RESUMO
Objetivo: Caracterizar o pneumotórax espontâneo (PE) em adolescentes observados num Serviço de Urgência (SU) Pe-diátrico. Métodos: Estudo retrospectivo e descritivo dos adolescentes admitidos no SU por PE entre janeiro de 2009 e dezembro de 2011. Analisaram-se os dados demográfi cos, fatores de risco, classifi cação de PE, apresentação clínica, exames complementares, terapêutica e recorrência de PE. Resultados: Foram admitidos oito adolescentes por PE, com predomínio do sexo masculino e idade compreendida entre os 13 e os 17 anos. A maioria apresentava PE primário, surgido em repouso. Os sintomas tiveram início, em média, um dia antes da admissão destacando-se a toracalgia, dispneia e tosse. A telerradio-grafi a torácica póstero-anterior efetuada confi rmou o diagnóstico em todos os casos, destacando-se o predomínio de PE de grande volume e à esquerda. Foi instituída oxigenoterapia a todos os casos. Um doente efetuou terapêutica conservadora isolada. Os restantes foram submetidos a drenagem transtorácica, com necessidade de sucção em dois casos. Necessitaram de intervenção cirúrgica três casos, um dos quais por air leak persistente e os demais por pneumotórax recidivante ipsilate-ral. Um terço dos doentes necessitou ser transferido, para observação por especialidade inexistente no hospital. Com um follow-up mediano de 13±7,4 meses, verifi cou-se recorrência do pneumotórax em 37,5% (todos ipsilaterais), em média 41 dias após o diagnóstico. Conclusão: Nesta amostra destaca-se a realização frequente de drenagem transtorácica, possivel-mente decorrente do predomínio de PE de grande volume. Ressalva-se a importância de estudos acerca do PE, possibilitan-do a emergência de recomendações da terapêutica adequada às particularidades inerentes a esta faixa etária.
PALAVRAS-CHAVE
Pneumotórax, adolescente, medicina de emergência.
Pneumotórax espontâneo em
adolescentes observados num
Serviço Pediátrico de Urgência
Spontaneous pneumothorax in adolescents observed in Pediatric
Emergency Department
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Ângela Isabel Miguel Dias1 Filipa Correia2 Marta Santalha3 Ana Luísa Lobo4 Carla Laranjeira5Ângela Isabel Miguel Dias (angeladias2 @gmail.com) - Rua dos Cutileiros, Creixomil. Código postal: 4835-044. Guimarães, Portugal. Recebido em 05/01/2013 – Aprovado em 03/05/2013
1Licenciatura em Medicina. Interna Complementar de Pediatria. Centro Hospitalar do Alto Ave / Serviço de Pediatria –
Guimarães, Portugal.
2Licenciatura em Medicina. Interna Complementar de Pediatria. Centro Hospitalar do Alto Ave / Serviço de Pediatria – Guimarães, Portugal.
3Licenciatura em Medicina. Interna Complementar de Pediatria. Centro Hospitalar do Alto Ave / Serviço de Pediatria –
Guimarães, Portugal.
4Licenciatura em Medicina. Assistente Hospitalar de Pediatria. Centro Hospitalar do Alto Ave / Serviço de Pediatria –
Guimarães, Portugal.
5Licenciatura em Medicina. Assistente Hospitalar de Pediatria. Centro Hospitalar do Alto Ave / Serviço de Pediatria –
Guimarães, Portugal.
INTRODUÇÃO
O pneumotórax, defi nido como a coleção de ar no espaço pleural, é classifi cado em
espon-tâneo, traumático ou iatrogênico1. O
pneumotó-rax espontâneo (PE), que ocorre sem um evento causal prévio, é uma entidade aparentemente rara em idade pediátrica. Pode subdividir-se em pneumotórax espontâneo primário, quando não existe evidência de doença subjacente, ou secundário, no contexto de patologia pulmonar
que predispõe à sua ocorrência1.
Nas séries pediátricas publicadas, verifi cou--se que o PE primário afeta preferencialmente o gênero masculino (entre 65-89%), com uma idade mediana de apresentação entre os 14-15,9
anos1. Abaixo dos 9 anos parece não haver
dife-renças na incidência de acordo com o gênero1.
O PE primário associa-se, com alguma frequência, à ruptura de bolhas subpleurais ou
bolhas na região apical dos lobos superiores1, 2.
Contudo, a sua patogênese não é ainda total-mente conhecida.
Dada a escassez de dados publicados versando esta faixa etária, desconhece-se a in-cidência real e a sua abordagem permanece controversa, baseando-se na extrapolação da experiência obtida em adultos.
OBJETIVO
Caracterizar as manifestações clínicas, evo-lução e prognóstico dos casos de PE diagnosti-cados em adolescentes observados num Serviço de Urgência (SU) Pediátrico.
MATERIAIS E MÉTODOS
Em estudo retrospectivo e descritivo dos adolescentes admitidos no SU por PE entre janei-ro de 2009 e dezembjanei-ro de 2011, analisaram-se os dados demográfi cos, fatores de risco, classifi -cação de PE, apresentação clínica, exames com-plementares, terapêutica e recorrência de PE.
Na defi nição do tamanho do PE,
usaram--se três métodos distintos1: o método de Light,
os critérios da British Thoracic Society (BTS) e do American College of Chest Physician (ACCP).
O método de Light defi ne o volume do pneumotórax (%) = 100- [(diâmetro pulmonar
médio)3 / (diâmetro hemitórax médio)3x100].
O pneumotórax é considerado de grande volu-me pela BTS quando há uma distância ≥ 2 cm entre a parede torácica e o rebordo lateral do pulmão e pelo ACCP quando há uma distância apical ≥ 3 cm.
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ABSTRACT
Objective: To characterize spontaneous pneumothorax (SP) in adolescents observed in Pediatric Emergency Department (ED). Methods: Retrospective and descriptive study of adolescents admitted to ED due to SP between January 2009 and December 2011. Demographic data, risk factors, classifi cation of PE, clinical presentation, laboratory tests, therapy and recurrence were analyzed. Results: Eight adolescents were admitted for PE, with male predominance and ages between 13 and 17 years. The majority had primary PE. In those with secondary PE, 3 cases had asthma and 1 case had smoking habits. Symptoms began on average 1 day before admission. Chest pain, dyspnea and cough were the commonest. SP began mostly during rest. All had abnormal auscultatory fi ndings. Respiratory distress was found in one case. Chest posteroanterior radiograph confi rmed diagnosis, with predominance of high volume and left SP. Oxygenotherapy was applied in all cases. One patient performed conservative therapy alone. The remaining underwent transthoracic drainage and 2 cases required suction. 3 cases required surgery in other center, one by persistent air leak and the remaining by ipsilateral recurrent pneumothorax. One third of the patients needed to be transferred for observation by an unavailable specialty. With a median follow-up of 13 ± 7.4 months, recurrence of pneumothorax was verifi ed in 37.5% (all ipsilateral) on average 41 days after diagnosis. Conclusion: In this sample transthoracic drainage was frequently performed, possibly due to prevalence of high volume SP. It is emphasized the importance of studies about SP in this age group, allowing emergence of recommendations about appropriate therapy.
KEY WORDS
Pneumotorax, adolescents, emergency medicine.
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Os dados colhidos foram processados pela aplicação SPSS versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, I1, EUA).
RESULTADOS
No período estudado foram admitidos no SU oito adolescentes por PE, com predomínio do sexo masculino (62,5%) e idade compreendida entre os 13 e os 17 anos (média de 13,8 anos).
A maioria (62,5%) apresentava PE primá-rio, surgido em repouso. Um caso (12,5%) tinha hábitos tabágicos. Os três casos (37,5%) de PE secundário surgiram em adolescentes com ante-cedentes de asma.
Os sintomas tiveram início, em média, um dia antes da admissão, destacando-se a toracal-gia (em todos os casos), dispneia (em cinco ca-sos, 62,5%) e tosse (em três caca-sos, 37,5%).
Todos efetuaram telerradiografi a torácica póstero-anterior, que confi rmou o diagnóstico, destacando-se o predomínio de PE à esquerda (em 75%).
Usando o método de Light ou os critérios da BTS, verifi cou-se ocorrer PE de grande volu-me em 87,5% dos casos. Segundo os critérios do ACCP, apenas 75% da amostra tinham PE de
grande volume. A caracterização pormenoriza-da pormenoriza-da amostra consta pormenoriza-da Tabela 1.
Todos os doentes fi caram internados, em média, 7,5 dias. Um terço dos casos necessitou ser transferido para observação por especialida-de inexistente no hospital.
No que diz respeito à terapêutica, foi instituída oxigenoterapia (alto débito) a todos os casos.
Um doente efetuou terapêutica conserva-dora isolada; os demais (sete casos, 87,5%) fo-ram submetidos a drenagem transtorácica, com necessidade de sucção em dois casos (25%). Necessitaram de intervenção cirúrgica três casos (37,5%), um dos quais por air leak persistente e os demais por pneumotórax recidivante ipsila-teral. Dois doentes foram submetidos a pleuro-dese por via toracoscópica e um foi submetido a toracotomia com ressecção de bolhas apicais. TC tórax, efetuada em todos os doentes subme-tidos a intervenção cirúrgica, revelou existência de bolhas subpleurais apicais em dois casos.
Todos os adolescentes foram observados em consulta hospitalar. Com um follow-up me-diano de 13±7,4 meses, verifi cou-se recorrência do pneumotórax em 37,5% (todos ipsilaterais), em média 41 dias após o diagnóstico.
A terapêutica e evolução dos casos encon-tra-se sumarizada na Tabela 2.
Tabela 1. Caracterização da amostra.
Variáveis Resultados
Idade (min; máx; média) 13;17;13,8
Gênero Feminino 3 (37,5%)
Masculino 5 (62,5%)
Início dos sintomas relativamente à admissão ao SU (min; máx; média) 6h; 72h; 24,8h
Tipo de PE Primário 5 (62,5%)
Secundário 3 (37,5%)
Localização do PE Esquerda 6 (75%)
Direita 2 (25%)
Volume do PE
(British Thoracic Society)
Pequeno volume 1 (12,5%)
Grande volume 7 (87,5%)
DISCUSSÃO
O PE é raro em crianças, ocorrendo mais frequentemente em adolescentes. A maior pre-valência no sexo masculino descrita na litera-tura foi também verifi cada em nossa amostra, embora com uma relação masculino:feminino de 1,6:1, no limite inferior daquele defi nido em
outros estudos semelhantes (entre 1,6:1 a 8:1)2.
Apesar de a maioria dos trabalhos publica-dos versando o PE em adultos objetivar maior incidência em fumadores, havendo relação
entre o grau de consumo e o risco2, em
nos-sa amostra apenas uma minoria apresentava hábitos tabágicos (12,5%), fato que pode ser explicado pela menor prevalência de tabagis-mo nesta faixa etária comparativamente com a verifi cada em adultos ou, ainda, pela omissão desse dado na anamnese.
Relativamente à sintomatologia apresen-tada, verifi cou-se o predomínio da toracalgia, todavia em maior valor percentual do que em
outras séries publicadas2, o que pode advir da
maior proporção de doentes com PE de grande volume presentes na amostra em análise.
No que diz respeito ao diagnóstico, desta-ca-se a importância da confi rmação através da radiografi a de tórax póstero-anterior, efetuada em todos os casos. Já a realização de TC tórax é controversa num primeiro episódio de PE, devendo reservar-se para os doentes propostos
para correção cirúrgica1, 3, aspecto verifi cado na
orientação dos doentes em análise.
Relativamente aos critérios de diagnós-tico de PE de grande volume, os dados apre-sentados reiteram o fato de ser necessária a emergência de métodos validados para a idade pediátrica. Assim, apesar de se verifi car con-cordância entre os três métodos aplicados na maioria dos doentes (87,5%), num dos casos o recurso aos critérios do ACCP classifi caria o pneumotórax como de pequeno volume, en-quanto que os dois outros métodos utilizados o colocariam no grupo dos PE de grande volume. Essa discrepância de classifi cação, que poderia ter repercussões na orientação terapêutica do doente, pode decorrer do seguinte fato: os cri-térios da ACCP não consideram a distribuição de ar mais uniforme pelo hemitórax, mas ape-nas a sua dimensão apical.
Quanto à localização do PE, o atingimento preferencial do hemitórax esquerdo verifi cado já foi documentado em outras séries pediátricas
(em 54-67%) e de adultos1, 2.
No que diz respeito à terapêutica institu-ída, destaca-se em nossa amostra a pequena percentagem de casos com resolução apenas com tratamento conservador, fato que pode ser explicado pela elevada percentagem de casos de PE de grande volume e da presença de três casos de PE secundários. Apesar de na literatura ser descrito que a maioria dos casos de PE se resolve espontaneamente, sabe-se que o tempo de resolução é maior nessa situação. Além dis-so, nos casos de PE secundário, a capacidade de
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Tabela 2. Terapêutica instituída e evolução.
Variável n (%)
Terapêutica instituída
O2 de alto débito 8 (100)
Terapêutica conservadora 1 (12,5)
Drenagem transtorácica 7 (87,5)
Drenagem transtorácica+ sucção 2 (25)
Cirurgia 3 (37,5)
Evolução durante período de follow-up (13±7,4 meses)
Assintomático 5 (62,5)
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compensação pulmonar é menor sendo menor
o limiar para colocação de dreno torácico1, 3.
Apesar de haver estudos em adultos que re-comendam a aspiração como abordagem inicial no PE de grande volume ou no PE de pequeno volume e sintomático e de estudos em idade
pediátrica1,4,5,6 apontarem algumas vantagens,
como o menor tempo de internamento e
me-nor dor7, os dados relativos à idade pediátrica
são limitados para que sejam emitidas recomen-dações formais. Assim se explica o fato de os nossos doentes terem sido submetidos a drena-gem transtorácica, que está recomendada como abordagem inicial do PE, ou naqueles doentes com PE refratário ou que recidive após
aspira-ção5. Já o uso de sucção deve ser reservado aos
casos de air leak persistente ou se não foi obtida expansão pulmonar nas primeiras 48 horas de
drenagem1, o que explica o recurso a esse
pro-cedimento em apenas dois dos casos.
A elevada percentagem de doentes trans-feridos para outra unidade hospitalar advém do fato de não haver apoio de cirurgia cardiotoráci-ca em nosso centro.
Relativamente à orientação após a alta, destaca-se o fato de todos os doentes terem um seguimento em ambulatório, o que faz sentido não só para eventual investigação complemen-tar adicional, mas para manter vigilância clínica, nomeadamente de recorrência de episódios.
A recorrência do PE é comum, tendo sido descrita em estudos prévios como mais fre-quente na população adolescente do que nos
adultos4. O risco de recorrência em doentes
pe-diátricos varia entre 30-61%, consoante os
es-tudos1, 5, 7, sendo a nossa amostra exemplo disso.
CONCLUSÃO
Apesar de ser uma entidade com, relativa-mente, poucos pacientes em idade pediátrica, os autores destacam a importância de estudos versando o PE nesta faixa etária, que possibili-tem a emergência de recomendações da abor-dagem adequada às particularidades inerentes a esta faixa etária.
REFERÊNCIAS
1. Robinson P, Cooper P, Ranganathan S. Evidence-based management of paediatric primary spontaneous pneumothorax. Paediatr Respir Rev. 2009;10(3):110-7.
2. Shih CH, Yu HW, Tseng YC, Chang YT, Liu CM, Hsu JW. Clinical manifestations of primary spontaneous pneumothorax in pediatric patients: an analysis of 78 patients. Pediatr Neonatol. 2011;52(3):150-4. 3. Baumann M, Strange C, Heffner J, Light R, Kirby T, Klein J, et al. Management of spontaneous pneumothorax-
an American College of Chest Physician consensus statement. Chest. 2001;119:590-602. 4. Noppen M, Keukeleire T. Pneumothorax. Respiration. 2008;76:121-7.
5. Janahi IA, Redding G, Hoppin A. Spontaneous pneumothorax in children. Uptodate 15.0; 2012.
6. Henry M, Arnold T, Harvey J. BTS guidelines for the management of spontaneous pneumothorax. Thorax. 2003;58: ii39-ii52.
7. Lee L, Lai M, Chiu W, Leung M, Liu K, Chan H. Management of primary spontaneous pneumothorax in chinese children. Hong Kong Med J. 2010;16(2): 94-100.