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Audiência de Custódia: Primeiro passo ao reconhecimento da dignidade do preso.

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Academic year: 2021

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AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA:

PRIMEIRO PASSO RUMO AO REONHECIMENTO DA DIGNIDADE DO PRESO

Palhoça 2017

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DELBO SANDRO PRETO

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA:

PRIMEIRO PASSO RUMO AO RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE DO PRESO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Danielle Maria Espezim dos Santos, Dr.

Palhoça 2017

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DELBO SANDRO PRETO AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA:

PRIMEIRO PASSO AO RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE DO PRESO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 19 de junho de 2017.

_________________________________________ Profª. e orientadora Danielle Maria Espezim dos Santos, Dr.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________ Profª. Eliana Becker, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________ Profª. Andréia Catine Cosme, Msc.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA:

PRIMEIRO PASSO AO RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE DO PRESO

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça, 19 de junho de 2017.

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Dedico este trabalho à Simone, minha devotada e inseparável esposa, as minhas filhas Hadassa e Ada Kéren, meus amores, como reconhecimento ao constante incentivo e pela ausência que muitas vezes o estudo impôs.

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AGRADECIMENTOS

A Deus Pai, pois dele emana toda a sabedoria.

A meus Pais, por terem me ensinado o real significado da dignidade e da perseverança.

À Orientadora, Profª. Dr. Danielle Maria Espezim dos Santos, pelo acompanhamento, orientação e amizade.

Ao Curso de Direito, do Setor de Educação a Distância da Universidade do Sul de Santa Catarina, na pessoa de sua Coordenadora Profª. Msc. Dilsa Mondardo, pelo apoio recebido.

À Profª. Msc. Andréia Catine Cosme pelas contribuições e sugestões no trabalho.

À Tutora Suele de Souza Rosa por estar sempre pronta a cooperar.

A UNISULVIRTUAL - seus professores, seus abnegados e atenciosos funcionários que contribuíram para minha formação.

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RESUMO

O presente trabalho apresenta a temática sobre a audiência de custódia e sua colaboração na modernização do processo penal brasileiro. A análise parte do exame de suas justificativas e finalidades. Enfatizando que este é o primeiro contato do preso com o judiciário, mostram-se um meio adequado para garantir o controle da legalidade da prisão e assegurar a integridade da pessoa detida. Salienta que a audiência de custódia não é uma inovação do direito pátrio, mas que está fundamentada em Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário. Motivo que obriga o Brasil a zelar e cumprir com os Acordos pactuados. Evidencia a importância do instituto para o reconhecimento e respeito à dignidade da pessoa do preso. Concorrendo para a afirmação dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito. Nesse particular, a audiência de custódia mostra-se apta para salvaguardar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Busca desmistificar a rejeição ao novel instituto, contra argumentando as principais formas de preconceito, que buscam desacreditar sua implantação. Destaca a efetivação da audiência de custódia através da Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça, frente à morosidade do Poder Legislativo em aprovar definitivamente uma norma específica. Frisa a necessidade de modernização do processo penal brasileiro para adequar-se a Constituição Cidadã, e expõe as principais tentativas para frear ou flexibilizar sua aplicação. Conclui que a audiência de custódia se mostra como meio eficaz para coibir abusos e garantir a dignidade da pessoa do preso, representando um importante avanço civilizatório e um relevante passo rumo à consolidação dos direitos humanos no processo penal brasileiro.

Palavras-chave: Audiência de Custódia. Direitos Fundamentais. Afirmação. Efetivação. Modernização.

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LISTA DE SIGLAS

CADH – Convenção Americana de Direitos Humanos CF/88 – Constituição Federal de 1988

CIDH – Corte Interamericana de Direitos Humanos CNJ – Conselho Nacional de Justiça

CPP – Código de Processo Penal

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 EC – Emenda Constitucional

OEA – Organização dos Estados Americanos ONU – Organização das Nações Unidas

PIDCP – Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PLS – Projeto de Lei do Senado

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 09 2 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA... 11

2.1 JUSTIFICATIVA E FINALIDADE... 11 2.2 FUNDAMENTAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL...

2.3 A NORMATIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS...

3 O RECONHECIMENTO E RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA DO PRESO...

3.1 AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO... 3.2 A PROTEÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA... 3.3 DESMISTIFICANDO A REJEIÇÃO À AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA...

14 18 25 25 30 35

4 A EFETIVAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO BRASIL...

4.1 RESOLUÇÃO 213 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA... 4.2 A NECESSIDADE DE MODERNIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO... 4.3 EVITANDO A ILEGALIDADE... 40 40 43 48 5 CONCLUSÃO... 53 REFERÊNCIAS... 56

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1 INTRODUÇÃO

Seguindo a ótica civilizatória e buscando um padrão humanitário de jurisdição o Estado brasileiro através da Constituição Federal consagrou como princípio supremo a dignidade da pessoa humana. E por estar inserido no sistema normativo internacional aderiu aos Pactos Internacionais, incorporando a sua legislação, dispositivos que tratam principalmente, do respeito e proteção à pessoa humana.

O presente trabalho tem por finalidade tratar sobre o novel instituto da Audiência de Custódia, e a ampliação constitucional na conquista dos direitos humanos frente ao ultrapassado modelo processual penal vigente.

Para tanto, faz se necessário indagar: qual a contribuição da Audiência de Custódia na consolidação dos direitos humanos no processo penal brasileiro?

A justificativa substancial para o presente trabalho se firma na premissa de que a Constituição Federal de 1988 trouxe um amplo sistema de proteção aos direitos humanos. Porém, nos últimos anos, o país tem enfrentado situações delicadas diante de organismos internacionais, sendo comum, por exemplo, o apontamento de execuções sumárias, tortura, falta de proteção às testemunhas e de controle das polícias. Nesse sentido, não basta à incorporação de tratados internacionais, é necessário que o Brasil adote medidas eficazes de proteção e promoção desses direitos.

A Audiência de Custódia é um avanço no reconhecimento dos direitos do preso, porém, não é fruto do improviso, sua fundamentação está amparada em farta legislação internacional e na incorporação destas ao ordenamento jurídico pátrio. Para tanto o presente trabalho tem com referencial a obra de Raphael Melo, Audiência de Custódia no Processo Penal: conforme Resolução 213 do CNJ e Projeto de Lei do Senado 554/2011, e a obra Audiência de Custódia: da boa intenção à boa técnica, de Mauro Fonseca Andrade e Pablo Rodrigo Alfen.

A necessidade de reforma na legislação penal frente à Constituição Federal de 1988 deve ser compreendida sob a ótica civilizatória e do padrão humanitário esperado da jurisdição do Estado. Para isso adota como principal referencial a obra de Aury Lopes Jr. e Caio Paiva, Audiência de Custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal.

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A Audiência de Custódia é uma forma do Estado-juiz respeitar a dignidade humana do preso, de demonstrar a responsabilidade dos atores envolvidos nessa fase processual, de garantir os direitos do indivíduo e evitar abusos. Os referenciais teóricos têm como marco: Audiência de Custódia: dignidade humana, controle de convencionalidade, prisão cautelar e alternativas (Lei 12,403/2011), de Gisele de Souza e outros, e a obra Audiência de Custódia: controle jurisdicional da prisão em flagrante, de Klayton Augusto Martins Tópor e Andréia Ribeiro Nunes.

O método de abordagem utilizado para este trabalho é o dedutivo, com procedimento monográfico, para a pesquisa utiliza-se o método qualitativo e a técnica adotada de pesquisa é a bibliográfica.

Para tanto seguiu-se a seguinte lógica: (i) A Audiência de Custódia com suas justificativas e finalidade fundamentadas no direito internacional; (ii) O reconhecimento e respeito ao humano através dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa; (iii) A efetivação da Audiência de Custódia no Brasil como afirmação dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.

A motivação pelo tema surgiu da necessidade pessoal do pesquisador em aperfeiçoar seu conhecimento teórico/profissional e agregar experiência a prática laboral, uma vez, que é possível perceber que muitos profissionais que trabalham direta ou indiretamente com o Direito, ainda veem a Audiência de Custódia sob a ótica do preconceito.

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2 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

O presente capítulo aborda a implantação da audiência de custódia no Brasil e sua previsão em tratados internacionais. Busca-se submeter à análise do instituto a sua aplicação adequada, e mostrar o referido instituto como um avanço no reconhecimento dos direitos do preso, também será possível compreender que o instituto, não é fruto do improviso, e que sua fundamentação está amparada em farta legislação internacional e na sua incorporação pelo ordenamento jurídico pátrio.

Para uma melhor compreensão do instituto, é preciso discorrer sobre suas justificativas e finalidades, que vão da prevenção à apuração de eventuais práticas de tortura e maus-tratos contra o preso.

A apreciação do arcabouço jurídico se faz necessário para entender que os direitos humanos precisão ser assegurados sob qualquer circunstância, ainda que, a pessoa esteja privada da sua liberdade, (ANDRADE; ALFEN, 2015, p. 15). Desta forma, no decurso deste capítulo será possível compreender os fundamentos da Audiência de Custódia.

2.1 JUSTIFICATIVA E FINALIDADE

Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado situações delicadas diante de organismos internacionais, sendo comum, por exemplo, o apontamento de execuções sumárias, tortura, falta de proteção às testemunhas e de controle das polícias.

Diante da pressão internacional, o Brasil foi obrigado a reconhecer a necessidade da implantação de mecanismos que proporcionassem a garantia da incolumidade da pessoa do preso. Desta forma houve recentemente a implantação da Audiência de Custódia em nosso país.

A Audiência de custódia pode ser compreendida como o direito de todo cidadão preso ser conduzido prontamente, em um curto espaço de tempo, a presença de um juiz, que deverá analisar a necessidade e legalidade da prisão, bem como verificar sua integridade física, (TOPOR; NUNES, 2015, p. 29).

Essa conceituação pode ser vislumbrada nas palavras de Costa e Turiel (2016, p. 2), como segue:

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Em termos gerais, a Audiência de Custódia consiste no seguinte: em vez de ser encaminhado à Justiça apenas o auto de prisão em flagrante no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, como manda o § 1º do art. 306 do Código de Processo Penal (CPP), o próprio preso já será apresentado em Juízo juntamente com o auto flagrancial. Assim, no lugar da análise gélida do auto de prisão em flagrante, o juiz ouve o preso na forma prevista nas normas que regulamentarem a matéria, após o que adotará uma das medidas previstas no art. 310 do CPP, com a redação que lhe deu a Lei n° 12.403, de 4 de maio de 2011.

Cabe destacar de forma panorâmica, o processo que deu origem a implantação do novo instituto da Audiência de Custódia em nosso pais:

Assim no dia 05 de maio de 2011 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 12.403, que na expressão da sua ementa “Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e dá outras providencias”. A referida Lei, que a teor do seu artigo 3º, entrou em vigor 60 dias após a sua publicação, à luz do artigo 8º, parágrafo primeiro, da Lei Complementar nº 95/98, passou a vigorar no dia 04 de julho de 2011 e, além de ratificar a jurisprudência consolidada de que a prisão cautelar deve ser aplicada como última ratio, trouxe um conjunto de novas medidas cautelares que, se corretamente aplicadas e fiscalizadas, poderiam inaugurar um novo tempo em relação à questão da prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, (OLIVEIRA, et al. 2016, p. 102 – 103). (grifo do autor).

A Lei 12. 403/2011, ajustou o Título IX, do Livro I, do Decreto-Lei 3.389, de 3 de outubro de 1941, à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, principalmente em relação ao princípio da presunção da inocência, inserido no inciso LVII, do artigo 5º, bem como à natureza preventiva e de notoriedade da prisão cautelar, inseridas nos incisos XLIII, XLIV e LXVIII do mesmo artigo, (OLIVEIRA, et

al. 2016, p. 103).

Oliveira e outros destacam a colaboração da audiência de custódia no sentido que:

A alteração, aprovada com significativo atraso histórico e social, vem se somar ao conjunto de medidas necessárias para minimizar os graves problemas enfrentados pelo sistema carcerário brasileiro, o qual está literalmente falido, com superlotação de presos provisórios, submetidos a condições incompatíveis com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto no Art. 1º, inc. II, da CRFB e necessitando que o Poder Executivo Federal e das diversas Unidades Federativas façam investimentos bilionários para atender à crescente demanda pois, segundo dados da última contabilidade do Conselho Nacional de Justiça, de junho/2014; são 711. 463 presos, ou seja, temos a terceira maior população carcerária do mundo.

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Assim, pode-se dizer que a Audiência de Custódia cumpre justamente, o escopo de conter o Estado de Polícia, de limitar o poder punitivo do Estado, (LOPEZ JR; PAIVA, 2014, p. 13).

De acordo com a análise de Luiz Flávio Gomes (2014), o lado obscuro de um Estado de Direito é propriamente seu braço político chamado estado de polícia, com o qual controla extrajuridicamente seus cidadãos através do castigo, ou seja, da pena. Esse braço político, porém, precisa ser controlado, e a única forma de frear sua força brutal contra o cidadão vulnerável, é a positivação de regras no mundo jurídico.

Com a implantação da audiência de custódia diversas finalidades foram atendidas, para conter o poderio descomunal do Estado ante o cidadão transgressor de suas regras. Destacam-se a prevenção e a apuração de eventuais maus tratos conta a pessoa do preso. (MELO, 2015, p. 161).

Nesse sentido de acordo com Mauro Fonseca Andrade e Pablo Rodrigo Alfen (2016, p. 17):

O simples fato de se tratar de instituto processual decorrente de Tratado Internacional Protetivo de Direitos Humanos já permitiria concluir, de imediato, ser objetivo da audiência de custódia, proceder ao asseguramento dos direitos humanos da pessoa presa. De modo mais específico, pode-se afirmar [...] ser o principal objetivo da audiência de custódia fazer cessar ou evitar o risco de incidência de um dos principais problemas verificados nessa faze inicial da persecução penal, que é a ocorrência de violações à incolumidade física e/ou psíquica, tais como tortura ou maus-tratos, dos indivíduos que tiverem sua liberdade privada em razão de prisão cautelar ou definitiva. (grifo do autor).

Nesse sentido, quando é feito a separação dos presos para serem destinados ao encarceramento, uma série de informações são levantadas “relativas à atuação da autoridade incumbida de efetivá-la, desde o momento em que é apresentada à autoridade judicial incumbida de presidir a audiência de custódia; [...] ao momento ou horário em que ocorreu a prisão [...]”, (ANRADE; ALFEN, 2016, p. 18). Nessa audiência também são verificadas, a forma de atuação da autoridade incumbida da prisão, como: uso da força e seu excesso ilegítimo, possíveis lesões quando da resistência ou tentativa de fuga por parte do agente detido, e o uso de algemas.

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Diante destes apontamentos é possível destacar de maneira mais abrangente as finalidades da audiência de custódia, que de acordo com Andrade e Alfen (2016, p. 19), consistem em:

[...] a) averiguar a ocorrência de algum tipo de violência por ventura praticada contra a pessoa apresentada, em particular, tortura ou maus-tratos, desde a efetivação de sua prisão cautelar por parte das autoridades públicas encarregadas do ato, até o momento de sua apresentação em audiência de custódia; b) identificar corretamente a pessoa apresentada, sobretudo, a fim de confirmar se ela é realmente a pessoa contra quem foi expedida a ordem de prisão; c) ouvir a pessoa apresentada acerca das circunstâncias em que se realizou sua prisão pelas autoridades públicas (certificando-a, em todo caso, acerca da possibilidade do uso do direito constitucional do silêncio); d) verificar a legalidade do ato de prisão, bem como se não se encontra extinta a punibilidade.

Daí depreende-se que sua função precípua da audiência de custódia “é a ampliação e o aperfeiçoamento do controle da legalidade e cautelaridade da prisão”, (MELO, 2015, p. 161).

Na mesma esteira Aury Lopes Jr. (2014, p. 36) preleciona que hoje o processo penal deve ser exercido como instrumento de limitação do poder e garantidor do indivíduo, como vemos;

O processo não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço do poder punitivo (Direito Penal), senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido. Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena. Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal).

Certamente a audiência de custódia não pode ser encarada como uma pretensão de excesso da autoridade responsável pela prisão, no entanto, deve-se observá-la dentro de um contexto de controle judicial da prisão, (TOPOR; NUNES, 2015, p. 68).

De forma correlata com as finalidades da audiência de custódia está sua fundamentação e amparo na legislação externa.

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Os tratados internacionais, especificamente sobre direitos humanos, são de altíssima relevância, pois expressam a evolução da sociedade internacional ao exigirem dos Estados o reconhecimento, a promoção e a proteção desses direitos. Modernamente, se entende que o problema de violação dos direitos humanos não é uma questão de competência exclusiva dos Estados. A necessidade social e moral de uma defesa realmente efetiva dos direitos humanos, unida a uma crescente abertura da doutrina política e jurídica sobre a matéria, tornou possível a realização, no século XX, deste grande avanço da humanidade: o reconhecimento e a proteção dos direitos humanos pela ordem internacional. Assim, a tutela desses direitos não é mais uma questão de competência exclusiva dos Estados, mas sim um problema de toda a sociedade internacional, (GORCZEVSKI; DIAS, 2012).

Também não seria certo dizer que o Estado é uma ilha isolada do ordenamento internacional, essa é uma postura antiquada que não condiz com o desenvolvimento dos direitos humanos, nesse sentido temos a lição de Cançado Trindade (TRINDADE, 1991, p. 3-4):

O desenvolvimento histórico da proteção internacional dos direitos humanos gradualmente superou barreiras do passado: compreendeu-se, pouco a pouco, que a proteção dos direitos básicos da pessoa humana não se esgota, como não poderia esgotar-se, na atuação do Estado, na pretensa e indemonstrável ‘competência nacional exclusiva’. Esta última (equiparável ao chamado ‘domínio reservado do Estado’) afigura-se como um reflexo, manifestação ou particularização da própria noção de soberania, inteiramente inadequada ao plano das relações internacionais, porquanto originalmente concebida tendo em mente o Estado in abstracto (e não em suas relações com outros Estados) e como expressão de um poder interno, de uma supremacia própria de um ordenamento de subordinação, claramente distinto do ordenamento internacional, de coordenação e cooperação, em que todos os Estados são, ademais de independentes, juridicamente iguais.

Diante desse cenário, o Brasil vem convencionando a sua ordem jurídica, os tratados e acordos internacionais principalmente no que tange a proteção e promoção dos direitos humanos.

No âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), essa convencionalidade surge como um instrumento de compatibilização do ordenamento jurídico interno dos Estados signatários com as disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Esse controle se justifica num período em que o Direito Internacional ganha cada vez maior relevância, mediante a intensa produção de tratados,

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especialmente de direitos humanos. Em decorrência disso, a sociedade internacional, e, principalmente, os Tribunais Internacionais de Direitos Humanos começaram a se preocupar com a eficácia desses tratados no que tange sua aplicabilidade pelos Estados signatários internamente, (LOPES; SPOSATO; SILVEIRA, 2015).

Nesse contexto o Brasil não poder estar indiferente e por isso o conteúdo disposto nos Tratados internacionais deve ser aplicado pelo Poder Judiciário brasileiro e deve ter efeitos sobre o ordenamento jurídico interno, (LOPES; SPOSATO; SILVEIRA, 2015).

O Brasil como signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, deve velar pela aplicação das disposições dos Pactos Internacionais em território nacional, conferindo esta responsabilidade aos seus juízes e tribunais nacionais, que devem exercer o controle, interpretação e aplicação desses Tratados nos casos concretos, (LOPES; SPOSATO; SILVEIRA, 2015).

Nessa esteira, a Audiência de Custódia encontra sua fundamentação jurídica positivada em Tratados e Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário. O instituto está amparado em dois documentos internacionais de direitos humanos incorporados ao direito pátrio. Primeiramente merece relevância o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI), da ONU, em dezembro de 1966 (ANDRADE; ALFEN, 2016, p. 14), o qual foi promulgado por meio do Decreto nº 592, de 06 de junho de 1992 (TÓPOR; NUNES, 2015, p. 33).

Sobre o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, assevera Alci Marcus Ribeiro Borges (2006), que: “Em seu Preâmbulo o Pacto reconhece a universalidade, a inalienabilidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, sendo estes decorrentes da dignidade inerente à pessoa humana”.

Borges (2006), ainda destaca que: “Os direitos consignados no PIDCP constituem-se, historicamente, em instrumentos de proteção e defesa contra eventuais abusos de poder dos Estados, sendo, pois, direitos auto-aplicáveis e passíveis de exigibilidade imediata”.

No referido Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ganha destaque o artigo 9º, número 3, como segue:

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Artigo 9 - 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. (BRASIL, 1992).

Nesse sentido, Tópor e Nunes (2015, p. 36) comentam:

Pertinente à audiência de custódia, o artigo 9.3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, prevê que qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada Poe lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade.

Portanto, deve o Estado aplicar a exigência garantida no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, haja vista que não é necessária a regulamentação legal, pois o Brasil já é signatário do citado ato normativo internacional [...].

O segundo documento internacional a dar respaldo jurídico à audiência de custódia é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) (Pacto de São José da Costa Rica), aprovada pela OEA, em 22 de Novembro de 1969, e ratificado pelo Brasil, por meio do Decreto nº 678, de julho de 1992 (ANDRADE; ALFEN, 2016, p. 14).

O objetivo da referida convenção é “garantir a todos os nacionais e aos estrangeiros que vivem no território americano, direitos que assegurem o respeito à vida, à integridade física, existência do juiz natural, entre outros” (ROSA, 1999).

De acordo com as palavras de Tópor e Nunes (2015, p. 36):

O objetivo da CADH é consolidar, entre os países do Continente Americano, um regime de liberdade pessoal e justiça social, fundamentada no respeito aos direitos humanos essenciais do homem, independente do país onde a pessoa resida ou tenha nascido. Isso porque, rege o fundamento dos atributos da pessoa humana, motivo pelo qual justifica a proteção internacional.

Do referido Pacto destaca-se o quinto item do artigo 7º:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal. [...] 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo

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de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (BRASIL, 1992).

Do artigo supracitado extrai-se o texto base para a audiência de custódia, sendo direito do preso o controle judicial imediato para evitar prisões arbitrárias e ilegais.

Nesse sentido, comentam Tópor e Nunes (2015, p. 37):

O artigo 7.5 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, determina que toda pessoa presa, detida ou retida, deve ser conduzida sem demora, à presença de um juiz, texto base da audiência de custódia. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem por finalidade julgar casos de violação de direitos humanos em países que integram a OEA, tem salientado, em alguns de SUS precedentes, que o controle judicial imediato assegurado pela audiência de custódia consiste num meio idôneo para evitar prisões arbitrárias e ilegais.

Convém salientar, que o Estado brasileiro ao aderir a Convenção Americana de Direitos Humanos, se comprometeu a cumprir de forma eficaz e integralmente todas as medidas positivadas, sendo por ela supervisionado, e o descumprimento de tais medidas, poderá ser alvo de denuncias junto à Assembleia da OEA, (TÓPOR; NUNES, 2015, p. 37).

São passados mais de vinte anos da incorporação ao ordenamento jurídico interno dos citados diplomas internacionais de direitos humanos, e o Brasil ainda está inicializando a adequação de muitos conteúdos já firmados no cenário internacional, porém, um passo importante está sendo tomado ao conferir importância ao instituto da audiência de custódia.

Para que os dispositivos internos garantam a plena eficácia dos Tratados internacionais sobre direitos humanos, se faz necessário sua normatização, o que será abordado na seção seguinte.

2.3 A NORMATIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Os tratados são imprescindíveis para a regulamentação de acordos internacionais nos Estados membros, principalmente no que se refere à incorporação na integra dos direitos fundamentais.

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No caso do Brasil, “os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte”, (TÓPOR; NUNES, 2015, p. 40).

Para a incorporação ao direito pátrio os tratados passam por uma transformação. Nesse sentido são as palavras de Mariângela F. Ariosi (2004), como segue:

Por determinação constitucional, os tratados internacionais, entendidos no seu sentido amplo, entram no ordenamento jurídico brasileiro por um processo de transformação denominado por internação, internalização, incorporação ou recepção dos tratados internacionais. É um tipo de transformação para que o tratado internacional vire uma norma interna, com todas as características que a norma possui. Isto porque, no Brasil, quando se estudam tratados internacionais, adota-se um sistema dualista no qual a norma internacional, o tratado internacional in casu, não é aplicada diretamente, necessitando, por ser dualista, passar por um processo para transformá-lo em norma do ordenamento jurídico interno. (grifo do autor).

Essa transformação segundo Pedro Lenza (2012, p. 258), passa essencialmente por quatro fases complexas até sua incorporação definitiva, quais sejam: celebração, aprovação, ratificação e promulgação.

Na primeira fase - celebração, o inteiro teor do conteúdo do tratado internacional é discutido entre os signatários. No Brasil, a função de desenvolver a agenda das relações internacionais brasileiras, compreendida no grande bojo da política externa brasileira é exclusiva do Ministério das Relações Exteriores. As missões diplomáticas, destinadas à tarefa de preparar o texto do tratado internacional, são compostas de diplomatas de carreira e de especialistas sobre a matéria a ser tratada; também não é rara a presença de políticos nestas missões, (ARIOSI, 2004).

Nessa mesma esteira Ariosi (2004) acrescenta que:

[...] nesta fase da negociação os tratados internacionais sofrem o primeiro controle prévio de sua constitucionalidade. Na elaboração do texto final, são apreciados os pressupostos de constitucionalidade atinentes à matéria objeto do tratado para que, então, o texto final possa ser assinado. É um tipo de controle prévio saneador, preparatório do instrumento para sua ulterior assinatura. (grifo do autor).

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Isso está de acordo com o artigo 84, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988, que define o controle de constitucionalidade. O referido artigo “[...] determina que é da competência privativa do Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”, (TÓPOR; NUNES, 2015, p. 41).

O artigo 21, da Constituição Federal, no mesmo sentido estabelece como sendo Competência da União “manter relações com Estados estrangeiros e participar de Organizações Internacionais”, (BRASIL, 1988). Desta forma temos que a competência para agir em nome do Estado em suas relações internacionais, é delegada ao Presidente da República.

De acordo com Höller Lee (2012), nessa primeira fase:

[...] concluem-se capacitados para negociar tratados internacionais em nome do Estado brasileiro, o Chefe de Estado, o Ministro das Relações Exteriores “e os representantes acreditados pelo Estado brasileiro em conferências e Organizações Internacionais (plenipotenciários) (e os) Chefes de Missões Diplomáticas (embaixadores)”.

Faz-se necessário ressaltar que estes representantes dotados de ‘plenos poderes’ podem negociar qualquer tipo de tratado internacional: acordos comerciais, tratados constitutivos de Organizações internacionais (O.Is.), tratados puramente normativos, não importando a matéria a ser discutida.

A segunda fase – a aprovação é de competência exclusiva do Congresso Nacional, pois conforme com o artigo 49, inciso I, da Constituição Federal, cabe a este resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais, (BRASIL, 1988).

Para tanto, a aprovação exige um procedimento complexo, onde devem coadunar o desejo do Presidente da República em, em celebrá-lo, e o alvitre do Congresso Nacional em aprová-lo, através de decreto legislativo. Alexandre de Morais (2003, p. 569) comenta que: “A deliberação do Parlamento será realizada através da aprovação de um decreto legislativo, devidamente promulgado pelo Presidente do Senado Federal e publicado;”.

Nesse sentido Arruda (2014), comenta:

Concordando o Congresso Nacional com a celebração do ato internacional, elabora-se um decreto legislativo, de acordo com o art. 59, VI da Constituição Federal, que é o instrumento adequado para referendar e aprovar a decisão do Chefe do Executivo dando-se a este uma carta branca para que possa ratificar ou aderir ao tratado se não o tinha feito.

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Ressalta-se que a edição do decreto legislativo, aprovando o tratado, não contém, todavia uma ordem de execução do tratado no território nacional, uma vez que só ao Presidente da República cabe decidir sobre sua ratificação.

Convém destacar a colaboração de Tópor e Nunes (2015, p. 41), segundo eles:

Ao ser celebrado um tratado internacional, o Brasil assume um compromisso internacional de adaptar suas leis ao pactuado e de não editar leis contrárias ao acordo. Isso porque, a adesão do Brasil aos tratados internacionais de direitos humanos, simboliza o seu aceite para com a ideia contemporânea de globalização dos direitos humanos. Consequentemente, constata-se que a legislação ordinária brasileira deve ser reformada e integrada às exigências internacionais de proteção dos direitos humanos.

De acordo com Tópor e Nunes (2015, p. 41), “[...] no âmbito criminal, a situação se apresenta de forma clara e objetiva: a convencionalidade internacional prepondera sobre as regras internas do Código Penal e do próprio Código de Processo Penal”. Os autores citam como exemplo, o artigo 1º, inciso I do Código de Processo Penal, que reza: “O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados os tratados, as convenções e regras de direito internacional”. No mesmo sentido o artigo 5º do Código Penal afirma que: “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”.

A fase de aprovação não deve ser examinada como uma simples questão de direito interno. Ela assenta um dos pontos de convergência entre o direito constitucional e o direito internacional, fenômeno que se apresenta através, não somente da ‘internacionalização’ do direito constitucional, mas também, da ‘constitucionalização’ do direito internacional, (HÖLLER LEE, 2012).

Diante do exposto, é possível inferir que a aprovação pelo Congresso Nacional é materializada por Decreto Legislativo, assinada pelo Presidente do Senado, publicada no Diário Oficial da União.

Uma vez publicado o Decreto Legislativo, encontra-se encerrada a etapa de apreciação e de aprovação do ato. Segue-se então a fase da ratificação, e segundo o Ministério das Relações Exteriores:

Procede-se então a sua ratificação ou confirmação, junto à(s) outra(s) Parte(s) Contratante(s), do desejo brasileiro de obrigar-se por aquele documento. A ratificação é, portanto, o processo pelo qual os atos são

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postos em vigor internacionalmente. Nos processos bilaterais, a ratificação pode ser feita por troca de notas, podendo o ato entrar em vigor, conforme determine seu texto, na data de recebimento da segunda nota ou num prazo estipulado após essa data. Pode-se ainda efetivar a ratificação por troca de instrumentos de ratificação, o que se faz com certa solenidade, mediante a lavratura de uma Ata.

Os atos multilaterais são ratificados por meio do depósito da Carta de Ratificação junto ao país ou órgão multilateral depositário. Este se incumbe de notificar o fato aos demais signatários. A entrada em vigor internacional do ato multilateral dependerá do cumprimento de certos requisitos que se estipulam em seu próprio texto, em geral a soma de um certo número de ratificações. Assim como as cartas de plenos poderes, as cartas (ou instrumentos) de ratificação são firmadas pelo Presidente da República e referendadas pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores. (BRASIL, 2017).

Compete, portanto, ao Presidente da República confirmar os Tratados Internacionais e reinterar seu vínculo à matéria discutida no âmbito do ordenamento jurídico internacional, perante outros Estados negociadores. Em definitivo, o ato de ratificação é irretratável, (HÖLLER LEE, 2012).

Após a ratificação do Tratado Internacional perante os Estados-membros, passa-se a quarta fase, da Promulgação. É através deste ato que ocorre a validade e executoriedade do ato internacional no ordenamento interno brasileiro.

Segundo Pedro Lenza (2012, p. 258), “neste momento o tratado, acordo ou ato internacional adquire executoriedade no plano do direito positivo interno, guardando estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias”.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores:

Publicado o Decreto Legislativo que aprovou o ato internacional, cabe ao Executivo promulgá-lo, por decreto assinado pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores. Esse decreto é acompanhado de cópia do texto e publicado no Diário Oficial da União. O ato internacional que dispensou a aprovação congressual, é objeto apenas de publicação. Sendo a promulgação um ato de direito interno, sua ocorrência não se confunde com a entrada em vigor do acordo, que se dá no plano do Direito Internacional Público.

A partir do momento que adquire executoriedade interna a norma inserida pelo Ato ou Tratado Internacional, pode, inclusive, ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, (MORAIS, 2003, p. 569).

Como percebe-se, a complexidade das fases não exclui ou minimiza a importância do conteúdo dos respectivos Tratados dos quais o Brasil é signatário.

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Necessário apontar que os Tratados Internacionais sobre direitos humanos recebem um tratamento específico, diferente dos demais Tratados, que são recebidos em nosso ordenamento como legislação ordinária.

Isso porque com o advento da EC nº 45 de 2004, houve a soma de um terceiro parágrafo ao artigo 5º, da Constituição Federal, e a partir de então o entendimento passou a ser que, no caso dos Tratados Internacionais sobre direitos humanos, estes passariam a ser recepcionados como normas constitucionais.

Nesse sentido, Bernardo Gonçalves Fernandes (2011, p. 348), preleciona que:

[...] uma das grandes novidades da Reforma do Poder Judiciário, fruto da EC nº 45/2004, foi a positivação em nosso ordenamento constitucional de norma que determina que os Tratados Internacionais de direitos humanos que seguissem o mesmo procedimento de aprovação das Emendas Constitucionais deveriam ser recebidos como normas constitucionais. Nesses termos, temos o art. 5º § 3º da CR/88 que afirma que: os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às Emendas Constitucionais.

Pois bem, a partir daí restou consignado, que teríamos duas posições sobre Tratados Internacionais: a) Tratados Internacionais que não são de direitos humanos continuariam a ser recepcionados como lei ordinária; b) já os TIDH que passassem pelo procedimento descrito no art. 5º § 3º da CR/88 seriam recepcionados como normas constitucionais (equivalentes às emendas constitucionais).

Vislumbra-se que, no Brasil a partir da adição do § 3º ao art. 5º da CF/88, pela EC 45/04, os juízes e tribunais devem prezar pela convencionalidade da lei aplicada.

Acerca desse entendimento, Tópor e Nunes (2015, p. 44) comentam:

Nesse plano, atualmente, compete aos juízes e tribunais, ao aplicar o Código de Processo Penal, mais do que buscar a conformidade constitucional, observar também a convencionalidade da lei aplicada, ou seja, se ela está em conformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos, uma vez que a Constituição Federal não é mais o único referencial de controle das leis ordinárias.

Assim, cabe ao magistrado julgador, ao analisar o caso concreto, não aplicar normas jurídicas que contrariem os tratados internacionais de direitos humanos. Logo, vislumbra-se que a audiência de custódia que é um direito do acusado assegurado na CADH e no PIDCP, encontra-se amparada pelo referido entendimento do STF.

Enfim, sendo a audiência de custódia um meio de ampliação e aperfeiçoamento do controle da legalidade e cautelaridade da prisão, está

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respaldada em tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é subscritor.

O Brasil, por sua vez, vem adotando medidas legislativas para dar efetividade e legitimidade a internalização dos tratados internacionais sobre direitos humanos. Essa convencionalidade pode ser percebida quando tais tratados são recepcionados como normas constitucionais, devendo ser interpretadas e aplicadas pelos magistrados e tribunais em casos concretos, nos termos do art. 5º, § 3º, da CF/88.

Esse respaldo na legislação internacional torna-se fundamental para que o respeito e a dignidade da pessoa do preso sejam reconhecidos pelo moderno Estado Democrático de direito, assunto este que será abordado no próximo capítulo.

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3 O RECONHECIMENTO E RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA DO PRESO

O capítulo corrente tem como referencial teórico que o ordenamento jurídico processual penal deve ser compreendido sob a ótica civilizatória e do padrão humanitário esperado da jurisdição do Estado. Apresenta a audiência de custódia como forma do Estado-juiz respeitar a dignidade humana do preso, indicando o objetivo geral de pesquisa.

O estudo demonstra a necessidade de humanização na fase processual penal conhecida como audiência de custódia, para garantir os direitos do indivíduo e evitar abusos.

Essa questão é de fundamental importância especialmente no que se refere ao chamado Estado Democrático de Direito, onde a afirmação e proteção de princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa se faz imprescindível para a compreensão e desmistificação da audiência de custódia, pois esta é uma forma de reconhecimento e respeito à dignidade da pessoa do preso. Assunto este que será abordado a seguir.

3.1 AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Nesse momento se faz necessário a seguinte perquirição: Qual a contribuição da Audiência de Custódia na consolidação dos direitos humanos no processo penal brasileiro?

Para buscar uma resposta a essa indagação é preciso compreender que a Carta Magna de 1988, logo em seu artigo 1º, traz que a “República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito”, trazendo em seu inciso III, a “dignidade da pessoa humana” como um dos direitos fundamentais, constitucionalmente protegidos.

Mas o que seriam esses direitos fundamentais? Para esclarecer essa perquirição, Flavia M. A. da Silva (2006) conceitua os direitos fundamentais como:

[...] conjunto de direitos e garantias do ser humano institucionalização, cuja finalidade principal é o respeito a sua dignidade, com proteção ao poder estatal e a garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, ou seja, visa garantir ao ser humano, o respeito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento de sua

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personalidade. Esta proteção deve ser reconhecida pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais de maneira positiva.

Nesse diapasão, o Poder Constituinte optou por inserir no artigo 1º, o tipo de Estado que o Brasil passaria a adotar, e certamente estava querendo deixar para traz a ideia que o Estado seria apenas a manifestação de uma força bruta, mas que a partir de então passaria a ser a manifestação de um Estado submetido ao próprio direito, ou seja, passaria a refletir os ideais do Estado de Direito, onde o único fulcro ao qual todos estariam submetidos sem distinção, seria a lei (DIMOULIS, 2011, p. 86). Nesse sentido Dimitri Dimoulis (2011, p. 87) aponta a finalidade do Estado de Direito dizendo que “o Estado limitado pelo direito é um Estado garantidor dos direitos fundamentais, um Estado garantista”.

Já o Estado Democrático, conforme José Afonso da Silva (2009, pag. 34) agregaria o princípio da soberania popular, com efetiva participação do povo na gestão da coisa pública.

Buscando dar uma conceituação objetiva para o chamado Estado Democrático José Afonso da Silva (2005, pag. 117), leciona que;

Este se funda no princípio da soberania popular, que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure, na simples formação das instituições representativas, que constituem em estágio da evolução do Estado Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento; visa, assim, a realizar o princípio democrático como garantia real dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Nessa perspectiva, Bernardo Gonçalves Fernandes (2011, p. 210), colabora ao discorrer que:

Para muitos autores, o Estado Democrático de Direito seria a união de dois princípios fundamentais, o Estado de Direito e o Estado Democrático. Todavia, mais que uma junção, o produto desses dois princípios acaba por formalizar e revela-se como um conceito novo que, mais que adicionar um no outro, equivale à afirmação de um novo paradigma de Estado e de Direito. (grifo do autor).

Fernandes (2011, p. 210), complementa dizendo que ambos os conceitos procuram “estabelecer uma relação de prioridade entre Estado de Direito (constitucionalismo) e Democracia (soberania popular)”, constituindo o Estado Democrático de Direito.

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De forma sucinta, porém incisiva Machado (2014, p. 6), traz o objetivo do Estado Democrático de Direito:

[...] o Estado Democrático de Direito tem por objetivo realizar a justiça social, os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, até se chegar a um Estado onde todos os seus cidadãos tenham acesso aos direitos insculpidos na Constituição.

Assim, pode-se dizer que, a Constituição de 1988, proporcionou o desenvolvimento de uma cidadania mais ampla, abarcando sem distinção, os indivíduos para fruição das suas mais diversas formas de liberdade. Liberdade esta garantida pelos princípios contidos no artigo 1º da Constituição de 1988, e que fundamentam o Estado brasileiro, (BRASIL, 1988).

A partir dessa perspectiva, Viana (2010, p. 13) colabora destacando que a democracia integra um extenso rol de garantias legais, como segue:

A democracia é um processo de convivência social em liberdade, uma forma participativa, plural, solidária, destinada à redução e ao combate às desigualdades sociais e das minorias, ampliando, assim, o rol de participação da população nos contextos políticos, culturais, sociais, com ações presentes e imbuídas de um teor de racionalidade erigidas com base nos parâmetros de legalidade.

Esses princípios e garantias só podem ser efetivados quando se coloca a “dignidade da pessoa humana” como a viga mestra de todos os demais direitos fundamentais.

Nas palavras de Lenza, (2012, p. 1144), o princípio da dignidade da pessoa humana, contido no inciso III, do artigo 1º, da Constituição Federal de 1988, é a “regra matriz dos direitos fundamentais, [...] e que pode ser bem definido como o núcleo essencial do constitucionalismo moderno. Assim, diante de colisões, a dignidade servirá para orientar as necessárias soluções de conflitos”.

Nessa mesma esteira Fernandes (2011, p. 222), colabora ao discorrer que:

“a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CR/88) é erigida à condição de metaprincípio (sic). Por isso mesmo, esta irradia valores e vetores de interpretação para todos os demais direitos fundamentais, exigindo que a figura humana receba sempre um tratamento moral condizente e igualitário, sempre tratando cada pessoa como fim em si mesma, nunca como meio (coisas) para satisfação de outros interesses ou de interesses de terceiros”.

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Como já constatado, a dignidade da pessoa humana e todo o arcabouço jurídico resultante da proteção aos direitos humanos, são provenientes dos pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, procurou afirmar sua vocação democrática ao incluir um diversificado rol de proteção dos direitos humanos.

Especificamente, sobre a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e relacionados ao instituto em análise, da audiência de custódia, podem ser destacados alguns artigos protetivos dos direitos humanos na Constituição de 1988. O artigo 3º, por exemplo, prevê que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”: [...] “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”, e [...] “IV – promover o bem de todos, sem [...] quaisquer outras formas de discriminação”. O artigo 4º, por sua vez, aduz que, “a República Federativa do Brasil rege-se nas relações internacionais pelos seguintes princípios”: [...] “II – prevalência dos direitos humanos”. Já o artigo 5º, em seu caput, diz que essa proteção é feita “garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade [...] à liberdade, à igualdade”. O parágrafo primeiro determina que, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Oportuno ainda, destacar que o artigo 2º da CF/88, assegura que, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. A Constituição de 1988 procurou elevar a condição de cláusula pétrea, os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, inciso IV, da CF/88), forma esta de demonstrar sua preocupação com possíveis mudanças nas garantias e direitos do cidadão, (BRASIL, 1988).

Partido desse pressuposto é necessário verificar detalhadamente cada caso, e assim averiguar se na aplicação de uma norma de direito fundamental não estaria ocorrendo uma ofensa à dignidade da pessoa humana, (SARLET, 2011, p. 193).

Porém, é preciso salientar que quando da aplicação da norma tem-se como resultado a imposição de uma pena de restrição de liberdade ao facínora, isso não representa uma violação da dignidade ou direito de direito fundamental.

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[...] poderemos então argumentar que a imposição de uma pena de prisão em regime fechado (pelo menos inicial) embora constitua inequívoca e grave restrição da liberdade pessoal, justificada pela necessidade de coibir e prevenir violações da dignidade e direitos fundamentais de terceiros, não assume a condição de ofensa (esta sim intolerável) ao conteúdo em dignidade, que, de resto, como já destacado alhures, deve ser (assim como ocorre com os direitos humanos e fundamentais em geral) igualmente assegurada ao preso (ou qualquer pessoa), por mais indignos tenham sido os atos por este praticados.

Importante destacar que na Constituição Federal de 1988 a proteção da dignidade humana juntamente com o direito a vida ganharam status de cláusulas pétreas, servido como limites ao poder constituinte.

Seguindo essa via Ingo Wolfgang Sarlet (2011, p. 193 – 194), comenta:

Ainda no que diz com a proteção da dignidade, percebe-se a existência de consenso no sentido de que a consideração e o respeito pela pessoa como tal (inclusive antes mesmo do nascimento e independentemente de suas condições físicas ou mentais) constituem simultaneamente tarefa e limites intransponíveis para a ordem jurídica. Tanto isto é correto que o princípio da dignidade da pessoa, [...] expressamente agasalhado no elenco das assim denominadas “cláusulas pétreas” da nossa Constituição (art. 60, § 4º) [...] seguramente ostenta [...] a condição de limite implícito ao poder de reforma constitucional, [...] juntamente com a vida (e o direito à vida) no valor e na norma jurídica de maior relevo na arquitetura constitucional pátria, integrante, pois, da essência (identidade) da Constituição formal e material [...].

Diante do exposto, verifica-se que na Constituição de 1988, não existe diferenciação de qualquer natureza entre os indivíduos, sejam eles livres ou em condições de encarceramento. Para muitas pessoas, quando o indivíduo perde sua liberdade pelo cometimento de um crime e passa a situação de encarcerado este perde sua condição humana e passa a ser considerado um objeto a ser manipulado pelo Estado. De maneira mais precisa, Lizandra Pereira Demarchi (2008) colabora ao discorrer que para a maioria da população:

[...] o preso deixa de ser um indivíduo dotado de direitos, e passa a ser tratado como coisa, que vive em um mundo à parte da realidade, onde a força bruta do Estado anula o ser dotado de razão à medida que passa a intimidá-lo com o pretexto de manter a ordem e a segurança social.

Isso ocorre porque muitas vezes o preso deixa de ser visto como cidadão que tem assegurado todas as garantias constitucionais, pelo simples fato de estar privado de sua liberdade, o que não pode mais ser tolerado. O cidadão-preso precisa ser reconhecido como ser dotado de dignidade, entendendo-se esta como qualidade inerente à essência do ser humano, bem jurídico absoluto, portanto, inalienável, irrenunciável e intangível. É preciso compreender que o preso conserva os demais direitos adquiridos enquanto cidadão, que não sejam incompatíveis com a "liberdade de ir e

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vir", à medida que a perda temporária do direito de liberdade em decorrência dos efeitos de sentença penal refere-se tão somente à locomoção. Isso, invariavelmente, não é o que ocorre.

Certamente a Constituição de 1988 é a mais evoluída a vigorar no País, porém, a discriminação com a pessoa do preso, mostra que a afirmação dos direitos fundamentais é um processo contínuo que necessita efetivar a dignidade do cidadão-preso.

Nas palavras de Sarlet (2011, p. 91) é primordial assegurar ao preso um mínimo de dignidade e direitos fundamentais, como segue:

[...] se pode ter como imprescindível – ao menos enquanto não se vislumbrar alternativa suficientemente eficaz e menos ofensiva à dignidade – a imposição até mesmo da pena de prisão em regime fechado – e mesmo assim assegurar ao preso um mínimo em dignidade e direitos fundamentais, do que dá conta, ao menos entre nós e na expressiva maioria dos Estados democráticos de Direito que mereçam ostentar este título, a vedação das penas cruéis e desumanas, da tortura, da utilização de determinados meios de prova (tal como o detector de mentiras, o assim chamado “soro da verdade”, a submissão compulsória a intervenções corporais, etc.), assim como as garantias da individualização da pena, da progressão no cumprimento da pena de prisão, no direito de receber visitas, entre outros tantos exemplos que aqui poderiam ser colacionados.

A audiência de custódia, no sentido de resguardar os direitos do cidadão-preso, procurou dar proteção ao direto da presunção da inocência através dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, contribuindo para a consolidação dos direitos humanos durante a persecução penal. Assunto que será abordado a seguir.

3.2 A PROTEÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

Partido da premissa que a dignidade da pessoa humana alcança de maneira irrestrita e indistintamente cada cidadão. Não se pode permitir que o sistema processual penal sirva como um algoz a serviço do Estado-juiz, na busca pela elucidação de fatos de pertinência delitiva.

É notório pelo princípio da presunção da inocência, que todo acusado, seja considerado culpado apenas depois do processo transitar em julgado, como bem observa Lopes e Paiva (2015, p. 16):

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O direito à presunção de inocência constitui o princípio inspirador e dirigente por excelência, pois os excessos em sua aplicação cotidiana levam ao questionamento sobre a eventual redução desse princípio à categoria de mito, apesar de a presunção de inocência constituir uma salvaguarda processual dirigida às autoridades para que os inocentes sejam tratados como tal e devam, em princípio, aguardar seu julgamento em liberdade.

Assim, é necessário preservar a integridade do acusado/preso, garantido a ele o mínimo de dignidade. Nessa senda, temos a preleção de Gisele Souza de Oliveira e outros (2015, p. 13):

A partir da aplicação do princípio da dignidade humana, resta claro que o processo penal não pode servir como instrumento de imposição de pena a qualquer custo, mas, ao contrário, deve ser visto como um instrumento investigatório, desenvolvido com fiel observância ao devido processo legal, em seus diversos aspectos, que visa a apurar as circunstâncias em que um determinado fato com relevância criminal ocorreu, com vistas a apontar ou não a responsabilidade penal do acusado, sem comportar práticas que exponham o homem a posições ou situações degradantes, torturantes ou a vexames, seja na especial condição de investigado ou réu [...].

A audiência de custódia além de instrumentalizar os princípios constitucionais supracitados, surge com a função de efetivar a ampla defesa e o “contraditório em relação às medidas cautelares pessoais, principalmente em relação aos casos de prisão em flagrante”, (MELO, 2016, p. 165).

O artigo 5º, inciso LV, da CRFB, traz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O princípio do contraditório “deve ser entendido como garantia de informação, participação, influência e não surpresa”, (MELO, p. 165).

Para Lopes e Paiva (2015, p. 18), o princípio do contraditório consiste:

[...] na garantia de participação no processo como meio de permitir a contribuição das partes para a formação do convencimento do juiz e, assim, para o provimento final desejado. É preciso salientar que o contraditório é, sobretudo por ocasião das abordagens relativas às provas, um dos princípios mais caros ao processo penal, constituindo verdadeiro requisito de validade do processo, na medida em que a sua não observância é passível até de nulidade absoluta, quando em prejuízo do acusado.

O princípio do contraditório “deve ser entendido como garantia de informação, participação, influência e não surpresa”, (MELO, 2016, p. 165).

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Segundo Salo de Carvalho (2008, p. 185), “o contraditório é, pois, em resumo, ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”.

Seguindo neste pensamento, Raphael Melo (2016, p. 165) observa que “por sua hierarquia constitucional sua observância é imprescindível, seja na forma prévia ou diferida, legitimando as decisões proferidas judicialmente”.

Clareia-se assim, que a audiência de custódia permite ao acusado/preso, seu primeiro contato com o juiz, momento substancial para relatar sua versão dos fatos ou mesmo silenciar para resguardar sua presunção de inocência.

Partindo dessa premissa, Lopes e Paiva (2015, p. 19) asseveram que:

[...] o ato jurídico que garante a audiência de custódia possibilita ao conduzido seu primeiro contato com o poder judiciário, além da possibilidade real e efetiva de realizar o contraditório, quando ouvido em audiência, relatando os fatos conforme seu ponto de vista, ou mesmo negando-se a falar, sem que o silêncio ali mantido traga qualquer prejuízo em sua soltura ou mesmo na manutenção da prisão, quando for o caso.

De acordo com Alexandre Morais da Rosa (2006), é preciso a efetiva participação de todos que sofrerão os efeitos da ação delitiva, assim como, dos atores processuais, em todas as esferas da persecução penal, a fim de apurar o melhor argumento em face do Direito e do “caso penal”, na via intersubjetiva, sem perder de vista o critério ético material.

O contraditório se faz necessário para que as partes tenham igualdade de participação na construção da futura decisão do juiz, permitindo, desta forma, que haja imparcialidade e justiça no julgamento.

Nas palavras de Melo (2016, p. 166):

A participação das partes em contraditório e em igualdade de condições é imprescindível para a legitimidade da decisão proferida pelo juiz, pois em um Estado Democrático de Direito, os interessados, aqueles que sofrerão os efeitos de um determinado provimento estatal, devem ter a oportunidade de participar de sua construção. Os argumentos apresentados devem ser levados em consideração pelo juiz, garantindo-se a influência e impedindo-se a decisão surpresa [...]. Trata-impedindo-se de decisão participativa, ou impedindo-seja, as partes, em simétrica paridade, cooperam na construção do provimento jurisdicional, em contraditório.

A audiência de custódia, além de possibilitar a participação efetiva do acusado/prezo em contraditório; resguardar sua integridade física; e proporcionar a

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correta aplicação dos direitos humanos, promove “ainda o direito de acesso à justiça do preso, com a ampla defesa garantida em momento crucial de persecução penal. Trata-se, portanto, de uma garantia do cidadão contra o Estado, condizente com a presunção de inocência”, (ANDRADE; ALFEN, 2016, p. 14, 15).

Como examinado alhures, todo o acusado tem assegurado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LV, o direito a ampla defesa. Direito este igualmente protegido pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em seu artigo 8º.

A ampla defesa “é o princípio que garante a defesa no âmbito mais abrangente possível. É a garantia de que a defesa é o mais legítimo dos direitos do homem”, (TEIXEIRA FORTES, 2017).

Importante contribuição encontra-se na obra de Ricardo Lobo Torres (2011, p. 74), ao discorrer que a ampla defesa não se confunde com a ideia de proteção do réu, nem com o ato de argumentar ou contra-argumentar decisão mais favorável, como segue:

Defesa, aqui, se torna em sentido amplo, não se confundindo com a ideia de proteção ao réu, ou seja, à parte passiva das pretensões processuais. Autor, réu e terceiros intervenientes, desde que comprovem legítimo interesse jurídico sobre o objeto do processo, estão acobertados pelo princípio, a permitir-lhes defender, ativa ou passivamente seus direitos e interesses. Também não se confunde com o ato de argumentar ou contra-argumentar, ou seja, de expor a sua pretensão de merecer decisão que lhe seja favorável, mas caracteriza-se num conjunto de aspectos – ou regras – diversos, cuja atenção se faz indispensável para que se tenha por respeitado a princípio da ampla defesa.

A ampla defesa está estreitamente relacionada com o contraditório, por proporcionar ao acusado estar informado prontamente sobre os passos do provimento jurisdicional. Essa questão é melhor esclarecida nos ensinamentos de Gisele Souza Oliveira e outros (2016, p. 54):

A ampla defesa assemelha-se ao contraditório, por também estar vinculada ao exercício da dialética processual, plasmada a partir da pretensão deduzida em juízo. Esse princípio constitucional do processo tem por escopo oportunizar à parte acusada de ser informada a respeito a respeito a respeito do que está sendo alegado pelo demandante, a fim de que possa produzir defesa de qualidade e indicar prova necessária, lícita e suficiente para alicerçar sua peça contestatória, continuando a espraiar seus efeitos durante todo o processo [...]. Seguindo a regra aplicável em relação aos direitos e princípios em geral, a ampla defesa não é um direito absoluto, podendo defrontar-se com limites constitucionais, como ocorre em relação à

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pretensão de ouvir corréu como testemunha, em situação onde o depoimento deste possa gerar autoincriminação.

Ainda, de acordo com Gisele Souza Oliveira e outros (2016, p. 53), a legislação pátria assegurou ao réu duas formas de ampla defesa, quais sejam:

O réu tem asseguradas duas formas de “ampla defesa”, uma técnica, que deve ser prestada por advogado (CF, art. 5º, LIII; CPP, arts. 185 e 261) e a chamada autodefesa, que no nosso sistema tem lugar principalmente no ato de interrogatório, oportunidade em que o acusado tem o direito de não se autoincriminar (nemo tenetur se detegere) e também o de se entrevistar diretamente com o seu julgador (juiz natural), expondo-lhe, se for o caso, a sua versão dos fatos e os motivos que geraram aquela prática, permitindo inclusive que deduza razões que podem vir a gerar o reconhecimento de alguma excludente de ilicitude, bem como de impressões de sua personalidade (CP, art. 59). (grifo do autor).

Assim, “o contraditório, juntamente com a ampla defesa, instituiu-se como a pedra fundamental de todo o processo e, particularmente, do processo penal, pois é cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal”, (ANDRADE; ALFEN, 2016, p. 19).

De acordo com Andrade e Alfen (2016, p. 20), a audiência de custódia possibilita a humanização do processo na medida em que:

é possível acreditar que a apresentação pessoal do conduzido a um magistrado faça com que o mesmo analise de forma mais “humana” tal situação, pois não se trata de mais um caso, de um calhamaço de documentos, que por vezes retratam situações completamente diferentes da realidade. Estará à presença do juiz o acusado, um sujeito de carne e osso, com nome, sobrenome, idade e rosto. O impacto humano proporcionado pelo agente, em suas primeiras manifestações, poderá modificar a compreensão imaginária dos envolvidos naquela solenidade. Merece destaque ainda que as decisões poderão ser tomadas com maiores informações sobre o agente, conduta e motivação20, dando maior solidez nas decisões tomadas pelo magistrado na audiência de custódia.

Diante do exposto, verifica-se que a audiência de custódia ao possibilitar ao conduzido seu primeiro contato com o poder judiciário, também proporciona a aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, primando pela proteção de direitos humanos largamente reservados ao acusado/preso, pois está em jogo durante a persecução penal a liberdade, a propriedade e a honra do acusado, (OLIVEIRA et al., 2016, p. 53).

Nesse sentido, a audiência de custódia, muito além de uma inovação legislativa, é um “elemento extremamente necessário para o aperfeiçoamento de um

Referências

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