Quando a união ent r e o nat ur al e o pr oduzi do se compl et ar , nossas const r uções apr ender ão, se adapt arão, cur ar ão a si mesmas e evol ui r ão. Cont udo, est e é um poder com o qual ai nda não chegamos a sonhar . Kevin Kelly
Out of Cont rol : The New Bi ology of Machi nes, Social Syst ems and t he Economi c Worl d (Perseus Books, 1995)
Sumário Apresentação ………....… 04 1. Introdução ... 05 1.1. A Moradia Estudantil ... 05 1.2. A problemática e o recorte do estudo ... 06 1.3. Objetivos ... 06 2. Moradia Estudantil ... 07 2.1. O habitar – histórico e atualidade ... 07 2.2. Assistência Estudantil ... 09 2.2.1. FONAPRACE ‐ Fórum dos Pró‐reitores de Assuntos Comunitários ... 11 2.2.1.1. Plano Nacional de Assistência Estudantil ... 12 2.2.1.2. II Perfil do Estudante de Graduação no Brasil ... 13 2.2.2. SENCE – Secretaria Nacional de Casas de Estudantes ... 14 2.3. Tipos de Moradia Estudantil ... 15 2.3.1. Os diversos modos de morar ... 15 2.3.2. Imagens de Casos ... 17 2.4. Perfil do estudante universitário de Viçosa ... 22 2.4.1. Assistência Estudantil na UFV – histórico e atualidade ... 22 2.4.2. Perfil do estudante contemplado com a moradia da UFV ... 28 3. A Moradia Estudantil na UFV ... 35 3.1. Situação ... 35 3.2. A gestão, administração, regulamentos e realidade de uso ... 42 4. Considerações específicas visando sustentabilidade e o bem‐estar social ... 44 5. Síntese conclusiva ... 53 Referências Bibliográficas ... 54 Anexos ... 56
Apresentação
O presente trabalho é resultado da vivência em Moradias Estudantis e da disciplina ECD 356 – Tópicos Especiais em Habitação, que possui, de acordo com catálogo de graduação da UFV – Universidade Federal de Viçosa, a seguinte ementa:
“Visa fornecer ao estudante a oportunidade de estudar tópicos da área de habitação, elaborando um trabalho, para aprofundar seus conhecimentos”.
As investigações aqui contidas buscam contextualizar, levantar questionamentos e propor sugestões sobre a Moradia Estudantil em Viçosa, “cidade universitária”, em particular as Moradias Estudantis da UFV, atendidas pela Assistência Estudantil.
1.
Introdução
1.1 A Moradia Estudantil
A moradia é mais que um abrigo, é o espaço que concebe as atividades diárias, o cotidiano, é a expressão da cultura, hábitos e práticas da sociedade. A casa (residência, habitação, lar) é entendida como o objeto da moradia (SIMONINI, 1995, P. 2).
Antes eram as formações naturais, as árvores, as cavernas, conseqüência direta do instinto e luta pela sobrevivência, a proteção contra intempéries e outros animais, a proteção contra outros da mesma espécie, a proteção contra a guerra. Aperfeiçoaram o uso da madeira e da pedra formando aberturas controláveis, portas e janelas; veio o vidro e toda a complexidade da construção cultural da sociedade, tornando‐se necessário o compartilhamento para divisão das mais diversas atividades. Ao longo da história várias modificações ocorreram nas moradias para atender às mudanças e progressos da vida domiciliar, compartilhando diversas funções, como o trabalho e o lazer.
A sociedade urbana, que nasce da industrialização, é o ápice do contínuo surgimento de novos grupos domésticos e novas tipologias do espaço de morar, como afirma Lefebvre:
“aplicação de um espaço global homogêneo e quantitativo obrigando o “vivido” a encerrar‐se em caixas, gaiolas, ou “máquinas de habitar”. [Continua] “o ser humano só pode habitar como poeta [...] os objetos de bom e de mau gosto, saturando ou não o espaço da habitação, formando ou não um sistema, até os mais horrorosos bibelôs (o Kitch), são a irrisória poesia que o ser humano oferece a si próprio para não deixar de ser poeta” (LEFEBVRE, 1999, p. 81).
Desta forma, “o significado de moradia, de habitação, de lar, de casa varia de pessoas para pessoa, entre grupos e através das culturas” (BRANDÃO & HEINECK. apud Pimenta, 2006, p. 6).
Neste trabalho há a busca pelo significado de Moradia Estudantil, entendido como o espaço comum habitado por estudantes, algo próximo da habitação de interesse social, sendo fato que podem ser estruturadas de diversas formas, com características e necessidades comuns que fazem desta mais uma entre tantas tipologias de habitação.
1.2 A problemática e o recorte do estudo
É expressiva a demanda por habitação estudantil em cidades caracterizadas como universitárias. Um exemplo desta situação é a cidade de Viçosa‐MG, influenciada, principalmente, pela UFV.
Viçosa, em especial, é caracterizada pela porcentagem expressiva da população que vem de outras cidades para estudar em suas Instituições de Ensino Superior ‐ IES, nas escolas de Ensino Médio e nos cursos preparatórios. Essa população flutuante exerce grande influência nos costumes e modos de vida da cidade, interagindo com a população local e formando um aglomerado humano heterogêneo.
Este fator tem grande influência sobre a dinâmica da cidade, especialmente no impacto que exerce sobre a estrutura urbana, manipulado pela especulação imobiliária e resultando em má qualidade das moradias destinadas aos estudantes, no adensamento e verticalização excessiva do centro próximo ao campus e suas adjacências.
A maior parte dos estudantes que chegam a Viçosa inicia sua vida acadêmica morando em “repúblicas” pela cidade, tendo de arcar com alugueis. Neste sentido, a Assistência Estudantil existe como forma de minimizar as diferenças sociais e permitir que estudantes sem condições de pagar um aluguel na cidade permaneçam na universidade pública, assim cumprindo mais uma de suas funções sociais. Atualmente são atendidos com moradia pela Assistência Estudantil da UFV mais de 1300 estudantes. O número de vagas da assistência de moradia da UFV se mantém o mesmo desde a década de 80, quando foi concluída a última edificação, apesar de a UFV ter mais que triplicado o número de alunos desde então. Neste contexto, o recorte do estudo é a Moradia Estudantil da UFV, tendo como raiz a Assistência Estudantil. 1.3 Objetivos
O objetivo geral do trabalho é investigar a Moradia Estudantil amparada pela Assistência Estudantil da UFV, de modo a levantar considerações e formalizar sugestões, com foco na qualidade de vida e na sua sustentabilidade.
2.
Moradia Estudantil
2.1 O habitar – histórico e atualidade
O surgimento das universidades, dentro de uma definição moderna, remonta à Europa medieval no período Renascentista. A concentração das salas de aula, museus, academias, laboratórios e dos mais diversos espaços das relações da comunidade universitária é fisicamente o “campus”, expresso também como Cidade Universitária, meio urbano caracterizado por serem grandes complexos arquitetônicos e urbanísticos destinado ao ensino superior.
A necessidade de moradia estudantil acompanha desde o início a idéia da universidade, expresso como auxílio a estudantes. O auxílio é evidenciado como forma de fixar os estudantes próximos das atividades acadêmicas e como possibilidade para aqueles carentes de recursos sócio‐econômicos permanecerem nos estudos.
No séc. XIX, no Brasil, são criadas as primeiras instituições de ensino superior, inicialmente na forma de faculdades isoladas, acompanhadas dos agrupamentos de estudantes em torno de uma moradia, inicialmente de caráter privado. Com o desenvolvimento dessas instituições, junto com maior clareza dos direitos sociais e da democratização do ensino, nasce o que hoje é designado como Política de Assistência Estudantil.
Um destaque entre as primeiras moradias estudantis no Brasil é o caso de Ouro Preto, cidade que era capital de Minas Gerais e recebeu cursos de engenharia, na Escola de Minas, e de farmácia, na Escola de Farmácia, ainda no período de Dom Pedro II. Uma prática adotada por essas escolas era destinar casas para moradia de estudantes oriundos de outras localidades, que constituíam a maior parte de seus alunos. O intercâmbio com Portugal, especialmente com a Universidade de Coimbra, instigou estudantes moradores dessas casas a fixarem em suas fachadas frases como: “aqui funciona uma república”. Esta era uma forma de protesto ao Império, semelhante ao que acontecia em Coimbra. Já no período republicano, a mudança da capital de Minas Gerais para Belo Horizonte diminuiu a população de Ouro Preto em cerca de 40%, resultando no abandono de vários imóveis. Estes passaram a ser ocupados por estudantes na forma de Repúblicas Estudantis.
Diversas escolas, faculdades e universidades pelo Brasil tomaram iniciativas, desde suas origens, para institucionalizar moradias estudantis, com diferenciação das tipologias, como casas apoiadas pelas prefeituras das cidades de origem dos estudantes, casas das próprias instituições, casas de entidades de apoio, entre outras formas. Assim aconteceu no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife, Salvador, entre outros pólos educacionais. As organizações estudantis favoreceram as moradias estudantis, que foram utilizadas como espaços propícios de mobilização e de resistência contra momentos ditatoriais. Neste contexto várias moradias estudantis sofreram intervenções, ocupações, e até mesmo foram fechadas pela repressão militar. Contraditoriamente, neste período também foram criadas novas moradias, havendo grande relação com investimentos nos esportes e restaurantes universitários, mas sob uma ótica de controle social refletido na forma arquitetônica que facilitasse a observação/monitoramento dos acadêmicos universitários.
A construção e manutenção de morarias foram dificultadas pela extinção das verbas e abandono da assistência estudantil por parte do Governo Federal, especialmente no período dos governos Collor e FHC, comprometendo a permanência de determinados seguimentos sociais no ensino superior. As próprias universidades passaram a levantar recursos para assistência estudantil, precariamente, ou acabaram abandonando, por completo, ações na área. Neste momento, algumas universidades adotam suas fundações universitárias como mantenedoras da assistência estudantil. Isoladamente, algumas buscam outros caminhos, como construção de novas moradias com recursos próprios, sendo não rara a imposição de taxas sobre o ensino público como argumento de favorecer a assistência estudantil.
Percebe‐se ainda que os diversos programas atuais de crescimento de vagas no ensino superior não são acompanhados por uma política de assistência estudantil efetiva, estando esta praticamente estagnada desde o início dos anos 90. O número de vagas nas moradias estudantis de caráter público, ou seja, aquelas de alguma forma apoiada na assistência estudantil do ensino superior público, mantendo‐se praticamente o mesmo desde então.
2.2 Assistência Estudantil
A moradia estudantil, sustentada pelas universidades, é uma das modalidades da assistência estudantil, assim como apoio à alimentação, esporte, lazer, saúde e atendimento psicossocial, entre outras.
As primeiras ações institucionalizadas como política do Estado datam dos anos 30, expressa pela Carta Magna Brasileira, recebendo um status constitucional.
“Parte dos mesmos fundos se aplicará em auxílios a alunos necessitados, mediante fornecimento gratuito de material escolar, bolsas de estudo, assistência alimentar, dentária e médica, e para vilegiaturas.” (Carta Magna
Brasileira, 1934).
A Constituição de 1946 define como obrigatoriedade do Estado o auxílio a estudantes carentes.
“Cada sistema de ensino terá obrigatoriamente serviços de assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados, condições de eficiência escolar.” (Constituição de 1946).
Em 1961 a Lei de Diretrizes Básicas – LDB passa a considerar a assistência estudantil como um direito à educação.
“O direito à educação é assegurado pela obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para que a família desta, os demais membros da sociedade se desobriguem dos encargos da educação, quando provada a insuficiência de meios de modo que sejam asseguradas iguais oportunidade a todos.” (Lei de Diretrizes Básicas, 1961).
Durante o período militar a lei continuou a existir, mas não na prática. Foram construídos restaurantes universitários e áreas de esportes, enquanto as moradias sofreram repressões por aflorarem organizações estudantis. Em 1970 é criado pelo MEC – Ministério da Educação, o Departamento de Assistência Estudantil – DAE, com objetivo de conduzir a política nacional da área. A UNE – União Nacional dos Estudantes, após sua reativação, levanta a campanha Pró‐Moradia Estudantil, culminando no I Encontro Nacional de Casas de Estudantes, em 1976, no Rio de Janeiro.
Em 1985 é criada a Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior Brasileira, ligada ao MEC, propondo recomendações que não foram mantidas, principalmente pela falta de realocação de recursos. No texto de criação desta comissão era determinado a alocação de recursos suficientes para o custeio de um plano nacional de recuperação e conservação de prédios de refeitórios e residências estudantis e criação desses serviços em IES públicas que ainda não os possuíam (FONAPRACE: 1985).
A esse respeito, a Constituição de 1988, atualmente vigente, afirma, conforme é assinalada por Silva (1992):
“A norma, assim explicitada ‐ “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família ...” (art. 205 e 227) ‐, significa, em primeiro lugar, que o Estado tem que aparelhar‐se para fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino, de acordo com os princípios estatuídos na constituição (art. 206); que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer igualmente esse direito; e, em segundo lugar, que todas as normas da Constituição, sobre educação e ensino, hão de ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização (SILVA, 1992. p 280.)” Em 1993, entra em vigor a Lei Orgânica da Assistência Social, instituída como direito social de base não contributiva, compondo a Seguridade Social e o dever do Estado. Atualmente, o principal argumento da assistência estudantil está amparado na LDB de 1996, determinando que “o ensino será ministrado com base na igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Uma diretriz contraditória na gestão de vários governos, pois mesmo sendo explícitos os argumentos, são extintos os recursos específicos para a assistência estudantil nos montantes repassados às IFES – Instituições Federais de Ensino Superior.
A desestruturação da assistência estudantil é evidente até os dias atuais, agravada por uma crise conjuntural das IFES, que passa pelos processos de privatização, uma reforma silenciosa, até pela falta de compromisso governamental, assim reduzindo consideravelmente o acesso universal ao ensino público gratuito.