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Vista do Ave Caída

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Academic year: 2021

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Ave Caída

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QUISSAK JR.

ÂNGULO 147/148. Julho/Dezembro de 2016 24

(Artigo publicado na revista comemorativa dos setenta e cinco anos de criação do Instituto de Educação Conselheiro Rodrigues Alves, uma das três mais antigas instituições educacionais do Estado de São Pàulo. p. 44-45. 15 ago. 1960)

A ladeira da memória é íngreme. Conforta-me identificar sua presença.

Porém preferiria declinar à perspectiva de escalá-la.

O fardo de emoções que a Providência legou-me foi carregado e consumido por inteiro. Sinto-me grato. Absorvi a enormidade do seu peso. Incorporou-se ao meu sangue, linfa e espírito – sou eu.

Não poderia, pois aceitar, na chegança de eventual saudade, a miragem do Verbo na primeira pessoa do singular regendo reminiscências pessoais que justa alquimia diluiu no Todo plural.

...

Chama-me ao telefone:

- Quissak, gostaríamos de um texto seu para a edição comemorativa dos setenta e cinco anos da nossa Escola.

Alguns segundos de silêncio e a resposta veio pronta, limpa e simples, vencendo-me pelas vias da Meson K 20 do Santo Espírito, como queiram.

- Está bem. Desligo.

Obrigada Horácio, Afonso Hélio e Sarti – Santas e Clementinas, Paulinhos e Therezinhas, Minervinas e Adelinas, Mattas e Arecos, Loriggios e Douglas.

Obrigado Rogérios e Jerônimos, Bartholos, Saabs e Pavans, Moreiras e Proenças, Hilton e Waldemares, Alckmins e Lacazes, Del Mônacos e Bittencourts.

Obrigado Climérios e Coupês, Euterpes e Gláucias.

Obrigado Pórcias, Palmiras e Maria Senna das nossas primeiras letras.

Obrigado Adalbertos e Heráclitos. Obrigado meu pai Ernesto.

Obrigado Visconde, que legaste do berço primeiro do velho casarão.

Hoje, meu lar – quase vizinho – está ficando em terras de tua antiga senzala e da minha oficina distingo tuas paredes.

Asseguro-lhes = elas falam.

Obrigado Rodrigues Alves, Patrono, Presidente e Guia de um povo.

Há quanto as Garças não voam para o Norte.

E obrigado a tantos e tantos mais.

E mais que a tantos, obrigado aos últimos dos derradeiros.

- Menestréis de novas auroras do ontem, de hoje, do sempre.

- Pensionistas de anseios e pensares da gaiola iluminada.

- Artesãos de fragmentos de Luz. - Tarefeiros de vidas humanas.

Velho casarão que há setenta e cinco anos ilumina-se, quando um dos seus se ilumina agarrando no tempo eterno do seu legado – obrigado.

... Foi em 1966. Afinal que importa? O tempo não é rio, mas lago.

Um pardal pequeno e tímido voava às tontas pela nossa sala de aula.

Parecia-me perdido.

Observava-o enquanto os alunos cumpriam a prova mensal de Desenho.

Cansado de bater suas asas contra as paredes, deixou-se cair. Aos poucos seus movimentos foram cessando. Estava morto.

Coloquei-o sobre a mesa e escrevi:

- AVE CAÍDA

AO PARDAL MORTO AOS SEIS DE DEZEMBRO DE 1966

Ninguém mais viu. Nem era preciso

pois o mundo continuava sendo uma zona esférica de conflagração.

Ninguém mais viu. Nada adiantaria,

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QUISSAK JR.

pois tua queda só ecoou nos limites mínimos da indiferença. Ninguém mais viu.

Fora como se os paralelos e meridianos deslizassem pela superfície

da bola louca. E ninguém mais viu na socialização dos pontos cardeais a explosão do caos no eu particular. E ninguém mais viu teu fim,

começo de outras tantas vidas que ninguém verá.

Mas EU VI.

Ladeira da memória, que tua imagem se desvaneça que o tempo possa ser anulado na magia dos universos paralelos.

Que o homem não se presuma vítima das próprias limitações, escravo dos cinco sentidos que alimentam seu cérebro, transformando-o em celeiro do episódico.

Que não se imposte como peça singular, à revelia da Natureza – pois só, não será UNO inda menos VERSO.

Que o eu egoísta não o mantenha divorciado do Nós, do Todo que nos abriga e envolve.

Não posso imaginá-lo eterno fugitivo da Suprema medida – o HOMEM, SUPREMA FINALIDADE.

Que reflita, absorva, condense e irradie as cores da Luz e da Pátria e com elas se confunda na mais profunda comunhão, transformando-se em fonte que gera e cria – entidade causal, abrigo da gênese que poderá – e sempre é tempo, diminuí-la ou enaltecê-la.

Que cante – nenhum homem tem o direito de incapacitar-se à honra de Servir e

Ser – que seu canto teça novas auroras. Que renascido e alado possa, como filho e fragmento, compreender e identificar o caminho do UM, do Pai.

Que de um mundo de sombras possa finalmente, tal bandeirante do vigésimo século, encontrar e reunir fragmentos de Luz e com Eles reconstruir suas asas e suas vestes.

Que descubra sob as sandálias cansadas o Pó que guarda o segredo das estrelas.

Que transcenda o Eu singular e plante a semente do Nós coletivo.

Ladeira da memória, a quanto me obrigas na minha ingênua e atávica tonteira de eteno semeador de invisíveis.

Velha e querida Escola.

Que uma ave, símbolo heráldico de tua flâmula, possa sempre iluminada voar em direção aos astros.

- Ela não é um pardal. - É uma Garça.

Guaratinguetá, 15 de Agosto de 1977. Quissak Júnior Obs. (fora do texto) – Há quase dez anos requeri exoneração do magistério oficial do Estado de São Paulo. O texto acima foi escrito anos após a minha saída da Cátedra de Desenho Geral do Instituto de Educação Conselheiro Rodrigues Alves. Saí devido a uma questão de princípio. Estava comissionado em São Paulo, exercendo a Chefia do Setor de Comunicações Culturais do Conselho Estadual de Cultura, à época do governador Dr. Roberto Costa de Abreu Sodré, quando encerrado o mandato deste, retornei a minha escola (da qual era o único a ocupar uma cátedra, e que tinha lá estudado desde o primeiro ano primário). Evidentemente que eu a amava muito, além do fato de ter verdadeira paixão pelo magistério.

Sentia-me feliz em contribuir com a minha parcela no processo de formação da mocidade. Anteriormente havia sugerido o Governador a substituição das disciplinas – Desenho Geral, Música e Trabalhos Manuais, por uma única matéria – ARTES, justificando na ocasião o porquê dessa medida. Tive minha sugestão aprovada pelo

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Governador e tal fato muito me alegrou. Não cabe aqui repetir os argumentos que utilizei na ocasião, mas sim salientar que ao retornar ao Instituto, meu cargo de origem, foi-me negado o direito de lecionar a matéria que eu próprio criei e da qual era professor catedrático. Mas como se isso não bastasse verifiquei que as novas diretrizes ou filosofias emprestadas ao ensino e educação, através do Governo Federal, eliminando o caráter de educação global ou integral pelo chamado

ensino profissionalizante, não correspondiam de

forma alguma às minhas convicções no que diz respeito à formação da mocidade e objetivos de toda e qualquer estrutura educacional. (Meu pensamento a respeito de tão importante tema está implícito nas minhas ideias, amplamente divulgadas, a respeito do Homem e da Vida – e no aspecto reumanizador que deve ser emprestado a todas as atividades humanas além da Arte, quanto mais no horizonte educacional, que é o maior responsável pela formação da juventude (e o Brasil conta na sua população com setenta e cinco por cento de jovens, portanto mais de oitenta milhões deles, e o destino da nossa Pátria). Assim, não me restou outra alternativa

senão a de exonerar-me das funções que exercia há dezessete anos. Ficou-me uma imensa saudade do convívio direto com a mocidade, que se prolonga até os dias de hoje e por certo se prolongará até o fim dos meus dias. O artigo acima fala nas entrelinhas por não poder traduzir nas linhas propriamente ditas as minhas convicções e solitária emoção. Espero que surja o dia, mesmo que tardiamente, que as nossas autoridades reanalisem o

problema recolocando a EDUCAÇÃO na sua ideal envergadura, contribuindo assim para o reerguimento do Homem e da Vida, impedindo no nascedouro que este seja apenas um prestador de serviços, uma mini-máquina, uma singularidade diminuída e biônica – e mais um Ser Universal. Tal deve ser o objetivo, pois, mesmo que maquinem o contrário, o Homem por destinação é e será sempre – com o aval da divina natureza – a SUPREMA FINALIDADE.

Referências

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