• Nenhum resultado encontrado

Aspetos específicos do metabolismo em órgãos e tecidos selecionados

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Aspetos específicos do metabolismo em órgãos e tecidos selecionados"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

Aspetos específicos do metabolismo em órgãos e tecidos selecionados

Índice

1 – Introdução ... 1

2 – O cérebro ... 2

3 – Os músculos esqueléticos ... 3

3.1 - Metabolismo energético nos músculos esqueléticos em repouso ... 3

3.2 – Os diferentes tipos de fibras nos músculos esqueléticos ... 4

4 – O coração ... 4

5 – O tecido adiposo branco ... 5

6 – O tecido adiposo castanho ... 6

7 – Os rins ... 7

8 – O intestino delgado e o intestino grosso ... 8

9 – As células do sistema imunitário e da medula óssea ... 9

10 – O fígado ... 9

10.1 – Os combustíveis do fígado ... 9

10.2 - O fígado tem um papel central no metabolismo dos hidratos de carbono ... 9

10.3 - O papel do fígado no metabolismo dos triacilgliceróis e dos ácidos gordos ... 10

10.4 - O fígado tem um papel central no metabolismo do colesterol ... 10

10.5 - O fígado tem um papel central no metabolismo dos aminoácidos e proteínas. ... 10

10.6 - O fígado tem um papel na conjugação e excreção da bilirrubina e no metabolismo de xenobióticos ... 11

10.7 - A conversão do etanol em acetato ocorre no fígado ... 11

11 – Bibliografia ... 11

1 – Introdução

Este texto visa servir de apoio a uma aula onde se abordam aspetos específicos do metabolismo em células, tecidos e órgãos selecionados.

Um dos aspetos a que se dará particular atenção será o metabolismo energético realçando a contribuição dos diferentes órgãos em análise para o gasto energético global do organismo e o tipo de nutrientes utilizados.

Em condições de repouso, se considerarmos a despesa energética específica (definida como a despesa energética basal por unidade de massa de tecido), os órgãos mais gastadores são o rim e o coração com uma despesa de cerca de 18 kcal kg-1 h-1; a seguir estariam o fígado e o cérebro (cerca de 8-10 kcal kg-1 h-1). Nos músculos esqueléticos em repouso a despesa energética específica é muito baixa (da ordem de 0,5 kcal kg-1 h-1) e é ainda mais baixa no tecido adiposo branco (da ordem de 0,2 kcal kg-1 h-1); ou seja, quando expressas por unidade de massa de tecido, as despesas energéticas dos músculos esqueléticos e do tecido adiposo branco são cerca de 30 e 100 vezes menores que a dos órgãos mais gastadores (o coração e os rins).

No entanto, o contributo dos diferentes órgãos e tecidos para a despesa energética basal do organismo na sua globalidade não depende apenas da despesa energética específica, mas também da sua massa. Os músculos esqueléticos e o tecido adiposo têm despesas energéticas específicas muito baixas mas, cada um destes tecidos, representa, geralmente, entre 20 e 40% da massa do organismo. Em contrapartida os rins (os dois rins) e o coração (cerca de 300 g) assim como o fígado e o cérebro (cerca de 1,5 kg) têm despesas energéticas específicas elevadas, mas as suas massas são uma pequena fração da massa corporal. Assim, não é de surpreender que, quando se tem em linha de conta a massa, os músculos esqueléticos e o tecido adiposo ganhem importância na despesa energética do organismo. A despesa energética dos músculos esqueléticos em repouso é cerca de 20% da despesa energética basal do organismo. Uma percentagem idêntica cabe ao fígado e ao cérebro (também 20% cada). Quer no caso dos rins quer no do coração esta percentagem desce para menos de 10% do total e uma percentagem da mesma ordem de grandeza cabe ao tecido adiposo.

(2)

Os valores correspondentes ao gasto energético dos intestinos delgado e grosso, assim como o das células do sistema imunitário e da medula óssea são difíceis de medir com rigor, mas admite-se que podem, no seu conjunto, corresponder a valores da mesma ordem de grandeza da despesa dos rins ou do coração (cerca de 10% do total).

Em condições de repouso, o conjunto do fígado, cérebro, coração e rins, apesar de representarem menos de 5% da massa total do organismo, são responsáveis por cerca de 60% da despesa energética do organismo.

Estas percentagens foram estimadas admitindo um individuo normal de 70 kg de peso com uma despesa energética basal de cerca de 1700 kcal dia-1. Quando, neste texto, se fizer referência à despesa energética de um indivíduo sedentário estamos a admitir uma despesa energética da ordem das 2500 kcal dia

-1

.

2– O cérebro

Num ser humano adulto, o cérebro pesa cerca de 1,4 kg e consome cerca de 380 kcal dia-1. Num indivíduo de 70 kg, 1,4 kg são 2% da massa, mas em termos de despesa energética o “peso” do cérebro é muito maior: o cérebro representa cerca de 20% da despesa energética basal e cerca de 15% da despesa energética de um individuo sedentário.

Enquanto a despesa energética dos músculos esqueléticos (e, em menor grau, a do coração) variam marcadamente com a sua atividade, a despesa energética do cérebro é sempre igual. Embora possa haver áreas cerebrais a consumir mais energia que outras aquando de determinadas atividades, quando se mediu o consumo de oxigénio pelo cérebro como um todo, nunca foi possível observar variações significativas em diferentes estados incluindo o sono.

Exceto no jejum prolongado (depois de, pelo menos, 1 ou 2 dias de jejum, no caso dos adultos), o único combustível usado pelo cérebro é a glicose (cerca de 4 g h-1, ou seja, 100 g dia-1) e a oxidação é completa: o produto formado pelo cérebro no catabolismo da glicose é o CO2.

Ao contrário do que acontece com muitos órgãos e tecidos (como o fígado, o coração, os músculos e o tecido adiposo), a insulina não estimula a captação de glicose pelo cérebro. Quando se administra uma dose excessiva insulina a um indivíduo, pode provocar-se um desmaio ou mesmo a morte. Isto acontece porque a estimulação da captação de glicose nos órgãos sensíveis à insulina faz baixar a glicemia para valores que deixam de ser compatíveis com uma velocidade de consumo de glicose capaz de sustentar a manutenção de uma concentração normal de ATP nas células cerebrais.

A atividade cerebral não é afetada se a glicemia se mantiver, como acontece normalmente, acima dos 40-50 mg/dL (2,2-2,8 mM), mas um valor mais baixo provoca perda de consciência e, eventualmente, danos cerebrais irreversíveis.

Uma limitação das células do cérebro (relativamente aos músculos esqueléticos, por exemplo) é que quase não têm reservas de glicogénio e, por isso, dependem da glicose sanguínea para produzir ATP. O transportador de glicose na membrana citoplasmática dos neurónios é o GLUT3. A glicemia no estado pós-absortivo é de cerca de 80 mg/dL (ou seja, cerca de 4,5 mM), um valor que ainda está muito acima do Km

para a glicose do GLUT3 (cerca de 1,6 mM) e estas condições permitem a entrada de glicose para os neurónios a uma velocidade normal. O Km da glicose no caso da hexocínase (ver Equação 1) é de 50 µM, um

valor que está também muito acima da concentração de glicose que se estima existir dentro dos neurónios em condições normais (≈ 1 mM). Assim, quando a glicose sanguínea está acima de 2,5 mM, a velocidade de entrada de glicose para dentro dos neurónios e a velocidade de fosforilação de glicose permitem fornecer glicose-6-fosfato à glicólise (e em última análise, acetil-CoA ao ciclo de Krebs) compatíveis com os gastos de ATP dos neurónios. No entanto, se a glicemia baixar para valores abaixo dos 2,5 mM, a concentração intracelular de glicose também baixa e faz baixar a velocidade de fosforilação da glicose (ver Equação 1) para valores que já não permitem manter a oxidação da glicose a uma velocidade adequada à manutenção da concentração de ATP em níveis adequados. Nestas condições ocorre um episódio hipoglicémico com perda de consciência.

Equação 1 glicose + ATP → glicose-6-fosfato + ADP

Ao contrário do que acontece com a maioria dos tecidos, o cérebro praticamente não consome ácidos gordos. Ou dito de outra maneira: a velocidade de entrada de ácidos gordos para o cérebro é tão baixa que é legítimo considerar que são completamente irrelevantes como nutrientes. Isto deve-se a características especiais das células endoteliais do cérebro, nomeadamente a presença de junções oclusivas (“tight

(3)

junctions”) que prejudicam a passagem dos ácidos gordos e de muitos outras substâncias. É daqui que provém a expressão “barreira hemato-encefálica”.

No jejum prolongado, a produção de corpos cetónicos pelo fígado e a sua concentração plasmática estão muito aumentadas. O somatório das concentrações plasmáticas do β-hidroxibutirato e do acetoacetato pode, no jejum prolongado, ser de 6 mM, um valor que é cerca de 30 vezes superior ao que regista no estado pós-absortivo (≈ 0,2 mM). No jejum prolongado o consumo cerebral de glicose desce para metade (ou menos de metade), mas a despesa energética cerebral não baixa. No jejum prolongado a energia que não é fornecida pela glicose passa a ser fornecida pela oxidação dos corpos cetónicos que pode passar a representar 60% (ou mais) do gasto energético cerebral.

3 – Os músculos esqueléticos

3.1 - Metabolismo energético nos músculos esqueléticos em repouso

Apesar de representarem 20-40% da massa corporal, a despesa energética dos músculos esqueléticos em repouso é apenas 15-25% da despesa total1. Isto deve-se à sua baixa despesa energética basal específica (30 vezes mais baixa que a do coração e a dos rins).

Os aminoácidos ramificados são, pelo menos em parte, oxidados nos músculos, mas pensa-se que o seu contributo para a despesa seja sempre muitíssimo pequeno.

Os músculos são sensíveis à insulina e o tipo de nutrientes por eles usados varia com a sua atividade (que ignoraremos neste texto, considerando apenas o estado de repouso) e com o estado nutricional.

No estado pós-absortivo, a insulina está baixa e 80-90% da energia gasta pelos músculos provém da oxidação das gorduras (maioritariamente ácidos gordos plasmáticos). A fração restante resulta da oxidação da glicose plasmática que é proveniente do fígado e rins. A velocidade da fosforólise do glicogénio muscular é muito baixa quando os músculos estão em repouso e, nestas condições, o glicogénio muscular tem um papel residual como fornecedor de energia.

No estado pós-prandial, após uma refeição que continha carbohidratos, a insulina aumenta e a captação de glicose pelos músculos também aumenta porque há mobilização de moléculas de GLUT4 para a membrana sarcoplasmática. Uma parte da glicose captada acaba por formar lactato, outra parte sofre oxidação a CO2 e uma outra é armazenada na forma de glicogénio. Um dos mecanismos que, induzidos pela

insulina, contribui para o aumento da oxidação da glicose é a ativação da desidrogénase do piruvato (ver Equação 2) via ativação da fosfátase da desidrogénase do piruvato (ver Equação 3) e inibição da cínase da desidrogénase do piruvato (ver Equação 4). No período pós-prandial, os músculos são, juntamente com o fígado, os principais responsáveis pela manutenção dentro de limites não demasiado elevados e pela recuperação para os valores basais da concentração plasmática da glicose.

Equação 2 piruvato + CoA + NAD+ → acetil-CoA + CO2 + NADH

Equação 3 desidrogénase do piruvato fosforilada (inativa) + H2O →

desidrogénase do piruvato desfosforilada (ativa) + Pi

Equação 4 ATP + desidrogénase do piruvato desfosforilada (ativa) →

ADP + desidrogénase do piruvato fosforilada (inativa)

A insulina também tem um papel relevante na ativação da glicogénese e, por mecanismos desconhecidos, a quantidade de glicogénio armazenada tem um papel inibidor.

Quer o aumento da glicogénese, quer o aumento do catabolismo da glicose impedem que a glicemia suba demasiado no estado pós-prandial e, neste papel, os músculos esqueléticos são mais importantes que todos os outros órgãos do organismo.

No período pós-prandial, concomitantemente com o aumento a oxidação de glicose, há diminuição da oxidação dos ácidos gordos. A oxidação em β diminui porque há diminuição dos ácidos livres plasmáticos e da concentração intracelular de acis-CoA, assim como aumento da concentração intracelular de malonil-CoA que inibe a carnitina-palmitil transférase 1 (CPT1; ver Equação 5), a enzima mais importante na regulação desta via metabólica.

Equação 5 acil-CoA + carnitina → acil-carnitina + CoA

1 As variações individuais são marcadas e o sexo também é importante: em geral, a percentagem de massa muscular e a despesa

(4)

3.2 – Os diferentes tipos de fibras nos músculos esqueléticos

Os diferentes músculos de um dado indivíduo contêm proporções variadas de diferentes tipos de fibras musculares. As fibras de tipo I também são designadas por fibras de contração lenta, vermelhas ou oxidativas e as de tipo IIB também são conhecidas como de contração rápida ou brancas ou glicolíticas anaeróbias. Um terceiro tipo são as fibras de tipo IIA que têm características intermédias e também são conhecidas pela expressão “fibras glicolítico-oxidativas”.

As fibras de tipo I são mais importantes nos exercícios de longa duração. Os nutrientes são oxidados pelo oxigénio até CO2 e vêm predominantemente de fora do músculo, através de uma densa rede de

capilares. Estas fibras oxidam glicose, mas também ácidos gordos com origem externa (tecido adiposo, via plasma) e nos triacilgliceróis intramiocelulares. Comparativamente com as fibras de tipo II são mais ricas em mitocôndrias e em enzimas mitocondriais como as do ciclo de Krebs e da oxidação em β. Além disso, nos capilares que as irrigam há maior atividade da lípase de lipoproteínas e têm maior armazenamento de triacilgliceróis. São vermelhas porque têm mais mioglobina e mais citocromos (mais mitocôndrias).

As fibras de tipo IIB entram em atividade contrátil (adicionando a sua atividade à atividade das fibras de tipo I), quando se fazem exercícios de tipo anaeróbio que, necessariamente, são de curta duração. A substituição do ATP depende do consumo da fosfocreatina (que só é relevante nos primeiros segundos), assim como da glicogenólise e da glicólise da glicose-6-fosfato gerada a partir do glicogénio que foi armazenado em cada fibra muscular. Aquando da atividade contrátil, a aceleração da produção de ATP para fazer face ao altíssimo consumo pelas ATPases da miosina, do Ca2+ e do Na+/K+ é muito marcada, mas não depende da entrada nem de nutrientes nem de oxigénio do sangue. O produto formado na glicólise é o ácido láctico que, via acidificação, limita a duração da atividade contrátil. Designam-se de “brancas” porque têm pouca mioglobina e citocromos (poucas mitocôndrias).

As características genéticas de um dado indivíduo são determinantes na proporção dos diferentes tipos de fibras num dado músculo. Por exemplo, cerca de 80 % das fibras musculares do gastrocnemius dos maratonistas de elite são de tipo I; nos maratonistas menos bons a percentagem desce para 60%.

4 – O coração

O coração de um adulto pesa cerca de 300 g (0,4% da massa corporal), mas é responsável por cerca de 8% da despesa energética em repouso. De facto, o coração é, juntamente com os rins, o órgão com maior despesa energética basal específica do organismo (18 kcal kg-1 h-1) o que se explica pelo trabalho de bombear, em condições de repouso, cerca de 5 L de sangue por minuto.

A sua força contrátil e a frequência de batimento aumentam via estimulação adrenérgica (recetores β). Durante o exercício físico, a sua despesa energética pode aumentar até 4-5 vezes relativamente à despesa basal. Este aumento, em comparação com o que acontece numa fibra muscular esquelética que passa do estado de repouso ao de contração é relativamente modesto. O que se passa é que, ao contrário das fibras musculares esqueléticas que têm uma despesa energética específica muito baixa quando em repouso, o coração está sempre em atividade contrátil e tem uma despesa energética basal específica muito elevada (só comparável com a dos rins).

O coração é um caso extremo de fibra muscular oxidativa. As suas reservas energéticas próprias são mínimas (muito pouco glicogénio e triacilgliceróis intramiocelulares). Assim, os combustíveis envolvidos no fornecimento de energia ao coração são obtidos do sangue. A oxidação é completa (a CO2) e, nos indivíduos

saudáveis, não há produção, mas sim consumo de lactato; o coração para além de oxidar glicose, ácidos gordos e corpos cetónicos (quando estes existem no plasma) capta lactato do sangue e oxida-o a CO2.

A não ser durante o período em que a glicose está a ser absorvida no intestino (período pós-prandial), a glicose oxidada no coração provém da glicogenólise e gliconeogénese hepáticas e da gliconeogénese renal. Os ácidos gordos provêm do tecido adiposo, mas também da ação da lípase de lipoproteínas que é mais ativa nos capilares do coração que nos dos músculos esqueléticos. Quando os corpos cetónicos estão a ser produzidos são também importantes combustíveis do coração.

O coração é sensível à insulina e, no estado pós-prandial, a oxidação da glicose está aumentada em detrimento da de ácidos gordos e corpos cetónicos. No aumento da oxidação da glicose está envolvida a ação da insulina que estimula a mobilização de GLUT4 para a membrana sarcoplasmática e a ativação da desidrogénase do piruvato.

(5)

5 – O tecido adiposo branco

O tecido adiposo branco2 constitui uma percentagem elevada da massa corporal. Admitindo um Índice de Massa Corporal de 25 kg/m2 constitui, no sexo masculino, cerca de 25% da massa corporal e, no feminino, cerca de 40 %. No entanto, tem uma despesa energética muito baixa (5-10 % da despesa energética basal) porque a sua despesa específica é muito baixa.

Os adipócitos do tecido adiposo branco contêm a esmagadora maioria dos triacilgliceróis do organismo. Para além dos triacilgliceróis existentes no tecido adiposo branco, também existem triacilgliceróis nos músculos esqueléticos (triacilgliceróis intramiocelulares; cerca de 300 g), os das lipoproteínas plasmáticas (cerca de 3 g), os do tecido adiposo castanho e os que podem existir em localizações atópicas como o fígado. Na maioria dos adipócitos do tecido adiposo branco existe uma gotícula única (rodeada por uma monocamada fosfolipídica e proteica) que ocupa a maior parte do volume da célula. No tecido adiposo branco 85% da sua massa é gordura e apenas cerca de 3% são proteínas.

Apesar de ter uma despesa energética baixa, o tecido adiposo tem um papel muito relevante no metabolismo energético do organismo porque é o mais importante local de armazenamento de nutrientes (no caso, gordura). Se pensarmos num indivíduo de 70 kg de peso em que 30% da sua massa corporal é tecido adiposo, a massa de triacilgliceróis será de cerca de 18 kg o que corresponde a 170 000 kcal. (Este valor corresponde a mais de dois meses com uma despesa de 2500 kcal dia-1).

O tecido adiposo é sensível à insulina desempenhando diferentes papéis ao longo do ciclo diário de alimentação-jejum.

Tal como acontece nos músculos esqueléticos, no período pós-prandial, a insulina estimula a captação de glicose (via mobilização de GLUT4 para a membrana celular) que se converte em glicerol-3-fosfato. Este glicerol-3-fosfato é um dos substratos na síntese de triacilgliceróis (esterificação) que está aumentada neste período. A acumulação citoplasmática de triacilgliceróis é uma consequência deste aumento, mas também da inibição da lipólise intracelular que ocorre via desfosforilação da perilipina e da lípase hormono-sensível e que é catalisada por uma fosfátase que é ativada pela insulina. Um outro mecanismo que explica a ação inibidora da insulina na lipólise intracelular é o de impedir a acumulação de AMP cíclico, estimulando a fosfodiestérase, uma enzima que catalisa a hidrólise de AMP cíclico. Na ausência de AMP cíclico a atividade da PKA está prejudicada e não há fosforilação nem da perilipina nem da lípase hormono-sensível. A insulina também estimula a síntese da lípase de lipoproteínas nos adipócitos e é esta enzima que, depois de migrar para a face luminal da membrana das células endoteliais dos capilares, catalisa a hidrólise dos triacilgliceróis dos quilomicra (e VLDL). Os adipócitos captam os ácidos gordos libertados que, depois de ativados (ver Equação 6, são, com o glicerol-3-fosfato, substratos do processo de esterificação que também está estimulada no período pós-prandial.

Equação 6 ácido gordo + CoA + ATP → acil-CoA + AMP + PPi

No período pós-absortivo a insulina baixa no plasma e passa a predominar o efeito lipolítico que resulta do tono basal simpático. A ação das catecolaminas exerce-se via recetores adrenérgicos β1 cuja ativação induz a fosforilação e consequente ativação da perilipina e da lípase hormono-sensível. A fosforilação da perilipina é essencial para a ativação da enzima (a lípase de triacilgliceróis do tecido adiposo) que atua diretamente nos triacilgliceróis catalisando a libertação do primeiro ácido gordo (com formação de diacilglicerol). A descida da insulina implica que estes efeitos deixam de ser antagonizados, mas também diminuem as atividades que levam ao armazenamento de triacilgliceróis nomeadamente a captação de glicose (e a formação de glicerol-3-fosfato), a hidrólise dos triacilgliceróis plasmáticos pela lípase de lipoproteínas e a esterificação intracelular.

No período pós-absortivo ocorre diminuição das reservas de triacilgliceróis mas, se o balanço energético for nulo, esta diminuição é equivalente ao aumento que ocorre no período pós-prandial. A hidrólise dos triacilgliceróis que ocorre durante o jejum leva à libertação de ácidos gordos e de glicerol para o plasma e, por isso, as concentrações plasmáticas destes compostos estão aumentadas no período pós-absortivo.

A concentração plasmática de ácidos gordos livres não varia com o exercício físico porque, durante o exercício físico, a velocidade de libertação de ácidos gordos pelo tecido adiposo é igual à velocidade da sua oxidação nos músculos. No exercício físico há, nos músculos, aumento da captação de ácidos gordos (via estimulação da translocação para a membrana sarcoplasmática de vesículas intracelulares que contêm o transportador de ácidos gordos FAT/CD36) e da sua oxidação. No entanto, o tono simpático e a concentração

(6)

plasmática de catecolaminas aumentam o que estimula a lipólise dos adipócitos via recetores β1. Além disso, nas células β dos ilhéus de Langerhans, as catecolaminas inibem a libertação de insulina via recetores α e isto também contribui para o aumento da lipólise e da libertação de ácidos gordos para o plasma.

Embora existam nos adipócitos todas as enzimas que permitem converter glicose em ácidos gordos, com as dietas típicas da civilização ocidental (relativamente ricas em gorduras e relativamente pobres em hidratos de carbono), a lipogénese de novo tem uma relevância menor no metabolismo dos adipócitos. No entanto esta via metabólica pode ser ativada quando as dietas são ricas em hidratos de carbono durante alguns dias e há balanço energético positivo. Quando o valor calórico dos carbohidratos da dieta excede a despesa energética (o que é raro na civilização ocidental) há formação endógena líquida de ácidos gordos no tecido adiposo e no fígado a partir de glicose. Em geral quando há balanço energético positivo, os ácidos gordos das gorduras acumuladas são, quase na sua totalidade, ácidos gordos da dieta eventualmente modificados nos processos de elongação e dessaturação. Nas dietas de tipo ocidental só menos de 5% dos ácidos gordos das gorduras acumuladas foram sintetizados endogenamente a partir da glicose (ou de aminoácidos).

Na ativação deste processo tem particular relevância a insulina. A insulina estimula a síntese de enzimas da glicólise, da lipogénese de novo (carboxílase da acetil-CoA e síntase do palmitato; ver Equação 7 e Equação 8), da via das pentoses-fosfato (desidrogénases da glicose e do 6-fosfogliconato; ver Equação 9 e Equação 10) e da esterificação (acil-transférase do glicerol-3-fosfato; ver Equação 11).

Equação 7 acetil-CoA + CO2 + ATP + H2O → malonil-CoA + ADP + Pi

Equação 8 7 malonil-CoA + acetil-CoA + 14 NADPH →

palmitato + 6 H2O + 14 NADP +

+ 7 CO2 + 8 CoASH

Equação 9 glicose-6-fosfato + NADP+ → 6-fosfogliconolactona + NADPH Equação 10 6-fosfogliconato + NADP+ → ribulose-5-fosfato + CO2 + NADPH

Equação 11 glicerol-3-fosfato + acil-CoA → 1-acilglicerol-3-fosfato + CoA

6 – O tecido adiposo castanho

Os adipócitos do tecido adiposo castanho contêm mais mitocôndrias que os adipócitos do tecido adiposo branco e cada célula contém múltiplas gotículas de gordura. Além disso, na membrana interna das suas mitocôndrias, há termogenina (UCP1; “uncoupling protein 1”).

Até há cerca de uma década pensava-se que, nos seres humanos, só existia nos bebés, mas o uso de técnicas de imagiologia revelou que também existe na maioria dos adultos. Os adipócitos castanhos existem em nichos dispersos no tecido adiposo da região supraclavicular, do mediastino, da região paravertebral e perirrenal.

A atividade oxidativa dos adipócitos do tecido castanho aumenta como resposta ao frio. Nesta condição há estimulação de centros hipotalâmicos que levam ao aumento da produção de hormonas tiroideias na tiroide. A T3 (triiodotironina, a hormona tiroideia com atividade biológica), por sua vez, provoca, atuando no hipotálamo, estimulação da libertação de noradrenalina nos terminais simpáticos do tecido adiposo castanho. Por outro lado, atuando diretamente no próprio tecido adiposo castanho, a T3 aumenta a sensibilidade dos adipócitos para o efeito da estimulação simpática. Quando os adipócitos do tecido adiposo castanho são estimulados pelo sistema nervoso simpático ocorre lipólise que liberta ácidos gordos no citoplasma e aumento da atividade da UCP1 (termogenina). Estes ácidos gordos são, depois de ativados a acis-CoA, oxidados nas mitocôndrias. Como resposta ao frio também ocorre aumento da captação e oxidação da glicose. O facto de a oxidação dos ácidos gordos e da glicose estar parcialmente desacoplada da síntese do ATP, permite aumentar a sua oxidação para valores que seriam inatingíveis na ausência de ativação da UCP1. Os bebés humanos não tremem mas podem, por exposição ao frio, aumentar a sua taxa metabólica para o dobro da que ocorre na ausência desta exposição.

Esta resposta ao frio é adaptativa porque os processos oxidativos são exotérmicos. No tecido adiposo castanho o grau de dissociação entre a oxidação e a síntese de ATP é muito maior que nos outros tecidos. No tecido adiposo castanho grande parte dos protões que são bombeados para o espaço intermembranar da mitocôndria em consequência dos processos oxidativos regressa à matriz via UCP1 (termogenina) não originando ATP. Desta forma é possível aumentar dramaticamente a oxidação de nutrientes e a produção de calor sem aumentar o gasto de ATP3.

3 É o sonho de todos os obesos que querem deixar de o ser: aumentar a despesa energética sem fazer exercício físico. Desta forma

(7)

7 – Os rins

Apesar de representarem apenas 0,4% da massa corporal (cerca de 300 g) a despesa energética dos rins corresponde a cerca de 8 % da despesa energética total em repouso. Ou seja, a sua despesa energética específica é muito elevada (é semelhante à do coração; 18 kcal kg-1 h-1).

A maior fração da despesa energética dos rins é uma consequência da reabsorção (transporte ativo primário ou secundário) dos solutos do plasma sanguíneo que foram filtrados nos glomérulos. No processo de filtração glomerular cerca de 125 mL de plasma (sem proteínas) entram no nefrónio por min e a esmagadora maioria das moléculas de água, dos iões inorgânicos e a quase totalidade da glicose e dos aminoácidos filtrados são reabsorvidos. Por exemplo, os rins reabsorvem cerca de 1 mole de glicose dia-1 (180 g) e cerca de 25 moles de iões Na+ dia-1. Em termos quantitativos, a maior parte destes processos absortivos ocorre nas porções proximais do nefrónio, ou seja, no córtex renal. A reabsorção da glicose, por exemplo, ocorre nos túbulos contornados proximais e envolve principalmente o transportador SGLT2 (transporte ativo secundário). O SGLT1 também opera nos rins, mas a sua importância é menor nestes órgãos que no intestino.

O metabolismo dos rins pode ser melhor entendido se considerarmos que existem, nestes órgãos, dois tipos de tecidos metabolicamente muito diferentes.

Os rins têm uma região bem irrigada (o córtex) onde o metabolismo é predominantemente aeróbico e que pode oxidar glicose, ácidos gordos e corpos cetónicos sendo o produto final deste processo o CO2. É no

córtex renal (nas células dos túbulos contornados) que há glicose-6-fosfátase (ver Equação 12), a enzima responsável pela hidrólise da glicose-6-fosfato e pela consequente formação de glicose livre que passa para o plasma. A presença desta enzima permite compreender que o córtex renal seja, a par com o fígado, corresponsável pela produção endógena de glicose. No caso do córtex renal esta produção endógena tem origem quase exclusiva na gliconeogénese porque as células do córtex quase não armazenam glicogénio. Estima-se que cerca de ¼ da produção endógena de glicose no período pós-absortivo tenha origem na gliconeogénese renal. Quer no córtex renal quer no fígado, o principal substrato da gliconeogénese é o lactato, mas ao contrário do fígado, nos rins, o aminoácido mais relevante no processo não é a alanina mas sim a glutamina.

Equação 12 glicose-6-fosfato + H2O → glicose + Pi

Ao contrário do córtex renal a medula é mal irrigada e o ATP sintetizado resulta maioritariamente da glicólise anaeróbica que leva à formação e libertação de lactato para o plasma.

Não se costuma dar a devida importância à gliconeogénese renal porque os rins, entendidos como um todo, também consomem glicose e, no período pós-absortivo, as quantidades que são consumidas (predominantemente na medula) e produzidas (só no córtex) podem ser semelhantes. No entanto, no jejum prolongado, os ácidos gordos e os corpos cetónicos substituem totalmente a glicose que ainda estava, no período pós-absortivo, a ser oxidada no córtex renal e os rins, entendidos como um todo, passam a ser produtores líquidos de glicose. No jejum prolongado, porque a glicogenólise hepática deixa de existir, os rins e o fígado passam a ser corresponsáveis, em partes praticamente iguais, pela produção endógena de glicose

Quando existe acidose (como por exemplo, no jejum prolongado com produção aumentada de corpos cetónicos), a síntese de amónio a partir do azoto da glutamina e do glutamato aumenta. A acidose provoca ativação da glutamínase e da desidrogénase do glutamato renais. Nestas condições a excreção de amónio passa a ser uma percentagem elevada (até cerca de 50%) do azoto excretado. É nos rins que os iões amónio são excretados e o processo representa excreção de protões para a urina. O ião amónio (NH4

+

) resulta da ligação de protões livres (H+) com o amoníaco (NH3); esta ligação permite a excreção de protões na forma

ligada e impede uma descida do pH da urina para valores que poderiam provocar lesão das células tubulares do nefrónio e das mucosas do sistema urinário distal. As equações gerais que descrevem a oxidação completa da glutamina (a CO2) mostram que, quando o produto que resulta do catabolismo dos grupos azotados é o

amónio, há consumo de protões e que isto não acontece quando o produto é a ureia (ver Equação 13 e Equação 14). Isto significa que a produção e a excreção de amónio é um mecanismo de correção da acidose.

Equação 13 glutamina (C5H10O3N2) + 4,5 O2 + 2H

+

→ 2 NH4 +

+ 5 CO2 + 2 H2O

Equação 14 glutamina (C5H10O3N2) + 4,5 O2 → ureia (CON2H4) + 4 CO2 + 3 H2O

diferença entre a dose que poderia causar apenas aumento da despesa energética (e a produção de calor correspondente) e a dose que provoca sobreaquecimento (temperaturas de 45º ou mais) e morte é demasiado pequena para poder ser usado com segurança.

(8)

8 – O intestino delgado e o intestino grosso

O intestino tem um gasto energético elevado porque tem um turnover celular e proteico muito marcado. As células da mucosa intestinal renovam-se de forma completa em cerca de uma semana. São as células das criptas das vilosidades intestinais que se multiplicam; à medida que novas células se vão formando vai ocorrendo migração para das células para o topo das vilosidades onde ocorre a morte das que vão chegando ao topo e descamação para o lúmen. A glutamina é um importante nutriente para fornecer energia às células das criptas, mas também para participar na síntese de novo do anel purina e pirimidina dos nucleotídeos e na formação dos grupos amina presentes no carbono 6 da adenina e no carbono 4 da citosina.

Na mucosa do intestino existem vários tipos de células de que destacamos os enterócitos, as células caliciformes e as células enteroendócrinas.

Os enterócitos do intestino delgado participam na digestão porque contêm ectohidrólases (no polo apical) que catalisam a hidrólise das maltodextrinas, maltose, isomaltose, sacarose, galactose e polipeptídeos. Também participam na absorção apical de monossacarídeos (via SGLT1 e GLUT 5), de dipeptídeos (PEPT1), de aminoácidos, de ácidos gordos, de monoacilglicerol, de colesterol, de lisofosfolipídeos, de sais biliares e de vitaminas e minerais. (A absorção dos sais biliares e da vitamina B12 ocorre na parte terminal do intestino delgado: o íleo.) No citoplasma dos enterócitos também contém peptídases que catalisam a hidrólise dos di- e tripeptídeos absorvidos.

Os principais nutrientes dos enterócitos do intestino delgado são a glutamina, que pode vir do lúmen (durante a digestão) ou dos músculos, e a glicose (predomínio da glicólise anaeróbica com formação de lactato). Durante a absorção intestinal os enterócitos promovem o catabolismo da maior parte dos carbonos dos aminoácidos glutamina, glutamato e aspartato que tiveram origem no lúmen levando à formação de CO2,

lactato e alanina que passam para a veia porta.

Os colonócitos (intestino grosso) têm como principais nutrientes a glutamina e o butirato que resulta da ação das bactérias intestinais nas fibras ingeridas.

A via metabólica em que a glutamina (quer a captada do sangue, quer a que é captada do lúmen durante a absorção) se converte em alanina (ou em aspartato) designa-se por glutaminólise. Este processo, embora leve à produção de CO2, não implica, obrigatoriamente, a formação de acetil-CoA. Nos enterócitos e

nos colonócitos, uma grande parte das moléculas de glutamina captadas são catabolizadas até à formação de alanina via ação sequenciada da glutamínase (ver Equação 15), da transamínase da alanina (Equação 16), da desidrogénase do α-cetoglutarato (Equação 17), da sintétase de succinil-CoA (Equação 18), da desidrogénase do succinato (Equação 19), da fumárase (Equação 20), da desidrogénase do malato (Equação 21), da carboxicínase do fosfoenolpiruvato (Equação 22) e da cínase do piruvato (Equação 23). A última etapa coincide com a segunda: a conversão do piruvato em alanina é catalisada pela transamínase da alanina que catalisa a transferência do grupo amina do glutamato para o piruvato (ver Equação 16). Se, aquando da ação da transamínase da alanina, o piruvato tiver origem na glutamina (como acontece na glutaminólise), quer os carbonos quer o azoto da alanina formada provêm da glutamina.

Equação 15 glutamina + H2O → glutamato + NH4+

Equação 16 glutamato + piruvato ↔α-cetoglutarato + alanina

Equação 17 α-cetoglutarato + NAD+ + CoA → succinil-CoA + NADH + CO2

Equação 18 succinil-CoA + ADP + Pi ↔ succinato + CoA + ATP Equação 19 succinato + ubiquinona → fumarato + ubiquinol Equação 20 fumarato + H2O ↔ malato

Equação 21 malato + NAD+↔ oxalacetato + NADH

Equação 22 oxalacetato + GTP → fosfoenolpiruvato + CO2 + GDP

Equação 23 fosfoenolpiruvato + ADP + → piruvato + ATP

Em dois dos passos referidos há perda de CO2 (ver Equação 17 e Equação 22) o que explica a

diminuição do número de carbonos que eram 5 na molécula de glutamina e são 3 na molécula de alanina. A glutaminólise envolve a transferência de eletrões para o NAD+ (verEquação 17 e Equação 21) e para a ubiquinona (ver Equação 19) que, em última análise, acabam reduzindo o O2 a H2O e permitem a síntese de

ATP (cadeia respiratória e síntase de ATP). A síntese de ATP também ocorre a nível do substrato, via ação catalítica da sintétase de succinil-CoA (ver Equação 18).

Na mucosa intestinal, para além dos enterócitos e colonócitos (que são a maioria das células nos intestinos delgado e grosso, respetivamente), também há células produtoras de muco que se designam por células caliciformes. O muco contém como principal constituinte as mucinas que são glicoproteínas com ação protetora da mucosa.

(9)

Na mucosa do intestino delgado há também células enteroendócrinas que produzem hormonas com papéis relevantes no processo digestivo como a colescistocinina, a secretina e a serotonina. Outras células enteroendócrinas produzem hormonas (designadas genericamente por incretinas) que têm papel relevante no metabolismo glicídico porque estimulam as células β do pâncreas a produzir insulina. De facto, a produção de insulina é estimulada de forma mais marcada quando a glicose é ingerida que quando é injetada por via intravenosa. Quando presente no lúmen, a glicose estimula as células enteroendócrinas da mucosa a produzirem dois tipos de incretinas que se designam por GIP (polipeptídeo inibidor gástrico, também conhecido como polipeptídeo insulinotrópico dependente da glicose) e GLP-1 (peptídeo semelhante à glicagina tipo 1; glucagon-like peptide-1).

9 – As células do sistema imunitário e da medula óssea

As células do sistema imunológico (linfócitos, macrófagos e polimorfonucleares) e as células precursoras dos eritrócitos e leucócitos presentes na medula óssea usam como principais nutrientes a glicose (sobretudo glicólise anaeróbica) e a glutamina.

Tal como nas células das criptas das vilosidades intestinais, o papel da glutamina não é apenas energético porque, quer nas células precursoras da medula óssea, quer nos linfócitos que estão a proliferar em reposta a desafios imunológicos, a glutamina é importante na síntese de novo de nucleotídeos usados na síntese e reparação do DNA.

A glutaminólise que ocorre nas células imunológicas e nas células precursoras dos eritrócitos e leucócitos não tem (como acontecia no caso dos enterócitos) como principal produto a alanina, mas sim o aspartato. A via metabólica é semelhante à referida acima para o caso dos enterócitos mas, neste caso, não estão envolvidas a carboxicínase do fosfoenolpiruvato (Equação 22) e a cínase do piruvato (Equação 23). Também a transamínase relevante não é a transamínase da alanina (Equação 16), mas sim a transamínase do aspartato (ver Equação 24).

Equação 24 glutamato + oxalacetato ↔α-cetoglutarato + aspartato

10 – O fígado

O fígado é o órgão central do metabolismo. Tão central que, muitas vezes, quando se estudam determinadas vias metabólicas (como a gliconeogénese, por exemplo) é comum apenas se fazer referência ao fígado. Em parte, a razão desta relevância resulta do melhor conhecimento que existe acerca dos processos de regulação metabólica que ocorrem no fígado.

O peso do fígado (1,5 kg) representa 2,5 % do peso de um adulto, mas a sua despesa é de cerca de 20 % da despesa energética basal. A sua despesa energética específica (8 kcal kg-1 h-1) é semelhante à do cérebro.

10.1 – Os combustíveis do fígado

Os combustíveis do fígado são sobretudo os aminoácidos e os ácidos gordos, mas não há oxidação de corpos cetónicos no fígado. Com algumas exceções (como são os casos da glutamina e dos aminoácidos ramificados) na maioria dos aminoácidos, o catabolismo ocorre predominantemente no fígado e os aminoácidos são uma importante fonte de energia neste órgão. A oxidação dos aminoácidos da dieta e dos que resultam da degradação das proteínas endógenas pode representar 50% da despesa energética do fígado. A oxidação dos ácidos gordos também tem relevância para a produção hepática de ATP e, no período pós-prandial, o fígado também oxida glicose.

10.2 - O fígado tem um papel central no metabolismo dos hidratos de carbono

No período pós-prandial há captação líquida de glicose, ou seja, a quantidade de glicose produzida pelo fígado é menor que a quantidade que é captada. Neste período, uma parte da glicose captada é armazenada na forma de glicogénio quer pela via indireta (por esta via mais nas células periportais) quer pela via direta.

Neste período, uma parte da glicose captada nos hepatócitos perivenosos (os que se situam mais próximo das veias centro lobulares) leva à formação de lactato, mas uma outra parte da glicose captada nos hepatócitos é oxidada a CO2 pelo O2 (via glicólise, ação da desidrogénase do piruvato e das enzimas do ciclo

(10)

Uma parte menor da glicose que é captada pelos hepatócitos no período pós-prandial e que é oxidada a CO2, não envolve como oxidante o O2, mas sim pelo NADP

+

que, no processo, se reduz a NADPH (via das pentoses-fosfato). Embora o fenómeno tenha, na civilização ocidental, uma relevância menor, uma parte da glicose captada nos hepatócitos pode ser convertida em palmitato (lipogénese de novo).

No período pós-absortivo e no jejum prolongado, em termos líquidos, o fígado liberta glicose para o sangue e, em última análise para os outros tecidos. Neste período a produção de glicose ultrapassa largamente o consumo que é praticamente nulo. A produção de glicose resulta da degradação do glicogénio e da gliconeogénese. No período pós-absortivo, a maior parte da glicose produzida no fígado resulta da glicogenólise que é cerca do dobro da que é produzida via gliconeogénese. No jejum prolongado, a glicogenólise torna-se irrelevante porque o glicogénio hepático se esgota ao fim de um ou dois dias de jejum. Na gliconeogénese hepática os principais substratos são, por esta ordem, o lactato, a alanina, o glicerol e outros aminoácidos.

Ao contrário do que acontece no rim, a glutamina tem, aqui, uma importância relativamente pequena. De facto, os hepatócitos perivenosos produzem glutamina enquanto os periportais captam glutamina; em geral, o balanço global é nulo exceto em situações de acidose em que o fígado como um todo liberta glutamina em termos líquidos. (Nesta condição, esta glutamina é em grande parte convertida em amónio e glicose nos rins.)

10.3 - O papel do fígado no metabolismo dos triacilgliceróis e dos ácidos gordos

O fígado também tem um papel importante no metabolismo dos triacilgliceróis e dos ácidos gordos. Os ácidos gordos são, a par com os aminoácidos, os principais combustíveis do fígado no período pós-absortivo.

O fígado capta ácidos gordos livres e glicerol do plasma sanguíneo. Os ácidos gordos podem ser oxidados ou esterificados com glicerol (via prévia conversão deste a glicerol-3-fosfato). A enzima que catalisa a conversão de glicerol em glicerol-3-fosfato (cínase do glicerol; ver Equação 25) só existe no fígado, rim e glândula mamária ativa.

Equação 25 glicerol + ATP ↔ glicerol-3-fosfato + ADP

O fígado também pode armazenar alguma gordura, mas grande parte dos triacilgliceróis sintetizados no fígado são libertados para o sangue incorporados nas VLDL.

À medida que o jejum se prolonga, as moléculas dos ácidos gordos que são captadas no fígado passam, na sua maioria, a ser apenas parcialmente oxidadas. Parte do acetil-CoA formado na oxidação em β converte-se em corpos cetónicos (ciclo de Lynen) que são libertados para o sangue.

Os hepatócitos captam os quilomicra remanescentes e os VLDL remanescentes que resultam da ação da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo e dos músculos. Via ação da lípase de lipoproteínas hepática, o fígado também participa na conversão de parte das VLDL remanescentes em LDL.

Quando há excesso de hidratos de carbono na dieta fica ativada a lipogénese de novo.

10.4 - O fígado tem um papel central no metabolismo do colesterol

O fígado sintetiza colesterol e esterifica-o com ácidos gordos originando ésteres de colesterol por ação da ACAT (“acyl cholesterol acyl transferase”; ver Equação 26).

Equação 26 colesterol + acil-CoA ↔ acil-colesterol + CoA

Via secreção de VLDL liberta colesterol esterificado e não esterificado para o sangue e capta colesterol do plasma aquando da captação endocítica dos quilomicra remanescentes, das VLDL remanescentes e das LDL, assim como aquando da ação dos recetores de limpeza B1 nos ésteres de colesterol das HDL.

Também excreta colesterol para a bílis (que em parte se perde nas fezes) e converte colesterol em sais biliares que também excreta para a bílis (e que também, em parte, se perdem nas fezes).

10.5 - O fígado tem um papel central no metabolismo dos aminoácidos e proteínas.

É no fígado que grande parte dos aminoácidos é convertida em intermediários da glicólise ou do ciclo de Krebs, em acetil-CoA ou em acetoacetato, etapas do processo que levam à conversão dos esqueletos

(11)

carbonados em CO2. É no fígado que o azoto dos aminoácidos é convertido em ureia e, neste processo, tem

relevância o ciclo da alanina através do qual parte do azoto libertado no catabolismo dos aminoácidos que ocorre nos músculos chega ao fígado. O fígado é, a par com os rins, o órgão com maior relevância na conversão dos aminoácidos glicogénicos em glicose.

O fígado sintetiza (tal como todos os órgãos) as suas próprias proteínas, mas tem um papel especial na síntese proteica porque é no fígado que ocorre a síntese da muitas das proteínas plasmáticas (albumina, alguns fatores da coagulação, etc.). Em situações inflamatórias sintetiza e segrega para o plasma sanguíneo “proteínas de fase aguda” nomeadamente a “proteína C reativa”.

10.6 - O fígado tem um papel na conjugação e excreção da bilirrubina e no

metabolismo de xenobióticos

O fígado capta e conjuga a bilirrubina não conjugada convertendo-a em bilirrubina conjugada e excretando esta para a bílis.

O fígado promove a conversão de xenobióticos em produtos de excreção via reações de fase 1 (oxidações, esterificações, hidroxilações, etc.) ou/e via reações de conjugação com ácido glicurónico, sulfato e glutatião (que, neste caso, origina os ácidos mercaptúricos). Nestes processos o fígado promove a conversão dos xenobióticos em compostos que, eventualmente, são menos tóxicos, mas também pode acontecer aumento da toxicidade. Alguns destes produtos são excretados via biliar e outros no rim.

10.7 - A conversão do etanol em acetato ocorre no fígado

É no fígado que, esmagadoramente, se dá a conversão de etanol ingerido em acetato. A primeira etapa ocorre no citoplasma e consiste na conversão do etanol em acetaldeído. Os dois sistemas mais relevantes nesta conversão são a desidrogénase do etanol (ver Equação 27) e a CYP2E1 (também se designa por MEOS, Microsomal Ethanol Oxidizing System; ver Equação 28).

A segunda etapa (a conversão do acetaldeído em acetato) ocorre nas mitocôndrias hepáticas e é catalisada pela desidrogénase de aldeídos (ver Equação 29). O acetato formado pode ser metabolizado nas mitocôndrias do fígado, mas também pode sair para o sangue e ser metabolizado noutros tecidos. A primeira etapa do processo consiste na ativação do acetato por ação da sintétase de acetil-CoA que é uma enzima da matriz das mitocôndrias (ver Equação 30).

Equação 27 etanol + NAD+ → acetaldeído + NADH Equação 28 etanol + NADPH + O2 → acetaldeído + NADP

+

+ 2 H2O

Equação 29 acetaldeído + NAD+ + H2O → acetato + NADH Equação 30 acetato + CoA + ATP → acetil-CoA + AMP + PPi

11– Bibliografia

Newsholme, E. A. & Leech, T. (2010) Functional Biochemistry in Health and disease, Wiley-Blackwell, Oxford.

Stipanuk, M. H. & Caudill, M. A. (2013) Biochemical, Physiological, Molecular Aspects of Human Nutrition, 3rd edn, Sunders, Elsevier., USA.

Frayn, K. N. (2012) Regulação Metabólica. Uma perspetiva focada no organismo humano., U.P. Editorial, Porto.

Zierath, J. R. & Hawley, J. A. (2004) Skeletal muscle fiber type: influence on contractile and metabolic properties, PLoS Biol. 2, e348.

Gerich, J. E. (2010) Role of the kidney in normal glucose homeostasis and in the hyperglycaemia of diabetes mellitus: therapeutic implications, Diabet Med. 27, 136-42.

Heymsfield, S. B., Gallagher, D., Kotler, D. P., Wang, Z., Allison, D. B. & Heshka, S. (2002) Body-size dependence of resting energy expenditure can be attributed to nonenergetic homogeneity of fat-free mass, Am J Physiol Endocrinol Metab. 282, E132-8. Bosy-Westphal, A., Braun, W., Schautz, B. & Muller, M. J. (2013) Issues in characterizing resting energy expenditure in obesity and after weight loss, Front Physiol. 4, 47.

Este texto acabou de ser escrito em maio de 2015 e o autor (Rui Fontes) agradece todas as críticas que queiram comunicar-lhe.

Referências

Documentos relacionados

Primeiro você precisa saber o que vai fazer com seu motor home para melhor escolha do veículo.. Hoje temos no mercado diversos equipamentos para facilitar sua vida, desde

As equipes Minas/Icesp e Brasília Icesp Futsal iniciaram os campeonatos com tudo, elas estão a todo vapor nas competições e correndo atrás de mais títulos para

O esquadro E1 a ser verificado e o esquadro E2 apoiam-se sobre um desempeno com um bloco padrão de comprimento e1 conhecido, entre os mesmos. Em certa altura L mede-se por intermédio

Neste início das mobilizações pela Campanha Salarial 2009 dos Educadores do Paraná, é de fundamental importância que todos disponham de informações sobre as

Este trabalho tem como objetivo calcular os custos de qualidade de um processo produtivo de fabricação de aros para ventiladores numa empresa qualquer utilizando a metodologia

TRANSPORTE DOS ANIMAIS ATÉ O ABATEDOURO. a) O transporte dos animais vivos provenientes do manejo realizado sob qualquer sistema com fins comerciais até o abatedouro

Se a readmissão ocorreu no segundo ano após o desligamento, destaca- ram-se os jovens com menos de 17 anos, com a 8ª série concluída ou ainda em andamento, remuneração média de um

A Medida Provisória nº 759, de 23 de dezembro de 2016, dispõe sobre a regularização fundiária urbana e rural, inclusive no âmbito da Amazônia Legal, objetivando a simplificação e