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TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NO ENSINO MÉDIO POLITÉCNICO GAÚCHO: INOVAÇÃO CURRICULAR E DESAFIOS PEDAGÓGICOS

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Academic year: 2021

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TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NO ENSINO MÉDIO 

POLITÉCNICO GAÚCHO: INOVAÇÃO CURRICULAR E DESAFIOS 

PEDAGÓGICOS 

 

 

 

  Resumo  O presente trabalho analisa o projeto educacional do Ensino  Médio Politécnico do RS, iniciado em 2011. A discussão visa  à  compreensão  do  Projeto  Pedagógico  e  da  Política  Educacional,  que  estabeleceram  como  prioridade  a  democratização  da  gestão,  do  acesso  à  escola  e  ao  conhecimento  com  qualidade  social,  do  acesso  à  aprendizagem  e  ao  patrimônio  cultural  visando  à  permanência  do  aluno  na  escola,  além  da  qualificação  do  Ensino  Médio  e  da  Educação  Profissional.  O  texto  aborda  uma  proposta  interdisciplinar,  que  articula  o  ensino  das  disciplinas  a  partir  das  áreas  do  conhecimento:  Ciências  Humanas,  Ciências  da  Natureza,  Linguagens,  além  de  Matemática e suas tecnologias. A referência teórica valoriza  a  problematização  sob  o  olhar  de  Azevedo,  Adams,  Freire,  Gramsci,  Reis,  Streck,  Saviani,  entre  outros.  Além  do  olhar  teórico,  o  artigo  analisa  o  processo  de  implantação  da  proposta,  tendo  por  base  as  observações  realizadas  durante  os  cursos  de  formação  ocorridos  nas  seguintes  instituições:  Escola  Estadual  Pasqualini  (Novo  Hamburgo),  Escola de Ensino Médio de Araricá (Araricá), Escola Estadual  de 2º Grau Monsenhor José Becker (Bom Princípio) e Escola  Estadual  Assunção  (Alto  Feliz).  Entre  as  conclusões,  apontam‐se  os  (des)encontros  entre  a  gestão  e  a  implantação da nova proposta educacional.    Palavras‐chave: Trabalho, Politecnia, Emancipação Social,  Educação Profissional.      Leandro Sieben  Faculdade IENH  leandrosete@gmail.com        Telmo Adams  Unisinos  adams.telmo@gmail.com     

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1. UM NOVO ENSINO MÉDIO NO RIO GRANDE DO SUL 

A  reestruturação  curricular  do  Ensino  Médio  Gaúcho  foi  implantada  após  debate  com  a  comunidade  escolar  na  Conferência  Estadual  do  Ensino  Médio  e  da  Educação  Profissional, que foi estruturada em cinco etapas: (1) Etapa Escolar, (2) Etapa Municipal,  (3) Etapa Regional, (4) Etapa Inter‐regional, (5) Conferência Estadual do Ensino Médio e  da Educação Profissional. Todas as etapas contemplaram a sistematização dos debates e  a eleição de delegados, que aperfeiçoaram o documento‐base. Na etapa da Conferência  Estadual  (5),  houve  a  participação  das  representações  das  universidades,  dos  setores  produtivos  e  de  outras  organizações  governamentais  e  não  governamentais.  A  culminância  da  discussão  resultou  na  Conferência  Estadual  do  Ensino  Médio  e  da  Educação Profissional, em dezembro de 2011.  

A iniciativa do Ensino Médio Politécnico, apresentada no documento da Secretaria  da Educação do Estado do Rio Grande do Sul, objetiva propiciar o desenvolvimento dos  alunos,  assegurando‐lhes  a  formação  comum  indispensável  ao  exercício  pleno  da  cidadania  e  fornecer‐lhes  meios  para  progredir  no  trabalho  e  em  estudos  posteriores;  qualificar o estudante enquanto cidadão, incluindo a formação ética e o desenvolvimento  da  autonomia  intelectual  e  do  pensamento  crítico  e  a  compreensão  dos  fundamentos  científico‐tecnológicos  dos  processos  produtivos,  relacionando  teoria  e  prática,  nas  atividades  pedagógicas.  Além  disso,  pretende‐se  reduzir  os  índices  de  evasão  e  de  repetência nessa modalidade de ensino e trazer para os bancos escolares cerca de 70 mil  jovens que estão fora da escola. 

O  Ensino  Médio  Politécnico  articula  as  disciplinas  a  partir  das  áreas  do  conhecimento (Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens e Matemática e suas  tecnologias).  A  nova  proposta  pretende  atribuir  uma  identidade  consistente  ao  Ensino  Médio,  procurando  reverter,  com  qualidade  social,  o  alto  índice  de  evasão  e  de  reprovação; além de oportunizar aos alunos a construção de projetos de vida pessoais e  coletivos  que  garantam  a  inserção  social  e  produtiva  com  cidadania.  (SEDUC‐RS,  p.  4,  2011). A nova modalidade também busca preparar os jovens para a sua futura inserção no  mundo do trabalho ou para a continuidade dos estudos no nível superior. O Ensino Médio 

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Politécnico  foi  implantado  de  forma  gradual:  em  2012,  para  o  1º  ano;  em  2013,  para  o  2º  ano; e, em 2014, chegará ao 3º ano. 

A  noção  de  politecnia  diz  respeito  ao  domínio  dos  fundamentos  científicos  das  diferentes técnicas, inspirada na proposta da “escola única” de Antônio Gramsci (1968).  

A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de  escola  próprio,  destinado  a  perpetuar  nestes  grupos  uma  determinada  função  tradicional,  diretiva  ou  instrumental.  Se  quiser  destruir  esta  trama, portanto, deve‐se evitar a multiplicação e graduação dos tipos de  escola  profissional,  criando‐se,  ao  contrário,  um  tipo  único  de  escola  preparatória (elementar‐média) que conduza o jovem até os umbrais da  escolha  profissional,  formando‐o  entrementes  como  pessoa  capaz  de  pensar,  de  estudar,  de  dirigir  ou  de  controlar  quem  dirige.  (...)  escola  única  inicial  de  cultura  geral,  humanista,  formativa,  que  equilibre  equanimemente  o  desenvolvimento  da  capacidade  de  trabalhar  manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das  capacidades  de  trabalho  intelectual.  Deste  tipo  de  escola  única,  através  de  repetidas  experiências  de  orientação  profissional,  passar‐se‐á  a  uma  das  escolas  especializadas  ou  ao  trabalho  produtivo  (GRAMSCI,  1968  apud SAVIANI, 1989, p. 17).  

 

O  dilema  baseia‐se  em  satisfazer,  dentro  do  cenário  mundial  globalizado,  as  imposições  da  ordem  de  estrutura  política  e  econômica  do  capitalismo  avançado.  Seguindo  o  pensamento  de  Simões  (2007),  a  politecnia  postula  que  o  processo  de  trabalho desenvolve, em uma unidade indissolúvel, aspectos manuais e intelectuais. Um  pressuposto é que o trabalho humano envolve, conjuntamente, o exercício das mãos e da  mente.  A  separação  dessas  funções  é  produto  histórico‐social,  construído  particularmente nas sociedades capitalistas.  

Saviani (2007), ao analisar o Ensino Médio e a relação com o trabalho, discorre que  esse  nível  de  ensino  deve  ser  tratado  diferentemente  do  ensino  fundamental,  pois,  no  ensino  profissional,  há  uma  relação  explícita  e  direta  entre  a  formação  educacional  e  a  preparação para o trabalho. As mudanças nos processos industriais, a inserção das novas  tecnologias  de  informação  e  de  comunicação  e  a  implantação  de  equipamentos  com  eletrônica embarcada1 não só criaram uma nova relação entre emprego e trabalho, mas, 

também,  uma  nova  sistemática  para  a  manutenção  desses  equipamentos,  exigindo  que 

      

1  Eletrônica  embarcada  (On‐board  electronics,  em  inglês),  é  a  eletrônica  desenvolvida  para  uma  aplicação 

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os  responsáveis  por  esse  trabalho  possuam  formação  profissional  atualizada  que  lhes  permita conhecer o equipamento e prover ações destinadas à correção de falhas. 

A  dicotomia  educação  versus  trabalho  no  Ensino  Médio,  referido  no  modelo  da  politecnia,  está  presente  durante  o  processo  de  elaboração  dos  currículos  do  Ensino  Médio e indica que as posições do currículo formal do ensino profissional de nível médio  são  antagônicas,  transformando  em  ponto  de  estrangulamento  a  consolidação  das  leis  que regulamentam esse nível de ensino. 

 Alerta Almeida (2010) que, de um lado, os antigos currículos tratavam do sistema  de competências para o desenvolvimento humano; e de outro, da inserção do educando  no  sistema  produtivo,  sem  estabelecer  um  diálogo  entre  os  dois  lados  e  atender  os  princípios  gerais  da  proposta  do  Conselho  Nacional  de  Educação  no  que  diz  respeito  à  preparação  do  aluno  para  o  trabalho.  É  comum  encontrar  reportagens  veiculadas  nos  principais  meios  de  comunicação  afirmando  que  a  formação  profissional  de  qualquer  nível  é  a  solução  para  o  emprego  ou  para  a  (re)colocação  profissional  dos  aspirantes  a  determinada  vaga  ou  cargo.  Entretanto,  o  que  se  nota  é  que  esses  dois  parâmetros  –  formação e trabalho – não funcionam integrados como se apresentam, mas distintos e,  desse  modo,  a  formação  profissional  não  é  garantia  intrínseca  para  o  trabalho.  (ALMEIDA, 2010, p. 24). 

Na mesma perspectiva e de forma mais radical, Simões (2007) reforça que a união  entre  trabalho  intelectual  e  trabalho  manual  só  poderá  se  realizar  com  a  superação  da  propriedade  privada  dos  meios  de  produção,  colocando  todo  o  processo  produtivo  a  serviço  da  coletividade,  do  conjunto  da  sociedade.  Na  medida  em  que  o  processo  de  trabalho,  historicamente,  liberta  os  homens  do  jugo  da  natureza,  do  trabalho  braçal,  transferindo‐o  progressivamente  para  as  máquinas,  não  ocorre  nada  mais  do  que  um  desenvolvimento  do  próprio  controle  da  natureza  pelo  homem.  As  máquinas  não  são  outras  coisas  senão  energia  natural  que  o  homem  controla.  Ao  construir  máquinas,  o  homem usa a energia da natureza para vencer obstáculos que ele antes tinha que superar  com a energia dos próprios músculos, do próprio corpo. 

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O  Plano  de  Governo  2011‐2014,  no  que  tange  à  Política  Educacional,  estabeleceu  como prioridades a democratização da gestão, do acesso à escola, ao conhecimento com  qualidade social, à aprendizagem e ao patrimônio cultural e a permanência do aluno na  escola, além da qualificação do Ensino Médio e da Educação Profissional. O documento‐ base  contextualiza  uma  proposta  para  a  educação  do  século  XXI,  que  tem  a  responsabilidade de ofertar à juventude e ao mundo um novo paradigma, uma mudança  estrutural  que  coloque  o  Ensino  Médio  para  além  da  mera  continuidade  do  Ensino  Fundamental,  instituindo‐o  efetivamente  como  etapa  final  da  Educação  Básica.  É  indispensável um Ensino Médio que contemple a qualificação, a articulação com o mundo  do  trabalho  e  práticas  produtivas,  com  responsabilidade,  sustentabilidade  e  qualidade  social. (SEDUC‐RS, 2011). 

Para  Simões  (2007),  o  Ensino  Técnico  articulado  com  o  Ensino  Médio,  preferencialmente  integrado,  representa  uma  possibilidade  que  não  só  colabora  na  questão  da  sobrevivência  econômica  e  da  inserção  social  dos  jovens,  como,  também,  aponta para uma proposta educacional que, na integração de campos do saber, torna‐se  fundamental  na  perspectiva  do  desenvolvimento  pessoal  e  na  transformação  das  realidades sociais em que os jovens estão inseridos. A relação e a integração entre teoria  e prática, trabalho manual e intelectual, cultura técnica e  cultura geral representam um  avanço  conceitual  e  a  materialização  de  uma  proposta  pedagógica  mais  avançada  em  direção aos interesses da juventude. 

A  base  da  proposta  politécnica  traz  a  concepção  marxista  afirmando  que  é  pelo  trabalho que os seres humanos produzem conhecimento, desenvolvem e consolidam sua  concepção  de  mundo,  conformam  as  consciências,  viabilizando  a  convivência,  transformam a natureza, constroem a sociedade e fazem história. A politecnia se traduz  por pensar em políticas públicas voltadas para a educação escolar integrada ao trabalho,  à  ciência  e  à  cultura,  que  desenvolva  as  bases  científicas,  técnicas  e  tecnológicas  necessárias  à  produção  da  existência  e  à  consciência  dos  direitos  políticos,  sociais  e  culturais, bem como a capacidade de atingi‐los (GRAMSCI, 1978). 

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Na  mesma  linha,  Saviani  (1989)  afirma  que  a  noção  de  politecnia  diz  respeito  ao  domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo  de trabalho produtivo moderno. 

O avanço descrito por Simões (2007) pode ser observado na figura 1 do referencial  teórico  da  proposta  pedagógica.  Nota‐se  uma  preocupação  para  superar  a  proposta  de  um Ensino Médio fragmentado, com inúmeras disciplinas isoladas. Com a nova proposta,  vislumbra‐se  uma  proposta  pedagógica  interdisciplinar,  em  que  diversas  áreas  do  conhecimento  dialoguem  entre  si,  possibilitando  o  acesso  ao  conhecimento  e  à  aprendizagem,  resultando  na  inserção  social  e  produtiva  dos  sujeitos,  ou  seja,  no  exercício pleno da cidadania. 

 

Fonte: AZEVEDO e REIS (2013). 

 

O Ensino Médio Politécnico tem por base, na sua concepção, a articulação entre as  áreas  de  conhecimento  e  suas  tecnologias  com  os  seguintes  eixos:  cultura,  ciência,  tecnologia e trabalho como princípio educativo. Já a educação profissional integrada ao  Ensino  Médio  se  configura  como  aquisição  de  princípios  que,  na  contemporaneidade,  regem a vida social e orientam os sistemas produtivos. 

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Destacam Azevedo e Reis (2013, p. 20), que “a crise que vive o Ensino Médio está  associada  à  ausência  de  relação  da  escola  com  a  vida  por  não  haver  o  reconhecimento  dos  conhecimentos  nela  inseridos”,  em  que  o  trabalho  possa  constituir‐se  como  um  elemento organizador do ensino, ampliando as condições em relação à compreensão da  história da humanidade como uma conquista decorrente de suas lutas.  

A preocupação central da implantação da nova proposta do Ensino Médio passou  a  ser  meta  central  do  governo,  pois  os  números  do  modelo  anterior  geravam  índices  preocupantes  ao  considerar  o  compromisso  com  a  aprendizagem  para  todos.  A  escolaridade líquida (idade esperada para o Ensino Médio 15‐17anos) é de apenas 53,1%. A  defasagem  idade‐série,  no  Ensino  Médio,  é  de  30,5%.  Da  faixa  etária  de  15  a  17  anos,  108.995  jovens  ainda  frequentam  o  Ensino  Fundamental.  (SEDUC‐RS,  2011).  Ao  mesmo  tempo, constatam‐se altos índices de abandono (13%), especialmente, no primeiro ano, e  de  reprovação  (21,7%),  no  decorrer  do  curso,  o  que,  segundo  a  SEDUC‐RS,  reforça  a  necessidade  de  priorizar  o  trabalho  pedagógico  no  Ensino  Médio,  levando  em  consideração o quadro abaixo: 

 A Rede Estadual de Ensino no nível Médio, de acordo com dados anteriores a 2011,  em termos de matrícula, apresenta a seguinte realidade: turno da manhã, 184.255;  turno  da  tarde,  53.598;  e  no  turno  da  noite,  115.666,  totalizando  354.509  alunos.  Deste total, 279.570 (78,9%) estão na faixa etária (até 17 anos), correspondente a  esse nível, e 74.939 (21,1%) têm idade superior a 17 anos (DEPLAN/SEDUC/RS, 2011).   84.000 (14,7%) jovens entre 15 e 17 anos estavam fora da escola (Pesquisa Nacional  de Amostra e Domicílio PNAD/IBGE ‐ 2009), e que o crescimento de matrículas foi  negativo nos últimos cinco anos.  O panorama exposto é consequência de um currículo fragmentado, dissociado da  realidade sócio‐histórica, e, portanto, do tempo social, cultural, econômico e dos avanços  tecnológicos da informação e da comunicação. Essa conjunção de fatores apresenta uma  realidade que exige, urgentemente, novas formas de organização do Ensino Médio. Para  o Conselho Estadual de Educação ‐ CEED‐RS (2011), existe a necessidade da construção de  uma  nova  proposta  política‐pedagógica  que  preze  pelo  ensino  das  áreas  de 

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conhecimento integrado ao mundo do trabalho, pela interação com as novas tecnologias,  pela  superação  da  imobilidade  da  gradeação  curricular,  da  seletividade,  da  exclusão,  e  que, priorize o protagonismo do jovem, construindo uma efetiva identidade para o Ensino  Médio. 

Portanto,  o  Ensino  Médio  Politécnico  no  Estado  do  Rio  Grande  do  Sul  está  configurado para suprir as demandas emergentes, transformar o Ensino Médio atual em  uma proposta mais atrativa aos alunos e, consequentemente, reduzir os altos índices de  evasão  e  de  reprovação  nesse  nível  de  ensino.  A  opção  de  reestruturar  os  planos  de  estudo implica uma atitude de mudança que não é estranha ao mundo da educação. Mas  será  que  os  professores  foram  suficientemente  preparados  para  assumirem  essa  proposta? Quais são as exigências para garantir uma política pública, seja em termos de  corpo  docente  engajado  nas  escolas  ou  de  infraestrutura  adequada  para  viabilizar  o  ensino politécnico da forma como foi proposto? Trata‐se de uma construção processual  dos  profissionais  da  educação  articulando  as  diferentes  instâncias  nos  níveis  estadual  e  municipal: secretarias de educação, escolas e comunidade escolar. Tal movimento exige,  por  fim,  enfrentar  a  tendência  de  submissão  às  demandas  do  mercado  capitalista  de  trabalho  para  não  sucumbir  frente  aos  “ditames”  dos  fins  mais  imediatos  de  produtividade e eficácia (STRECK; ADAMS, 2014). 

A  SEDUC‐RS  (2011)  destaca  que  a  educação  profissional  constitui‐se  em  uma  das  interfaces  para  a  construção  de  um  projeto  de  desenvolvimento  econômico  e  social  equilibrado,  devendo  integrar  o  conjunto  de  ações  que  visam  agregar  qualidade  ao  desenvolvimento  do  Estado.  Portanto,  observa‐se  que  a  reestruturação  em  processo  deve se debruçar, também, sobre este quesito. 

 

2  DESAFIOS  E  CONTINUIDADE  DO  PROJETO  EDUCACIONAL  POLITÉCNICO 

GAÚCHO 

A  implementação  de  uma  política  que  integre  a  educação  profissional  e  tecnológica  ao  Ensino  Médio,  pressupõe  a  educação  geral  como  parte  inseparável  da  educação  profissional,  ou  seja,  como  preparação  para  o  mundo  do  trabalho,  não  como 

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sua  finalidade  exclusiva.  De  outra  parte,  a  escola  tem  sido  historicamente  reconhecida  “como  lugar  indispensável  por  legitimar  os  saberes  que  dão  acesso  ao  mundo  do  trabalho”  (STRECK;  ADAMS,  2014,  p.24),  mas  não  sem  enfrentar  ambiguidades.  Nesse  contexto,  a  escola  vive  em  meio  a  ambiguidades,  não  obstante  todos  os  problemas  vividos  no  interior  da  mesma,  ela  é  reivindicação  permanente  nas  deliberações  do  Orçamento Participativo (STRECK; ADAMS, 2014). 

 A  partir  dessa  credibilidade,  a  educação  profissional  pode  configurar‐se  em  espaço  de  aquisição  dos  princípios  que  regem  a  vida  social  e  a  produção  contemporâneas,  integrando‐as  às  formas  tecnológicas,  às  dinâmicas  de  organização  e  gestão  do  trabalho  e  às  variadas  expressões  culturais  e  de  comunicação  que  integram  essas dimensões. Freire enfatiza: 

  

sei que a educação não é a alavanca para a mudança ou a transformação  da  sociedade,  mas  sei  que  a  transformação  social  é  feita  de  muitas  tarefas pequenas e grandes, grandiosas e humildes! Estou incumbido de  uma  dessas  tarefas.  Sou  um  humilde  agente  da  tarefa  global  de  transformação. (FREIRE; SHOR, 1991, p.60). 

 

Para  que  os  docentes  pudessem  dar  essa  humilde  contribuição  na  tarefa  transformadora,  a  Secretaria  Estadual  de  Educação  pretendia  contar  com  professores  parceiros  pró‐ativos  que  assumissem  corresponsavelmente  o  intento  de  “conhecer  os  processos produtivos que são objetos das propostas de formação, de modo a assegurar a  relação  entre  teoria  e  prática.”  (SEDUC‐RS,  2011,  p.  11).  A  intencionalidade  de  suprir  as  demandas  emergentes  e  tornar  o  Ensino  Médio  atual  uma  proposta  mais  atrativa  aos  alunos, capaz de reduzir os altos índices de evasão e a reprovação, está ocorrendo após  três anos de prática? Qual a realidade encontrada nas escolas?  

Por  ocasião  de  formações  pedagógicas  realizadas  com  o  corpo  docente  de  instituições  como:  Escola  Estadual  Pasqualini,  em  Novo  Hamburgo,  com  o  tema  "O  projeto Interdisciplinar com o aluno trabalhador"; Escola de Ensino Médio de Araricá, em  Araricá, com o tema "O projeto Interdisciplinar com o aluno trabalhador"; Escola Estadual  de  2º  Grau  Monsenhor  José  Becker,  de  Bom  Princípio,  com  os  temas  "Trabalhando  o  projeto  de  vida  do  jovem"  e  "As  novas  tecnologias  para  o  desenvolvimento  do  projeto 

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interdisciplinar";  e  na  Escola  Estadual  Assunção,  de  Alto  Feliz,  com  foco  nos  "Planos  de  Estudo do Ensino Médio Politécnico", realizou‐se uma observação participante por meio  da qual foram percebidos aspectos contraditórios na manifestação dos docentes. De um  lado,  manifestações  de  receio,  apreensão  e  ansiedade.  Como  transformar  os  projetos  pedagógicos  tradicionais  em  propostas  interdisciplinares  a  fim  de  alcançar  uma  ação  coletiva  enquanto  instituição?  E,  de  outro,  há  sinais  de  dedicação,  envolvimento  apaixonado de professores atuando, por exemplo, nos Seminários Integrados.  

Conforme destaca a SEDUC‐RS (2011): 

[...]  de  modo  especial,  nos  Seminários  Integrados  a  noção  de  interdisciplinaridade  se  apresenta  como  um  meio,  eficaz  e  eficiente,  de  articulação  do  estudo  da  realidade  e  produção  de  conhecimento  com  vistas  à  transformação.  Traduz‐se  na  possibilidade  real  de  solução  de  problemas,  posto  que  carrega  de  significado  o  conhecimento  que  irá  possibilitar  a  intervenção  para  a  mudança  de  uma  realidade.  O  trabalho  interdisciplinar,  como  estratégia  metodológica,  viabiliza  o  estudo  de  temáticas  transversalizadas,  o  qual  alia  a  teoria  e  prática,  tendo  sua  concretude  por  meio  de  ações  pedagógicas  integradoras.  Tem  como  objetivo,  numa  visão  dialética,  integrar  as  áreas  de  conhecimento  e  o  mundo do trabalho. (SEDUC, 2011, p.34). 

 

Nas  diversas  formações  realizadas,  buscou‐se  identificar  pontos  a  serem  melhorados  no  projeto  politécnico  gaúcho,  entre  eles:  busca  de  maiores  articulação  e  aproximação  com  o  mundo  empresarial;  momentos  de  visitas  técnicas  a  empresas;  implementação  de  uma  política  de  estágio  curricular  supervisionado  para  os  alunos;  aplicação de uma pesquisa de acompanhamento do egresso, verificando se ele conseguiu  ingressar  no  mundo  do  trabalho  ou  no  Ensino  Superior;  e,  por  fim,  intensificação  das  formações  continuadas  dos  professores,  possibilitando  a  integração  entre  as  escolas  estaduais  em  seminários  e  a  socialização  de  experiências  de  sucesso  das  diferentes  escolas da Rede Estadual do RS. 

Nota‐se que o projeto politécnico é uma realidade no Estado do Rio Grande do Sul  e,  como  tal,  necessita  de  ajustes,  além  de  uma  intensa  formação  e  aproximação  da  comunidade  local,  inclusive  do  setor  empresarial.  Para  tanto,  torna‐se  necessário  construir  um  currículo  que  contemple,  ao  mesmo  tempo,  as  dimensões  relativas  às 

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formações humana e científico‐tecnológica, de modo a romper com a histórica dualidade  que separa a formação geral da preparação para o trabalho. (SAVIANI, 2007). 

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Trabalhar  o  projeto  interdisciplinar  com  a  perspectiva  da  politecnia  no  Ensino  Médio  implica  uma  proposta  pedagógica  para  os  alunos  do  diurno  e  uma  proposta  pedagógica/planos de estudos para os alunos trabalhadores do noturno, pois são alunos  com diferentes características e expectativas. O professor deve estar sempre disposto a  dar sua melhor aula e planejar todo o conteúdo, analisando as diferenças entre as turmas  do  diurno/noturno.  Durante  a  noite,  o  ideal  é  que  tenham  mais  atividades  práticas,  dinâmicas de grupo, com base no princípio da aprendizagem coletiva, que inclui o ouvir, o  ver e o fazer.  

A proposta do politécnico apresenta, ainda, muitos desafios, entre os quais pode‐ se  destacar:  a  articulação  potencializadora  entre  trabalho  e  educação,  a  clareza  para  compreender  a  centralidade  do  domínio  dos  fundamentos  para  evitar  uma  profissionalização  como  adestramento  e  o  avanço  na  prática  de  uma  avaliação  emancipadora.  

Em  relação  ao  primeiro  desafio,  trata‐se  de  articular  trabalho  e  educação  na  prática,  tornando  o  primeiro  um  princípio  educativo.  Os  professores,  em  geral,  encontram‐se  como  presas  da  concepção  hegemônica  capitalista  arraigada  no  senso  comum,  na  medida  em  que  “nas  sociedades  de  classes,  a  relação  entre  trabalho  e  educação  tende  a  manifestar‐se  na  forma  de  separação  entre  escola  e  produção,  (...)  entre trabalho manual e trabalho intelectual” (SAVIANI, 2007, p. 157). Daí a necessidade  de  voltar  à  compreensão  de  trabalho  como  todas  as  formas  de  ação  que  os  seres  humanos  desenvolvem  para  construir  as  condições  que  asseguram  a  sua  sobrevivência;  deste  modo,  é  preciso  reconhecê‐lo  como  responsável  pela  formação  humana  e  pela  constituição da sociedade.  

Outro  desafio  liga‐se  à  necessidade  de  clarear  a  compreensão  da  profissionalização do trabalhador como formação integral que contemple já a dimensão 

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geral e técnica, como processos inseparáveis. Dominar os fundamentos é, radicalmente,  diferente  da  profissionalização  como  adestramento,  como  ocorria  no  ensino  profissionalizante. Compreender o trabalho como princípio educativo orientador implica  em  compreender  as  necessidades  de  formação  de  dirigentes  e  trabalhadores  que  caracterizam  as  formas  de  organização  e  gestão  da  vida  social  e  produtiva  em  cada  época.  Ou  seja,  significa  reconhecer  que  os  projetos  pedagógicos  de  cada  época  expressam  as  necessidades  educativas  determinadas  pelas  formas  de  organizar  a  produção e a vida social.  

A  terceira  questão  a  ser  enfrentada  tem  a  ver  com  a  avaliação,  que  precisa  ser  repensada dentro de outro paradigma. Para uma nova proposta pedagógica, exige‐se um  novo modelo de avaliação. É preciso compreendê‐la como um princípio educativo e não  um acerto de contas, romper o paradigma da avaliação tradicional, propondo um modelo  de  avaliação  emancipatória.  Segundo  a  SEDUC‐RS  (2011),  o  eixo  central  da  avaliação  emancipatória deveria ser articulado com as práticas democráticas em todas as instâncias  das  políticas  educacionais.  A  escola  seria  esse  espaço  privilegiado  para  a  aprendizagem  dessas  práticas,  uma  vez  que  tem  o  compromisso  com  o  desenvolvimento  de  capacidades  e  habilidades  humanas  para  a  participação  social  e  cidadã  de  seus  alunos.  Porém,  a  questão  é  como  fazer  com  que  a  avaliação  emancipatória  seja  inserida  no  processo educacional como o eixo fundamental da aprendizagem? Não somente porque  seu  ponto  de  partida  é  a  realidade,  ou  porque  sinaliza  os  avanços  do  aluno  em  suas  aprendizagens, em termos de superação das dificuldades, mas, especialmente, porque se  traduz na melhor oportunidade de refletir sobre e rever as práticas na escola. Conforme  Saul (1998), 

[...]  é  possível  afirmar  que  o  paradigma  da  avaliação  emancipatória  mostra‐se  extremante  adequado  na  avaliação  de  programas  e  políticas  quando se tem uma perspectiva critica‐transformadora da realidade e se  deseja, como processo avaliativo, uma prática democrática (SAUL, 1998). 

 

Enfim,  essa  compreensão  e  prática  poderão  avançar  mediante  um  novo  fazer  pedagógico  que  se  caracterize,  também,  pelo  abandono  da  prática  da  avaliação  como  instrumento autoritário de exercício do poder, como função de controle, na explicitação  da  classificação  e  da  seleção,  conceitos  estes  vinculados  à  qualidade  na  produção 

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industrial (SEDUC‐RS, p. 20, 2011). A proposta pedagógica do Ensino Politécnico, que visa  articular a realidade social do jovem gaúcho, é desafiadora, na medida em que propõe o  rompimento  com  a  fragmentação  em  disciplinas,  “as  gavetas  do  mundo  escolar”.  Mas  como consolidar uma proposta educacional dessa natureza para que seja assumida como  um  projeto  da  comunidade  escolar  e  não  permanecer  como  política  “impositiva”  –  utilizando a expressão de alguns educadores – que acabe com a mudança do governante?      

4. REFERÊNCIAS 

ADAMS, Telmo. Educação e economia popular solidária. Aparecida, SP: Idéias e Letras,  2010.    ALMEIDA, Nelson Morato Pinto de. Tese (doutorado). O Ensino Profissional Técnico de  nível médio no Brasil e no Chile. Convergências e Divergências na Formação Profissional  e no Trabalho. São Paulo. 2010.    AZEVEDO, Jose Clovis de. REIS, Jonas Tarcísio. Reestruturação do Ensino Médio:  pressupostos teóricos e desafios da prática. São Paulo: Fundação Santillana, 2013.    FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 47ª ed .Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.    FREIRE, Paulo, SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 12. Ed. São Paulo: Paz  e Terra, 1991.    GRAMSCI, Antônio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,  1978.    KUENZER, Acácia Zeneida. Ensino Médio e Profissional: as políticas do estado neoliberal.  São Paulo, Cortez, 1997.    KUENZER, Acácia Zeneida. As mudanças no mundo do trabalho e a educação: novos  desafios para a gestão. São Paulo: Cortez, 1998.    SAUL, Ana Maria. Avaliação Emancipatória. São Paulo: Cortez, 1998.    SAVIANI, Demerval. Sobre a Concepção de Politecnia. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo  Cruz, 1989.    SAVIANI, Demerval. Trabalho e Educação: Fundamentos Ontológicos e Históricos.  Campinas: Revista Brasileira de Educação, v. 12 n. 34, 2007. 

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  SEDUC‐RS. Secretaria de Estado da Educação do Rio Grande do Sul. Departamento  Pedagógico Proposta pedagógica para o ensino médio politécnico e educação  profissional integrada ao ensino médio ‐ 2011‐2014. Seduc‐RS: Porto Alegre, 2011.    SIMÕES, Carlos Artexes. Juventude e Educação Técnica: a experiência na formação de  jovens trabalhadores. Rio de Janeiro, CEFEF, 2007.    STRECK, Danilo R. ADAMS, Telmo. Pesquisa participativa, emancipação e (des)  coloniadade. Curitiba, PR: CRV, 2014.    THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa‐Ação. São Paulo: Editora Cortez, 2009.       

 

Referências

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