TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NO ENSINO MÉDIO
POLITÉCNICO GAÚCHO: INOVAÇÃO CURRICULAR E DESAFIOS
PEDAGÓGICOS
Resumo O presente trabalho analisa o projeto educacional do Ensino Médio Politécnico do RS, iniciado em 2011. A discussão visa à compreensão do Projeto Pedagógico e da Política Educacional, que estabeleceram como prioridade a democratização da gestão, do acesso à escola e ao conhecimento com qualidade social, do acesso à aprendizagem e ao patrimônio cultural visando à permanência do aluno na escola, além da qualificação do Ensino Médio e da Educação Profissional. O texto aborda uma proposta interdisciplinar, que articula o ensino das disciplinas a partir das áreas do conhecimento: Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens, além de Matemática e suas tecnologias. A referência teórica valoriza a problematização sob o olhar de Azevedo, Adams, Freire, Gramsci, Reis, Streck, Saviani, entre outros. Além do olhar teórico, o artigo analisa o processo de implantação da proposta, tendo por base as observações realizadas durante os cursos de formação ocorridos nas seguintes instituições: Escola Estadual Pasqualini (Novo Hamburgo), Escola de Ensino Médio de Araricá (Araricá), Escola Estadual de 2º Grau Monsenhor José Becker (Bom Princípio) e Escola Estadual Assunção (Alto Feliz). Entre as conclusões, apontam‐se os (des)encontros entre a gestão e a implantação da nova proposta educacional. Palavras‐chave: Trabalho, Politecnia, Emancipação Social, Educação Profissional. Leandro Sieben Faculdade IENH leandrosete@gmail.com Telmo Adams Unisinos adams.telmo@gmail.com
1. UM NOVO ENSINO MÉDIO NO RIO GRANDE DO SUL
A reestruturação curricular do Ensino Médio Gaúcho foi implantada após debate com a comunidade escolar na Conferência Estadual do Ensino Médio e da Educação Profissional, que foi estruturada em cinco etapas: (1) Etapa Escolar, (2) Etapa Municipal, (3) Etapa Regional, (4) Etapa Inter‐regional, (5) Conferência Estadual do Ensino Médio e da Educação Profissional. Todas as etapas contemplaram a sistematização dos debates e a eleição de delegados, que aperfeiçoaram o documento‐base. Na etapa da Conferência Estadual (5), houve a participação das representações das universidades, dos setores produtivos e de outras organizações governamentais e não governamentais. A culminância da discussão resultou na Conferência Estadual do Ensino Médio e da Educação Profissional, em dezembro de 2011.
A iniciativa do Ensino Médio Politécnico, apresentada no documento da Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul, objetiva propiciar o desenvolvimento dos alunos, assegurando‐lhes a formação comum indispensável ao exercício pleno da cidadania e fornecer‐lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores; qualificar o estudante enquanto cidadão, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico e a compreensão dos fundamentos científico‐tecnológicos dos processos produtivos, relacionando teoria e prática, nas atividades pedagógicas. Além disso, pretende‐se reduzir os índices de evasão e de repetência nessa modalidade de ensino e trazer para os bancos escolares cerca de 70 mil jovens que estão fora da escola.
O Ensino Médio Politécnico articula as disciplinas a partir das áreas do conhecimento (Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens e Matemática e suas tecnologias). A nova proposta pretende atribuir uma identidade consistente ao Ensino Médio, procurando reverter, com qualidade social, o alto índice de evasão e de reprovação; além de oportunizar aos alunos a construção de projetos de vida pessoais e coletivos que garantam a inserção social e produtiva com cidadania. (SEDUC‐RS, p. 4, 2011). A nova modalidade também busca preparar os jovens para a sua futura inserção no mundo do trabalho ou para a continuidade dos estudos no nível superior. O Ensino Médio
Politécnico foi implantado de forma gradual: em 2012, para o 1º ano; em 2013, para o 2º ano; e, em 2014, chegará ao 3º ano.
A noção de politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas, inspirada na proposta da “escola única” de Antônio Gramsci (1968).
A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nestes grupos uma determinada função tradicional, diretiva ou instrumental. Se quiser destruir esta trama, portanto, deve‐se evitar a multiplicação e graduação dos tipos de escola profissional, criando‐se, ao contrário, um tipo único de escola preparatória (elementar‐média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando‐o entrementes como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. (...) escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientação profissional, passar‐se‐á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo (GRAMSCI, 1968 apud SAVIANI, 1989, p. 17).
O dilema baseia‐se em satisfazer, dentro do cenário mundial globalizado, as imposições da ordem de estrutura política e econômica do capitalismo avançado. Seguindo o pensamento de Simões (2007), a politecnia postula que o processo de trabalho desenvolve, em uma unidade indissolúvel, aspectos manuais e intelectuais. Um pressuposto é que o trabalho humano envolve, conjuntamente, o exercício das mãos e da mente. A separação dessas funções é produto histórico‐social, construído particularmente nas sociedades capitalistas.
Saviani (2007), ao analisar o Ensino Médio e a relação com o trabalho, discorre que esse nível de ensino deve ser tratado diferentemente do ensino fundamental, pois, no ensino profissional, há uma relação explícita e direta entre a formação educacional e a preparação para o trabalho. As mudanças nos processos industriais, a inserção das novas tecnologias de informação e de comunicação e a implantação de equipamentos com eletrônica embarcada1 não só criaram uma nova relação entre emprego e trabalho, mas,
também, uma nova sistemática para a manutenção desses equipamentos, exigindo que
1 Eletrônica embarcada (On‐board electronics, em inglês), é a eletrônica desenvolvida para uma aplicação
os responsáveis por esse trabalho possuam formação profissional atualizada que lhes permita conhecer o equipamento e prover ações destinadas à correção de falhas.
A dicotomia educação versus trabalho no Ensino Médio, referido no modelo da politecnia, está presente durante o processo de elaboração dos currículos do Ensino Médio e indica que as posições do currículo formal do ensino profissional de nível médio são antagônicas, transformando em ponto de estrangulamento a consolidação das leis que regulamentam esse nível de ensino.
Alerta Almeida (2010) que, de um lado, os antigos currículos tratavam do sistema de competências para o desenvolvimento humano; e de outro, da inserção do educando no sistema produtivo, sem estabelecer um diálogo entre os dois lados e atender os princípios gerais da proposta do Conselho Nacional de Educação no que diz respeito à preparação do aluno para o trabalho. É comum encontrar reportagens veiculadas nos principais meios de comunicação afirmando que a formação profissional de qualquer nível é a solução para o emprego ou para a (re)colocação profissional dos aspirantes a determinada vaga ou cargo. Entretanto, o que se nota é que esses dois parâmetros – formação e trabalho – não funcionam integrados como se apresentam, mas distintos e, desse modo, a formação profissional não é garantia intrínseca para o trabalho. (ALMEIDA, 2010, p. 24).
Na mesma perspectiva e de forma mais radical, Simões (2007) reforça que a união entre trabalho intelectual e trabalho manual só poderá se realizar com a superação da propriedade privada dos meios de produção, colocando todo o processo produtivo a serviço da coletividade, do conjunto da sociedade. Na medida em que o processo de trabalho, historicamente, liberta os homens do jugo da natureza, do trabalho braçal, transferindo‐o progressivamente para as máquinas, não ocorre nada mais do que um desenvolvimento do próprio controle da natureza pelo homem. As máquinas não são outras coisas senão energia natural que o homem controla. Ao construir máquinas, o homem usa a energia da natureza para vencer obstáculos que ele antes tinha que superar com a energia dos próprios músculos, do próprio corpo.
O Plano de Governo 2011‐2014, no que tange à Política Educacional, estabeleceu como prioridades a democratização da gestão, do acesso à escola, ao conhecimento com qualidade social, à aprendizagem e ao patrimônio cultural e a permanência do aluno na escola, além da qualificação do Ensino Médio e da Educação Profissional. O documento‐ base contextualiza uma proposta para a educação do século XXI, que tem a responsabilidade de ofertar à juventude e ao mundo um novo paradigma, uma mudança estrutural que coloque o Ensino Médio para além da mera continuidade do Ensino Fundamental, instituindo‐o efetivamente como etapa final da Educação Básica. É indispensável um Ensino Médio que contemple a qualificação, a articulação com o mundo do trabalho e práticas produtivas, com responsabilidade, sustentabilidade e qualidade social. (SEDUC‐RS, 2011).
Para Simões (2007), o Ensino Técnico articulado com o Ensino Médio, preferencialmente integrado, representa uma possibilidade que não só colabora na questão da sobrevivência econômica e da inserção social dos jovens, como, também, aponta para uma proposta educacional que, na integração de campos do saber, torna‐se fundamental na perspectiva do desenvolvimento pessoal e na transformação das realidades sociais em que os jovens estão inseridos. A relação e a integração entre teoria e prática, trabalho manual e intelectual, cultura técnica e cultura geral representam um avanço conceitual e a materialização de uma proposta pedagógica mais avançada em direção aos interesses da juventude.
A base da proposta politécnica traz a concepção marxista afirmando que é pelo trabalho que os seres humanos produzem conhecimento, desenvolvem e consolidam sua concepção de mundo, conformam as consciências, viabilizando a convivência, transformam a natureza, constroem a sociedade e fazem história. A politecnia se traduz por pensar em políticas públicas voltadas para a educação escolar integrada ao trabalho, à ciência e à cultura, que desenvolva as bases científicas, técnicas e tecnológicas necessárias à produção da existência e à consciência dos direitos políticos, sociais e culturais, bem como a capacidade de atingi‐los (GRAMSCI, 1978).
Na mesma linha, Saviani (1989) afirma que a noção de politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno.
O avanço descrito por Simões (2007) pode ser observado na figura 1 do referencial teórico da proposta pedagógica. Nota‐se uma preocupação para superar a proposta de um Ensino Médio fragmentado, com inúmeras disciplinas isoladas. Com a nova proposta, vislumbra‐se uma proposta pedagógica interdisciplinar, em que diversas áreas do conhecimento dialoguem entre si, possibilitando o acesso ao conhecimento e à aprendizagem, resultando na inserção social e produtiva dos sujeitos, ou seja, no exercício pleno da cidadania.
Fonte: AZEVEDO e REIS (2013).
O Ensino Médio Politécnico tem por base, na sua concepção, a articulação entre as áreas de conhecimento e suas tecnologias com os seguintes eixos: cultura, ciência, tecnologia e trabalho como princípio educativo. Já a educação profissional integrada ao Ensino Médio se configura como aquisição de princípios que, na contemporaneidade, regem a vida social e orientam os sistemas produtivos.
Destacam Azevedo e Reis (2013, p. 20), que “a crise que vive o Ensino Médio está associada à ausência de relação da escola com a vida por não haver o reconhecimento dos conhecimentos nela inseridos”, em que o trabalho possa constituir‐se como um elemento organizador do ensino, ampliando as condições em relação à compreensão da história da humanidade como uma conquista decorrente de suas lutas.
A preocupação central da implantação da nova proposta do Ensino Médio passou a ser meta central do governo, pois os números do modelo anterior geravam índices preocupantes ao considerar o compromisso com a aprendizagem para todos. A escolaridade líquida (idade esperada para o Ensino Médio 15‐17anos) é de apenas 53,1%. A defasagem idade‐série, no Ensino Médio, é de 30,5%. Da faixa etária de 15 a 17 anos, 108.995 jovens ainda frequentam o Ensino Fundamental. (SEDUC‐RS, 2011). Ao mesmo tempo, constatam‐se altos índices de abandono (13%), especialmente, no primeiro ano, e de reprovação (21,7%), no decorrer do curso, o que, segundo a SEDUC‐RS, reforça a necessidade de priorizar o trabalho pedagógico no Ensino Médio, levando em consideração o quadro abaixo:
A Rede Estadual de Ensino no nível Médio, de acordo com dados anteriores a 2011, em termos de matrícula, apresenta a seguinte realidade: turno da manhã, 184.255; turno da tarde, 53.598; e no turno da noite, 115.666, totalizando 354.509 alunos. Deste total, 279.570 (78,9%) estão na faixa etária (até 17 anos), correspondente a esse nível, e 74.939 (21,1%) têm idade superior a 17 anos (DEPLAN/SEDUC/RS, 2011). 84.000 (14,7%) jovens entre 15 e 17 anos estavam fora da escola (Pesquisa Nacional de Amostra e Domicílio PNAD/IBGE ‐ 2009), e que o crescimento de matrículas foi negativo nos últimos cinco anos. O panorama exposto é consequência de um currículo fragmentado, dissociado da realidade sócio‐histórica, e, portanto, do tempo social, cultural, econômico e dos avanços tecnológicos da informação e da comunicação. Essa conjunção de fatores apresenta uma realidade que exige, urgentemente, novas formas de organização do Ensino Médio. Para o Conselho Estadual de Educação ‐ CEED‐RS (2011), existe a necessidade da construção de uma nova proposta política‐pedagógica que preze pelo ensino das áreas de
conhecimento integrado ao mundo do trabalho, pela interação com as novas tecnologias, pela superação da imobilidade da gradeação curricular, da seletividade, da exclusão, e que, priorize o protagonismo do jovem, construindo uma efetiva identidade para o Ensino Médio.
Portanto, o Ensino Médio Politécnico no Estado do Rio Grande do Sul está configurado para suprir as demandas emergentes, transformar o Ensino Médio atual em uma proposta mais atrativa aos alunos e, consequentemente, reduzir os altos índices de evasão e de reprovação nesse nível de ensino. A opção de reestruturar os planos de estudo implica uma atitude de mudança que não é estranha ao mundo da educação. Mas será que os professores foram suficientemente preparados para assumirem essa proposta? Quais são as exigências para garantir uma política pública, seja em termos de corpo docente engajado nas escolas ou de infraestrutura adequada para viabilizar o ensino politécnico da forma como foi proposto? Trata‐se de uma construção processual dos profissionais da educação articulando as diferentes instâncias nos níveis estadual e municipal: secretarias de educação, escolas e comunidade escolar. Tal movimento exige, por fim, enfrentar a tendência de submissão às demandas do mercado capitalista de trabalho para não sucumbir frente aos “ditames” dos fins mais imediatos de produtividade e eficácia (STRECK; ADAMS, 2014).
A SEDUC‐RS (2011) destaca que a educação profissional constitui‐se em uma das interfaces para a construção de um projeto de desenvolvimento econômico e social equilibrado, devendo integrar o conjunto de ações que visam agregar qualidade ao desenvolvimento do Estado. Portanto, observa‐se que a reestruturação em processo deve se debruçar, também, sobre este quesito.
2 DESAFIOS E CONTINUIDADE DO PROJETO EDUCACIONAL POLITÉCNICO
GAÚCHO
A implementação de uma política que integre a educação profissional e tecnológica ao Ensino Médio, pressupõe a educação geral como parte inseparável da educação profissional, ou seja, como preparação para o mundo do trabalho, não como
sua finalidade exclusiva. De outra parte, a escola tem sido historicamente reconhecida “como lugar indispensável por legitimar os saberes que dão acesso ao mundo do trabalho” (STRECK; ADAMS, 2014, p.24), mas não sem enfrentar ambiguidades. Nesse contexto, a escola vive em meio a ambiguidades, não obstante todos os problemas vividos no interior da mesma, ela é reivindicação permanente nas deliberações do Orçamento Participativo (STRECK; ADAMS, 2014).
A partir dessa credibilidade, a educação profissional pode configurar‐se em espaço de aquisição dos princípios que regem a vida social e a produção contemporâneas, integrando‐as às formas tecnológicas, às dinâmicas de organização e gestão do trabalho e às variadas expressões culturais e de comunicação que integram essas dimensões. Freire enfatiza:
sei que a educação não é a alavanca para a mudança ou a transformação da sociedade, mas sei que a transformação social é feita de muitas tarefas pequenas e grandes, grandiosas e humildes! Estou incumbido de uma dessas tarefas. Sou um humilde agente da tarefa global de transformação. (FREIRE; SHOR, 1991, p.60).
Para que os docentes pudessem dar essa humilde contribuição na tarefa transformadora, a Secretaria Estadual de Educação pretendia contar com professores parceiros pró‐ativos que assumissem corresponsavelmente o intento de “conhecer os processos produtivos que são objetos das propostas de formação, de modo a assegurar a relação entre teoria e prática.” (SEDUC‐RS, 2011, p. 11). A intencionalidade de suprir as demandas emergentes e tornar o Ensino Médio atual uma proposta mais atrativa aos alunos, capaz de reduzir os altos índices de evasão e a reprovação, está ocorrendo após três anos de prática? Qual a realidade encontrada nas escolas?
Por ocasião de formações pedagógicas realizadas com o corpo docente de instituições como: Escola Estadual Pasqualini, em Novo Hamburgo, com o tema "O projeto Interdisciplinar com o aluno trabalhador"; Escola de Ensino Médio de Araricá, em Araricá, com o tema "O projeto Interdisciplinar com o aluno trabalhador"; Escola Estadual de 2º Grau Monsenhor José Becker, de Bom Princípio, com os temas "Trabalhando o projeto de vida do jovem" e "As novas tecnologias para o desenvolvimento do projeto
interdisciplinar"; e na Escola Estadual Assunção, de Alto Feliz, com foco nos "Planos de Estudo do Ensino Médio Politécnico", realizou‐se uma observação participante por meio da qual foram percebidos aspectos contraditórios na manifestação dos docentes. De um lado, manifestações de receio, apreensão e ansiedade. Como transformar os projetos pedagógicos tradicionais em propostas interdisciplinares a fim de alcançar uma ação coletiva enquanto instituição? E, de outro, há sinais de dedicação, envolvimento apaixonado de professores atuando, por exemplo, nos Seminários Integrados.
Conforme destaca a SEDUC‐RS (2011):
[...] de modo especial, nos Seminários Integrados a noção de interdisciplinaridade se apresenta como um meio, eficaz e eficiente, de articulação do estudo da realidade e produção de conhecimento com vistas à transformação. Traduz‐se na possibilidade real de solução de problemas, posto que carrega de significado o conhecimento que irá possibilitar a intervenção para a mudança de uma realidade. O trabalho interdisciplinar, como estratégia metodológica, viabiliza o estudo de temáticas transversalizadas, o qual alia a teoria e prática, tendo sua concretude por meio de ações pedagógicas integradoras. Tem como objetivo, numa visão dialética, integrar as áreas de conhecimento e o mundo do trabalho. (SEDUC, 2011, p.34).
Nas diversas formações realizadas, buscou‐se identificar pontos a serem melhorados no projeto politécnico gaúcho, entre eles: busca de maiores articulação e aproximação com o mundo empresarial; momentos de visitas técnicas a empresas; implementação de uma política de estágio curricular supervisionado para os alunos; aplicação de uma pesquisa de acompanhamento do egresso, verificando se ele conseguiu ingressar no mundo do trabalho ou no Ensino Superior; e, por fim, intensificação das formações continuadas dos professores, possibilitando a integração entre as escolas estaduais em seminários e a socialização de experiências de sucesso das diferentes escolas da Rede Estadual do RS.
Nota‐se que o projeto politécnico é uma realidade no Estado do Rio Grande do Sul e, como tal, necessita de ajustes, além de uma intensa formação e aproximação da comunidade local, inclusive do setor empresarial. Para tanto, torna‐se necessário construir um currículo que contemple, ao mesmo tempo, as dimensões relativas às
formações humana e científico‐tecnológica, de modo a romper com a histórica dualidade que separa a formação geral da preparação para o trabalho. (SAVIANI, 2007).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trabalhar o projeto interdisciplinar com a perspectiva da politecnia no Ensino Médio implica uma proposta pedagógica para os alunos do diurno e uma proposta pedagógica/planos de estudos para os alunos trabalhadores do noturno, pois são alunos com diferentes características e expectativas. O professor deve estar sempre disposto a dar sua melhor aula e planejar todo o conteúdo, analisando as diferenças entre as turmas do diurno/noturno. Durante a noite, o ideal é que tenham mais atividades práticas, dinâmicas de grupo, com base no princípio da aprendizagem coletiva, que inclui o ouvir, o ver e o fazer.
A proposta do politécnico apresenta, ainda, muitos desafios, entre os quais pode‐ se destacar: a articulação potencializadora entre trabalho e educação, a clareza para compreender a centralidade do domínio dos fundamentos para evitar uma profissionalização como adestramento e o avanço na prática de uma avaliação emancipadora.
Em relação ao primeiro desafio, trata‐se de articular trabalho e educação na prática, tornando o primeiro um princípio educativo. Os professores, em geral, encontram‐se como presas da concepção hegemônica capitalista arraigada no senso comum, na medida em que “nas sociedades de classes, a relação entre trabalho e educação tende a manifestar‐se na forma de separação entre escola e produção, (...) entre trabalho manual e trabalho intelectual” (SAVIANI, 2007, p. 157). Daí a necessidade de voltar à compreensão de trabalho como todas as formas de ação que os seres humanos desenvolvem para construir as condições que asseguram a sua sobrevivência; deste modo, é preciso reconhecê‐lo como responsável pela formação humana e pela constituição da sociedade.
Outro desafio liga‐se à necessidade de clarear a compreensão da profissionalização do trabalhador como formação integral que contemple já a dimensão
geral e técnica, como processos inseparáveis. Dominar os fundamentos é, radicalmente, diferente da profissionalização como adestramento, como ocorria no ensino profissionalizante. Compreender o trabalho como princípio educativo orientador implica em compreender as necessidades de formação de dirigentes e trabalhadores que caracterizam as formas de organização e gestão da vida social e produtiva em cada época. Ou seja, significa reconhecer que os projetos pedagógicos de cada época expressam as necessidades educativas determinadas pelas formas de organizar a produção e a vida social.
A terceira questão a ser enfrentada tem a ver com a avaliação, que precisa ser repensada dentro de outro paradigma. Para uma nova proposta pedagógica, exige‐se um novo modelo de avaliação. É preciso compreendê‐la como um princípio educativo e não um acerto de contas, romper o paradigma da avaliação tradicional, propondo um modelo de avaliação emancipatória. Segundo a SEDUC‐RS (2011), o eixo central da avaliação emancipatória deveria ser articulado com as práticas democráticas em todas as instâncias das políticas educacionais. A escola seria esse espaço privilegiado para a aprendizagem dessas práticas, uma vez que tem o compromisso com o desenvolvimento de capacidades e habilidades humanas para a participação social e cidadã de seus alunos. Porém, a questão é como fazer com que a avaliação emancipatória seja inserida no processo educacional como o eixo fundamental da aprendizagem? Não somente porque seu ponto de partida é a realidade, ou porque sinaliza os avanços do aluno em suas aprendizagens, em termos de superação das dificuldades, mas, especialmente, porque se traduz na melhor oportunidade de refletir sobre e rever as práticas na escola. Conforme Saul (1998),
[...] é possível afirmar que o paradigma da avaliação emancipatória mostra‐se extremante adequado na avaliação de programas e políticas quando se tem uma perspectiva critica‐transformadora da realidade e se deseja, como processo avaliativo, uma prática democrática (SAUL, 1998).
Enfim, essa compreensão e prática poderão avançar mediante um novo fazer pedagógico que se caracterize, também, pelo abandono da prática da avaliação como instrumento autoritário de exercício do poder, como função de controle, na explicitação da classificação e da seleção, conceitos estes vinculados à qualidade na produção
industrial (SEDUC‐RS, p. 20, 2011). A proposta pedagógica do Ensino Politécnico, que visa articular a realidade social do jovem gaúcho, é desafiadora, na medida em que propõe o rompimento com a fragmentação em disciplinas, “as gavetas do mundo escolar”. Mas como consolidar uma proposta educacional dessa natureza para que seja assumida como um projeto da comunidade escolar e não permanecer como política “impositiva” – utilizando a expressão de alguns educadores – que acabe com a mudança do governante?
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