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Língua Latina. Autor Rodrigo Tadeu Gonçalves. 1.ª edição

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Academic year: 2021

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Autor

Rodrigo Tadeu Gonçalves

Língua Latina

(2)

© 2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

Todos os direitos reservados

IESDE Brasil S.A.

Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR

www.iesde.com.br Gonçalves, Rodrigo Tadeu.

Língua Latina. /Rodrigo Tadeu Gonçalves – Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2007.

184 p.

ISBN: 978-85-7638-771-8

1. Língua latina – Didática 2. Língua latina – Estudo e ensino 3. Língua Latina – Gramática 4. Língua latina – Literatura I. Título.

CDD 470.07 G635

(3)

Sumário

História do latim e as línguas neolatinas | 7

A hipótese do indo-europeu | 9 História do latim | 11

A passagem do latim para as línguas românicas modernas | 13 A latinização | 14

Fonologia e prosódia do latim | 21

A questão da duração das vogais | 22 O alfabeto latino | 23

O acento de intensidade | 25 As pronúncias do latim | 26

Estrutura da língua latina comparada com a do português | 31

A estrutura da língua portuguesa | 31 A estrutura do latim | 32

Comparação entre as duas línguas | 36

Sistema nominal latino | 43

As declinações nominais | 43 Os adjetivos de primeira classe | 47 Preposições | 49

(4)

Sistema nominal latino II | 55

Terceira declinação dos nomes | 55 Adjetivos de segunda classe | 59

Graus dos adjetivose formação de advérbios | 73

A formação do comparativo dos adjetivos | 73 A formação do superlativo dos adjetivos | 75 Comparativos e superlativos irregulares | 76 Advérbios regulares | 76

Estrutura da língua latina: os verbos | 81

Características morfológicas dos verbos em latim | 81 Primeira conjugação verbal | 85

Segunda conjugação verbal | 88

Aprofundamento da morfologia verbal latina | 95

Terceira conjugação | 95 Quarta conjugação | 97 Conjugação mista | 99 Verbos irregulares | 101

A voz passiva e os verbos depoentes | 115

Voz passiva | 115 Verbos depoentes | 121

Os pronomes em latim | 131

Pronomes pessoais | 131 Pronomes possessivos | 132

Pronomes interrogativos e indefinidos | 133 Pronomes demonstrativos | 134

Pronomes relativos | 136

Conjunções: coordenação e subordinação | 147

Conjunções | 147

Conjunções coordenativas | 147 Conjunções subordinativas | 149

A questão da subordinação sem conjunção: o acusativo com infinitivo | 153

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações | 161

Os numerais | 161

O calendário romano | 163

A quarta e a quinta declinações nominais | 167

Gabarito | 175

Referências | 183

(5)

Estrutura da língua

latina comparada com

a do português

Neste texto, veremos as principais diferenças entre a estrutura morfossintática1 da língua

portu-guesa e do latim. Para um curso com a extensão deste, é possível que esta seja a questão mais relevante a ser aprendida apropriadamente sobre o latim, pois, ainda que a Língua portuguesa seja diretamente derivada do latim, a estrutura das duas línguas é bastante diferente no que concerne ao modo de esta-belecer as conexões entre as palavras.

A estrutura da língua portuguesa

Basicamente, o sentido de uma oração em Português depende da ordem em que colocamos as palavras umas diante das outras. Assim, as seguintes orações têm sentidos diferentes:

a) O poeta vê a lua. b) A lua vê o poeta.

Claramente, embora a segunda sentença seja gramatical2, ela significa algo bastante diferente da

primeira. Isso se dá porque a ordem em que sujeito e objeto direto são ditos influencia na nossa per-cepção de quem faz o quê para quem, nas sentenças normais da língua. Explicando melhor, na primeira sentença, é o sujeito “o poeta” quem “vê” com seus olhos o objeto direto “a lua”, a coisa vista. Na segunda,

1 Morfossintática porque envolve tanto a forma interna das palavras quanto o modo como as palavras se combinam umas com as outras para produzir expressões bem-formadas da língua.

2 Sentenças gramaticais são aquelas que não violam regras gramaticais da língua, e que, portanto, poderiam ser ditas por qualquer falante dela.

(6)

a mesma expressão lingüística, “o poeta”, aparece depois do verbo transitivo direto, de modo que ele passa a ser o que é visto no evento de “ver” denotado pela sentença. Nesse segundo caso, por causa da ordem das palavras, quem age no evento de ver é a lua (mesmo que pareça implausível ou estranho imaginar que a lua veja alguma coisa – mas, afinal, o que seria da linguagem se ela não nos permitisse dizer todas as coisas que quiséssemos?), que, através dos seus “olhos”, “vê” o poeta.

O que queremos mostrar é que o processo sintático na Língua portuguesa envolve a colocação das palavras em uma ordem linear mais rígida, e o que define quem é o sujeito e quem é o objeto em sentenças transitivas simples, como as duas acima, é qual expressão nominal aparece antes e qual ex-pressão nominal aparece depois do verbo.

Isso se dá de várias formas, e em vários níveis. Por exemplo, dizemos “o poeta”, e não “poeta o”; dizemos “vê a lua”, e não “a vê lua”, nem “vê lua a”. Tudo isso tem a ver com o fato de que em Português as palavras são concatenadas às outras seguindo regras sintáticas rígidas de colocação.

Vejamos quais são as funções sintáticas importantes em uma sentença mais complexa, e como elas se realizam em Português:

c) O cozinheiro dá um camelo para o escravo do senhor no fórum. Analisando a sentença com calma, temos o seguinte:

“o cozinheiro” é a expressão sujeito do verbo principal da sentença, pois concorda com ele e ::::

aparece antes dele.

“dá” é o verbo principal da sentença, e requer três argumentos

:::: 3 para ter a idéia do evento

com-pleta: alguém que dá (o sujeito), algo que é dado (o objeto direto) e para quem se dá a coisa (o objeto indireto).

“um camelo” é o objeto direto do verbo, o

:::: algo que é dado.

“para o escravo” é o objeto indireto, o

:::: para quem se dá algo.

“do senhor” é uma expressão preposicionada que se junta a um nome (o escravo) de modo ::::

a formar uma adjunção, ou seja, uma expressão que pode (mas não precisa) se unir a outro nome para especificá-lo mais (um adjetivo poderia fazer a mesma coisa – por exemplo, pode-ríamos ter “o escravo esperto” ao invés de “o escravo do senhor”).

“no fórum” é uma expressão preposicionada que funciona como um circunstancializador do ::::

evento, que diz onde o evento ocorreu.

Com essa sentença analisada, passamos à análise da estrutura do latim.

A estrutura do latim

Diferentemente do Português, que estabelece a maioria das relações sintáticas através da ordem sequencial em que colocamos as palavras, o latim estabelece as relações das funções dos termos da

3 Argumentos são aqueles termos que são obrigatórios para que um verbo expresse seu sentido completo. Por exemplo, um verbo transitivo direto requer dois argumentos: o sujeito e o objeto. Caso um falte, o evento não é expresso propriamente. Exemplo: “o menino quebrou...”, “a menina viu...” são sentenças em que falta o argumento objeto. A terminologia remete à lógica tradicional.

(7)

oração através do chamado sistema de casos. Assim, embora a ordem das palavras seja relativamente importante em latim, ainda mais importante é o caso em que uma palavra se encontra flexionada. Ve-jamos como isso se dá.

Os casos

Todas as palavras pertencentes a categorias nominais4 em latim acontecem em uma oração

ne-cessariamente em um dos seis casos latinos5 , o que significa que elas apresentam flexões morfológicas

correspondentes a esses casos. Cada caso corresponde basicamente a uma função sintático-semântica na maneira de construir expressões lingüísticas. Segue-se uma lista dos nomes dos casos latinos e de suas principais funções:

O

:::: nominativo é o caso da nomeação, é o caso fundamental de um nome.6 É o caso em que os

substantivos se encontram quando são sujeitos dos verbos. Os substantivos são encontrados no dicionário na forma nominativa. Um nome como dominus (“senhor, dono, mestre”), tem marca de nominativo singular -us e plural -i (dominus, domini). Um exemplo seria dominus

camelum uidet, “o senhor vê o camelo”.

O

:::: vocativo é o caso que se usa quando o nome está sendo usado para interpelar um

interlo-cutor na segunda pessoa, como quando chamamos alguém (um exemplo é “ó, senhor, venha cá”, que terá a forma domine, hūc ueni). Exceto por alguns tipos de substantivos, como o tipo em que se enquadra dominus, todos os vocativos são iguais em sua forma aos nominativos. O

:::: acusativo é o caso que corresponde basicamente aos objetos diretos latinos. No caso

acusati-vo, “senhor” será dominum no singular e dominos no plural. É do acusativo plural que derivam os nomes em Português que vieram direto do latim (“donos” de dominos).7 Outro uso importante

do acusativo é o que dá idéia de movimento para dentro de ou para junto de algum outro ponto. Esse uso é, em geral, oposto ao do caso ablativo, como veremos abaixo. Um exemplo de acusati-vo em uma sentença seria dominum camelus uidet, “o camelo vê o senhor”.

O

:::: genitivo é o caso que corresponde basicamente à idéia de posse. Assim, domini significa,

em latim, “do senhor”, e seu plural é dominorum. O genitivo, juntamente com os próximos dois casos, o dativo e o ablativo, são casos que foram sendo substituídos por formas preposiciona-das nas línguas derivapreposiciona-das do latim. O nome do caso apresenta relação com a idéia de genus,

gens, gentis, ou seja, de geração, pertencimento a alguma família, por exemplo. Um exemplo

simples poderia ser camelus domini, “camelo do senhor”.

4 Categorias nominais se definem em oposição a categorias verbais. Assim, nome (substantivo), adjetivo, pronome e particípio são classes de palavras que apresentam o traço nominal. O traço verbal é encontrado nos verbos e nos particípios (por participar tanto do grupo das categorias verbais quanto das nominais, o particípio recebe esse nome). As outras classes de palavras não se flexionam, ou seja, são invariáveis (dentre essas temos os advérbios, as conjunções, as preposições e os numerais).

5 A palavra “caso”, etimologicamente, vem de casus em latim, particípio do verbo cado, cadere, que significa “cair”. Assim, casus significa “aquele ou aquilo que caiu”, “caído”, “queda”. Daí temos a idéia de que “caso” significa o modo pelo qual o substantivo acontece, se dá, “cai” em uma estrutura lingüística.

6 Chamo de “nomes” todas as palavras pertencentes a categorias nominais, ou seja, que podem ser flexionadas em casos.

7 Entenderemos melhor isso se pensarmos que em italiano os nomes derivam das formas de nominativo, por isso temos plural ragazzi para “meninos”.

(8)

O

:::: dativo é o caso que melhor representa o objeto indireto, de modo que dominō significa “para

o senhor” e dominis significa “para os senhores”. O nome do caso deriva do verbo do, dare, datus “dou, dar, dado”, ou seja, se trata do argumento “para quem se dá alguma coisa” no evento de dar. O dativo também expressa uma idéia básica de movimento em direção a um alvo, como quando dizemos algo “a alguém” ou entregamos algo “a alguém”. Um exemplo desse substantivo no da-tivo seria seruus camelum domini dat, “o escravo dá o camelo para o senhor”.

O

:::: ablativo é o caso que tem significados básicos de afastamento a partir de algum ponto ou

de meio ou instrumento pelo qual se faz alguma coisa. O nome dominō significa, então, “atra-vés do senhor”, “pelo senhor”, “a partir do senhor” (essas formas de ablativo serão melhor en-tendidas no contexto das orações latinas), e seu plural é dominis8 O ablativo também significa

posicionamento em algum ponto ou afastamento a partir do mesmo ponto. Nesse sentido, o ablativo é oposto ao acusativo. Um exemplo do ablativo com o uso instrumental ou de meio com dominus seria seruum thesaurum habet dominō, “o escravo possui um tesouro através

do senhor/por causa do senhor”. Outro exemplo, mais compreensível, poderia ser dominus

seruum necat gladio, “o senhor mata o escravo com o gládio”.

Funções sintáticas

Para entendermos melhor o funcionamento básico da língua latina, voltemos à oração em Por-tuguês usada como exemplo:

a) O cozinheiro dá um camelo para o escravo do senhor no fórum.

Ao traduzirmos essa sentença com a mesma ordem de palavras para o latim, teremos: b) coquus dat camelum seruō domini in forō

As primeiras observações que precisam ser feitas são:

Não há, em latim, artigos (o, a, os, as, um, uma, uns, umas). Os artigos, se necessários, são ex-::::

pressos através de pronomes. No exemplo acima, não há necessidade de artigos, e um nome como coquus poderia significar, a princípio, tanto “o cozinheiro” quanto “um cozinheiro”. O con-texto resolverá essa questão.

A ordem das palavras e o tipo de vocabulário adotados nos exemplos serão bastante artificiais, ::::

com relação ao modo como o latim realmente era utilizado.

Vejamos o vocabulário utilizado no exemplo, analisado morfologicamente:

coquus: o substantivo aqui significa “O cozinheiro” e, dado o final -us, sabemos que se trata do

sujeito do verbo da frase.

dat: o verbo dare está flexionado na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, e

signi-fica “[ele/ela] dá [algo] [a alguém]”.

camelum: o substantivo camelus aqui se encontra no acusativo (veja o final -um) e, portanto é o

objeto direto do evento representado pela sentença.

8 No caso desse substantivo especificamente as formas de dativo e ablativo são iguais. Veremos adiante que isso não acontece com todos os substantivos.

(9)

seruō: o substantivo seruus aqui está no dativo (final -ō9) e, portanto representa o objeto indireto,

ou seja, para quem se dá o camelo.

domini: o substantivo dominus aqui está no caso genitivo, e sabemos disso pela terminação -i.

Assim, sabemos que domini significa “do senhor”, então procuraremos algum substantivo na sentença que possa representar algo que seja do senhor.

in: trata-se da preposição “em”. Veremos adiante que as preposições em latim exigem que os

subs-tantivos selecionados por ela estejam em casos específicos. Nesse caso, o in se segue de um substantivo no caso ablativo, dando a idéia de que algo aconteceu “em” algum lugar. Nesse caso, o evento de dar um camelo para o escravo do senhor pelo cozinheiro aconteceu “no fórum”.

forō: como vimos acima, pelo fato de que a preposição in significa, nesse contexto, “em”, no sentido

de dentro de algum lugar, sem pressupor movimento para dentro de (que seria um outro uso da prepo-sição in com outro caso), o caso que ela exige do seu substantivo é o ablativo, significando estaticidade dentro de algum lugar. Por isso, forō está no ablativo, por esse motivo sabemos que o evento se deu dentro do [no] fórum.

Vejamos um quadro que resume as informações a respeito dos casos:

Caso

Exemplo no singular

Exemplo no plural

Funções básicas

Tradução

Nominativo dominus domini sujeito “o(s) senhor(es)”

Vocativo domine domini interpelação “ó senhor”

Acusativo dominum dominos objeto direto /

movimento em direção a ou para dentro de

“o(s) senhor(es)”

Genitivo domini dominorum posse / adjunto

adnominal

“do(s) senhor(es)”

Dativo dominō dominis objeto indireto “para o(s)

senhor(es)”

Ablativo dominō dominis meio / instrumento /

afastamento a partir de / estaticidade em

“(a partir d)o(s) senhor(es)” / “pelo(s) senhores”

A ordem das palavras em latim

Como vimos, as funções sintáticas em latim se dão basicamente através das marcas morfológicas de caso, e não da ocorrência sequencial das palavras, como em português. Para exemplificar, mante-remos as funções sintáticas principais da sentença latina usada como exemplo acima, e mostramante-remos

9 Se você percebeu que o final -ō também poderia significar a forma de ablativo, parabéns! Na verdade, embora essa ambigüidade seja legítima, o contexto aqui favorece a leitura de dativo para seruō, uma vez que o evento de dar requer um objeto indireto para quem se dá a coisa dada.

(10)

como a ordem de palavras é secundária em latim, com relação ao processo de marcação de caso. A sentença, na ordem em que está, mantidas as funções sintáticas principais10, é como se segue:

c) coquus dat camelum seruō

Assim, embora a ordem das palavras na sentença acima mantenha-se fiel à ordem de palavras de uma sentença com o mesmo sentido em português, isso é apenas um acidente. Isso porque qualquer uma das sentenças listadas abaixo poderia significar exatamente a mesma coisa que a sentença (c) em latim:

d) coquus seruō camelum dat e) coquus camelum dat seruō f) coquus camelum seruō dat g) camelum seruō dat coquus h) dat seruō camelum coquus i) camelum dat seruō coquus

Qualquer uma das sentenças listadas acima, e qualquer outra possível ordenação das palavras, poderia significar exatamente a mesma coisa: “O cozinheiro dá um camelo para o escravo”. Como vimos, isso acontece porque não é a posição na frase que diz que coquus é sujeito do verbo dat, e sim a mar-cação morfológica de nominativo (nesse caso, -us). Da mesma forma, é a marmar-cação de acusativo (-um) que diz que camelum é o objeto direto do verbo dat, e não sujeito ou qualquer outra coisa. O mesmo se dá finalmente com seruō, que, com a marca de dativo (-ō), é reconhecido como objeto indireto do verbo dat.

Isso significa que o latim dependia fundamentalmente de informação morfológica para estabe-lecer as relações sintáticas, ou seja, o modo como as palavras se conectam para produzir sentido, e que, portanto, a ordem das palavras era relativamente secundária11 no modo de construção da oração

latina.

Comparação entre as duas línguas

Como vimos, então, as estruturas do latim e do português são bastante diferentes. Se a mesma palavra em português pode ser sujeito ou objeto direto do verbo, bastando que a posicionemos antes ou depois do verbo, em latim a mesma palavra sofrerá flexão de caso para poder exercer função de sujeito ou objeto (por exemplo, em uma oração declarativa simples com um verbo transitivo direto, dominus pode ser sujeito, mas não objeto direto, enquanto dominum pode ser objeto direto, e não sujeito).

10 A decisão de se trabalhar apenas com as funções sintáticas básicas aqui tem a ver com o fato de que certas funções acessórias como as expressões adjuntas e adverbiais (como “do senhor” e “no fórum”) dependem um pouco mais de ordem do que as funções básicas – sujeito, verbo, objeto direto e objeto indireto, na sentença do exemplo. Veremos como isso se dá.

11 Dizemos aqui secundário, pois, não é verdade, em absoluto, que qualquer ordem de palavras em latim era permitida para os falantes. Os falantes costumavam usar ordenações mais ou menos comuns de sujeito, verbo e complementos, por exemplo, ou de substantivo e o adjetivo que o modifica, e assim por diante. As ordens mais comuns constituíam a forma não-marcada da língua, e quaisquer alterações de ordem surtiriam efeitos de sentido que, embora sutis, seriam percebidos pelos falantes. Para termos uma idéia, a sentença (d) dentre as sentenças (d) a (i) do conjunto acima era a mais comum do ponto de vista da ordem, para um falante de latim. Ou seja, “sujeito – objeto indireto – objeto direto – verbo” era a ordem considerada não-marcada, neutra.

(11)

Isso se dá em virtude de que a Língua portuguesa não manteve o sistema de casos que existia em latim.12 Assim, se analisarmos a mesma sentença usada acima para exemplificar a liberdade relativa de

ordem em latim, e se efetuarmos as mesmas permutações da posição das palavras, obteremos sentenças que, ou significam coisas completamente diferentes, ou são agramaticais e não podem significar nada porque não são sentenças que seriam ditas por nenhum falante da Língua portuguesa. Vamos à mesma sequência de sentenças:

a) O cozinheiro ao escravo um camelo dá. b) O cozinheiro um camelo dá ao escravo. c) O cozinheiro um camelo ao escravo dá. d) Um camelo ao escravo dá o cozinheiro. e) Dá ao escravo um camelo o cozinheiro. f) Um camelo dá ao escravo o cozinheiro.

Fica claro que esse conjunto de sentenças não possui o mesmo significado, como o conjunto das sen-tenças latinas possuía. Ainda que, nas sensen-tenças de (a) a (c), o significado seja quase o mesmo, e ainda que consigamos entender pelo contexto o que acontece, no caso das três últimas fica claro que a relação de quem dá o que é invertida (ainda que implausível): o camelo é que dá um cozinheiro ao escravo.

Ao eliminarmos a dificuldade relacionada com a questão do contexto estranho (camelos, cozinheiros e escravos na mesma sentença formam um cenário bem estranho), perceberemos claramente a diferença fundamental entre uma estrutura linguística baseada na ordem das palavras e uma baseada no sistema de casos. Imaginemos um verbo transitivo simples como “vê” (uidet), que significa que “x vê y” (sequência que

não é igual a “y vê x”). Com esse verbo, criemos uma frase simples como:

g) O cozinheiro vê o escravo.

Em latim, a frase pode ser dita de inúmeras maneiras do ponto de vista da ordem, pois quem dirá com certeza quem é o sujeito de “vê” e quem é o objeto direto de “vê” são as flexões de nominativo e acusativo, respectivamente. Assim, as seguintes ordenações em latim significarão a mesma coisa que (g) acima (com pequenas alterações no ponto de vista de ênfase, estilo etc., que não são importantes neste ponto):

h) coquus seruum uidet. (ordem mais comum em latim) i) coquus uidet seruum.

j) seruum coquus uidet. l) seruum uidet coquus. m) uidet coquus seruum. n) uidet seruum coquus.

Se fizermos o mesmo com a oração em português, obteremos significados diferentes e algumas sentenças que causarão sensação de estranheza:

12 Exceto em alguns resquícios, como no caso dos pronomes pessoais “eu, me, mim, meu, tu, te, ti, teu”, que significam a mesma coisa do ponto de vista semântico, mas que têm formas diferentes para funções sintáticas diferentes. O “eu” pode ser sujeito do predicado “ver o camelo”, mas não pode ser objeto direto que preenche a expressão “o camelo viu”. Na posição de objeto direto, o pronome pessoal “eu” transforma-se em “me”, ou seja, “O camelo me viu” é uma sentença em que o “eu” se encontra no caso acusativo, por assim dizer.

(12)

o) O escravo vê o cozinheiro. (sentido completamente diferente) p) O cozinheiro o escravo vê. (estranha)

q) O escravo o cozinheiro vê. (estranha) r) Vê o cozinheiro o escravo. (estranha) s) Vê o escravo o cozinheiro. (estranha)

Resumindo, se em português quem aparece antes do verbo costuma ser o seu sujeito e quem aparece depois costuma ser o seu objeto direto, em latim essa relação se dá antes pela marcação morfológica de caso em cada palavra, e não através da posição das palavras na frase.

Por causa dessa diferença, será crucial identificar as formas em que as palavras de categorias no-minais estão quando aparecem num texto latino, sob pena de simplesmente não entendermos o sen-tido das expressões. A partir desse momento, portanto, o sistema de casos será o que nos guiará pelo caminho da compreensão dos textos latinos.

Texto complementar

O texto abaixo é retirado do livro Uma Estranha Língua?, de Alceu Dias Lima, um dos maiores classicistas vivos do Brasil. Trata-se de um trecho de um dos capítulos do livro, em que o autor discute, com um elevado grau de erudição, as questões de ensino da estrutura da sentença latina, nosso objeto de estudo nesta aula.

A frase latina segundo o esquema: nome sujeito versus nome objeto + verbo

Considerações de ordem sintática

(LIMA, 1995)

Sejam os enunciados a) O patrão chama o criado; b) O criado chama o patrão.

Aqui aleatória e globalmente assumidos, sem nenhum esforço, em razão apenas do seu acabamento gramatical de unidades frasais quaisquer, conaturais ao falante nativo do português, tudo como convém a estas considerações com vistas à descrição do sistema, mas que, em situação real de discurso, são concebíveis no latim de Roma, quando mais não seja por parafrasearem ocor-rências autênticas. [...]

(13)

Submetido um e outro enunciado (a e b) às perguntas que a competência em língua natural materna, corroborada por uma correta escolarização elementar, deve autorizar, tais como: 1. Quais são as unidades morfossintáticas do enunciado a?; 2. Quais são as unidades morfossintáticas do enunciado b?; 3. Quais as unidades léxicas de a?; e 4. Quais as de b?, força é constatar que, no to-cante à gramática, pelo menos a gramática do Ensino Médio, e ao vocabulário, eles são idênticos. Não há, pois, como explicar com esses conhecimentos, ainda que tenham sido objeto de ensino na escola, a diferença óbvia entre os dois enunciados no que concerne à sua referência, ou seja, à sua indicação de sentido. Nem será difícil concluir que a análise sintática tradicional – as coisas não pare-cem mudar muito no ensino linguístico moderno, ao qual ela está pressuposta – deixou sempre de valorizar e, por isso, de batizar esse componente básico, por mais que de natureza não-segmental que faz da colocação dos nomes antes e depois do verbo, fator indispensável da significação frási-ca em idiomas como o Português. Ninguém duvida que a conotação não apenas constatativa da declaração algo malcriada e provocadora do menino à mesa: “Feijão eu não quero” retira sua força expressiva, conotadora mais de um estado emocional do que denotadora da emissão de um juízo, da alteração dessa colocação dos nomes no enunciado e, portanto, fornece mais um fundamento ao seu valor morfemático. A força desse morfema constituinte básico da frase vernácula dos falantes naturais do Português (aqueles para quem ele é a língua de berço) responde por forte interferência13

desse idioma sobre o latino. Requer-se por isso particular cuidado para que mesmo um enunciado gramaticalmente latino, mas tão pouco romano em seu uso discursivo quanto

philosophum non facit barba

Não seja entendido e apressadamente traduzido pelo incauto aprendiz falante nativo dessa língua moderna como “O filósofo não faz a barba”. O erro do principiante tem como causa outro maior, pois envolve o leitor moderno: não perceber o chiste do humanista cristão que forjou essa “versão latina” para o popular “O hábito não faz o monge”. Mesmo depois de ter-lhe sido, ao discí-pulo, metodicamente ensinado em aula que: 1. no latim, a colocação anterior e posterior ao verbo, pertinente no que concerne à ênfase, não o é pelo que toca à gramática, que opõe nominativo a acusativo, quer dizer, não faz parte do que, segundo R. Jakobson, “deve ser dito”14 na língua de

Lu-crécio; 2. tratando-se do latim, a competência verbal do romano antigo põe em jogo, com base na flexão, um sistema de pressuposições sintagmáticas portador de alto índice de autocorreção (sem escapar, talvez, a um certo grau de redundância), em que cada nome deve chegar à frase provido de uma desinência específica, conforme exigências contextuais ou sintáticas. Estas o fazem pressentir, antes mesmo da identificação, na linearidade frasal, dos outros termos da seleção determinada pela regência e pela concordância, na função de sujeito, objeto direto ou indireto, adjunto adnominal, adjunto adverbial, aposição, regime de preposição, predicativo, simples exclamativo, além de por-tador daquelas indicações comuns às línguas modernas, ainda que, com uso diverso, isto é, com

13 “Interferência”, s. f.: Em didática das línguas: dificuldades enfrentadas pelo aluno e erros que ele comete em línguas estrangeiras por causa da influência de sua língua materna ou de outra língua estrangeira anteriormente estudada” (GALISSON; COSTE, 1976, s.v.).

14 Nota do autor: Alceu Dias Lima aqui faz uso de uma famosa postura teórica de vários linguistas estruturalistas importantes da primeira metade do século XX, como Roman Jakobson e Franz Boas, que diziam que as línguas diferem no que nos obrigam a dizer, e não no que podem dizer. Assim, para ficarmos com um exemplo do latim em oposição ao Português, se na primeira língua não temos artigos de nenhum tipo, ao traduzirmos daquela para esta deveremos preencher a lacuna do artigo com alguma coisa: ou um artigo definido, ou um indefinido, ou um quantificador assim por diante. Dessa forma, de dominus latino o Português nos obriga a dizer “o senhor”, “um senhor” e assim por diante.

(14)

outra realização fonética, quais sejam o gênero e o número. Ou não é sequer de redundância, nem no sentido corrente, nem no da teoria da informação, que se há de falar aqui e sim de legítima força expressiva! Nem, por um lado, a eventualidade, aliás comprovada, de serem muitos os fatos da ex-pressão situados fora das relações da fonologia, da morfossintaxe e da lexicologia, os quais explicam plenamente a existência e o bom desenvolvimento de domínios inteiros, como o da retórica, da es-tilística e da poética, nem, por outro, a grande incidência de variantes, quer contextuais, quer livres, no latim, como, de resto, em qualquer língua, nada justifica os exageros da chamada morfologia latina das gramáticas de inspiração donatiana, conforme visto.

Atividades

1. Através do que se aprendeu sobre a marcação de casos nessa aula, flexione os substantivos abaixo para construir sentenças com os verbos disponíveis e traduza as sentenças construídas.

Substantivos: deus “deus” mundus “mundo” Verbos:

agnus “cordeiro” dominus “senhor” philosophus “filósofo” habet “tem, possui” amicus “amigo” equus “cavalo” populus “povo” uidet “vê”

asinus “asno” filius “filho” porcus “porco” amat “ama” Augustus “Augusto” fungus “cogumelo” oculus “olho” est “é” Brutus “Bruto” gladius “gládio, espada” seruus “escravo” ēst “come” camelus “camelo” Homerus “Homero” ursus “urso” dat “dá”

capillus “cabelo” Marcus “Marco” necat “mata”

coquus “cozinheiro” medicus “médico” laudat “louva”

crocodilus “crocodilo” Minotaurus “Minotauro” docet “ensina”

Exemplos:

a) Augustus mundum docet: “Augusto ensina o mundo”.

b) agnus asinum amat: “O cordeiro ama o asno”.

c) porcum necat equus: “O cavalo mata o porco”.

d) Minotaurus amicō ursum dat: “O Minotauro dá um urso para o amigo”.

e) Brutus est fungus: “Bruto é um cogumelo15”.

f) Brutus ēst fungum: “Bruto come um cogumelo”.

15 Em latim, fungus também era uma maneira de chamar alguém de imbecil ou pouco inteligente (via a metáfora da cabeça grande, como a de um cogumelo).

(15)

2. Tente explicar por que, dentre os exemplos da atividade 1, o exemplo (e) tem dois nominativos (Brutus e fungus), e não um nominativo e um acusativo. Para isso, compare a sentença com a sua tradução em Português e com a sentença seguinte, a de letra (f).

(16)

3. Com base nos exemplos da atividade 1, explique a diferença na ordem de palavras nas sentenças latinas e portuguesas.

Referências

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