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A consciencia do professor : uma leitura a partir da abordagem historico-cultural

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A consciência do professor: uma leitura a partir da abordagem Histórico-cultural

Arnaldo Aparecido Tiozzo

Trabalho apresentado como exigência do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação para obtenção do título de Mestre, sob orientação da Profa. Dra. Ângela Fátima Soligo.

CAMPINAS 2005

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“A tarefa da psicologia consiste precisamente em esclarecer qual é o proveito de que o olho não veja tudo aquilo que segundo a óptica poderia ter visto.”

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A

Giane Fregolente e Ângela Fátima Soligo

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Agradecimentos

À Profa. Dra. Ângela Fátima Soligo, que permitiu com que construíssemos uma amizade baseada no respeito profissional e na afetividade.

Aos Professores Dra. Ana Luiza B. Smolka e Dr. Antonio Carlos Amorim, pelo carinho com que receberam este trabalho, contribuindo com valiosas sugestões.

Às Professoras Dra. Elisabeth N. G. Silva Mercuri, Dra. Ana Maria F. Aragão Sadalla, Dra. Roberta Gurgel Azzi e Dra. Soely Aparecida Jorge Polydoro, do Grupo PES (Psicologia e Ensino Superior), os meus agradecimentos, cujos ensinamentos e convivência muito contribuíram para a realização deste estudo.

Aos amigos Anatalina, Angela Dias, Mauro Machado, Francisco Rosa, Maria Rachel, Eloisa Cavalini, Fernanda, Mário, Sandra Sproesser, Angela Ventura, Antonio Luiz, Maristela, Sônia, Ude, que ao longo desses anos compartilharam das minhas descobertas e continuam respeitando quem eu sou.

Aos futuros Mestres e Doutores do Grupo PES, que sempre acolheram-me com muito carinho contribuindo com suas valiosas sugestões.

À minha família, Valquiria, Toninho, Giovana, Enzo e Giovani, que mesmo distante sempre acreditaram na minha realização pessoal e profissional.

Aos alunos Aline, Andréa, Marina, Helder, Rafael, Camila, João Marcos e Tati, que sem saber me incentivaram a continuar com as minhas reflexões.

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Sumário

Resumo ... xi

Abstract ... xii

I – Introdução

A formação de professores no Ensino Superior: situando

o problema ... 01 Psicologia e formação de professores ...26 II – Método

Do contexto à formação de professores ...35 O trabalho empírico: proposta da atividade realizada junto às

professoras em formação ...39

Estratégia de análise: análise de discurso ...41

III – Resultado e discussão ...47

IV – Considerações Finais ...71 V – Referências ...73

VI – Anexos

Anexo 1: Artigos 61, 67, 760, 81 e 87 da LDB 9394/96 ...81 Anexo 2: Quadro demonstrativo dos professores (efetivos e substitutos)

em exercício na Rede de Ensino Municipal da Região ...83 Metropolitana de Campinas – Fundamental e Infantil

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Resumo

Este estudo convida os leitores a questionarem o papel da consciência na ação pedagógica. Entendemos por consciência um órgão seletor que filtra o mundo e o modifica de forma que seja possível agir. A partir deste referencial, é nosso objetivo investigar quais os indicadores que revelam a consciência a partir da ação pedagógica e quais as contribuições da Psicologia para o processo de reflexão do professor. Participaram da pesquisa 40 professoras que se encontram em exercício nos municípios da região metropolitana de Campinas e que freqüentam um Curso Superior em Pedagogia. Os dados levantados foram submetidos a análise de discurso. Foi realizada observação participativa durante um semestre nas aulas de Psicologia, sendo registrado as falas das professoras tendo sido apontado alguns indicadores: outro, método, ação/teoria.

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Abstract

This study inviteo the readers to ask about the role of consciousness the pedagogic action. We understand for consciousness as a selector organ that filters the world and modify it in a way that it is possible to act. From reference it is our aim to investigat what are the indicators that show a consciousness from the pedagogic action and what are tho Psychology contributions for the teacher´s reflecyion process. Forty teachers participated in the research and they are working in the metropolitan municipal district of Campinas and they take the University Pedagogic Course. The basis researched were submitted to the Analysis Speech Participative Observation was made during a Psychology class semester being registered the teacher´s speeches and pointed some indicators: other, method, action/teory.

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I - Introdução

A formação de professores no Ensino Superior: situando o problema

A formação de professores deve ser colocada na pauta de nossas reflexões, pois é uma questão que está relacionada ao objetivo da Universidade que é promover o ensino, a pesquisa e a extensão.

Para o pensador francês Edgar Morin (2000; 09), a Universidade tem dupla missão: primeiro, porque ela “conserva, memoriza, integra e ritualiza uma herança

cultural de saberes, idéias e valores, que acaba por ter um efeito regenerador (...)”; em segundo, porque a Universidade “gera saberes, idéias e valores que posteriormente, farão parte dessa mesma herança.”

Anastasiou e Pimenta (2002; 162), em análise sobre as funções da Universidade, resgatam o pensamento citado de Morin (2000) e avançam na reflexão. Para as autoras, a dupla missão da Universidade aponta que o sentido da educação é a humanização.

A Universidade é, segundo Anastasiou e Pimenta (2002; 161 e 162), uma

“instituição educativa cuja finalidade é o permanente exercício da crítica, que se sustenta na pesquisa, no ensino e na extensão. Ou seja, na produção de conhecimento por meio da problematização dos conhecimentos historicamente produzidos, de seus resultados na construção da sociedade humana e das novas demandas e desafios que ela apresenta.”

No entanto, a Universidade está diante de novos valores sociais produzidos historicamente sob influência da política e da tecnologia. Neste sentido, é necessário pensarmos que não há separação entre ensino e pesquisa, e que o ensino não pode ser definido como transmissão de técnicas da área do conhecimento (Chauí; 2001).

Segundo Chauí (2001; 102), é perfeitamente possível que um professor seja um pesquisador que vê em suas aulas um momento de discussão sobre a sua pesquisa sem ter como fim a forma de publicação de livros ou artigos; assim como um pesquisador que ultrapassa os seus estudantes e prefira a publicação de seu trabalho em livros e artigos. Nenhum descarta o outro; não é certo vermos

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ensino e pesquisa sendo atividades realizadas por duas pessoas diferentes.

Já em relação à pesquisa, a mesma autora (2001; 103) menciona que é possível constatar que a produção científica é tecnológica, devido ao desenvolvimento do capitalismo. Transforma-se em teoria a partir do momento em que a ciência e a tecnologia nada mais são do que o que o capitalismo delas exige. Como exemplo, não há mais tempo para as pesquisas no campo do universo químico, biológico ou humano, nem para as tecnologias que estão desligadas dos seus objetos técnicos. E isto significa, que a ciência se reduz à retomada das tecnologias, como um saber que é depositado no objeto, para colocá-las em outro patamar de intervenção sobre o real. O resultado é a norma que prescreve as condições atuais de pesquisa: porque é assim, então deve ser assim.

Com o desenvolvimento do capitalismo, o Brasil sofreu uma mudança na forma de acumulação do capital, abrindo caminho para o neoliberalismo: a violência, as tragédias ecológicas, o narcotráfico, a miséria, etc., e a presença de movimentos por direitos como o feminismo, a ecologia, as lutas pela redução da jornada de trabalho, etc. Isto ocorre, porque uma nova forma de acumulação de capital se caracteriza pelas tecnologias eletrônicas, velocidade na qualificação e desqualificação de mão-de-obra, aceleração do consumo e do comércio pelo desenvolvimento das técnicas de informação e distribuição, etc. (Chauí; 2001: 21).

Por sua vez, a ciência e a técnica tornam-se forças produtivas trazendo o crescimento do poderio humano sobre o todo da realidade (que é construída pelo próprio homem através do processo sócio-histórico): engenharia genética, engenharia política, engenharia social, etc.

Neste sentido, não podemos pensar a sociedade e a Universidade como duas realidades diferentes, sendo a segunda incorporada pela primeira, mas sendo a Universidade uma instituição social que realiza e exprime o modo de pensamento social de que é e faz parte. Assim, a Universidade absorve as idéias e práticas neoliberais através da avaliação universitária; da aceitação da avaliação acadêmica pelo critério de publicações e da titulação; critérios de distribuição de renda pública para pesquisa através da idéia de “linhas de pesquisa”; através da

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aceitação da privatização da atividade universitária (Chauí; 2001: 35 e 36).

Apoiada em idéias e práticas neoliberais, a vida é determinada pela incerteza e violência: institui-se a insegurança (que leva a investir nos seguros), a dispersão (que leva a procurar uma autoridade política), o medo (que leva ao reforço das antigas instituições como a família) e ao sentimento do efêmero (a destruição da memória objetiva). O Estado, por sua vez, é percebido apenas sob a face do poder executivo (o fazer), ficando os poderes legislativo e judiciário como corruptos e injustos. Ao Estado cabe a sua identificação com o poder executivo, pois percebe uma sociedade civil como inimiga e perigosa, bloqueando as iniciativas dos movimentos sindicais e populares. Vivemos numa sociedade hierarquizada onde as relações sociais expressam-se sob forma de mando.

Se por um lado, encontramos no pensamento de Marilena Chauí (1997 e 2001) uma crítica à política neoliberal que orienta os rumos da Universidade; por outro lado, há autores como Santos Filho (2000) que defendem a multiplicidade de conhecimentos provocada pela ideologia neoliberal. Ou seja, levando em consideração que a política neoliberal provoca uma multiplicação e divisão do conhecimento e que novos conceitos, como “pluralidade cultural”, são constituídos historicamente, é necessário pensarmos a Universidade como uma instituição que pensa numa articulação e interação da multiplicidade de conhecimentos, e que tem na interdisciplinaridade o processo para a realização desse processo.

Para Santos Filho (2000; 43 e segs.), há um novo paradigma sendo construído e que implica numa nova forma de ser e atuar da Universidade. Algumas características são: a) a presença e a necessidade de sistemas abertos, ou seja, desde a modernidade se concebe sistemas de pensamentos fechados, e com o novo paradigma estes passaram a interagir entre si; b) hoje, a ciência questiona o princípio deixado pela modernidade: uma nova concepção de matéria e de natureza substitui o clássico determinismo; o mecanicismo é substituído pela interpretação; etc.; c) o foco no processo, ou seja, ao invés de valorizar as dimensões estáticas da realidade valoriza-se o caráter dinâmico do processo, sendo o processo o único estático; d) o domínio da mídia na representação do mundo; e) o crescimento das tecnologias da informação; f) o capitalismo global ---

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com o capitalismo global, algumas Universidades centrais assumirão a produção de conhecimento.

O autor nos alerta para um dos aspectos mais importantes dessas características: a visão integradora dos conhecimentos. Para Santos Filho (2000), não há uma estabilidade da sociedade humana, bem como não se crê numa união através da utopia humana. Ao contrário, há uma exacerbação do individualismo, uma perda de qualquer princípio que justifique as pessoas estarem unidas, criando e buscando os fundamentos dos seus próprios valores. Admite-se a pluralidade ideológica, a possibilidade de que o outro tenha razão com a sua teoria, portanto, torna-se passível de diálogo e de convívio entre correntes ideológicas diferentes e até contraditórias.

No entanto, com o avanço da tecnologia e da indústria, com as mudanças sociais e com as novas formas de trabalho, a formação universitária tem-se mostrado inadequada, pois a nova ordem social necessita de educadores que se mostrem capazes de entrosamento, de mudança cultural, da idéia de globalização e seus desdobramentos na vida política, social e econômica, etc.

Assim, podemos afirmar que a crítica ao neoliberalismo vem questionar o pensamento moderno. Pelo menos, esta é a referência que aproxima os autores por nós mencionados e que procuram fazer uma relação entre Universidade e Educação em tempos atuais. O que a modernidade fez, foi eleger o homem moderno na qualidade de sujeito do conhecimento e da ação, movido pelo desejo de dominação sobre a totalidade do real (Chauí: 2001); foi buscar a dimensão de um conhecimento útil para resolver os problemas humanos e aprimorar a sociedade; foi estabelecer os princípios da ciência que criou, descobriu e inventou os universais; foi eleger a manifestação do regime democrático como uma das características do mundo moderno (Santos Filho; 2000).

Ao invés de trabalharem unicamente com os pressupostos estabelecidos pela modernidade, os educadores poderiam trabalhar com outros valores estabelecidos pela sociedade de forma a completar o espaço teórico e prático dos professores em formação, contribuindo para que esses profissionais possam atuar como forma de intervenção cultural do processo de transformação. Para que se

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aceite a idéia de que a sociedade se encontra em transformação, é necessário que o professor em formação faça uma reflexão sobre os seus saberes a partir do confronto entre o conhecimento transmitido na sala de aula e as descrições das práticas cotidianas.

Para Anastasiou e Pimenta (2002; 113), o fato de descrever as práticas cotidianas representa um processo essencialmente reflexivo, no sentido de que a reflexão ocorre quando se expõe, deixa-se conhecer, “o que fazemos com muita

dificuldade, uma vez que, como docentes do ensino superior, estamos acostumados a processos de planejamento, execução e avaliação das atividades de forma individual, individualista e solitária”.

As autoras (2002; 136) nos alertam quanto ao uso do conceito de reflexão, pois o discurso político brasileiro se apropria de determinados conceitos que, na maioria das vezes, permanecem como retórica, como por exemplo, o conceito de

“professor reflexivo, que suporia significativa alteração nas condições de trabalho dos professores nas escolas, com tempo de estabilidade, ao menos, para que a reflexão e a pesquisa da prática viessem a se realizar.”

Para Zeichner (2003), o conceito de reflexão, que passa pela questão da reforma da educação do professor, não deve vincular-se somente à luta pela justiça social, ou aos conhecimentos dos alunos, ou a capacidade de ensinar. Isto significa, não vincular somente a reflexão aos aspectos políticos do ensino. É necessário que os educadores conheçam suas disciplinas, transformando-as de modo a ligá-las àquilo que os alunos já sabem, promovendo uma maior compreensão de sua ação. Ou seja, além de garantir aos educadores que eles tenham as matérias e as experiências necessárias para ensinar de modo coerente com o que eles já sabem sobre como os alunos aprendem, é necessário garantir que sejam capazes de tomar decisões no seu dia-a-dia, que não limitem as experiências vividas pelos alunos, que tomem decisões no trabalho de modo que tenham consciência das diferentes escolhas. Com isso, Zeichner (2003) propõe que a reflexão seja centrada no aluno.

É a partir das referências dos trabalhos de Anastasiou e Pimenta (2002) e Zeichner (2003), que podemos dizer que o conceito de reflexão é uma das

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condições para que o professor possa superar o modelo de ensino estabelecido pela modernidade, privilegiado pela reprodução técnica do ensinar. Neste sentido, os Programas de formação universitária de professores tem muito a contribuir para a superação de reprodução técnica e construção de uma atitude reflexiva. E isto significa que os educadores podem contribuir com a formação dos alunos universitários se levarem em consideração o contexto sócio-histórico pelo qual passam esses alunos.

Podemos dizer ainda, que a idéia de reflexão, como categoria da consciência, nos remete à Psicologia Social. Segundo Lane (1984), as pesquisas nesse campo partem do indivíduo concreto que se manifesta em sua totalidade histórico-social. Por isso, necessitamos das categorias a partir do empírico que nos levem ao processo subjacente e à real compreensão desse indivíduo.

Concordamos com Lane (1984;16 e 17), ao afirmar que

“refletir sobre a atividade realizada implica repensar suas ações, ter consciência de si mesmo e dos outros envolvidos, refletir sobre os sentidos pessoais atribuídos às palavras, confrontá-las com as conseqüências geradas pela atividade desenvolvida pelo grupo social, e nesta reflexão se processa a consciência do indivíduo, que é indissociável enquanto de si e social.”

Não queremos iniciar uma discussão sobre a gênese da consciência entre os diversos autores ou entre as diversas Ciências que se propõem a estudá-la. Em outras palavras, é possível verificarmos que existem vários autores em nossa literatura que trabalham a questão da consciência ou que existem várias Ciências que buscam uma explicação sobre o que é a consciência. Por sua vez, a Psicologia é uma das Ciências que têm esse objetivo. No entanto, em relação à própria Psicologia, encontramos diversos métodos e autores que trabalham com a questão da consciência. Dos autores que estudaram essa questão na Psicologia, destacamos o trabalho realizado por L. S. Vygotsky. Para este autor, a consciência nos permite ver apenas um fragmento do mundo, pois é um órgão seletor, “uma peneira que filtra o mundo e o modifica de forma que seja possível

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É importante esclarecermos que o conjunto dos estudos realizado por Vygotsky leva em consideração os trabalhos de outros cientistas da Psicologia. O que Vygotsky propõe é um novo olhar para velhos problemas da Psicologia. O método escolhido por ele para trabalhar com as questões que definem a sua obra é o dialético, subsidiando-o em seu aparato teórico, denominado histórico-cultural. Segundo Pino (1995; 31), a corrente histórico-cultural da Psicologia apresenta uma série de pressupostos e um conjunto de elaborações teóricas que definem em linhas gerais um novo paradigma do psiquismo humano, sendo a atividade do homem caracterizada por seus aspectos social, instrumental e produtora.

É a partir desta referência que podemos afirmar que todo indivíduo tem consciência por que se encontra dentro de um processo sócio-histórico. No nosso caso, podemos afirmar que o aluno que se encontra em formação tem consciência de sua condição como futuro professor, pois, como Vygotsky menciona, “vemos apenas um fragmento do mundo”. Acreditamos que é devido a esta fragmentação que todo aluno tem consciência de sua condição no processo de ensino/aprendizado.

Para compreendermos a importância do trabalho de Vygotsky e de suas propostas para o desenvolvimento e o aprendizado, olhemos para o que os outros autores disseram a respeito da consciência.

Wundt, como fundador da Psicologia Moderna, recorreu aos métodos experimentais das Ciências Naturais e adaptou esses métodos aos objetivos da Psicologia. O seu objeto de estudo era a consciência e suas características distintas poderiam ser estudadas pelo método da análise ou da redução. Wundt partilhava da opinião de John Stuart Mill, segundo a qual a consciência organizava o seu próprio conteúdo, diferente dos associacionistas que acreditavam ser a consciência algo estático e que o seu conteúdo poderia ser ligado pelo processo de associação. A concepção de consciência de Wundt seria o começo para a compreensão dos processos psicológicas.

Segundo Figueiredo e Santi (2002; 59), Wundt queria ir além da experiência subjetiva e para isso ele se utilizava do laboratório na análise dos “elementos da

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Com o objetivo de não reduzir a tarefa da Psicologia à descrição dessa experiência subjetiva, Wundt propõe a análise dos fenômenos culturais (linguagem, sistemas religiosos, mitos, etc.), nos quais os processos superiores se manifestem.

Tendo definido seu objeto de estudo e o método de pesquisa, restava determinar as leis de conexão que governam e organizam os processos conscientes. Para isso, ele determinou as sensações e os sentimentos como elementos da experiência consciente: as sensações são suscitadas cada vez que um órgão sensorial é estimulado e os impulsos resultantes chegam ao cérebro, o que fez com ele classificasse as sensações de acordo com a modalidade de sentido --- audição, tato, visão, olfato e paladar (Schultz e Schultz; 1995).

Mas, a psicologia wundtiana desapareceu em meios às guerras mundiais. A pesquisa e escritos desapareceram do mundo da língua inglesa. Durante sua vida surgiram outras escolas que lançariam uma sombra 1 sobre suas concepções. Nos Estados Unidos, o comportamentalismo eclipsou a abordagem wundtiana.

Nos Estados Unidos, a Psicologia Funcional encontra no modelo biológico os seus aparatos: o comportamento se distingue dos seres inertes por ser articulado e hierarquizado visando uma meta e por estar submetido a sistemas de auto-regulação. Assim, o comportamento não é movimento, mas operação. Da mesma forma, para o funcionalismo, a categoria se aplica aos fenômenos mentais: consciência, por exemplo, é uma operação seletiva e auto-reguladora das táticas comportamentais (Figueiredo; 2002).

É a partir do trabalho de William James que a Psicologia Funcional propõe uma nova concepção de consciência: a consciência é algo que flui como uma corrente. Sendo um fluxo contínuo, tentar subdividir a consciência significa distorcê-la. Uma outra característica da consciência é a sua eterna mutação, ou seja, não podemos ter exatamente o mesmo pensamento mais de uma vez.

1A idéia de sombra exprime o momento histórico pelo qual a Psicologia wundtiana passava, pois, a partir de novos

métodos, o objeto de estudo (a consciência) de Wundt passa para um segundo plano na Psicologia. Isto significa que o objeto de estudo para a Psicologia deixa de ser a consciência para ser o comportamento do homem conforme novos métodos. Isso nos permite lançar a seguinte questão: existe Psicologia ou Psicologias? Não é nossa intenção responder a essa questão no momento, no mais apontar que a consciência é um objeto de estudo para que a Psicologia se defina como Ciência na época Moderna e que essa idéia será resgatada por Vygotsky, como veremos mais adiante.

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Podemos pensar num objeto em mais de uma ocasião, e cada vez que pensamos no objeto fazemos de forma diferente. Por isso, a consciência é cumulativa, e não repetitiva.

Segundo Schultz e Schultz (1995), o propósito da consciência, que tem como referência o trabalho de James, é capacitar-nos para nos adaptar ao ambiente. Quando o organismo se vê diante de um determinado problema e necessita de ajustamento, a consciência entra em ação. Assim, essa intencionalidade por parte da consciência reflete a influência da teoria evolutiva no trabalho de James.

O método de pesquisa de James é a introspecção 2, pois ele acreditava que era possível investigar estados da consciência examinando a própria mente, como se olhássemos para dentro da própria mente e relatássemos o que descobrimos. Desta forma, os funcionalistas não pretendiam de forma deliberada destruir as posições de Wundt e Edward Bradford Tichener. No entanto, eles as modificaram, acrescentando gradativamente algumas idéias que consideravam pertinentes para as pesquisas. Não haveria modificação com o passado, nem compromisso com ele. O novo movimento recebeu o nome de comportamentalismo e o seu fundador foi B. Watson (Schultz e Schultz; 1995).

Os pilares do comportamentalismo de Watson eram simples, diretos e ousados: ele desejava uma Ciência objetiva e que fosse ramo das Ciências Naturais, portanto, que só lidasse com atos comportamentais observáveis. Para tanto, era necessário rejeitar palavras como linguagem, mente e consciência. Watson era de particular veemência na sua rejeição do conceito de consciência: a consciência nunca foi sentida, tocada, cheirada, provada ou movida. É uma simples suposição tão improvável quanto o velho conceito de mente.

Neste sentido, o objeto de estudo são itens do comportamento, quais sejam, movimento musculares ou secreções glandulares. A Psicologia como

2O métedo de instrospecção foi denominado por Wundt como percepção interior, pois como a Psicologia de Wundt é a

Ciência da experiência consciente, então o método psicológico deve envolver a observação dessa experiência. Segundo Schultz e Schultz (1995) a inovação de Wundt foi a aplicação do controle experimental às condições da instrospecção. Wundt determinou as seguintes regras: a) o observador pode ser capaz de determinar quando o método é introduzido; b) ele deve estar atento, portanto, concentrado; c) deve repetir a observação várias vezes; d) é necessário variar as condições da situação-estímulo e observar as modificações no sujeito. Neste sentido, James acreditava que era possível investigar estados da consciência examinando a própria mente.

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Ciência do comportamento deveria tratar de atos passíveis de observação em termos de estímulos e respostas, formação de hábito ou integração de hábito.

Podemos dizer então, que o comportamento é uma resposta do organismo a algo que o impressiona a partir do exterior, os estímulos. Para Cunha (2000), o comportamentalismo fica conhecido por delimitar o seu objeto de estudo a partir da dominação E-R (estímulo/resposta) e conceber a mente/consciência como uma “caixa preta” (nome dado por Clark Leonar Hull), de cujo recipíente, por ser lacrado, nada podemos saber.

Mas será com o comportamentalismo de Burrhus Frederick Skinner que ocorre uma renovação do comportamentalismo watsoniano. Primeiro, porque Skinner defendia um sistema estritamente empírico; segundo, porque evitava a teoria e preferia praticar um positivismo estrito: começava a trabalhar com dados empíricos até chegar à elaboração de generalizações conjeturais; por último, representa o método indutivo. Skinner propunha chamar sua ciência de comportamentalismo radical, que se dedicava ao estudo das respostas (Schultz e Schultz; 1995).

A ênfase de sua Psicologia está no “condicionamento operante”: ao contrário do “comportamento respondente”, em que um estímulo conhecido é associado com uma resposta em condições de reforço (na condição de condicionamento pavloviana), o “condicionamento operante” ocorre sem nenhum estímulo externo observável, pois a resposta do organismo é aparentemente espontânea. Porém podemos observar os eventos posteriores associados à resposta, e encontrar a explicação de sua ação.

A experiência mais conhecida entre os psicólogos é a do rato na “caixa de Skinner”: o rato, deixado numa caixa de comida, é livre para explorar o ambiente. Após explorar toda a caixa, o rato pressionava acidentalmente a alavanca em que ativa um mecanismo que libera uma pelota de alimento na bandeja. Depois de receber algumas pelotas, o reforço costuma ser rápido. É possível observar assim que o comportamento do rato age sobre o ambiente e é instrumental na garantia do alimento. Há um registrador ligado à “caixa de Skinner” acompanhando momento a momento a taxa de pressão da barra (Schultz e Schultz; 1995).

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O que mais chamou atenção dos psicólogos foram os programas de reforço, pois o comportamento do rato era reforçado a cada pressão da barra, ou seja, o reto recebia comida cada vez que dava a resposta correta. E no mundo real? Nem sempre se tira dez em todos os exames. Nem sempre ganhamos elogios do chefe ou da ordem superior. A pergunta que Skinner se fazia era: como pode o comportamento ser afetado por um reforço não contínuo? Skinner se dedicou anos de pesquisa para para esta e outras questões sobre o reforço.

Mas, o que leva Skinner as ter destaque no campo da Psicologia (além do estudo do comportamento dos organismos), segundo Figueiredo e Santi (2002), é quando se põe a falar sobre a subjetividade. Para os autores, Skinner não rejeita a experiência imediata do mundo privado (imagens, pensamento, sensações, etc.), mas, segundo Skinner, é necessário investigar em que condições a vida subjetiva privada se desenvolve. É em sociedade que aprendemos a falar, e uma parte da fala pode referir-se ao próprio corpo, pois aprendemos a falar em convivência com os outros.

“(...) o mundo privado de cada um é uma construção social. O que eu sinto, vejo, pressinto, lembro, penso, desejo, etc., sempre depende da maneira como a sociedade me ensinou a falar e a prestar atenção aos estados do meu organismo. Numa condição social em que os sentimentos e as intenções de um sujeito passam a ser fatores socialmente importantes para o controle do comportamento, já que as formas de controle estão reduzidas, é natural que a sociedade se preocupe muito com a `vida privada´ e desenvolva em cada sujeito uma habilidade especial para falar e `pensar´ em si mesmo, para preocupar-se consigo e relatar claramente as suas experiências `imediatas´ a fim de formular seus projetos, etc.” (Figueiredo e Santi:

2002; 75 e 76)

A Psicologia de Skinner, pode, então, ser caracterizada a partir de um ponto de vista social: o que é mais “privado” do sujeito, a sua subjetividade, não é constituído internamente, mas do exterior, a partir dos eventos do ambiente. Aquilo que julgamos nos pertencer é apenas um produto social.

Com Vygotsky, os processos naturais e os mecanismos, que têm referência a partir do estudo do meio, se cruzam aos processos culturalmente determinados

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para produzir as funções psicológicas superiores. A este estudo, Vygotsky chamava de Psicologia “Cultural”, “Histórica” ou “Instrumental”. Surge uma nova proposta para a Psicologia, pois cada termo refletia uma nova forma de estudar a Psicologia.

É a partir de 1924 que Vygotsky se dedica sistematicamente à Psicologia. Neste ano, apresenta um trabalho no II Congresso de Psicologia em Leningrado. O tema escolhido por Vygotsky foi a relação entre os reflexos condicionados e o comportamento consciente do homem. Para ele, a consciência era um conceito que deveria permanecer no campo da Psicologia, sendo possível ser estudada por meios objetivos (Luria; 1988)

Vygotsky se deteve ao estudo dos mecanismos psicológicos mais sofisticados (as funções superiores): o controle consciente do comportamento, atenção e lembrança voluntária, memória, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de planejamento, etc. Procurou identificar as mudanças qualitativas do comportamento que ocorrem ao longo do desenvolvimento humano e sua relação com o contexto social.

Além disso, Vygotsky dedicou-se, neste período, ao estudo da aprendizagem e do desenvolvimento infantil. Vygotsky recorre à infância para explicar o comportamento humano de forma geral, sendo que a criança se encontra no centro da pré-história do desenvolvimento cultural devido ao surgimento do uso de instrumentos e da fala humana.

Em relação à fala, Vygotsky (1998a) elabora seus estudos levando em consideração a pesquisa de Shapiro e Gerke sobre a análise do desenvolvimento do raciocínio prático em crianças, que, por sua vez, remetem ao trabalho de Kohler, o qual tentava desenvolver a fala nos macacos e que deram resultados negativos. Apesar dos chimpanzés terem uma capacidade de sinalização mais complexa, a capacidade lingüística gera controvérsias entre psicólogos e lingüistas. Além disso, o raciocínio da criança apresenta alguns pontos semelhantes ao do adulto. Para Shapiro e Gerke, a experiência social exerce o seu papel através do processo de imitação: a criança imita a forma pelo qual o adulto usa seus instrumentos e manipula seus objetos. No entanto, as ações, quando repetidas, acumulam-se umas sobre as outras; os traços comuns tornam-se nítidos, as diferenças tornam-se borradas. O resultado é a cristalização de um esquema: quanto mais experiência a criança tiver, cada vez maior o número de modelos ela compreende.

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Para Vygotsky (1998a), os autores estão ligados a uma concepção mecanicista de repetição, e isto significa que a experiência social tem o papel de promover a criança com esquemas motores, sem levar em consideração as mudanças que ocorrem das operações intelectuais da criança.

Na concepção de Vygotsky (1998a), os estudiosos da inteligência prática bem como os estudiosos do desenvolvimento da fala não reconhecem o “embricamento” entre essas funções. Um exemplo, é a concepção de fala egocêntrica desenvolvida por Piaget e que é citada por Vygotsky (1998b; 18 e 19) como referência ao seu trabalho. Para Piaget, na fala egocêntrica, diferentemente da fala socializada,

“a criança fala apenas de si própria, sem interesse pelo seu interlocutor; não tenta comunicar-se, não espera resposta e, freqüentemente, nem se quer se preocupa em saber se alguém a ouve. É uma fala semelhante a um monólogo em uma peça de teatro: a criança está pensando em voz alta, fazendo um comentário simultâneo ao que quer que esteja fazendo. Na fala socializada, ela tenta estabelecer uma espécie de comunicação com os outros --- pede, ordena, ameaça, transmite informações, faz perguntas. (...) Quando, aos sete ou oito anos, manifesta-se na criança o desejo de trabalhar com os outros, a fala egocêntrica desaparece.”

Ao contrário desses estudiosos, Vygotsky (1998a) diferencia as ações de um macaco das ações de uma criança que fala: primeiramente, usando as palavras a criança cria um plano de ação específico, onde prepara os estímulos para torná-los úteis para a solução de uma questão e para o planejamento das ações futuras; em segundo, por que é através da fala que a criança planeja a solução de um problema e executa a ação planejada através de uma atividade visível; por último, a fala possibilita a criança manipular os objetos bem como o seu próprio comportamento. Com a ajuda da fala, a criança pode ser tanto sujeito como objeto de seu próprio comportamento.

Em relação a fala egocêntrica, pela qual passa a criança, Vygotsky (1998a; 36) afirma que ela deve ser vista “como uma forma de transição entre a fala

interior e a fala exterior. Funcionalmente, a fala egocêntrica é a base para a fala interior, enquanto que na sua forma externa está incluída na sua forma comunicativa.”

Desta forma, Vygotsky (1998a) sustenta uma relação dinâmica entre a fala e a ação: num primeiro estágio a fala acompanha as ações da criança e reflete as suas vicissitudes na solução dos problemas; num próximo estágio, a fala

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desloca-se cada vez mais para o início desdesloca-se processo, a ponto de preceder a ação. Neste estágio, a fala dirige, determina e domina o curso da ação.

A fala surge com o período pré-verbal e que é incorporada a qualquer ação juntamente com o uso de signos, pois ela acaba se organizando ao longo de linhas novas: “antes de controlar o próprio comportamento, a criança começa a

controlar o ambiente com a ajuda da fala.” (Vygotsky: 1998a; 33) Neste sentido, os

experimentos de Vygotsky (1998a) demonstraram que: a) a fala é tão importante quanto uma ação para a criança atingir um objetivo, pois a fala e a ação fazem parte de uma mesma função psicológica complexa; b) quanto mais complexa e menos direta for a ação, maior a importância da fala na operação.

O que os estudiosos procuraram demonstrar, segundo Vygotsky, foi que a fala era independente do comportamento ou de qualquer outra atividade utilizadora dos signos: os estudos foram realizados levando em consideração a separação entre uso dos instrumentos do uso de signos, e isto explicaria a atividade prática da criança.

Vemos em Vygotsky (1998a) que a fala é de extrema importância para que a criança possa organizar seu comportamento, portanto, a sua ação. A reorganização da percepção e a possibilidade de criação de novas relações entre as funções psicológicas que orientam a fala, ocorrem pelo amplo estudo de outras formas e de atividades que usam o signo (desenho, escrita, leitura, o uso de sistemas de números, etc.).

Para Vygotsky (1998a), os signos são produtos do desenvolvimento social, o que significa que eles operam na memória para além das dimensões biológicas do sistema nervoso, permitindo incorporar estímulos artificiais. Por exemplo: podemos compreender a “memória natural” como o resultado de uma ação direta dos estímulos externos sobre o organismo, pois há uma aproximação entre “memória natural” e percepção sensível. Em relação a “memória artificial”, por ser uma função mais complexa, podemos afirmar que ela funciona por estímulos criados pelo próprio homem, por exemplo, colocar uma fita vermelha na mão para lembrar de um compromisso (Pino: 2000; 56)

Para toda situação-problema defrontada pelo organismo, há uma forma elementar de comportamento e que pode ser representada por S R. Por outro lado, a operação com signos requer um elo entre estímulo e resposta:

(23)

S R

X

O signo é colocado no interior da operação, onde preenche uma função e cria uma nova relação entre S e R. Uma outra característica do signo é o fato de agir de forma reversa, não sobre o ambiente mas sobre o indivíduo. Assim, ele confere à operação psicológica formas qualitativamente novas e superiores. Para Vygotsky (1998a; 54), os signos permitem “aos seres humanos, com auxílio de

estímulos extrínsecos, controlar o seu próprio comportamento”. Continua o autor

dizendo que, o “uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura

específica de comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura.”

Segundo Pino (2000; 57), é a partir da articulação entre o estímulo natural e o estímulo artificial que Vygotsky sustenta uma explicação da gênese do signo, no qual reporta-se a uma afirmação de Pavlov segundo a qual a atividade fundamental “dos hemisférios cerebrais é sinalizar com um número infinito de

sinais (estímulos procedentes do exterior que agem diretamente sobre o cérebro) e com formas mutáveis de sinalização”. Assim, os signos artificiais, construídos

pelo homem e que funcionam como os instrumentos técnicos, agem, não sobre as coisas, mas sobre as pessoas, sobre os outros e sobre si mesmos.

Nas palavras de Vygotsky (1998a; 70), o “signo age como instrumento da

atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho.”

A definição de trabalho que Marx apresenta em sua obra é fundamental para o entendimento da evolução do homem em seu estado genérico, pois o homem é resultado de sua atividade de trabalho na qual, ao mesmo tempo que transforma a natureza para atender que necessidades, transforma-se a si mesmo, desenvolvendo funções especificamente humanas. Disso decorre que o homem

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possui a capacidade de criar instrumentos que mediam essa atividade. Além de ser um objeto material criado pelo homem, o instrumento de trabalho leva marca do homem e, como idéia materializada, torna-se objeto de conhecimento e pode evocar nos outros um sentimento estético, pois o instrumento, como obra humana fala do seu autor, fala ao autor (Pino; 1994).

Para Leontiev (1978; 268 e segs.), o instrumento

“é o produto da cultura material que leva em si, da maneira mais evidente e material, os traços característicos da criação humana. (...) O instrumento é ao mesmo tempo um objeto social no qual estão incorporadas e fixadas as operações de trabalho historicamente elaboradas. (...) A aquisição do instrumento consiste, portanto, para o homem, em se apropriar de operações motoras que neles estão incorporadas.”

Em relação à concepção de homem em seu estado genérico apresentada por Marx, Heller (2000) nos diz que o indivíduo é sempre “ser particular” e “ser genérico”: em sua particularidade, encontramos as necessidades e as paixões. O que faz com que as necessidades e as paixões sejam particulares no indivíduo é a forma como se manifestam; já em relação ao ser genérico, encontramos o trabalho como a atividade socialmente necessária.

Neste sentido, o que Vygotsky fez, segundo Pino (1994; 52), foi ampliar o campo de mediação instrumental descrita por Marx, fazendo do signo um outro instrumento mediador. E isto significa que existe uma analogia entre signo e instrumento devido “à sua função mediadora com o mundo material, no caso do

instrumento técnico, e com o mundo social ou psicológico, no caso do instrumento simbólico”.

Assim, o uso dos instrumentos construídos pelo homem, tem por função organizar novas formas de comportamento. Vygotsky (1998a) menciona que muitas confusões ocorrem quando os conceitos de signo e instrumento são tratados de forma a estabelecer uma identidade, procurando igualar o signo com o instrumento. Esta confusão ocorre porque os instrumentos, como um meio de trabalho, e os signos, que através da linguagem, promovem a interação social, dissolvem-se nos artefatos.

(25)

Podemos entender por “interação social”, a relação concreta entre dois ou mais sujeitos; ou podemos compreendê-la como princípio, bem como, função. Assim, as funções da interação social se referem, ao mesmo tempo, como princípio concreto ---- o que faz com que um sujeito entre em relação com outro --- e como conseqüência, devido à posição de cada um na relação (Pino: 2002; 50).

No entanto, as relações sociais se estruturam a partir de uma sociedade complexa, conforme posições e ações dos sujeitos. Segundo Pino (2002; 53), essas

“relações concretizam-se em práticas sociais. Isso quer dizer que, nos termos em que fala Vigotski, `as funções psicológicas´ traduzem a maneira como os indivíduos se situam uns em relação aos outros no interior dessas práticas sociais que, por sua vez, concretizam a estrutura de relações da sociedade. O que nos permite concluir que as funções psicológicas se constituem no sujeito na medida em que este participa das práticas sociais do seu grupo cultural.”

Continua o autor (2002; 53) dizendo-nos que nas práticas sociais deve veicular uma significação, o que permite que os grupos estabeleçam formas socialmente instituídas (pensar, falar e agir) em função das posições que ocupam. Desta forma, encontramos “as práticas religiosas, familiares, políticas, jurídicas,

educacionais, etc., próprias das pessoas que integram o mundo (...).”

O que Vygotsky (1998a) se propõe a compreender é o papel comportamental do signo através de suas características: a) existe uma função mediadora que caracteriza signo e instrumento e que, a partir da perspectiva psicológica, podem ser incluídos na mesma categoria ( atividade mediada 3 ); b) a função do instrumento é servir como condutor da influência humana sobre o objeto da atividade, enquanto que o signo não modifica nada o objeto da atividade. Ele constitui um meio da atividade interna dirigido para controle do próprio indivíduo;

3Vygotsky (1998a; 72) define atividade indireta, ou mediada, tendo como referência a citação que Marx, em O Capital,

faz a partir de Hegel: “A razão (escreveu Hegel) é tão engenhosa quanto poderosa. A sua engenhosidade consiste principalmente em sua atividade mediadora, a qual, fazendo com que os objetos ajam e reajam uns sobre os outros, respeitando sua própria natureza e, assim, sem qualquer interferência direta no processo, realiza as intenções da razão”. Vygotsky diz que essa “análise fornece uma base sólida para que se designe o uso de signos à categoria de atividade mediada, uma vez que a essência do seu uso consiste em os homens afetarem o seu comportamento através dos signos”. Para Pino (1991) a questão da mediação permite explicar tanto o processo de interiorização como o de objetivação, pois ambas implicam numa forma de mediação especificamente humana: o “desenvolvimento psíquico é o

(26)

c) levando em consideração que o uso dos meios artificiais muda constantemente, então toda operação psicológica também sofre alteração, assim como o uso de instrumentos amplia de forma ilimitada as novas funções psicológicas.

Aqui, nos deparamos com uma questão fundamental na obra de Vygotsky: as funções superiores ou culturais. Quando Vygotsky propõe explicá-las, ele leva em consideração dois fatos: o primeiro, por ser as funções superiores de origem social; em segundo, por que ele não usa a via do dualismo como os demais autores, mas procura uma via de superação. Para Vygotsky, as funções biológicas não desaparecem com a emergência das culturais mas adquirem uma nova forma de existência, sendo incorporadas à história humana. No Manuscrito de 1929 [Psicologia concreta do homem], Vygotsky (2000; 23) deixa muito claro a superação:

“As funções superiores diferentemente das inferiores, no seu desenvolvimento, são subordinadas às regularidades históricas (veja o caráter dos gregos e o nosso). Toda a peculiaridade do psiquismo do homem está em que nele são unidas (síntese) uma e outra história (evolução + história). O mesmo no desenvolvimento infantil (compare as duas linhas).”

Neste sentido, serão as funções superiores a nova marca do desenvolvimento psicológico que ele introduz na Psicologia (Pino; 2000). No caso das funções superiores, é a estimulação autogeradora, ou seja, estímulos artificiais, que causa a mudança imediata no comportamento. Vygotsky (1998a; 61) fala-nos do papel da criança e a importância do aprendizado para as causas das funções psicológicas superiores:

“A história do desenvolvimento das funções psicológica superiores seria impossível sem um estudo de sua pré-história, de suas raízes biológicas, e de seu arranjo orgânico. As raízes do desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais, de comportamento, surge durante a infância: o uso de instrumentos e a fala humana. Isso, por si só, coloca a infância no centro da pré-história do desenvolvimento cultural.”

(27)

Segundo Vygotsky (1998a; 73), é nesse contexto que “podemos usar o

termo função psicológica superior, ou comportamento superior com referência à combinação entre o instrumento e o signo na atividade psicológica”.

“Todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo mediador é incorporado à sua estrutura como uma parte indispensável, na verdade a parte central do processo com um todo. Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem o papel de meios na formação de um conceito e, posteriormente, torna-se o seu símbolo.” (Vygotsky: 2000; 70)

No início, a criança depende, de forma crucial, dos signos externos. Durante o seu desenvolvimento, as operações com o uso de signos passam por mudanças radicais: a atividade mediada começa a ocorrer como um processo interno. Os últimos estágios de comportamento da criança assemelham-se aos primeiros, que se caracterizam por um processo direto: a criança não depende dos meios externos; ao invés disso, a criança usa de uma abordagem “natural”. Julgando pelas aparências externas, a criança mais velha começou a memorizar 4 melhor, aperfeiçoando e desenvolvendo melhor seus velhos métodos de memorização. Em níveis mais superiores, a criança deixou de ter qualquer dependência em relação aos signos. Assim, o desenvolvimento acontece de forma espiral, passando por um mesmo ponto a cada nova revolução enquanto avança para um nível superior.

A internalização ocorre a cada reconstrução interna de uma operação externa. Segundo Smolka (2000; 02) a

“internalização, como um construto psicológico, supõe algo ´lá fora` -- cultura, práticas sociais, material semiótico --- a ser tomado, assumido pelo indivíduo. A realidade, a concretude, a objetividade ou a estabilidade de tais materiais e práticas lhes dão as características de produtos culturais”.

constituem uma formação social”.

(28)

Para Vygotsky (1998a: 75), a internalização consiste numa série de transformações: a) uma operação que representa uma atividade externa é reconstruída internamente; b) um processo interpessoal (entre pessoas) é transformado num processo intrapessoal; c) o processo de transformação do interpessoal ao intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos que ocorrem no desenvolvimento. Neste sentido, “a internalização das atividades

socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui”, para Vygotsky

(1998a; 76), “o aspecto característico da psicologia humana”.

No artigo “O social e o cultural na obra de Vygotsky”, Pino (2000; 65) menciona a importância do “outro” no processo de internalização: não se trata de ser um mediador instrumental, pois o desenvolvimento da criança está comprometido com a presença e ajuda constante do “outro”. Levando em consideração que o desenvolvimento cultural passa por três estágios, o desenvolvimento “em si”, “para si” e “para si” 5, fica “claro que a significação é a

mediadora universal nesse processo e que o portador dessa significação é o

outro, lugar simbólico da humanidade histórica”.

No entanto, a dialética entre esses três momentos pressupõe o movimento interno da “consciência de si”, e que tem a sua referência à critica que Marx faz a Hegel: não é a “consciência de si” que é um movimento interno sendo a realidade concreta o resultado, mas, segundo Marx, , as condições materiais determinam a consciência. Com Vygotsky, a dialética da “consciência de si” ganha movimento na medida em que “para os outros” determina a expressão do movimento da história, em que o homem deve inserir a sua própria história (Pino; 2000). Pino (2000 e 2002) exemplifica o processo de internalização através do “ato de apontar”, em que Vygotsky utiliza este exemplo para mostrar que, de um lado, o desenvolvimento cultural passa através do “outro”; do outro lado, o mediador entre o indivíduo e o “outro” é a significação: o que no início é um ato natural

5Para Pino (2000; 65), o primeiro (desenvolvimento em si) é constituído pelo dado em si (realidade biológica), sendo

este o momento teórico que precede a emergência do estado da cultura; o segundo (para os outros), é o momento em que os dados adquirem significação: é o momento histórico da emergência do estado da cultura; momento de distanciamento do homem da realidade em si, a qual se desdobra nele na forma de representação, testemunhando a presença da consciência”; o terceiro (para si), é o momento em que o dado se torna significativo para o indivíduo singular.

(29)

(apontar a mão em direção a um objeto), torna-se significativo quando interpretado pelo “outro” como um “sinal”; a criança descobre a significação desse ato, quando este torna-se o signo com o qual se comunicará com o “outro” cada vez que desejar o objeto. A significação atribuída ao movimento torna-se signo ou fato simbólico. A internalização ocorre por causa da significação do movimento, poder que permite a passagem do plano social para o plano pessoal.

Podemos dizer que a significação permitirá com o que o sujeito tenha acesso ao mundo simbólico, um mundo construído pelo próprio homem, “uma

espécie de réplica do mundo natural, ao mesmo tempo resultado e condição da atividade humana. É a esse mundo que chamamos de cultura: totalidade das produções humanas portadoras de significações.” (Pino: 2002; 45)

Assim, a cada passo que a criança dá em relação ao aprendizado de uma determinada operação, ela dá dois no seu desenvolvimento. Para Vygotsky (1998a), o aprendizado é mais do que uma aquisição de capacidade para pensar; é uma aquisição de muitas capacidades para pensar várias coisas. Aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança. Segundo Vygotsky (1998a; 117), a linguagem pode ser um paradigma para o problema da relação entre aprendizado e desenvolvimento: a

“linguagem surge inicialmente como um meio de comunicação entre as crianças e as pessoas em seu ambiente. Somente depois, quando da conversão em fala interior, ela vem organizar o pensamento da criança, ou seja, torna-se uma função mental interna.”

A linguagem possui, assim, duas funções fundamentais: a de intercâmbio social e a de pensamento generalizante, que permitem que a criança possa operar não só no mundo concreto mas através de representações. E isto significa que as imagens e as representações conceituais, dentro do processo de internalização da linguagem, tornam-se parte da inteligência prática, tornam-se conscientes: quando

“isto acontece não há mais distinção entre linguagem e pensamento, estes passam a ser processos interdependentes, compondo uma única unidade”

(30)

(Palangana: 2000; 28). Ao fornecer imagens, signos e significados para organizar o real, a linguagem torna-se instrumento de pensamento.

Nas palavras de Vygotsky (2003; 171),

“a linguagem realiza duas funções totalmente diferentes: por um lado, serve como meio de coordenação social da experiência das pessoas; por outro lado, é o instrumento mais importante de nosso pensamento”.

No início, a linguagem aparece através do grito reflexo do recém-nascido, sendo inseparável de outros sinais emocionais (medo, ira, etc.) e instintivos do comportamento. No entanto, será nos primeiros meses que a linguagem se estrutura segundo as leis da educação do reflexo condicionado: a criança percebe o seu próprio grito e depois uma série de estímulos (como a proximidade da mãe).

Para Vygotsky (2003; 170), a linguagem, em seu significado psicológico, aparece por causa do vínculo entre “uma determinada ação do organismo e o

significado que depende dela”. Exemplifica o autor, afirmando que o “grito da criança já possui um significado porque exprime algo compreensível para a própria criança e para a sua mãe”. Isto significa que a compreensão desse tipo de

linguagem limita-se àquele cuja consciência individual dele participa. Com a palavra, a linguagem passa a vincular-se com as experiências externas, pois a cada palavra nova, ocorre um vínculo “que há entre determinados objetos, e esse

vinculo, determinado pela experiência, sempre está na origem da palavra”. Desta

forma, podemos dizer que, segundo Vygotsky (2003), só podemos nos conhecer à medida que somos “outro” a nós mesmos, algo estranho a nós mesmos. A linguagem, instrumento de comunicação social, acaba sendo a comunicação íntima do homem.

Assim, quando a criança aprende uma palavra nova, ou o significado da palavra, ela operacionaliza o desenvolvimento de muitas funções intelectuais.

“O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um pensamento [...] o significado de cada palavra é uma generalização ou um conceito. E como as generalizações e os conceitos são inegavelmente atos do pensamento, podemos considerar o significado com um fenômeno

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do pensamento. (...) É um fenômeno do pensamento verbal, ou da fala significativa -- uma união da palavra e do pensamento.”

(Vygotsky: 1998b; 150 e 151)

Para Pino (1995; 38 e 39), Vygotsky confere à palavra um valor paradigmático, mesmo não tendo desenvolvido uma teoria semiótica: a palavra é um signo lingüístico que emerge da significação, sendo todo signo uma unidade triádica, composto pela “palavra (realidade física), do referente (aquilo, material ou

não, a que a palavra se refere) e do significado (aspecto sob o qual a palavra refere ao referente).” A combinação desses elementos possibilita os “jogos de

sentidos”: a criança desconstrói os três elementos, após a sua articulação, para construí-los de acordo com a sua imaginação; com o adulto, por sua vez, a retórica e a poética constituem outras formas de “jogos de sentidos”. Neste sentido, a palavra, devido à sua natureza sígnica, permite relacionar o que é da ordem do real (das coisas) à ordem simbólica (o das suas representações) 6.

Diferente de uma concepção associacionista, Vygotsky (1999) considera os significados das palavras em sua formação dinâmica, ou seja, . E isto significa, que os significados se modificam na medida em que a criança se desenvolve, o que leva Vygotsky (1998b; 156 e 157) a afirmar que a relação entre pensamento e palavra também se modifica:

“a relação entre pensamento e palavra não é uma coisa mas um processo, um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra, e vice-versa. (...) O pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meios dele que ele passa a existir. Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com outra, a estabelecer uma relação entre as coisas. Cada pensamento se move, amadurece e se desenvolve, desempenha uma função, soluciona um problema.”

O que Vygotsky faz é investigar a interação entre pensamento e palavra, a partir de alguns fatos (dentre eles, a distinção entre fala interior --- semântico -- e fala exterior --- fonético) que o levam a deduzir que a relação entre pensamento e palavra, em toda a sua complexidade, deve ser compreendida a partir da natureza psicológica da fala interior (pensamento verbalizado).

6É necessário esclarecermos que, para Pino (1995), Vygotsky não confere uma teoria semiótica e nem uma teoria da

representação. Para Vygotsky, segundo Pino (p. 37), “ a atividade semiótica confunde-se com o próprio regime dos signos” e “a função representativa é função da linguagem”.

(32)

Segundo Pino (1993; 21), Vygotsky confere movimento opostos ao aspecto fonético e ao aspecto semântico, nos primeiros anos da criança: “o primeiro da

parte ao todo (da palavra à frase), o segundo do todo à parte (da frase à palavra).”

É através dos múltiplos “jogos dos sentidos” (que caracterizam a fala) que Vygotsky demonstra como o signo lingüístico (a palavra) se organiza na criança: no começo, o significado está subordinado ao objeto; depois, o objeto subordina-se ao significado. E isto quer dizer que o significado é o que permite a relação entre significante e o referente (objeto ao qual aquele se refere).

Sem entrarmos na discussão ontogenética da aquisição da linguagem, Pino (1993; 21), em menção a Luria, diz que a palavra não só substitui uma coisa (representação),

“mas também a analisa, ou seja a introduz num sistema de complexos enlaces e relações (significado categorial ou conceitual da palavra). Isso faz dela um poderosos instrumento das funções de abstração e generalização que definem o pensamento. Pode dizer-se então que os significados das palavras, na dupla função de representação e de análise, constituem, ao mesmo tempo, a trama do pensamento e as operações que constroem essa trama.”

Smolka (1995; 15), ao investigar o papel da linguagem como instrumento, menciona que Vygotsky confere às palavras um grau de complexidade, atribuindo à linguagem um grau de incompletude. No entanto, ao questionar a relação entre pensamento e palavra, Vygotsky diz que a palavra é a forma mais direta da natureza histórica da consciência humana. O significado, por sua vez, é o microcosmo da consciência humana.

No texto O problema da consciência, Vygotsky (1999; 189) deixa muito claro o papel do significado da palavra: o “significado não se refere ao

pensamento, mas a toda consciência.”

Será no texto em que critica a Psicologia por não ter “enfrentado” a questão sobre o pensamento verbal --- atividade mental e fala --- (Smolka: 1995; 15), que Vygotsky (1999; 284) apresenta para nós uma idéia sobre o que é a consciência:

“Um olho que tudo visse, precisamente por isto nada veria; uma consciência que desse conta de tudo, não se daria conta de nada. (...) Nossa consciência encontra-se encerrada entre dois limiares, vemos apenas um fragmento do mundo; nossos

(33)

sentidos nos apresentam um mundo compendiado em extratos que são importantes para nós. E no interior desses limiares absolutos, tampouco se capta toda a diversidade de mudanças e matizes, mas a percepção de mudanças depende de novos limiares. É como se a consciência seguisse a natureza por saltos, com omissões, com lacunas. (...) É um órgão seletor, uma peneira que filtra o mundo e o modifica de forma que seja possível agir.”

Assim, entendemos por consciência como sendo constituída na relação com o outro, na e pela linguagem; por “não dar conta de tudo”, funciona como uma “peneira”, que ao filtrar a realidade, coloca o sujeito em interação com outros sujeitos através das significações e sentidos, determinando-o de forma histórica.

Neste sentido, podemos colocar o nosso problema nos seguintes termos: quais os indicadores que revelam a consciência a partir da ação pedagógica do professor?

No entanto, a questão da consciência é um objeto de pesquisa que vem sendo estudado há muito tempo, por diversas Ciências. Para a Psicologia, a questão da consciência vinculada à idéia de reflexão se torna um dos focos quando se pensa na questão da educação.

Especificamente na formação de professores, a questão da consciência, trazida pela Psicologia, contribui para que possamos compreender à Psicologia como uma disciplina que fundamenta a atitude reflexiva do professor.

Psicologia e formação de professores

Podemos dizer que a Psicologia Diferencial é uma das primeiras correntes teóricas que visava controlar a evolução humana, e que após as primeiras experiências realizadas por Wundt em seu laboratório irá consagrar a Psicologia como Ciência. O contexto era o das sociedades industriais capitalistas, que garante o status científico conforme as necessidades dessas sociedades, dentre as quais a de selecionar, de orientar e de adaptar o desenvolvimento do homem em relação ao aumento de produtividade (Larocca; 1999).

Larocca (1999), em menção a Patto (1990), nos diz que as necessidades estariam vinculadas ao cumprimento das finalidades práticas de uma sociedade

(34)

industrial capitalista, e que levariam os indivíduos a se organizarem e a se adaptarem sem que a estrutura dessa sociedade fosse colocada em questão.

Vimos que os escritos de Wundt se perdem no tempo, e novos objetos de pesquisa da Psicologia surgem como resposta à adaptação do método experimental às Ciências Naturais. A aproximação entre os novos objetos e os métodos das Ciências Naturais, ocorre, principalmente, nos Estados Unidos. Esta transformação da experimentação marca a passagem da análise dos processos psicológicos para análise da distribuição das características psicológicas de uma população.

O que os psicólogos americanos fazem é deixar de lado as questões que abarcam o homem em seus aspectos sociais e culturais. Neste momento, a Psicologia, segundo Larocca (1999), se encontrava marcada pela influência da Biologia do ideário liberal burguês. Este último foi decisivo para a consolidação da Psicologia como Ciência Experimental que auxiliou a Educação. Ou seja, coube à Psicologia contribuir com a Educação na tentativa de ajustar os indivíduos a uma estrutura que deveria ser conservada; à Educação, com o auxílio da Psicologia, coube a promoção desses ajustamento, ocultando os conflitos sociais e as diferenças de classe.

A partir daí, uma relação entre Psicologia e Educação ocorre de forma estreita: em relação à Educação, se estruturam as correntes do Escolanovismo e do Tecnicismo; em relação à Psicologia, desenvolve-se à Psicologia da Educação. Enquanto a Escola Nova se propôs a valorizar a automação e a atividade espontânea da criança, além de preparar os jovens para o mercado de trabalho, e o Tecnicismo buscou uma estruturação dos meios para superar a discussão das finalidades educacionais (Chakur; 2001), coube à Psicologia da Educação responder às demandas educacionais. Como disciplina, a Psicologia da Educação desenvolve-se a partir das questões do aprendizado e do desenvolvimento da criança.

Dentre as correntes que trabalham com o modelo da Ciência Experimental, encontramos no comportamentalismo um exemplo desse modelo em relação ao

(35)

aprendizado. O professor adota práticas pedagógicas direcionadas para fins previstos e planejados.

Na escola, é possível observarmos o “reforço operante” quando o professor atribui uma boa nota ao aluno, fazendo com que o aluno aumente a freqüência de um comportamento adequado. No entanto, o principal objetivo de Skinner, segundo Cunha (2000; 59), era organizar o currículo escolar, como forma de unidades simples, em pequenos tópicos, a serem transmitidos passo a passo. De qualquer forma, o aluno, ao emitir o comportamento desejado, recebe um estímulo reforçador: boa nota ou promoção para outra série.

Podemos dizer que o comportamentalismo dominou as pesquisas desde o início do século XX nos Estados Unidos. No entanto, a partir da década de 50, as idéias cognitivistas começam a estremecer a hegemonia do behaviorismo, cuja perspectiva era insuficiente para explicar as questões inobserváveis. Para os cognitivistas, que tinham suas origens na Europa (França, Alemanha e Suiça), era de extrema importância salientar os processos internos na aquisição do desenvolvimento de conhecimentos e condutas (Chakur; 2001).

Dos estudos que deram origem às novas relações entre aprendizado e desenvolvimento, à Psicologia Genética de Piaget ganha o seu devido destaque, pois se sustenta em proposições e explicações consistentes contrapondo-se às concepções behavioristas. Para Piaget, a aprendizagem apresenta uma relação de dependência ao processo de desenvolvimento: a primeira diz respeito à descoberta dos objetos e da própria ação do sujeito; a segunda, refere-se à organização e reorganização contínuas das estruturas das quais o sujeito estabelece relação com o meio ambiente (Chakur; 2001).

Dentro da concepção apresentada nas escolas, o construtivismo aplicado à Educação é uma teoria que explica através da assimilação 7 a forma de

7 Não entraremos em discussão sobre o princípio do processo adaptativo que define, para Piaget, a relação entre

indivíduo e meio. No entanto, a maneira como esse princípio é interpretado, segundo Pino (1994; 50), varia de acordo com as teorias: “o indivíduo incorpora (assimila, diz Piaget) elementos do meio, resultando com isso, em mudanças (acomodações, segundo Piaget) nesse indivíduo (ao estilo do metabolismo biológico); essas mudanças, por sua vez, definem novos níveis de adaptação (a equilibração de Piaget)”. Segundo Barros (1996), Piaget elabora hipóteses acerca da construção do conhecimento: esquemas, estruturas mentais com que os indivíduos se adaptam e organizam o ambiente; assimilação, consiste em encaixar um novo objeto num esquema mental sensório-motor; acomodação, é o aspecto da atividade cognitiva que envolve a modificação dos esquemas para corresponderem aos objetos da realidade;

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