Sentença de mérito
Incidente n. 0037336-66.2014.8.16.0021
Parte autora: Ministério Público do Estado do Paraná;
Parte ré: Erica Marta Ceccato Kaefer;
Administrador Judicial:
Capital Administradora Judicial Ltda.
I. RELATÓRIO:
1. Trata-se de procedimento instaurado, em síntese, por força de pedido
realizado no parecer final do Ministério Público (mov. 1.2), acostado nos autos
da Recuperação Judicial convolada em Falência, n. 24946-35.2012.8.16.0021.
2. A determinação para criação deste incidente constou na sentença de
quebra (mov. 1.1), confira-se:
Em respeito ao devido processo legal e com base no princípio da adaptabilidade, determino a instauração de incidentes para adequar o processamento do pedido do Ministério Público referente à extensão dos efeitos da falência e desconsideração da personalidade jurídica. A medida serve para oportunizar o contraditório diferido, bem como evitar o tumulto nos autos principais.
3. Devidamente citada, Erica Marta Ceccato Kaefer apresentou contestação
(mov. 6.1) alegando que: a) não é apontado nenhum dado concreto para
responsabilizá-la, além do fato de ser filha do controlador, Sr. Jacob Alfredo
Kaefer e ter figurado como sócia entre 2008 e 2010; b) a requerida prestou
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serviços à companhia, tendo recebido valores por isso; c) a requerida não
participou de nenhum “esquema”.
4. Manifestação do Administrador Judicial no mov. 15, rebatendo as
impugnações e opinando pela responsabilização.
5. Parecer do Ministério Público no mov. 19.
6. Decisão indeferindo pedido de suspensão dos efeitos da liminar, mov. 31.
7 . Foi determinada a realização de prova pericial, mov. 48. O perito contábil
nomeado, Sr. Augusto de Conto, acostou laudo no mov. 81 e esclarecimento
no mov. 121.
8. Não tendo sido solicitado qualquer outro tipo de prova, as partes foram
intimadas e apresentaram alegações finais nos movs. 135, 136, 138.
9. A requerida sustentou, em suma, que: (i) não possuía poder de gestão e não
tomou qualquer decisão relevante, seja como acionista ou conselheira fiscal;
(ii) prestava serviços a empresa; (iii) enquanto acionista sua participação foi
irrelevante; (iv) os valores recebidos foram legítimos e declarados; (v) além da
Diplomata, Érica não possuiu nenhuma relação com as demais empresas; (vi)
não houve movimentação financeira relevante ou dilapidação do patrimônio.
10. O Administrador Judicial e o Ministério Público sustentam a violação de
deveres legais, bem como abuso e confusão patrimonial aptos a ensejarem a
responsabilização da parte requerida.
11. Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório, passo a decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:
II.1. Do devido processo legal:
12. O presente incidente constitui um desdobramento da sentença de quebra,
sendo criado para garantir os direitos de defesa, em sua máxima amplitude,
àqueles que supostamente incorreram em desvios e prejuízos contra os
credores da massa falida do Grupo Diplomata.
13. Conforme dispõe o art. 82 da Lei n.11.101/05:
Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.
14. Na melhor interpretação do dispositivo
1, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel
Mitidiero indicam que a observância de procedimento ordinário não se
confunde com a necessidade de propositura de ação autônoma, in verbis:
1 No âmbito do Superior Tribuna de Justiça, confira-se (i) Pela Terceira Turma: REsp 1266666/SP, Dj. 09/08/2011;
AgRg no REsp 1459831/MS, Dj. 21/10/2014; AgRg no AREsp 224.113/MS, Dj. 18/02/2014; REsp 228357/SP, Dj. 02/02/2004; (ii) Pela Quarta Turma: REsp 881.330/SP, Dj. 19/08/2008; REsp 1071643/DF, Dj. 02/04/2009; REsp 907.915/SP, Dj. 07/06/2011; e REsp 1096604/DF, Dj. 02/08/2012. Por todos, transcrevo a lição do processualista e Desembargador, Alexandre Freitas Câmara: “Direito empresarial. Extensão a terceiro, ex-sócio, dos efeitos de decisão que decretou falência de sociedade. Desnecessidade de instauração de processo autônomo, desde que respeitados, em incidente processual, os princípios do devido processo legal e do contraditório”. (TJRJ - AI n. 2009.002.07815, 2ª CC, Dj. 29/04/2009).
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O artigo em comento alude à responsabilidade dos sócios, dos controladores e administradores da sociedade falida, prescrevendo a sua apuração no próprio juízo falimentar. Contudo, eventuais beneficiários de condutas ilícitas (ato ultravires ou fraudulentos) praticadas por aquelas pessoas também podem ser responsabilizadas no juízo falimentar, quer se tratem de pessoas físicas ou de outras sociedades. Não se mostra necessário, inclusive, processo autônomo para tanto, dês que se possibilite paridade de armas a todos que participem do feito. A responsabilidade a eles pode ser estendida, sendo possível ainda, a desconsideração de eventual personalidade jurídica, sempre observando o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
15. Como na espécie restou observado o rito ordinário mediante ampla
cognição e paridade de armas, o que englobou o direito de petição e de prova
aptos a influir a decisão final deste magistrado, antecipo-me para afirmar que a
as exigências constitucionais e legais foram integralmente acatadas.
II.2. Breve introdução à controvérsia:
16. Há muito tempo, doutrina especializada vem alertando que o devedor de
má-fé, em estado de crise empresarial, propende a dar sobrevida artificial ao
seu negócio no intuito de extrair algum tipo de vantagem pessoal
2.
2 Confira-se a lição de Ricardo Tepedino, in Lei de Recuperação de Empresas e Falência, organizado por Paulo F.C.
Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão, Ed. Saraiva, 5ª Ed., 2012, p. 448. No mesmo sentido, Yussef Said Cahali, in Fraude Contra Credores, 5ª Ed., Editora RT, 2013, p. 537. Por todos, transcreva-se a visão de Fábio Ulhoa Coelho: “O Devedor (em caso de empresário individual) e os sócios, acionista controlador ou administradores de uma sociedade empresária, ao pressentirem que a empresa se encontra em situação econômica pré-falimentar - caracterizada pela dificuldade de receber e realizar pagamentos, redução da demanda dos produtos e serviços oferecidos, retração do crédito bancário -, podem ser tentados a evitar a decretação da quebra ou contornar suas consequências por meios ilícitos, fraudando credores ou as finalidades de execução concursal (que são a realização do ativo, o pagamento do passivo, o tratamento paritário dos credores etc.). Poderão, nesse contexto,
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17. Invariavelmente, recusa-se a reconhecer a insolvabilidade, não por
acreditar na sua superação, mas porque sabe que a conservação do poder de
controle
3permite-lhe drenar, discretamente, as últimas forças patrimoniais da
sociedade em franco prejuízo à terceiros.
18. Vejamos como isso ocorreu na hipótese dos autos.
II.3. Do favorecimento familiar:
19. Com a decretação da falência e o afastamento dos devedores da
administração - que até então detinham o monopólio das informações
societárias - restou franqueado o acesso as escrituras, registros e demais
dados contábeis que, em tese, descreviam o dia-a-dia do Grupo Diplomata.
20. Isso contribuiu para melhor compreensão da dinâmica dos ilícitos
praticados, inclusive abrindo caminho para que fossem ouvidos e efetivamente
simular atos de alienação de bens do patrimônio social ou instituir, em favor de credor quirografário, garantia real em troca de alguma vantagem indevida”. Grifo nosso (in Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas, 10ª Ed., Saraiva, 2014, p. 455.)
3 Extrai-se da obra “O Poder de Controle na Sociedade Anônima”, 6ª Ed., Saraiva, 2014, pgs. 102-110, de coautoria de
Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho a seguinte definição: “O controle exprime uma particular situação, em razão da qual um sujeito é capaz de marcar com a própria vontade a atividade econômica de uma determinada sociedade [...] Controlar uma empresa significa poder dispor dos bens que lhe são destinados, de tal arte que o controlador se torna senhor da atividade econômica. [...] Ora, essa função, nas sociedades mercantis, sobretudo nas anônimas, a não ser por figura de retórica, pode ser atribuída à pessoa jurídica em si. A sociedade não é o empresário, isto é, o titular do poder de controle, mas o ‘titular da empresa’. [...] Os bens sociais pertencem à sociedade, mas quem detém sobre eles o poder de disposição é o empresário, ou seja, titular do controle”
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responsabilizados aqueles que concorreram para os danos econômicos e
sociais refletidos em dívida societária superior a 1,4 bilhões de reais.
21. No caso dos autos, o ilícito tem sua origem em 05 de setembro de 2008,
quando a Sra. Érica, aos 19 anos de idade, vincula-se a Diplomata S/A
Industrial e Comercial mediante 1.000 (mil) ações cedidas e transferidas pelo
seu pai, Sr. Jacob Alfredo Stoffels Kaefer.
22. Logo após, foi eleita para o cargo de conselheira fiscal, momento em que
passou a receber, a título de pró-labore, R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mensais.
Em fevereiro de 2011 este valor subiu para R$ 7.000,00 (sete mil reais) e em
julho de 2011 para R$ 10.000,00 (dez mil reais).
23. A ré deixou de ser acionista somente em 22 de dezembro de 2010,
retornando as ações para seu genitor, permanecendo formalmente vinculada
como Conselheira Fiscal. A sua retirada definitiva ocorreu somente em julho de
2012 (mês anterior ao ajuizamento da recuperação judicial).
24. Durante seu período vinculado à Diplomata, Erica recebeu R$ 290.000,00
(duzentos e noventa mil reais)
4.
II.4. Da violação de impedimento legal:
25. De acordo com o Sr. Perito Contábil, a ré Erica Marta Ceccato Kaefer,
enquanto filha do Sr. Jacob Alfredo Kaefer, nunca poderia ter sido eleita para o
4 Mov. 6.4: “Valor bruto”.
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Conselho Fiscal ante a expressa vedação contida no art. 162, §2º da Lei n.
6.404/76 - Lei das S/A:
§ 2º Não podem ser eleitos para o conselho fiscal, além das pessoas enumeradas nos parágrafos do artigo 147, membros de órgãos de administração e empregados da companhia ou de sociedade controlada ou do mesmo grupo, e o cônjuge ou parente, até terceiro grau, de administrador da companhia.
26. Na lição de Modesto Carvalhosa
5, a previsão legal deste órgão [Conselho
Fiscal] é compreendida pela necessidade de se controlar institucionalmente a
marcha das atividades sociais e a gestão dos negócios realizadas pelos
administradores, com fito de prevenir abusos em detrimento da companhia, dos
seus acionistas e até mesmo de terceiros.
27. Para o desempenho do cargo de conselheiro fiscal exige-se, por óbvio, que
a pessoa ostente independência e imparcialidade, razão pela qual a lei proibiu
que parentes fossem eleitos.
28. Sendo incontroverso que a eleição da ré foi eivada de ilegalidade, por
violação frontal de impedimento legal (art. 162, § 2º) resta perquirir quais são
as consequências jurídicas aplicáveis.
II.5. Da ausência de responsabilidade solidária:
5 In Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v.3, Ed. Saraiva, 1997, p. 366.
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29. O Ministério Público e o Administrador Judicial pugnam pela
responsabilização solidária de Erica Kaefer pelas dívidas contraídas pela
Diplomata S/A, tomando por base o art. 165, §3º da Lei n. 6404/46, in verbis:
Art. 165. Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deveres dos administradores de que tratam os arts. 153 a 156 e respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto. § 1º Os membros do conselho fiscal deverão exercer suas funções no exclusivo interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o exercício da função com o fim de causar dano à companhia, ou aos seus acionistas ou administradores, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia, seus acionistas ou administradores.
§ 2º O membro do conselho fiscal não é responsável pelos atos ilícitos de outros membros, salvo se com eles foi conivente, ou se concorrer para a prática do ato.
§ 3º A responsabilidade dos membros do conselho fiscal por omissão no cumprimento de seus deveres é solidária [...]
30. Por seu turno, a ré alega ausência do dever de indenizar porque não
possuía poder de gestão e não praticou nenhum ato relevante ou fraudulento.
Além disso, como o conselho fiscal nunca foi convocado ou instalado, sustenta
que nenhuma responsabilidade poderia ser imputada a este título.
31. Sopesadas as alegações das partes, concordo com a parte requerida, no
sentido de que não subsiste responsabilidade solidária (art. 165, §3º), pois a ré
confessa jamais ter assumido ou exercido a função de conselheira.
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32. Todavia, a conclusão acima não significa irrestrita ausência de
responsabilidade civil, porquanto existe - como se verá no próximo tópico -
enquadramento jurídico apto a ensejar a devolução dos recursos recebidos.
II.6. Da responsabilidade civil pela liberalidade simulada:
33. No contexto dos autos, resta muito claro que a eleição da ré para o cargo
de conselheira fiscal serviu como disfarce a fraude contra credores
espelhada
nos valores que Jacob Kaefer desviava dos cofres da Diplomata S/A em favor
de sua filha, Erica Kaefer.
34. Neste sentido, confira-se o laudo do Sr. Perito Contábil:
Foi eleita “ilegalmente” para o Conselho Fiscal, pois como filha do Diretor Presidente não poderia exercer tal função. Essa decisão também foi vontade do seu pai, como forma de vinculá-la a sociedade e com isso, poder remunerá-la, lá ficando até 2012. O pai pagava uma mesada (doação mensal) para a filha a título de pró-labore [...] Como recebeu remuneração da Diplomata sem nunca ter trabalhado e/ou, praticado qualquer ato inerente às atribuições de Conselheira Fiscal, conclui-se que o valor pago a ela no total de R$ 290.000,00 (duzendos e noventa mil reais) foi o prejuízo causado à sociedade [mov. 121.2 e 121.3 - grifo nosso]
35. Imperioso repisar: em nítida simulação
6, confusão patrimonial
7e abuso de
seu poder de controle
8, Jacob Alfredo S. Kaefer (genitor da requerida) doava,
com recurso de sua empresa, uma mesada para a ré
9.
6 Carlos Roberto Gonçalves contextualiza a simulação como sendo aquele negócio que tem aparência contrária à
realidade. Nas suas palavras, “a simulação é um produto de um conluio entre os contratantes, visando obter efeito diverso daquele que o negócio aparenta conferir. Não é vício do consentimento, pois não atinge a vontade em sua formação. É uma desconformidade consciente da declaração, realizada de comum acordo com a pessoa a quem
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36. Ou seja, em absoluta inversão de valores, a Sra. Erica, sem trabalhar
ou prestar qualquer serviço, usufruía de recursos que, por direito,
serviriam (ou poderiam servir) de pagamento aos verdadeiros
colaboradores do Grupo Diplomata, como é o caso de empregados
celetistas e pequenos produtores rurais.
se destina, com o objetivo de enganar terceiros ou fraudar a lei”. (in Direito Civil Brasileiro, v.1, Ed. Saraiva, 2007, p.440)
7 Confira-se a seguinte ementa: “Fraude à execução. Sociedade que teve sua personalidade jurídica desconsiderada,
quer por força de dissolução irregular, quer pela constatação de confusão patrimonial entre a empresa e os sócios, ao tempo do funcionamento, com utilização abusiva da personificação societária por parte desses. [...] Bens alienados por um deles aos filhos menores, gratuitamente. Fraude à execução evidenciada. Irrelevância, para sua caracterização, da eventual consumação previamente ao início da execução. Demanda de conhecimento de todo modo pendente e capaz de levar a devedora à insolvência. Propósito inequívoco de esvaziamento patrimonial em detrimento de credores. Impossibilidade de se cogitar, no caso, de boa-fé dos donatários. Decisão de Primeiro Grau reformada. Agravo dos exequentes provido, para permitir a penhora dos imóveis indevidamente transferidos”. (TJSP, AI n. 0116167-86.2012.8.26.0000, Des. Fabio Tabosa; Comarca: 2ª CDP; DJ: 07/08/2012)
8 Lei das S/A: Art. 116. [...] Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a
companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
9 No ponto, vale conferir a abordagem do tema feita por Yussef Said Cahali: “[...] um crédito não é senão um título
sem valor quando o devedor está arruinado; todos os direitos reconhecidos ao credor para obter, seja execução forçada, seja uma indenização, não lhes serviriam para nada, se não lhe dessem, quando a ocasião se apresenta, os meios de conservar no patrimônio do devedor os valores que formam sua garantia. Com efeito, a defesa do credor atuada com o processo executivo seria nenhuma, ou ao menos poderia não ser eficaz, se a lei não apresentasse nenhum remédio a seu interesse [...] Para o credor, é indiferente que o devedor apenas simule ou que, realmente, com fraude, faça a alienação ou oneração de seus bens em favor de terceiro; num e noutro caso, o bem desapareceu do patrimônio do devedor, criando-se o problema para o credor, quando esse tiver a necessidade de exigir o cumprimento da obrigação”. (in Fraude Contra Credores, 5ª Ed., Ed. RT, 2013, p. 36-43)
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37. E nem poderia aventar-se ausência de culpabilidade, pois é inequívoco que
a Sra. Erica Kaefer tinha conhecimento da origem dos valores, pois além de
beneficiária direta, os incluiu expressamente em sua declaração de imposto de
renda
10.
Como muito bem pontuado pelo Desembargador Paulista Francisco
Loureiro:
Rigorosamente irrelevante que o réu tenha, ou não, participado ativa ou dolosamente na prática criminosa. O que importa, para fins de ressarcimento é o fato de ter indevidamente se beneficiado com o produto do ato ilícito (TJSP - Apelação nº 0043931-27.2008.8.26.0405, 6ª CDP, Dj 11.04.2013).
38. Portanto, compartilho da conclusão registrada no laudo, no sentido de que
a ré deve ser responsabilizada em R$ 290.000,00, seja pelo prejuízo causado a
massa falida em virtude da liberalidade disfarçada, seja pelo enriquecimento
indevido (art. 884 do CC) em fraude contra credores (art. 158 do CC)
11.
39. Aliás, é igualmente possível aventar a configuração de fraude à execução
(art. 592, inc. II do CPC), uma vez que a época dos desvios a empresa já se
10 Vide movs. 6.5 a 6.9
11 “Ocorre frequentemente a fraude quando, achando-se um devedor assoberbado de compromissos, com o ativo
reduzido e o passivo elevado, procura subtrair aos credores uma parte daquele ativo, e neste propósito faz uma liberalidade a um amigo ou parente, ou vende a vil preço um bem qualquer, ou concede privilégio a um credor mediante a outorga de garantia real, ou realiza qualquer ato, que a má-fé engendra com grande riqueza de imaginação. Afirmamos que inexiste aqui um vício do consentimento, porque o agente assim procede, porque assim quer, sem que a declaração de vontade sofra uma distorção que a coloque em divergência com o querer interior”. (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil. – 26. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 463)
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encontrava em situação de insolvência e com várias demandas em curso
contra si
12.
40. Em caso análogo, a Colenda 17ª Câmara deste Egrégio Tribunal, em sede
de Agravo de Instrumento sob a relatoria da Exma. Des. Rosana Amara
Girardi Fachin, reconheceu a prevalência do interesse do credor, senão
vejamos:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO [...] DOAÇÃO DO EXECUTADO - ACRÉSCIMO PATRIMONIAL GRATUITO DO DONATÁRIO EM DETRIMENTO DO LEGÍTIMO INTERESSE DO CREDOR - PONDERAÇÃO DE VALORES QUE SE RESOLVE EM FAVOR DO SEGUNDO [...] É o próprio sistema de direito civil que revela sua intolerância com o enriquecimento de terceiros, beneficiados por atos gratuitos do devedor, em detrimento de credores, e isso independentemente de suposições acerca da má-fé dos donatários” (TJPR - 17ª C.Cível - AI - 1291910-7 - Unânime - - J. 08.07.2015)
41. Feitas essas considerações e estribado nos artigos 158, 186, 884, 927 e
942 do Código Civil, bem como no artigo 130 da Lei n. 11.101/05, condeno a
requerida a restituição dos valores recebidos indevidamente, rejeitando, por
sua vez, o pleito de responsabilidade solidária formulados pelo Parquet e
Administrador Judicial.
III – DISPOSITIVO:
12 Mais uma vez nos valemos da lição de Carlos Roberto Gonçalves: “Tendo de optar entre o direito dos credores,
que procuram evitar um prejuízo, qui certant de damno vitando, e o dos donatários (em geral, filhos ou parentes próximos do doador insolvente) que procuram assegurar um lucro, qui certat de lucro captando, o legislador desta vez preferiu proteger os primeiros, que buscam evitar um prejuízo” (Op. Cit., p. 413)
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42. Ante o exposto, JULGO O PEDIDO PARCIALMENTE PROCEDENTE, na
forma do art. 269, inc. I do CPC, para condenar a parte requerida a restituir a
quantia líquida referente aos R$ 290.000,00 (duzentos e noventa mil reais)
recebida indevidamente a título de pro-labore, corrigida monetariamente com
base na tabela do TJPR acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da
citação.
43. Por oportuno, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios em favor da massa falida, os quais fixo em 15%
(quinze por cento) sobre o valor do débito atualizado, nos termos do art. 20,
§3º, do CPC.
P.R.I.
Datado Eletronicamente.
PEDRO IVO LINS MOREIRA
JUIZ DE DIREITO
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PCF
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1501822-1, DE
CASCAVEL - 1ª VARA CÍVEL.
AGRAVANTE :
ERICA
MARTA
CECCATO
KAEFER.
AGRAVADOS :
MINISTÉRIO
PÚBLICO
DO
ESTADO DO PARANÁ E OUTROS.
RELATOR
: DES. TITO CAMPOS DE PAULA.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL CONVOLADA EM FALÊNCIA (“GRUPO DIPLOMATA”) – EXTENSÃO DOS EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO À AGRAVANTE (FILHA DO PRINCIPAL CONTROLADOR DO
GRUPO) – CONTRADITÓRIO DIFERIDO – INCIDENTE
PROCESSUAL INSTAURADO E JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA AFASTAR A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA RÉ, MAS PARA CONDENÁ-LA A RESTITUIR VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE “PRO-LABORE” – RÉ QUE USUFRUIU DE RECURSOS FINANCEIROS DA EMPRESA SEM TRABALHAR OU PRESTAR QUALQUER SERVIÇO – INCONFORMISMO – 1) ALEGAÇÃO DE QUE A VIA PROCESSUAL ADEQUADA PARA A CONDENAÇÃO DA RÉ EM RESTITUIR VALORES SERIA A DA AÇÃO REVOCATÓRIA – NÃO ACOLHIMENTO – INCIDENTE QUE SE TRATA DE DESDOBRAMENTO DA SENTENÇA DE QUEBRA E VISA APURAR RESPONSABILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 82 DA LEI N.º 11.101/2005 – 2) JULGAMENTO QUE TERIA SE DADO “EXTRA PETITA” – INOCORRÊNCIA – CONDENAÇÃO QUE DECORRE DA RESPONSABILIZAÇÃO PELA VERBA RECEBIDA INDEVIDAMENTE – 3) ALEGAÇÃO DE QUE A RÉ, COMO CONSELHEIRA FISCAL, NÃO PRATICOU ATOS DECISÓRIOS E QUE, POR ISSO, NÃO PODERIA LHE SER IMPUTADO PRÁTICA DE FRAUDE – IMPROCEDÊNCIA – LAUDO PERICIAL QUE REVELOU O RECEBIMENTO DE
Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 2 LABORE” SEM A CONTRAPRESTAÇÃO DE TRABALHO – CONDENAÇÃO MANTIDA – 4) ARGUIÇÃO DE DECADÊNCIA (DE 4 ANOS – ART. 178, C.C.) PARA ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO – NÃO ACOLHIMENTO – INCIDÊNCIA DA REGRA DISPOSTA NO § 1º DO ARTIGO 82 DA LEI N.º 11.101/2005 (DOIS ANOS PARA A AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO, CONTADOS DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE ENCERRAMENTO DA FALÊNCIA) – 5) IRREPETIBILIDADE DOS VALORES PORQUE RECEBIDOS A TÍTULO DE VERBA ALIMENTAR – TEORIA QUE NÃO SE APLICA NA HIPÓTESE DOS AUTOS – NATUREZA ALIMENTAR NÃO CONFIGURADA ANTE A AUSÊNCIA DA CONTRAPRESTAÇÃO DE TRABALHO –
6) (SUCESSIVAMENTE) ALEGAÇÃO DE QUE SÓ PODERIAM
SER EXIGIDOS VALORES RECEBIDOS NO INTERVALO COMPREENDIDO NO PERÍODO SUSPEITO (A PARTIR DE 05/05/2012) – PARCIAL ACOLHIMENTO – TERMO LEGAL DE FALÊNCIA (23/01/2009) QUE DEVE SER OBSERVADO – 7) (SUCESSIVAMENTE) ARGUIÇÃO DE PRESCRIÇÃO (ART. 206, § 3º, C.C.) PARA RESSARCIMENTO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA EM RELAÇÃO A VALORES RECEBIDOS ANTERIORMENTE A 21/01/2012 – REJEIÇÃO – INCIDÊNCIA DA REGRA DISPOSTA NO § 1º DO ARTIGO 82 DA LEI N.º 11.101/2005 – 8) (SUCESSIVAMENTE) PRETENSÃO DE ABATIMENTO DOS VALORES RETIDOS A TÍTULO DE IMPOSTO DE RENDA E OUTROS ENCARGOS QUE INCIDIRAM SOBRE A VERBA AUFERIDA PELA RÉ À ÉPOCA – DEFERIMENTO – DEVOLUÇÃO QUE DEVE OBSERVAR ESTRITAMENTE OS VALORES RECEBIDOS PELA RÉ,
ABATENDO-SE AQUILO QUE NÃO FOI REPASSADO
DIRETAMENTE PARA ELA – 9) RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.
VISTOS.
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Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 3
I – Em ação de recuperação judicial sob n.º
0024946-35.2012.8.16.0021, o juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Cascavel proferiu
sentença de convolação de recuperação judicial em falência, em 01/12/2014,
decretando a falência das seguintes sociedades:
1. Diplomata S/A Industrial e Comercial; 2. Klassul Industrial de Alimentos S/A; 3. Attivare Engenharia e Eletricidade Ltda.; 4. Jornal Hoje Ltda.; 5. Paper Mídia Ltda.
Declarou-se, ainda, por ocorrência de fraudes
patrimoniais, a extensão dos efeitos da falência em face das seguintes
sociedades:
6 - UNIÃO ALFA DE EDUCAÇÃO E ENSINO SUPERIOR LTDA; 7 - ALFREDO KAEFER & CIA LTDA; 8 - SUPER DIP DISTRIBUIÇÃO E VAREJO LTDA; 9 - RCK COMUNICAÇÕES LTDA; 10 - DIP PETROLEO DISTRIBUIDOR DE COMBUSTÍVEIS LTDA; 11 - KAEMAN AGRICOLA LTDA; 12 - CIZAL CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA; 13 - BOA VISTA AGROPECUÁRIA LTDA; 14 - ELECTRYX SERVIÇOS ELETRICOS LTDA; 15 - SUL SUPERCRED CIA SECURITIZADORA DE CREDITOS FINANCEIROS; 16 - WEST SIDE SHOPING CENTER LTDA; 17 - DIPLOMATA OESTE AVICULTURA LTDA; 18 - DIPLOMATA CASCAVEL CEREAIS LTDA; 19 - INTERAGRO FRIGOR; 20 - ECCO NATURE AMBIENTAL LTDA; 21 - MINERAL STONE LTDA; 22 - KIT TRADING COMERCIAL EXPORTADORA LTDA; 23 - DIP CARD ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO LTDA; 24 - DIP FLEX COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS LTDA; 25 - AEROPORTO REGIONAL OESTE PARANÁ LTDA; 26 - INTERAGRO INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA; 27 - KAEFER INTERNATIONAL TRADING INC (EIN 33-1220012).
Desconsiderou-se, também, a personalidade jurídica
das empresas para o fim de determinar que respondam solidariamente com
seus bens particulares, as seguintes pessoas físicas:
1 – JACOB ALFREDO STOFFELS KAEFER; 2 – CLARICE ROMAN; 3 – FREDERICO AUGUSTO CECCATTO KAEFER; 4 – ALESSANDRA CENIRA CECCATO KAEFER; 5 – ERICA MARTA CECCATO KAEFER; 6 – JOÃO LUIZ MASCHIO; 7 – GIOVANNI CATALDI NETO; 8 - SIDNEI NARDELLI; 9 - RAYMUNDO GALLIO SOBRINHO; 10 - MANOEL DIAS MEDEIROS; 11 - OTHMAR HELENO REMPEL; 12 – EMILIO FERNANDO MARTINI; 13 – EVERLI VITÓRIA CHANDOHA.
Por ordem contida na sentença, foi instaurado incidente
processual em face de Érica Marta Ceccato Kaefer, autuado sob o n.º
Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 4
0037336-66.2014.8.16.0021,
Conforme narrado à fl. 627-TJ (mov. 145.1), o ilícito em
relação à ré teria sua origem em 05 de setembro de 2008, quando Érica, aos
19 anos de idade, se vinculou a Diplomata S/A Industrial e Comercial mediante
1.000 (mil) ações cedidas e transferidas pelo seu pai, Sr. Jacob Alfredo Stoffels
Kaefer, e logo após, foi eleita para o cargo de conselheira fiscal, momento em
que passou a receber, a título de pró-labore, R$ 5.000,00 (cinco mil reais)
mensais. Em fevereiro de 2011 este valor teria subido para R$ 7.000,00 (sete
mil reais) e em julho de 2011 para R$ 10.000,00 (dez mil reais). A ré teria
deixado de ser acionista em 22 de dezembro de 2010, retornando as ações
para seu genitor, permanecendo formalmente vinculada como Conselheira
Fiscal. A sua retirada definitiva teria ocorrido somente em julho de 2012 (mês
anterior ao ajuizamento da recuperação judicial). Durante seu período
vinculado à Diplomata, Erica teria recebido R$ 290.000,00 (duzentos e noventa
mil reais) de forma irregular, eis que, em resumo, na realidade não teria
prestado serviços para a sociedade empresarial.
Realizada citação, Érica apresentou defesa negando os
fatos (mov. 6); houve manifestação da administradora judicial (mov. 15) e
produção de provas, notadamente pericial, com juntada de laudo nos mov. 81 e
121. Apresentadas as alegações finais pelas partes (mov. 135 e 138), o juízo a
quo proferiu sentença, em 21/01/2016, julgando o pedido parcialmente
procedente, para condenar a parte requerida a restituir a quantia líquida
referente aos R$ 290.000,00 recebidos indevidamente a título de pro-labore
(fls. 622/634-TJ – mov. 145.1).
Dessa decisão, a requerida Érica interpôs o presente
agravo de instrumento, com pedido de concessão de efeito suspensivo,
alegando, em síntese:
a) que a via processual adequada para condenação da ré em restituir valores seria a da ação revocatória;
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Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 5 b) que o julgamento foi “extra petita” porque não houve pedido expresso de restituição;
c) que a ré, como conselheira fiscal, não praticou atos decisórios e que, por isso, não poderia lhe ser imputado prática de fraude;
d) ocorrência de decadência de 4 anos, conforme artigo 178, CC, para anulação do negócio jurídico;
e) que seriam irrepetíveis os valores porque recebidos a título de verba alimentar;
f) na forma sucessiva, em prevalecendo a ordem de restituição, que só poderiam ser exigidos valores recebidos no intervalo compreendido no período suspeito (a partir de 05/05/2012);
g) na forma sucessiva, em prevalecendo a ordem de restituição, que já ocorreu a prescrição para ressarcimento de enriquecimento sem causa em relação a valores recebidos anteriormente a 21/01/2012, com fulcro no artigo 206, § 3º, C.C.;
h) na forma sucessiva, em prevalecendo a ordem de restituição, que seja autorizado o abatimento dos valores retidos a título de imposto de renda e outros encargos que incidiram sobre a verba auferida pela ré à época.
Pleiteada a concessão de efeito suspensivo ao agravo,
o requerimento foi parcialmente acolhido, apenas para o fim de determinar o
sobrestamento de eventual início de execução provisória (fls. 647/648-v-TJ).
As informações foram prestadas pelo juízo a quo às
fls. 652/655-TJ; a administradora judicial apresentou contrarrazões às fls.
661/674-TJ, requerendo o não provimento do recurso; e a Procuradoria Geral
de Justiça emitiu parecer às fls. 889/891-TJ, manifestando-se pelo
desprovimento do agravo.
É a breve exposição.
II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO:
Da admissibilidade do recurso:
A parte requerida interpôs agravo de instrumento com
base no artigo 100 da Lei n.º 11.101/2005, que prevê o cabimento de agravo
Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 6
de instrumento de decisão que decreta a falência, e apelação da que julga
improcedente o pedido.
O juízo a quo, ao prestar informações, chamou atenção
para a possibilidade de cabimento de recurso de apelação da sentença
proferida em ação que apura a responsabilidade pessoal de sócios de
responsabilidade limitada, conforme previsão contida no artigo 82 da Lei n.º
11.101/2005
1, destacando que a admissão do manejo de agravo pela requerida
no caso não é pacífico.
Note-se que a sentença ora impugnada foi proferida em
incidente processual depois de proferida sentença de convolação de
recuperação judicial em falência do “Grupo Diplomata”, a qual estendeu, com
contraditório diferido, os efeitos da falência à Érica Marta Ceccato Kaefer (filha
do principal controlador do Grupo, Jacob Alfredo Stoffels Kaefer).
Embora efetivamente o juízo a quo tenha razão em
dizer que o referido incidente processual se enquadre na hipótese prevista no
artigo 82 da Lei n.º 11.101/2005, não existe expressa previsão acerca do
recurso cabível da sentença proferida, dando espaço ao surgimento de dúvidas
que autorizam a aplicação do princípio da fungibilidade no caso concreto. Tanto
é que o próprio juízo a quo, ao proferir a sentença ora recorrida, fez constar
que o referido incidente processual é um desdobramento da sentença de
quebra (fl. 624-TJ), o que daria margem à interpretação adotada pela
recorrente de aplicação do disposto no artigo 100 da Lei n.º 11.101/2005.
Portanto, não vislumbrando ocorrência de erro
1 Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida na falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo civil.
§ 1º. Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo.
§ 2º. O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização.
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Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 7
grosseiro na hipótese em questão, e considerando a ausência de previsão
específica e a ausência de posicionamento pacífico na jurisprudência, deve ser
conhecido o presente recurso, evitando-se, com isso, que a prestação
jurisdicional seja negada.
Das alegações recursais:
a) Alegação de que a via processual adequada para
condenação da ré em restituir valores seria a da ação revocatória;
Embora a recorrente se insurja alegando que a via
processual adequada para a busca da condenação da ré em restituir valores
seria a da ação revocatória, conforme já adiantado no item anterior, o incidente
em questão se enquadra na hipótese prevista no artigo 82 da Lei n.º
11.101/2005, e se trata na verdade de um desdobramento da sentença de
quebra, não havendo, por isso, razão para o acolhimento da tese da agravante.
Ademais, o mais importante é que tenham ficado claras
as imputações feitas à pessoa da ré e que ela tenha tido o direito de exercer
ampla defesa e contraditório, o que efetivamente ocorreu no caso, pois houve
apresentação de contestação no mov. 6.1, manifestação para especificação de
provas no mov. 34.1, apresentação de quesitos e rol de testemunhas no mov.
63.1, oferecimento de alegações finais no mov. 135.1, além da própria
interposição do presente recurso.
b) Alegação de que o julgamento foi extra petita porque
não houve pedido expresso de restituição;
A parte recorrente pretende a nulidade da sentença
proferida no incidente sob o argumento de que houve julgamento extra petita
na medida em que condenou a requerida a restituir valores, sem que esse
pedido tivesse sido formulado pela parte autora.
Contudo, não merece razão. Como bem lembrou o
magistrado de primeiro grau de jurisdição (ao fornecer informações no presente
agravo à fl. 654-TJ), não se pode considerar extra petita a decisão que, sob o
crivo do contraditório, dá um diagnóstico para condutas identificadas como
Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 8
lesivas à massa falida, responsabilizando o agente pelo prejuízo causado.
Ademais, a conduta imputada à requerida foi a de
fraude e simulação, que constituem realmente ilícitos aptos a ensejar o dever
de reparação, no caso reparação à massa falida. E, conforme já ressaltado, o
incidente se trata justamente de instrumento que visa à apuração da
responsabilidade do sócio.
Além disso, o artigo 876 do Código Civil prevê na
primeira parte que todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica
obrigado a restituir.
No caso dos autos, foi constatado pelo incidente
processual que a requerida em absoluta inversão de valores, sem trabalhar ou
prestar qualquer serviço, usufruía de recursos que, por direito, serviriam (ou
poderiam servir) de pagamento aos verdadeiros colaboradores do Grupo
Diplomata, como é o caso de empregados celetistas e pequenos produtores
rurais (fl. 631-TJ – mov. 145.1).
Portanto, não procede a preliminar arguida.
c) Alegação de que a ré, como conselheira fiscal, não
praticou atos decisórios e que, por isso, não poderia lhe ser imputado prática
de fraude;
Embora a recorrente negue envolvimento nos atos
fraudulentos da empresa da qual fazia parte, e sustente que foi acionista e
conselheira fiscal da empresa, mas não praticou atos decisórios nem exerceu
efetivamente a função de conselheira, a sua condenação em restituição dos
valores recebidos como pro-labore deve permanecer, conforme fundamentação
contida na própria sentença recorrida, a qual adoto como parte do presente
voto.
Para melhor compreensão, vale transcrever alguns
trechos da decisão impugnada (fls. 627/ -TJ):
(...)
21. No caso dos autos, o ilícito tem sua origem em 05 de setembro
Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 9 de 2008, quando a Sra. Érica, aos 19 anos de idade, vincula-se a Diplomata S/A Industrial e Comercial mediante 1.000 (mil) ações cedidas e transferidas pelo seu pai, Sr. Jacob Alfredo Stoffels Kaefer.
22. Logo após, foi eleita para o cargo de conselheira fiscal, momento em que passou a receber, a título de pró-labore, R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mensais. Em fevereiro de 2011 este valor subiu para R$ 7.000,00 (sete mil reais) e em julho de 2011 para R$ 10.000,00 (dez mil reais).
23. A ré deixou de ser acionista somente em 22 de dezembro de 2010, retornando as ações para seu genitor, permanecendo formalmente vinculada como Conselheira Fiscal. A sua retirada definitiva ocorreu somente em julho de 2012 (mês anterior ao ajuizamento da recuperação judicial).
24. Durante seu período vinculado à Diplomata, Erica recebeu R$ 290.000,00 (duzentos e noventa mil reais).
(...)
25. De acordo com o Sr. Perito Contábil, a ré Erica Marta
Ceccato Kaefer, enquanto filha do Sr. Jacob Alfredo Kaefer, nunca poderia ter
sido eleita para o
Conselho Fiscal ante a expressa vedação contida no art. 162, §2º da Lei n. 6.404/76 - Lei das S/A:§ 2º Não podem ser eleitos para o conselho fiscal, além das pessoas enum eradas nos parágrafos do artigo 147, membros de órgãos de administração e empregados da companhia ou de sociedade controlada ou do mesmo grupo, e o cônjuge ou
parente, até terceiro grau, de administrador da companhia.
26. Na lição de Modesto Carvalhosa5, a previsão legal deste órgão [Conselho Fiscal] é compreendida pela necessidade de se controlar institucionalmente a marcha das atividades sociais e a gestão dos negócios realizadas pelos administradores, com fito de prevenir abusos em detrimento da companhia, dos seus acionistas e até mesmo de terceiros.
27. Para o desempenho do cargo de conselheiro fiscal exige-se, por óbvio, que a pessoa ostente independência e imparcialidade, razão pela qual a lei proibiu que parentes fossem eleitos.
28. Sendo incontroverso que a eleição da ré foi eivada de ilegalidade, por violação frontal de impedimento legal (art. 162, § 2º) resta perquirir quais são as consequências jurídicas aplicáveis.
(...)
31. Sopesadas as alegações das partes, concordo com a parte requerida, no sentido de que não subsiste responsabilidade solidária (art. 165,
Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 10 §3º), pois a ré confessa jamais ter assumido ou exercido a função de conselheira. 32. Todavia, a conclusão acima não significa irrestrita ausência de responsabilidade civil, porquanto existe - como se verá no próximo tópico - enquadramento jurídico apto a ensejar a devolução dos recursos recebidos.
(...)
33. No contexto dos autos, resta muito claro que a eleição da ré para o cargo de conselheira fiscal serviu como disfarce a fraude contra credores espelhada nos valores que Jacob Kaefer desviava dos cofres da Diplomata S/A em favor de sua filha, Erica Kaefer.
34. Neste sentido, confira-se o laudo do Sr. Perito Contábil: Foi eleita “ilegalmente” para o Conselho Fiscal, pois com o filha do Diretor Presidente não poderia exercer tal função. Essa decisão também foi vontade do seu pai, como forma de vinculá-la a sociedade e com isso, poder remunerá-la, lá ficando até 2012. O pai pagava uma mesada (doação mensal) para a filha a título de pró-labore [...] Como recebeu remuneração da Diplomata sem nunca ter
trabalhado e/ou, praticado qualquer ato inerente às atribuições de Conselheira Fiscal, conclui-se que o valor pago a ela no total de R$ 290.000,00 (duzendos e noventa mil reais) foi o prejuízo causado à sociedade [mov. 121.2 e 121.3 - grifo nosso]
35. Imperioso repisar: em nítida simulação, confusão patrimonial e abuso de seu poder de controle, Jacob Alfredo S. Kaefer (genitor da requerida) doava, com recurso de sua empresa, uma mesada para a ré.
36. Ou seja, em absoluta inversão de valores, a Sra. Erica, sem trabalhar ou prestar qualquer serviço, usufruía de recursos que, por direito, serviriam (ou poderiam servir) de pagamento aos verdadeiros colaboradores do Grupo Diplomata, como é o caso de empregados celetistas e pequenos produtores rurais.
37. E nem poderia aventar-se ausência de culpabilidade, pois é inequívoco que a Sra. Erica Kaefer tinha conhecimento da origem dos valores, pois além de beneficiária direta, os incluiu expressamente em sua declaração de imposto de renda.
38. Portanto, compartilho da conclusão registrada no laudo, no sentido de que a ré deve ser responsabilizada em R$ 290.000,00, seja pelo prejuízo causado a massa falida em virtude da liberalidade disfarçada, seja pelo enriquecimento indevido (art. 884 do CC) em fraude contra credores (art. 158 do CC)11.
39. Aliás, é igualmente possível aventar a configuração de fraude
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Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 11 à execução (art. 592, inc. II do CPC), uma vez que a época dos desvios a empresa já se encontrava em situação de insolvência e com várias demandas em curso contra si.
(...)
41. Feitas essas considerações e estribado nos artigos 158, 186, 884, 927 e 942 do Código Civil, bem como no artigo 130 da Lei n. 11.101/05, condeno a requerida a restituição dos valores recebidos indevidamente, rejeitando, por sua vez, o pleito de responsabilidade solidária formulados pelo Parquet e Administrador Judicial.
(...)
Como se vê, a condenação da ré se deu porque ela
recebeu verbas a título de pro-labore sem, contudo, desempenhar seu trabalho
ou sua função de conselheira fiscal, prática que ficou constatada em prova
pericial produzida nos autos de origem, sob o crivo do contraditório, onde se
verificou que esse conselho fiscal sequer chegou a ser instalado (fls.
579/584-TJ – mov. 81.5). Aliás, a própria ré, que à época tinha somente 19 anos de
idade, admitiu que nunca chegou a exercer efetivamente o cargo.
Bem destacou o juízo a quo que a fraude restou
configurada na medida em que já nessa época a empresa se encontrava em
situação de insolvência e com várias demandas em curso contra si.
A Procuradoria Geral de Justiça também lembrou que a
ré, embora insista em afirmar que prestou serviços à Diplomata, não logrou
demonstrar quais as atividades que desenvolvia na empresa ou em favor dela,
de que modo, sob qual supervisão, em que setor (fl. 890-v-TJ). E bem concluiu
dizendo que os fatos encerram hipótese de fraude societária e, porque
verificada dentro do termo de falência (alterado em definitivo para a data de
23/01/2009), faz legítima a ordem do juízo falimentar para que a agravante
proceda à devolução dos valores recebidos irregularmente, e que pertencem à
massa.
A requerida, ainda sustentou (fl. 13), devido ao fato de
ter sido eleita como Conselheira Fiscal, que se isto caracterizasse ilegalidade,
Agravo de Instrumento nº 1.501.822-1 fls. 12
somente os acionistas que eventualmente fossem lesados teriam legitimidade
ativa para requerer a anulação da deliberação de quem a elegeu e, não caberia
ao juízo da falência alegar a ilegalidade da eleição e deliberar pela companhia
ou pelos acionistas em ação própria.
Em que pese tal alegação, não tem razão a recorrente,
porque efetivamente sua eleição para o cargo de Conselheira Fiscal
caracterizou uma ilegalidade, na medida em que contrariou dispositivo
expresso da lei das sociedades anônimas (art. 162, caput e § 2º, da Lei n.º
6.404/1976), segundo o qual somente podem ser eleitas para o Conselho
Fiscal pessoas naturais, residentes no País, diplomadas em curso de nível
universitário, ou que tenham exercido, por prazo mínimo de 3 anos, cargo de
administrador de empresa ou de conselheiro fiscal. Além disso, não podem ser
eleitos para o Conselho Fiscal, além das pessoas enumeradas nos parágrafos
do art. 147, membros de órgãos de administração e empregados da companhia
ou se sociedade controlada ou do mesmo grupo, e o cônjuge ou parente, até
terceiro grau, de administrador da companhia.
O laudo pericial, à fl. 582-TJ, relata que a ré foi eleita
para o Conselho Fiscal em setembro de 2008, quando tinha, portanto, 19 anos
de idade, de sorte que, além de ser filha do principal controlador do grupo,
possivelmente ainda não era diplomada em curso universitário, e não tinha a
experiência mínima exigida.
Nem há se falar que somente os acionistas é que
poderiam invocar a irregularidade de sua eleição como conselheira fiscal, pois
não se trata de mera irregularidade, mas de ofensa a dispositivo legal que
configurou, dentro do contexto fático, em nítida simulação, confusão patrimonial
e abuso de seu poder de controle, conforme bem constou da sentença
recorrida (fl. 630-TJ).
Assim, seja pela via utilizada no caso concreto, que foi
Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
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a da ação de responsabilidade pessoal prevista no artigo 82 da LRF
2, seja pela
via da ação revocatória prevista no artigo 130 da mesma Lei
3, o Ministério
Público e o próprio administrador judicial têm legitimidade para provocar o juízo
em defesa da lei e dos interesses da massa falida. Aliás, no caso da
revocatória, a lei diz expressamente que a ação deverá ser proposta pelo
administrador judicial, por qualquer credor ou pelo Ministério Público.
A própria lei das Sociedades Anônimas descreve que
os membros do conselho fiscal deverão exercer suas funções no exclusivo
interesse da companhia (art. 165, § 1º, Lei n.º 6.404/1976), de modo que se
considera abusivo o exercício da função com o fim de causar dano à
companhia, dano esse que não só atingiu, teoricamente, os demais acionistas,
na medida em que houve pagamento pela empresa de salário sem a
contraprestação de trabalho, mas também atingiu indiretamente, com a
decretação da falência da empresa, os credores, já que a verba indevidamente
retirada da empresa prejudica a massa falida, e ainda atingiu até mesmo os
pequenos agricultores que, com a decretação da falência da empresa,
perderam as relações comerciais de grande relevância que mantinham com a
empresa.
Toda essa cadeia de consequências decorrentes da
decretação da falência em si, que na verdade teve origem nos atos de desvios
de bens e de dinheiro praticados internamente no grupo societário pelos
próprios administradores e por seus delegados de confiança (muitos deles
parentes do próprio controlador principal, como no caso dos autos, em que a
2 Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida na falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo civil.
§ 1º. Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo.
§ 2º. O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização.
3 Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.
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parte envolvida é a filha de Alfredo Kaefer), suplanta as paredes da sociedade
ou do grupo societário, não podendo se admitir que não tenha legitimidade o
Ministério Público ou o administrador judicial para propor ou invocar do
Judiciário a responsabilização daqueles que tanto prejuízo causaram para a
própria empresa, mas, principalmente, para os credores e para a sociedade.
Assim, não vislumbrando razões para a reforma da
sentença quanto à condenação da ré/agravante à devolução das verbas
recebidas a título de pro-labore, deixa-se de acolher o recurso nessa parte.
d) Arguição de ocorrência de decadência de 4 anos,
conforme artigo 178, CC, para anulação do negócio jurídico;
Em que pese as alegações da recorrente no sentido de
que já teria se operado decadência do direito de anular o negócio jurídico em
questão, como bem observou o magistrado a quo ao prestar informações (fl.
654-v-TJ), incide no caso concreto o previsto no § 1º do artigo 82 da Lei n.º
11.101/2005, segundo o qual prescreve em dois anos a ação de
responsabilização, contados do trânsito em julgado da sentença de
encerramento, o que ainda não ocorreu.
Ainda que a via utilizada no juízo a quo fosse a da ação
revocatória, como a própria recorrente sustentou nas razões de recurso,
também não teria transcorrido o prazo legal, pois o artigo 132 da LRF prevê
que a ação deverá ser proposta no prazo de 3 anos contado da decretação da
falência, que no caso ocorreu em dezembro de 2014.
e) Alegação de que seriam irrepetíveis os valores
porque recebidos a título de verba alimentar;
Pretende, a requerida/agravante, aplicação do princípio
da irrepetibilidade da verba de caráter alimentar, argumentando para tanto que
os valores foram recebidos por ela a título de pro-labore.
Ocorre que a condenação da ré em restituir esses
valores se fundamentou justamente no fato de que ela, embora constasse
como conselheira fiscal da empresa do pai, não desempenhou trabalho algum,
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