no art. 36 da referida Convenção, entre eles o direito à informação sobre assistência consular, são verdadeiros direitos subjetivos,12 de que é titular

todo ser humano privado de sua liberdade, por quaisquer razões, em outro país. Agregou ainda que esses direitos fazem parte do conjunto de garantias processuais, estando vinculados ao devido processo legal, nos termos do art. 8° da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do art. 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.13

Prosseguiu a Corte afirmando que, ao reconhecimento desses direitos, correspondem, ademais, certos deveres por parte do Estado receptor. Todo detido estrangeiro deve ser imediatamente informado pelo Estado receptor dos direitos que lhe confere o art. 36, quais sejam, de poder contar com a assistência consular de seu país de origem, antes de prestar qualquer declaração ante uma autoridade policial ou judicial.14 Assim, a notificação a que se refere o art.

36 deve ocorrer em momento oportuno de forma a garantir que o preso estrangeiro receba a assistência legal adequada para a obtenção de uma defesa eficaz. Como o texto da Convenção de Viena sobre Relações Consulares não faz referência precisa ao sentido da expressão “sem dilação”, a Corte entendeu que a notificação deve ser feita no momento da detenção do indivíduo e antes que ele faça qualquer declaração perante as autoridades.15 A assistência consular garantiria, dessa

forma, que o estrangeiro recebesse informações sobre seus direitos em seu idioma e uma assistência legal adequada. Dadas às circunstâncias de vulnerabilidade em que geralmente se encontram os presos estrangeiros, é evidente que a notificação do direito à comunicação consular lhes garante melhores possibilidades de defesa e de um julgamento justo. Além disso, estas disposições têm de ser cumpridas por todos os Estados Parte na Convenção de 1963, independente de sua estrutura federal ou unitária. 16

Por fim, advertiu a Corte que, nos casos em que é aplicável a pena de morte, a obrigação dos Estados de informar os estrangeiros sob detenção do direito que lhes assiste torna-se ainda mais relevante. Os Estados que ainda mantêm a pena capital devem ser rigorosos

quanto à observância das garantias judiciais, dada a gravidade da violação que acarreta a imposição e execução de uma pena dessa natureza. A esse respeito, destacou:

“... a inobservância do direito à informação do detido estrangeiro (...) afeta as garantias do devido processo legal e, nestas circunstâncias, a imposição da pena de morte constitui uma violação ao direito de não ser privado da vida ‘arbitrariamente’ (...) com as conseqüências jurídicas inerentes a uma violação desta natureza, a saber, as atinentes à responsabilidade internacional do Estado e seu dever de reparação”. 17

Este parecer representa um importante avanço na luta contra a proteção dos mais vulneráveis, especialmente dos estrangeiros e migrantes que, com freqüência, são vítimas de toda forma de discriminação. Nas palavras do juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, “a importância do Parecer n° 16 tem sido amplamente reconhecida, sobretudo em relação aos que não têm como se defender, os mais fracos e vulneráveis, e que, por isso mesmo, mais necessitam da proteção do Direito”. 18

IV. CONDIÇÃO JURÍDICA E

OS DIREITOS DOS

MIGRANTES

INDOCUMENTADOS

No dia 17 de setembro de 2003, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu seu mais recente parecer jurídico, o décimo oitavo de sua história, sobre a condição jurídica e os direitos dos migrantes indocumentados. Mais uma vez, o Estado do México foi protagonista de um importante debate sobre a situação dos direitos humanos na região.

Esta solicitação, feita pelo México, despertou enorme interesse e mobilização. No procedimento perante o Tribunal, apresentaram enriquecedoras observações escritas os Estados de Honduras, Nicarágua, El Salvador, Canadá e Costa Rica, além do México. Nas audiências públicas, também estiveram presentes (como observadores) representantes de outros sete Estados americanos e da ONU. Ademais, é de se destacar a participação de vários acadêmicos e representantes da sociedade civil de diversas partes do continente, ouvidos perante a Corte na qualidade de

amici curiae. 19

Preocupados com a situação de vulnerabilidade em que se encontram os trabalhadores migrantes, especialmente os que estão em situação irregular, o México solicitou a opinião da Corte, inicialmente, sobre

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se a qualidade migratória de uma pessoa poderia ser uma justificativa para privá-la do gozo e exercício de seus direitos, como os de natureza trabalhista, e se estas privações seriam compatíveis com o dever do Estado de garantir a não-discriminação e a igualdade perante a lei. 20 Outra questão tratada na consulta refere-se ao

caráter que os princípios de igualdade e não-discriminação alcançaram no domínio do direito internacional geral, mais especificamente, se são normas de jus cogens, e as conseqüências jurídicas que adviriam do descumprimento desses princípios por parte dos Estados.21

No parecer, a Corte faz referência, em primeiro lugar, à obrigação geral de respeitar e garantir os direitos humanos por parte do Estado. A esse respeito, sustentou que é dever dos Estados suprimir normas e práticas que criem situações de discriminação e adotar medidas positivas para combater práticas discriminatórias já existentes. 22 Ao ratificar um tratado internacional de

direitos humanos, os Estados devem introduzir em seus ordenamentos jurídicos as modificações necessárias para assegurar o cumprimento das obrigações assumidas. Sem embargo, não basta apenas compatibilizar seu ordenamento interno ao internacional: é fundamental que a esta adequação normativa se façam acompanhar práticas estatais acordes com o direito internacional. Nesse sentido, os Estados não podem condicionar ou subordinar a observância dos direitos humanos aos objetivos de suas políticas públicas, incluindo as de natureza migratória. O descumprimento dessa obrigação importa em responsabilidade internacional do Estado, ponderou a Corte.23

Em seguida, a Corte destacou a relação existente entre os princípios da não-discriminação e de igualdade perante a lei, consagrados em diversos instrumentos internacionais. No seu entendimento, são inadmissíveis distinções de tratamento que conduzam a situações contrárias à justiça. É discriminatória, pois, toda distinção que careça de justificativa objetiva e razoável e que não guarde relação de proporcionalidade entre seu propósito e meios utilizados.24 Ademais, ditos

princípios devem se aplicar não apenas aos indivíduos que estejam regularmente no território de um Estado, mas a todos os que se encontrem sob sua jurisdição, em situação regular ou irregular. Em outras palavras, são estes princípios fundamentais, inerentes à nossa condição de pessoa humana.

Para elucidar seu caráter fundamental, a Corte retoma os arts. 53 e 64 da Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, que tratam, respectivamente, de tratados em conflito com uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens) e da superveniência de uma nova norma de jus cogens. A Corte afirma que o jus

cogens não está mais restrito ao direito dos tratados,

tendo já alcançado o direito internacional geral, “incidindo, em última instância, nos próprios fundamentos do ordenamento jurídico internacional”.25

No entender do tribunal, os princípios de igualdade e não-discriminação já fazem parte do domínio do jus

cogens, sendo, portanto, aplicáveis a todos os Estados,

independentemente de terem ratificado ou não um tratado, impondo-lhes, inclusive, obrigações erga omnes de proteção.26

Em seu Voto Concordante, o juiz A. A. Cançado Trindade põe em evidência a importância dos princípios fundamentais do direito na formação e consolidação do ordenamento jurídico e o caráter dos princípios de igualdade e não-discriminação, em particular, no âmbito do direito internacional:

“São os princípios (derivados etimologicamente do latim principium) que, evocando as causas primeiras, fontes ou origens das normas e regras, conferem coesão, coerência e legitimidade às normas jurídicas e ao ordenamento jurídico como um todo.” (...) “Ditos princípios fundamentais revelam os valores e fins últimos do ordenamento jurídico internacional, guiando-o e protegendo-o das incprotegendo-ongruências das práticas dprotegendo-os Estados...” 27

Mais adiante nesse voto, após examinar aspectos da doutrina e da jurisprudência sobre a matéria, o juiz assinala ainda que “ao princípio fundamental de igualdade e não-discriminação está reservada, desde a Declaração Universal de 1948, uma posição verdadeiramente central no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos”.28

No tocante aos direitos dos trabalhadores migrantes indocumentados, o Parecer n° 18 significou, indubitavelmente, um importante avanço na construção da jurisprudência internacional nessa matéria. Antes de tudo, esclarece a Corte que como são muitos os instrumentos jurídicos em que se consagram direitos trabalhistas, a interpretação de qualquer de suas normas deve basear-se no princípio da aplicação da norma mais favorável à vítima, neste caso, o trabalhador. Em seguida, o Tribunal enumera direitos fundamentais dos trabalhadores migrantes que comumente não são respeitados: a proibição do trabalho forçado e obrigatório; o direito à associação e à liberdade sindical; a um salário justo pelo trabalho realizado; à previdência social; às garantias judiciais e administrativas; a um devido processo legal; dentre outros. 29 São estes direitos

inalienáveis, e surgem da relação de trabalho e não da condição migratória do trabalhador. Os trabalhadores migrantes indocumentados têm os mesmos direitos trabalhistas que os garantidos aos demais trabalhadores nacionais, conforme assinalado no parecer:

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“... a qualidade migratória de uma pessoa não pode constituir, de maneira alguma, uma justificação para privá-la do gozo e exercício de seus direitos humanos, dentre eles os de caráter trabalhista. O migrante, ao assumir uma relação de trabalho, adquire direitos por ser trabalhador, que devem ser reconhecidos e garantidos, independentemente de sua situação regular ou irregular no Estado de emprego. Estes direitos são conseqüência da relação trabalhista”. 30 Por fim, é oportuno destacar o pronunciamento do Tribunal sobre a obrigação de respeito e garantia dos direitos humanos nas relações entre particulares. Tanto nos casos em que os vínculos contratuais são estabelecidos na esfera pública quanto naqueles firmados nas relações privadas, é obrigação do Estado velar para que sejam respeitados os direitos fundamentais dos trabalhadores. No caso Velázquez

Rodríguez, por exemplo, a Corte já havia se pronunciado

sobre a responsabilidade do Estado quando da violação de direitos por um particular sob sua jurisdição, reconhecendo a obrigação erga omnes de respeito aos direitos humanos.31 Assim, nas relações inter-individuais

e diante de agressões de particulares, o Estado deve garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores:

“O Estado é então responsável por si mesmo tanto quando funciona como empregador, como pela atuação de terceiros que agem com sua tolerância, aquiescência ou negligência, ou respaldados por alguma diretriz ou política estatal que favoreça a criação ou manutenção de situações de discriminação”.32

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As crescentes violações cometidas contra os migrantes em geral, e contra os trabalhadores migrantes e presos estrangeiros em especial, são motivo de preocupação de toda a comunidade internacional. Esses

dois pareceres mais recentes proferidos pela Corte Interamericana contribuem de forma notável para a proteção dos direitos humanos desses grupos de pessoas que, por sua condição migratória ou pelo fato de estarem detidas, se encontram em uma situação particularmente vulnerável.

O Parecer Jurídico n° 16 foi inovador ao reconhecer que o direito de comunicação entre os oficiais consulares e seus nacionais está interligado à normativa de direitos humanos. Pela primeira vez, uma corte internacional se pronunciou a respeito da não-observância do art. 36 da Convenção de Viena de 1963 e das conseqüências que este descumprimento por parte do Estado acarreta para os seres humanos. Este importante parecer é, sem lugar a dúvidas, fonte de inspiração para desenvolvimentos futuros da jurisprudência internacional sobre esta matéria.

No caso do último parecer, a Corte está dando também importante contribuição para se pôr fim às violações perpetradas contra os migrantes e os trabalhadores. Dado que os Estados têm a faculdade soberana de estabelecer suas próprias políticas, estas últimas não podem menoscabar ou reduzir de alguma forma o gozo e exercício dos direitos fundamentais dos seres humanos em geral, e dos trabalhadores em particular, independentemente de sua condição migratória. Isso se justifica precisamente por se tratarem de direitos fundamentais e inerentes à pessoa humana que não dependem do status migratório. A Corte, ao assegurar os direitos que correspondem a todos os trabalhadores, estejam devidamente documentados ou não, fortaleceu a posição do ser humano vis-à-vis o Estado. No dizer do já mencionado juiz A. A. Cançado Trindade, “efetivamente, [esses dois pareceres] abrem caminho para a construção de um novo jus gentium neste início de século XXI: um Direito Internacional já não mais estatocêntrico, mas sim voltado ao atendimento das necessidades e aspirações da humanidade como um todo”.33

(6)

CORTE I. D. H. Caso de haitianos y dominicanos de

origen haitiano en la República Dominicana. Medidas

Provisionales. Resolución de la Corte Interamericana de Derechos Humanos del 18 de agosto de 2000. Serie E No. 3.

CORTE I. D. H. Condición Jurídica y Derechos de los

Migrantes Indocumentados. Opinión Consultiva

OC-18/03 del 17 de septiembre de 2003. Serie A No. 18. CORTE I. D. H. El Derecho a la Información sobre la

Asistencia Consular en el Marco de las Garantías del Debido Proceso Legal. Opinión Consultiva OC-16/99

del 1 de octubre de 1999. Serie A No. 16.

CORTE I. D. H. “Otros Tratados” objeto de la función

consultiva de la Corte (art. 64 Convención Americana

sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-1/ 82 del 24 de septiembre de 1982. Serie A No. 1. CANÇADO TRINDADE, A. A. Tratado de Direito

Internacional dos Direitos Humanos, Volume III. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. 663 págs.

__________. La Nueva Dimensión de las Necesidades

de Protección del Ser Humano en el Inicio del Siglo XXI (em co-autoria com Jaime Ruiz de Santiago). 2a. ed.

San José de Costa Rica: ACNUR, 2003. 421 págs. __________. “Dois Pareceres para a humanidade”.

Correio Brasiliense, Brasília, 5 de abril 2004. Direito &

Justiça, n. 14932.

LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. Os Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais na América Latina e o Protocolo de San Salvador. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris

Editor, 2001. 230 págs.

RAMOS, André de Carvalho. Direitos Humanos em

Juízo – comentários aos casos contenciosos e consultivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Max Limonad, 2001. 573 págs.

(7)

1. Cf. Corte I. D. H. Caso de haitianos y dominicanos

de origen haitiano en la República Dominicana.

Medidas Provisionales. Resolución de la Corte Interamericana de Derechos Humanos del 18 de agosto de 2000. Serie E No. 3.

2. Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 61 a 64.

3. Ibid., art. 61 (1).

4. Sobre a função consultiva da Corte, cf. Corte I. D. H., “Otros Tratados” objeto de la función

consultiva de la Corte (art. 64 Convención

Americana sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-1/82 del 24 de septiembre de 1982. Serie A No. 1.

5. RAMOS, André de Carvalho. Direitos Humanos

em Juízo – comentários aos casos contenciosos e consultivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Max Limonad, 2001, p.

345.

6. Ibid., pp. 341-342.

7. Corte I. D. H. El Derecho a la Información sobre la

Asistencia Consular en el Marco de las Garantías del Debido Proceso Legal. Opinión Consultiva

OC-16/99 del 1 de octubre de 1999. Serie A No. 16. 8. Corte I. D. H. Condición Jurídica y Derechos de

los Migrantes Indocumentados. Opinión

Consultiva OC-18/03 del 17 de septiembre de 2003. Serie A No. 18.

9. CANÇADO TRINDADE, A. A. “Dois Pareceres para a humanidade”. Correio Brasiliense, Brasília, 5 abril 2004. Direito & Justiça, n. 14932.

10. Reza o artigo 36 da referida Convenção: “1. A fim de facilitar o exercício das funções consulares relativas aos nacionais do Estado que envia: a) Os funcionários consulares terão liberdade de se comunicar com os nacionais do Estado que envia e visitá-los. Os nacionais do Estado que envia terão a mesma liberdade de se comunicar com os funcionários consulares e de os visitar; b) Se o interessado assim o solicitar, as autoridades competentes do Estado receptor deverão, sem dilação, informar o posto consular competente quando, na sua área de jurisdição, um nacional do Estado que envia for preso, encarcerado, posto em prisão preventiva ou detido de qualquer outra maneira. Qualquer comunicação endereçada ao posto consular pela pessoa detida, encarcerada ou

presa preventivamente deve igualmente ser transmitida sem dilação pelas referidas autoridades. Estas deverão imediatamente informar o interessado de seus direitos, nos termos da presente alínea; c) Os funcionários consulares terão direito de visitar o nacional do Estado que envia que esteja encarcerado, preso preventivamente ou detido de qualquer outra maneira, conversar e corresponder-se com ele e providenciar quanto à sua defesa perante os tribunais. Terão igualmente o direito de visitar o nacional do Estado que envia que, na sua área de jurisdição, esteja encarcerado ou detido em execução de uma sentença. Todavia, os funcionários consulares deverão abster-se de intervir em favor de um nacional encarcerado, preso preventivamente ou detido de qualquer outra maneira sempre que o interessado a isso se opuser expressamente. 2. Os direitos a que se refere o parágrafo 1° do presente artigo serão exercidos de acordo com as leis e regulamentos do Estado receptor, entendendo-se, contudo, que tais leis e regulamentos não devem impedir o pleno efeito dos direitos reconhecidos pelo presente artigo”.

11. Corte I. D. H., El Derecho a la Información..., op. cit. supra n. (7), pp. 10-17, §§ 9 et seq.

12. Ibid., pp. 92-94, §§ 83 e 84. 13. Ibid., p. 113, § 124. 14. Ibid., p. 101, § 106. 15. Id.

16. Ibid., p. 119, § 140.

17. Ibid., p. 118, § 137. Traduzido pela autora do original.

18. CANÇADO TRINDADE, op. cit. supra n. (9). 19. Para uma lista completa de todos os participantes e

intervenientes no referido procedimento consultivo, cf. Corte I. D. H., Condición Jurídica..., op. cit.

supra n. (8), pp. 4-11, §§ 7 a 46.

20. Primeira e segunda pergunta formuladas na consulta.

21. Quarta pergunta da consulta.

22. Corte I. D. H., Condición Jurídica..., op. cit. supra n. (8), p. 115, § 88.

23. Ibid., pp. 133-135, § 166 et seq. 24. Ibid., p. 123, § 119.

(8)

25. Ibid., p. 118, § 99. 26. Ibid., p. 121, § 110.

27. Cf. Voto Concurrente del juez A. A. Cançado Trindade. In: Corte I. D. H. Condición Jurídica y

Derechos de los Migrantes Indocumentados.

Opinión Consultiva OC-18/03 del 17 de septiembre de 2003. Serie A No. 18. pp. 23 e 53, respectivamente. Traduzido pela autora do original.

28. Ibid., p. 36.

29. Corte I. D. H., Condición Jurídica..., op. cit. supra n. (8), p. 131, § 157.

30. Ibid., p. 127, § 134. Traduzido pela autora do original.

31. Segundo assinalou a Corte: “Es, pues, claro que, en principio, es imputable al Estado toda violación a los derechos reconocidos por la Convención cumplida por un acto del poder público o de personas que actúan prevalidas de los poderes que ostentan por su carácter oficial. No obstante, no se

agotan allí las situaciones en las cuales un Estado está obligado a prevenir, investigar y sancionar las violaciones a los derechos humanos, ni los supuestos en que su responsabilidad puede verse comprometida por efecto de una lesión a esos derechos. En efecto, un hecho ilícito violatorio de los derechos humanos que inicialmente no resulte imputable directamente a un Estado, por ejemplo, por ser obra de un particular o por no haberse identificado al autor de la trasgresión, puede acarrear la responsabilidad internacional del Estado, no por ese hecho en sí mismo, sino por falta de la debida diligencia para prevenir la violación o para tratarla en los términos requeridos por la Convención.” Cf. Corte I. D. H. Caso Velázquez

Rodríguez. Sentencia del 29 de julio de 1998. Serie

C No. 4, p. 38, § 172.

32. Corte I. D. H., Condición Jurídica..., op. cit. supra n. (8), p. 130, § 152. Traduzido pela autora do original. 33. CANÇADO TRINDADE, op. cit. supra n. (9).

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