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Questões identitárias no Tinder: performance de si, autenticidade e gerenciamento da impressão a partir da percepção do gênero feminino

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÍDIA E COTIDIANO

FERNANDA ANGELO COSTANTINO

Questões identitárias no Tinder: performance de si, autenticidade e gerenciamento da impressão a partir da percepção do gênero feminino

Niterói 2018

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FERNANDA ANGELO COSTANTINO

Questões identitárias no Tinder: performance de si, autenticidade e gerenciamento da impressão a partir da percepção do gênero feminino

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Mídia e Cotidiano, da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção de título de mestre em Mídia e Cotidiano.

Área de Concentração: Discursos Midiáticos e Práticas Sociais.

Linha de Pesquisa: Linguagens, Representações e Produção de Sentidos. Orientador: Prof. Dr. Emmanoel Ferreira

NITERÓI 2018

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FERNANDA ANGELO COSTANTINO

Questões identitárias no Tinder: performance de si, autenticidade e gerenciamento da impressão a partir da percepção do gênero feminino

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Mídia e Cotidiano (PPGMC), como requisito parcial para a obtenção de título de mestre em Mídia e

Cotidiano, sob a orientação do Professor Doutor Emmanoel Ferreira.

Apresentada em: 27/02/2018.

________________________________________________________________ Prof. Dr. Emmanoel Ferreira (PPGMC/UFF) – Orientador

________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Beatriz Polivanov (PPGCOM/UFF)

________________________________________________________________ Prof. Dr. Robson Braga (PPGCOM/UFC)

Niterói 2018

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

Bibliotecária: Mahira de Souza Prado CRB-7/6146 C838 Costantino, Fernanda Angelo.

Questões identitárias no Tinder : performance de si, autenticidade e gerenciamento da impressão a partir da percepção do gênero feminino / Fernanda Angelo Costantino ; orientador: Emmanoel Ferreira. – 2018.

169 f. : il.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense. Departamento de Comunicação Social, 2018.

Bibliografia: f. 114-117.

1. Identidade. 2. Imagem. 3. Tinder (Rede social on-line). 4. Autenticidade (Filosofia). I. Ferreira, Emmanoel Martins. I. Universidade Federal Fluminense. Departamento de Comunicação Social. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Ao Joaquim, meu filho, que me mostrou minha força.

Ao Filipe, meu companheiro de todos os dias neste percurso, com quem divido afetos, angústias, a vida e o amor. Obrigada por estar ao meu lado.

Aos meus pais, Denise e Luiz, pelos exemplos de luta e persistência. As pessoas que mais fizeram por mim e que me cobriram de amor. Eu não tenho como devolver tanto, mas espero que consiga, de alguma forma, mostrar meu agradecimento por tudo. Eu amo vocês.

À minha irmã, Maria Luiza, minha alma gêmea.

Ao Eduardo e à Laura, que me “adotaram” e tanto me ajudaram nessa trajetória, seja pelos almoços e jantas, ou pelo afeto e carinho. Obrigada!

Ao meu orientador, Emmanoel, que de tanto companheirismo é também meu amigo. Obrigada!

Aos meus amigos, Aninha, Felipe, Bianca, Tadeu, Camila, Tiago e Jéssyca, que me dão a certeza de um amor eterno.

À Luiza, que de tanto amor dividiu esse mestrado comigo. À Karina, que, de longe ou de perto, é a companheira mais amada. À Lara e Luísa, que desde a faculdade dividem comigo ainda mais amor.

Às mulheres que conheci nesse mestrado: Juliana, Marcella, Renata, Marcela, Gláucia, Paula e todas. Vocês são inspiração! Aqui se estende o agradecimento à melhor turma de mestrado: a turma de 2016 do PPG Mídia e Cotidiano. Obrigada por dividirem essa trajetória.

Aos professores Beatriz Polivanov e Robson Braga, pelas ajudas e dedicação na correção deste trabalho. Obrigada por tanto me ensinarem.

À Denise, coordenadora do PPG Mídia e Cotidiano, e à Claudia, secretária do programa, pela dedicação e por toda a ajuda. E também a todos os professores do programa: obrigada pelo acolhimento e ensinamentos.

Às mulheres entrevistadas para este trabalho, que tanto dividiram comigo e dispuseram seu tempo para elaboração da pesquisa. Muito obrigada.

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RESUMO

Esta dissertação busca discutir a performance de si no aplicativo Tinder, com foco na percepção que mulheres residentes da cidade do Rio de Janeiro têm a respeito das narrativas de perfis de homens da mesma cidade. A abordagem teórica se baseia principalmente no conceito de gerenciamento da impressão elaborado por Erwing Goffman (2002), em sua obra “A Representação do Eu na Vida Cotidiana”. Para a elaboração deste trabalho, foram analisados 100 perfis de usuários homens, entre 18 e 34 anos, e realizadas entrevistas semiestruturadas com 8 usuárias mulheres, entre 21 e 32 anos, com o intuito de perceber a forma como as mesmas recebem as narrativas de apresentação dos usuários do gênero masculino. Com base na pesquisa empírica, percebeu-se algumas questões importantes na performance de si no Tinder: 1) a preocupação com a autenticidade, tanto no sentido de uma originalidade na criação do perfil, quanto em relação à honestidade das informações ali expostas (tal cenário influencia a construção de uma narrativa de si feita no limiar entre uma auto-promoção e um perfil autêntico); 2) a busca a partir de estereótipos, em um contexto onde são poucas as pistas sociais que permitem avaliar o outro no momento da interação; 3) a apresentação de si a partir do gerenciamento da impressão que se deseja transmitir, trazendo a percepção de que o self ali exposto será ou não confirmado em um segundo momento, e trazendo ainda a busca por vestígios e rupturas de tais apresentações em outros contextos online, como outros sites e aplicativos de redes sociais.

Palavras-chave: Identidade; Performance; Gerenciamento da Impressão; Autenticidade; Tinder.

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ABSTRACT

This dissertation seeks to discuss the performance of self in the Tinder application, focusing on the perception that women residents of the city of Rio de Janeiro have regarding the narratives of profiles of men from the same city. The theoretical approach is based mainly on the concept of impression management developed by Erwing Goffman (2002), in his work "The Representation of the Self in Everyday Life”. For the elaboration of this work, 100 profiles of male users, between 18 and 34 years old, were analyzed and interviews were carried out with 8 female users, between 21 and 32 years old, in order to understand how they receive the narratives of presentation of male users. Based on the empirical research, some important questions about Tinder performance were perceived: 1) the concern with authenticity, both in the sense of originality in the creation of the profile and in relation to the honesty of the information exposed therein (such scenario influences the construction of a narrative of self made on the threshold between a self-promotion and an authentic profile); 2) the search based on stereotypes, in a context where there are few social cues that allow to evaluate the other at the moment of interaction; 3) the presentation of self from the management of the impression that is to be transmitted, bringing the perception that the self exposed there will be confirmed in a second moment, and bringing the search for vestiges and ruptures of such presentations in other contexts online, like other sites and social networking applications.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Tela principal do Tinder com demonstrativo de perfil e interação. Retirado do site TechTudo. ……..……...…….……...……..…...…….………...………14 Figura 2: Gráfico - Comparação entre primeira foto e sexta foto de perfil utilizada pelos informantes. Elaborado pela autora….………...………..……...62 Figura 3: Gráfico - Dados sobre segunda opção de foto utilizada pelos informantes observados no Tinder. Elaborado pela autora……….……..………….64 Figura 4: Gráfico - Resultados da observação participante em relação à descrição de perfil. Elaborado pela autora.……....………..66 Figura 5: Resultados da observação participante sobre a vinculação de contas e local de trabalho. Elaborado pela autora ……….……….67 Figura 6: Figura 6: Tela de edição de perfil no Tinder e opções para vincular contas do Instagram e Spotify. Captura de tela no aplicativo. ………..102

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...….………....…...…..………..….….12

CAPÍTULO 1: ESTRATÉGIAS IDENTITÁRIAS E GERENCIAMENTO DA IMPRESSÃO NOS AMBIENTES DIGITAIS…..…..…..………....…..23

1.1 – Questões acerca da identidade na pós-modernidade...…..….………...……...23

1.2 – Consumo, relações e construção identitária..……..………..…...………...……...28

1.3 – A construção da identidade no ambiente digital....……..…………...…..………..35

1.3.1 – Mídias digitais e as estratégias de expressão de si………..…………..……..…35

1.3.2 – O gerenciamento das impressões nas plataformas digitais...….….…………..41

1.3.3 - “Cinco motivos para você me dar match”: Tinder e o gerenciamento da impressão…..…..……..…...………..….……….………..….……….45

CAPÍTULO 2: ABORDAGENS METODOLÓGICAS E PARTICULARIDADES DO CAMPO………..…..……….………..…………....……....….………...53

2.1 – Explorações a partir de uma perspectiva etnográfica..….…...………...………..53

2.2 – Observação participante: dados dos perfis analisados……….…...60

2.3 – Particularidades do campo e da escolha de entrevistadas...…...68

2.3.1 – Algumas considerações sobre gênero…...……..………….…...……..…74

2.3.2 – Polarização política e ideológica no Tinder...……….….79

CAPÍTULO 3: PERFORMANCE, AUTENTICIDADE E GERENCIAMENTO DA IMPRESSÃO NO TINDER..………..…..……...……...….…....…...………...85

3.1 – Performance dos homens no aplicativo na visão das mulheres……...…..……..85

3.1.1 – As fotos, estereótipos e as selfies……….….…..…….……….…..…….……89

3.1.2 – Descrição do perfil…..………….………....94

3.2 – Contexto de polimídia e o gerenciamento da impressão em diferentes ambientes…..….……….…...…….…….………..…….……...101

CONSIDERAÇÕES FINAIS...……….……..…...………107

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ANEXOS.……….…….………..……..120

Anexo I – Entrevista Carla………….……..………....…...………...120

Anexo II – Entrevista Lorena.…..……...……..………..………127

Anexo III – Entrevista Marina………..………...……….131

Anexo IV – Entrevista Olívia..………..……..………..………….………….………..138

Anexo V – Entrevista Júlia………….……...….…....……….………..143

Anexo VI – Entrevista Gabriela…………..…..……...…...……….………….148

Anexo VII – Entrevista Paula..…..……….………...…155

Anexo VIII – Entrevista Thaysa……..…….……….…………..…………..162

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INTRODUÇÃO

Diego, um rapaz de 31 anos, constrói seu perfil na plataforma para relacionamentos Tinder da seguinte maneira: na primeira foto ele faz a provocação “cinco motivos para você dar like nesse cara” e, nas fotos seguintes, em uma espécie de slides, enumera motivos e qualidades que convenceriam a possível pretendente de seguir o contato adiante. Algumas imagens mostram o jovem no dia a dia da sua profissão, em seus momentos de lazer e hábitos cotidianos, como tocar um instrumento musical, assistir Netflix e cozinhar, além de uma sessão de comentários que diz já ter recebido anteriormente sobre suas qualidades1.

Tinder é um aplicativo para dispositivos móveis, lançado no final de 2012 pela empresa norte-americana Match Group. A companhia está localizada em Dallas, no Texas, e é mantida em sua maior parte pela IAC, empresa que por sua vez está por trás de mais de 150 websites, incluindo entre eles o famoso Vimeo. Ao todo, o valor de mercado do Match Group é avaliado em US$ 3 bilhões2, e a organização detém ainda os sites e aplicativos para relacionamento OkCupid, PletyOfFish e Match.com, todos do ramo da “paquera digital”3

. Com 100 milhões de usuários no mundo todo e 10 milhões só no Brasil, o Tinder é indicado para aqueles que estão em busca de uma nova amizade ou relacionamento amoroso – seja este um relacionamento casual ou não. Como a maioria das mídias sociais atuais, o discurso que rege os princípios da plataforma é facilitar a vida de seus usuários na hora de manter laços e conhecer novas pessoas, já que os mesmos possuem um dia a dia cada vez mais corrido e atribulado4. Portanto, velocidade é uma das palavras-chave que define o programa. São sete minutos em média que os usuários permanecem no aplicativo durante as 11 vezes que o acessam por dia, interações que rendem uma média de 26 milhões de casais

1 Perfil retirado da página no Facebook “Tinder da Depressão”, disponível em: https://www.facebook.com/humortinder/photos/a.160562777623538.1073741828.159509031062246/410056832 674130/?type=3&theater. Acessado em: 13 de dezembro de 2017.

2 Disponível em: http://link.estadao.com.br/noticias/empresas,empresa-por-tras-do-tinder-vai-levantar-us-400-milhoes-em-ipo,10000028868. Acessado em: 11 de janeiro de 2017.

3 Apesar de serem do mesmo ramo, o Tinder foi o primeiro da empresa dedicado totalmente a dispositivos móveis, sendo também o primeiro a utilizar a tecnologia de GPS para a experiência na plataforma. Conforme aponta Braziel, “aplicativos para dispositivos móveis dedicados para encontros ou sexo casual somente apareceram no mercado em 2009 – dois anos depois do surgimento do primeiro Iphone” (BRAZIEL, 2015, tradução nossa), sendo o Grindr, aplicativo voltado para o público gay, um dos pioneiros.

4 Em entrevista para o site Olhar Digital, o co-fundador da plataforma Justin Mateen afirma que “brasileiro é ocupado demais para encontrar namoro”. Disponível em:

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combinados por dia em todo o mundo5. Além disso, como afirma seu co-fundador Justin Mateen, um outro princípio que rege o aplicativo é a diversão6. Não é à toa que um universo lúdico atravessa a forma como funciona o programa, desde seu design a suas ferramentas de sociabilidade – ponto já explorado em trabalho anterior (COSTANTINO; FERREIRA, 2016) e que será retomado mais adiante nesta dissertação.

Para utilizá-lo, o usuário se inscreve a partir de sua conta no site de rede social Facebook e a plataforma cruza seus dados pessoais com sua localização geográfica. Após o cadastro, uma lista de possíveis pretendentes é exposta na interface do programa e o participante pode gostar ou não do perfil sugerido, com uma simples interação na tela: deslizando o perfil para a esquerda a opção é rejeitada, para a direita é aprovada (há também a opção de tocar a imagem de um coração na tela para gostar da opção ou em uma imagem de X para não gostar). Os perfis são ordenados como numa pilha de cartas e só é possível analisar o próximo após avaliar o atual. Quando a aprovação vem de ambos os lados, é exibida uma mensagem na tela avisando “It's a match!” (“Vocês combinam!”, na tradução em português do aplicativo), e os usuários podem iniciar uma conversa. Só é permitido manter contato com aquele que também avaliou positivamente o seu perfil em troca (o que é descrito pela empresa desenvolvedora como o fim da rejeição). Cada perfil é composto por seis fotos e uma descrição de, no máximo, 500 caracteres. A estratégia de Diego, descrita no parágrafo inicial dessa dissertação, é uma das formas de se destacar e utilizar os poucos recursos para convencer os futuros pretendentes.

5 Dados obtidos por e-mail em contato com a assessoria de imprensa no Brasil da plataforma, em junho de 2015.

6 Quando perguntado porque acredita que o Tinder faz tanto sucesso, Mateen responde: “É simples, divertido e parece um jogo. Fazemos um grande esforço para que os usuários se sintam confortáveis com o aplicativo”. Entrevista publicada pelo site de Tecnologia da Uol. Disponível em: https://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/04/23/brasil-tem-10-milhoes-de-usuarios-do-tinder-criador-explica-sucesso-do-app.htm?mobile. Acessado em: 11 de janeiro de 2017. A ludificação do aplicativo já foi tema explorado em trabalho anterior (COSTANTINO; FERREIRA, 2016).

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Match é uma palavra da língua inglesa que pode significar tanto combinação ou

correspondência, quanto palito de fósforo (por conta disso, o símbolo da marca Tinder é uma chama acesa). No aplicativo, ela é designada para indicar quando dois usuários aprovam o perfil um do outro, conforme descrito anteriormente. Assim, conseguir um match está entre os objetivos de quem utiliza o programa. Para tal, algumas estratégias, simbolismos e ferramentas são utilizados com a finalidade de tornar sua persona cada vez mais interessante aos olhos do outro.

É o exemplo do perfil de Felipe7, 28 anos, que, na primeira imagem de seu perfil, apresenta uma montagem com sua foto, um fundo vermelho e os dizeres “Cansada da mesmice no Tinder? O melhor match de hoje!”, fazendo referências a uma propaganda. A imagem ainda faz o convite “Conheça um cara diferente. Passe as fotos”, numa tentativa de despertar o interesse de quem visualiza a imagem. Se pensarmos no tempo médio de utilização do Tinder, prender a atenção do público é uma das estratégias de gerenciar o contato e fazer com que seu perfil não passe desapercebido entre os tantos que compõem a lista de possíveis pretendentes.

Os perfis descritos anteriormente expressam a necessidade de se obter a aprovação e, para tal, observa-se que algumas estratégias são utilizadas para passar as ideias de credibilidade e autenticidade. Diego, cujo perfil foi apresentado no início desta introdução,

7 Retirado da página no Facebook “Tinder da Depressão”. Disponível em: https://www.facebook.com/humortinder/photos/a.161076070905542.1073741829.159509031062246/381412822 205198/?type=3&theater. Acessado em 13 de dezembro de 2017.

Figura 1: Tela principal do Tinder com demonstrativo de perfil e interação. Fonte: Site TechTudo - http://www.techtudo.com.br/dicas-etutoriais/noticia/2015/12/o-que-e-e-como-funciona-o-tinder.html

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usa imagem e texto para expressar suas qualidades e enumerar os motivos pelos quais deveria ser escolhido dentre tantas opções disponíveis no aplicativo. Felipe faz uma propaganda de si mesmo, expondo sua imagem ao lado de dizeres típicos do mercado. A socialização, muitas vezes, está ligada a atender e prever os desejos dos outros – forma essa que se estabelece, em parte, a partir da vivência em uma cultura de consumo. Dessa maneira, a própria identidade pode ser construída a partir do olhar de fora; nas palavras de Slater: “em relação a estar de acordo com as expectativas transitórias do outro” (SLATER, 2002, p. 92). Mesmo que não de forma tão evidente quanto os perfis usados como exemplo na introdução deste trabalho, a maior parte dos perfis construídos no Tinder seguem essa lógica, sendo construídos de forma estratégica e pensando em como gerenciar a impressão que o outro terá de sua autoapresentação.

Nesse ponto, cabe uma observação acerca das próprias estratégias identitárias. O processo de subjetivação não é algo dado desde o nascimento, mas construído ativamente junto às noções culturais, políticas e sociais da vida cotidiana. Esse processo está também ligado aos arranjos que se apresentam a partir da modernidade, entre eles a cultura do consumo, a maior liberdade dada ao indivíduo para construir a própria identidade (SIMMEL, 1973; GIDDENS, 2002; HALL, 2006) e a disposição de novos meios tecnológicos de comunicação. Meios esses que não são os causadores diretos de tais mudanças sociais e culturais, mas resultados de:

processos históricos bem complexos, que envolvem uma infinidade de fatores socioculturais, políticos e econômicos. Nesse sentido, as tecnologias são inventadas para desempenhar funções que a sociedade de algum modo solicita e para as quais carece de ferramentas adequadas. (SIBILIA, 2016, p. 25)

Porém, para além do meio tecnológico em si, o que se pretende explorar neste trabalho é a forma como a impressão do outro interfere nesse processo de subjetivação – sem deixar de levar em conta a maneira como tal processo ocorre no ambiente mediado do Tinder. Na plataforma, os perfis são criados, em parte, para atender aos desejos dos outros usuários, em uma constante busca por se manter notável, interessante e, principalmente, mais merecedor da aprovação que o usuário a seguir. Regular a impressão que o outro terá de nós mesmos é umas das principais tarefas desempenhadas no cotidiano e, também, nas plataformas digitais. O gerenciamento da impressão (GOFFMAN, 2002) é parte intrínseca dos processos das dinâmicas de autoapresentação nas mídias digitais e em sites de redes sociais e de aplicativos sociais (POLIVANOV, 2014; RIBEIRO, FALCÃO E SILVA, 2010; CARRERA, 2012).

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Quando na presença do outro, as ações e impressões causadas pelo indivíduo definirão a situação ali disposta, no sentido de que uma ação irá levar a uma resposta específica que se deseja receber. Em certas ocasiões, o indivíduo “agirá de maneira completamente calculada, expressando-se de determinada forma somente para dar aos outros o tipo de impressão que irá provavelmente levá-los a uma resposta específica que lhe interessa obter” (GOFFMAN, 2002, p. 15)8.

Goffman atenta ainda para a importância da primeira impressão em uma relação social. As interações são em grande medida baseadas em inferências, ou seja, confia-se que determinado indivíduo terá determinado comportamento porque é o que se espera dele (GOFFMAN, 2002). Da mesma forma que, a partir da projeção que se faz de si mesmo, espera-se um tratamento específico em troca. Novamente, se analisarmos os exemplos de perfis construídos na plataforma Tinder descritos anteriormente, as atenções estão voltadas ao que o outro acharia e sobre o que o outro se interessaria, de maneira que se espera em troca que seu próprio perfil seja aprovado.

Nancy Baym (2010), ao abordar as novas formas de conexões sociais em ambientes digitais de interação, afirma que algumas mídias podem oferecer um número insuficiente do que chama de pistas sociais, ou seja, informações importantes que nos fazem identificar socialmente o outro indivíduo e nos fazem sentir seguros em iniciar um contato com o mesmo. Baym argumenta que, assim, ocorre muitas vezes o processo de “self-disclosure” (BAYM, 2010, p. 109), ou seja, expor aquilo que se acredita ser o “verdadeiro self”, como uma forma de afirmar-se como um sujeito autêntico e de firmar conexões com pessoas com as quais não se possuía laços anteriores (SÁ, POLIVANOV; 2012, p. 580).

Essa preocupação com as estratégias de autoapresentação está também ligada ao que Giddens chama de projeto reflexivo da construção da identidade (2002), no qual as narrativas de si aparecem de forma explícita, almejando obter uma coerência expressiva em tais

8 Cabe ressaltar que Goffman trabalha com a interação face a face e, apesar de não ter sido estabelecida a priori uma diferenciação da apresentação de si em ambientes online e offline, entende-se que os mesmos possuem diferenças – entre elas, a mais evidente, seria a ausência da presença e do contexto físicos da interação. Apesar disso, essas diferenças não deslegitimam aquilo que apresentamos em contextos online, sendo os mesmos tão importantes para nossa construção identitária quanto aquilo que apresentamos em contextos offline. Vivenciamos contextos híbridos de interação (SOUZA E SILVA, 2006), no qual as esferas digitais e físicas se integram, trazendo diferentes contextos para um mesmo campo de experimentação. Mesmo assim, a aplicação dos estudos de Goffman a ambientes digitais de interação não deve ser realizada arbitrariamente. Conforme aponta Fernanda Carrera, a apresentação em contextos online faz emergir novas formas de expressão, que também se configuram a partir da resposta ao estímulo da interação social e da percepção que o outro faz da apresentação emitida. Há sempre um compartilhamento entre aquilo que se emite e a resposta que de fato se consegue imprimir no outro.

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narrativas. Segundo o autor, na alta modernidade, a identidade é construída continuamente como um processo que sempre se renova, já que as narrativas pretendem se manter coerentes e, assim, são expostas a constantes revisões. No Tinder, por exemplo, ao se analisar a eficiência que seu próprio perfil possui em relação à obtenção de likes, os usuários expõem o próprio perfil a revisões na expectativa de melhorar a experiência no programa – assunto que já foi tema de trabalhos anteriores sobre o Tinder (WARD, 2016) e que será explorado no segundo capítulo desta dissertação.

Outro fator fundamental nesse percurso é a possibilidade de escolha de estilos de vida, que podem ser definidos como “um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular da auto-identidade” (GIDDENS, 2002, p. 79). Quais roupas vestir, que lugares frequentar com os amigos, quais livros comprar ou quais músicas ouvir, enfim, todos os hábitos cotidianos podem servir para estabelecer um estilo de vida próprio e construir, dessa forma, o projeto da identidade. Os estilos de vida, portanto, são escolhas diárias em uma série de possíveis escolhas, e podem ser particularmente importantes em ambientes digitais de interação por representarem as pistas sociais às quais Baym (2010) faz menção – e isso pode ainda ser explorado de diversas maneiras ao pensarmos no Tinder, como, por exemplo, a possibilidade de se filiar aos interesses que possui e às músicas que consome ao aplicativo.

Ainda no contexto dos estilos de vida e do projeto reflexivo, Giddens (2002) chama de relação pura aquela escolhida dentre tantas outras possibilidades e que é cultivada pela satisfação emocional que proporciona, sem a influência direta de fatores externos como família ou religião. Ou seja, tais relações são mantidas pensando naquilo que podem promover para o prazer e a satisfação de nós mesmos, sendo sempre levadas a questionamentos. Inseridas no contexto da reflexividade da vida na alta modernidade, há um constante monitoramento de ambos para checar se a relação realmente faz sentido na narrativa identitária de cada um dos indivíduos envolvidos em tal relação.

Assim, os lugares que frequenta, as roupas que veste e o estilo de vida que leva não estão só ligados à sua narrativa, mas também às relações que se estabelecerão, de forma que as mesmas possam proporcionar satisfação pessoal. Esse ponto pode ser encontrado em diversos perfis de diferentes usuários, que compartilham não só seus estilos de vida em fotos e textos, mas também explicitam em sua descrição de perfil o que esperam do possível

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pretendente – às vezes, fazendo até mesmo uma lista com aquilo que o outro usuário deve ou não possuir para satisfazer a busca. Essa estratégia mostra a procura de tais usuários por relações puras que preencham satisfatoriamente suas expectativas e que sejam coerentes com sua trajetória.

O objetivo principal desta pesquisa é entender como são recebidas as performances de si na plataforma Tinder, relacionando, em parte, o conceito de gerenciamento da impressão (GOFFMAN, 2002) com a forma como se dá o processo de subjetivação na plataforma Tinder. Tal perspectiva será abordada a partir da maneira como o público feminino recebe as narrativas de autoapresentação dos homens heterossexuais, possibilitando assim a análise das concordâncias e rupturas que tais narrativas sofrem ao longo do processo. As principais questões que norteiam este trabalho são: como são recebidas as estratégias de autoapresentação utilizadas na plataforma?; como os usuários entendem e enxergam as noções de autenticidade e honestidade através das performances de si no programa?

Para responder tais questões e como metodologia escolhida para esse trabalho, será realizado um estudo de inspiração etnográfica, entendendo tais estudos como aqueles que não adotam a etnografia em si como metodologia, mas “que se utilizam de partes dos procedimentos etnográficos de pesquisa” e que podem “incorporar protocolos metodológicos e práticas de narrativa como histórias de vida, biografias ou documentos para compor a análise dos dados” (AMARAL, FRAGOSO E RECUERO, 2012, 168).

A princípio, foi realizada uma observação participante no aplicativo Tinder pelo período de quatro semanas, em outubro de 2017, por aproximadamente 20 minutos por dia e a partir do meu perfil pessoal do Facebook, vinculado ao programa. Na descrição do meu perfil, explicitei realizar uma pesquisa e não interagi diretamente pelo aplicativo com outros usuários nesse primeiro momento. Nos filtros disponibilizados pelo aplicativo, escolhi a opção entre 18 e 34 anos, adultos e jovens adultos, que corresponde ao grupo com maior número de usuários no programa (83%)9, além da opção de interesse em homens a um raio de distância de até 160 km (o que corresponde ainda ao Estado do Rio de Janeiro).

Acredita-se que a utilização do próprio perfil permite maior credibilidade e maior facilidade na hora de se construir laços e manter um processo comunicacional com outros indivíduos, principalmente em ambientes digitais de interação. Isso porque, em tais ambientes, na ausência da presença física, os indivíduos se pautam nas pistas sociais

9 Informação disponível em: http://www.techtudo.com.br/listas/noticia/2015/05/pesquisa-global-revela-cinco-coisas-sobre-os-usuarios-do-tinder-veja.html. Acessado em 18 de novembro de 2017.

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disponibilizadas por cada usuário, na tentativa de se tornar confiável tal relação. Como pontua Raquel Recuero:

no ciberespaço, pela ausência de informações que permeia a comunicação face a face, as pessoas são julgadas e percebidas por suas palavras. (…) É preciso, assim, colocar rostos, informações que gerem individualidade e empatia, na informação geralmente anônima do ciberespaço. (RECUERO, 2009, p. 27).

Em seguida, realizei entrevistas semiestruturadas com oito usuárias do programa. O processo de escolha de tais informantes se deu através do procedimento “bola de neve”: a partir da minha própria rede de contatos, recebi indicações de mulheres que utilizavam o Tinder e estariam dispostas a contribuir com a pesquisa. O critério de escolha de tais usuárias levou em consideração alguns dos filtros aplicados anteriormente na observação participante realizada na plataforma: mulheres entre 18 e 34 anos, residentes do Rio de Janeiro e que estivessem fazendo uso do aplicativo de forma recorrente em seu cotidiano. Ao final de cada entrevista, pedia a cada informante que indicasse uma nova pessoa para participar da pesquisa e, conforme as respostas foram se repetindo, se deu por encerrado o processo de seleção.

Entende-se que este é apenas um recorte entre os tantos possíveis e que ele possui limitações e particularidades: por iniciar os contatos a partir da minha lista, o perfil de mulheres foi se repetindo e as respostas se assimilando mais rapidamente. Por exemplo, muitas definiam sua posição política como de esquerda e, em muitas respostas, repetiam a preocupação em não se relacionar com homens com posturas mais conservadoras ou reacionárias, além de possuírem estratégias para evitar pessoas com pensamentos machistas ou sexistas, posição que se repetia na maioria das entrevistas realizadas. Além disso, também percebeu-se, ao longo das entrevistas, que a visão de mulheres a respeito dos perfis de homens, obviamente, não seria a mesma dos homens em relação às mulheres, esbarrando com certas particularidades e precauções que não necessariamente seriam encontradas no gênero masculino – como, por exemplo, a preocupação em não poder se defender fisicamente de alguma agressão sexual e, com isso, analisar os perfis a partir de tal preocupação. Apesar disso, entende-se que a escolha por uma perspectiva de inspiração etnográfica demanda exatamente uma pesquisa a partir de uma parcela e grupo social específicos, que ajudam a explicar e compreender fenômenos maiores, o que garante a validade e importância dos dados e respostas obtidas.

A abordagem utilizada nesta pesquisa – a observação da forma como as narrativas de autoapresentação são recebidas pelo público feminino – se justifica também pela minha

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própria posição enquanto pesquisadora e pela escolha metodológica para a realização do trabalho. Ao utilizar meu próprio perfil no programa, as opções que surgem de filtragem para mulheres são: escolher estar interessada por homens e/ou mulheres, de idade entre 18 a 55+ anos e localizados a uma distância de até 160 km. Vincular tal perspectiva com minha própria posição me ajuda a alcançar os significados simbólicos que as entrevistadas forneciam durante a entrevista, cruzando minhas próprias experiências com as das usuárias. Assim, foi também de fundamental importância a imersão na plataforma e a etapa de observação participante, que permitem maior familiaridade e reconhecimento com o tema. Ao realizar a observação participante através de meu próprio perfil e entrevistar outras mulheres usuárias do Tinder, há a possibilidade de relacionar os dados colhidos em ambas as etapas de forma mais coesa e dentro dos limites metodológicos.

Além disso, ao realizar um levantamento bibliográfico de trabalhos já realizados acerca do Tinder, percebeu-se já haver pesquisas que relacionam o conceito de Goffman à forma como os perfis do programa são elaborados, porém estes trabalhos foram realizados por pesquisadores estrangeiros (as pesquisas já realizadas sobre o Tinder no Brasil, até o momento, adotam outras perspectivas teóricas) e abordam apenas a forma como cada usuário pensa e constrói seu próprio perfil, sem levar em conta o lado que será exatamente explorado nesta dissertação: como as narrativas de tais perfis são recebidas pelo seu público. Assim, este trabalho se justifica por apresentar tal abordagem e pretende contribuir com mais uma visão acerca do assunto, de forma a acrescentar ao debate novos olhares e novos dados empíricos que possibilitem ajudar no estudo das dinâmicas e estratégicas de autoapresentação e performances de si em ambientes digitais.

A pesquisa se estrutura da seguinte forma: o primeiro capítulo é dedicado à discussão teórica sobre visões acerca da identidade na pós-modernidade e nas plataformas digitais de interação. Serão abordados inicialmente alguns aspectos importantes sobre o conceito de pós-modernidade e o que o mesmo implica para a noção de identidade. Em seguida, serão discutidos os conceitos de “reflexividade institucionalizada” (GIDDENS, 2002), incluído neste ponto o projeto reflexivo do eu, além das noções de estilos de vida e de relações puras. Também serão debatidos aspectos da cultura do consumo e como ela influencia no processo de subjetivação. Escolheu-se tal caminho teórico por entender que a pós-modernidade tem papel importante na forma como a identidade vem sendo entendida. Os autores e as teorias utilizadas já foram abordados e relacionados anteriormente e esta dissertação faz esse

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panorama teórico a fim de enquadrá-la em estudos da mesma natureza.

Ainda no primeiro capítulo, algumas questões sobre o processo de construção identitária nas plataformas digitais serão levantados, levando em conta algumas características específicas e relativas às dinâmicas identitárias nas expressões virtuais. Em seguida, trabalha-se a obra de Goffman e o conceito de gerenciamento da impressão, trabalha-seguindo a discussão com a abordagem das especificidades do Tinder e dos trabalhos já realizados acerca do aplicativo, incluindo aqueles que relacionam o conceito de Goffman com o programa. A proposta é realizar um levantando das pesquisas já realizadas e relacioná-las com aquilo que se pretende discutir e acrescentar nesta pesquisa.

Já no segundo capítulo, serão apresentadas as metodologias empregadas e os dados colhidos durante a observação participante, relacionando tais dados aos conceitos trazidos durante o primeiro capítulo desta dissertação. Ainda neste capítulo, serão apresentadas as usuárias entrevistadas, a forma como se deu o recrutamento das mesmas – discutindo, nesse ponto, a técnica da bola de neve como metodologia importante para estudos sobre a temática – e algumas particularidades encontradas em campo, como a questão do recorte de gênero escolhido e ainda questões políticas e ideológicas que atravessavam o escopo de usuárias entrevistadas.

O terceiro capítulo abordará os conceitos de performance e de gerenciamento da impressão, relacionando tais conceitos aos dados obtidos durante as entrevistas realizadas e a observação participante no aplicativo. Neste capítulo, serão apresentados os dados colhidos durante as entrevistas, analisando primeiro como são recebidas as fotos e, em seguida, as descrições de perfil. O terceiro capítulo se propõe ainda à análise dos conceitos de polimídia, colapso de contextos e audiência imaginada, formulações que também se ligam ao conceito chave desta dissertação, o gerenciamento da impressão, e que também serão trabalhadas a partir dos dados colhidos em campo.

Com base na pesquisa empírica, percebeu-se algumas questões importantes na performance de si no Tinder: 1) a preocupação com a autenticidade, tanto no sentido de uma originalidade na criação do perfil, quanto em relação à honestidade das informações ali expostas (tal cenário influencia a construção de uma narrativa de si feita no limiar entre uma auto-promoção e um perfil autêntico); 2) a busca a partir de estereótipos, em um contexto onde são poucas as pistas sociais que permitem avaliar o outro no momento da interação; 3) a apresentação de si a partir do gerenciamento da impressão que se deseja transmitir, trazendo a

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percepção de que o self ali exposto será ou não confirmado em um segundo momento, e trazendo ainda a busca por vestígios e rupturas de tais apresentações em outros contextos

online, como outros sites e aplicativos de redes sociais.

Escolheu-se o aplicativo para relacionamentos Tinder por seu caráter particular no que diz respeito à sua funcionalidade e ao contexto que vivenciamos atualmente de grande ascensão de mídias móveis para a comunicação e relação pessoal. Entende-se que nossa

persona online está estritamente ligada àquilo que somos no offline, mas que, ao mesmo

tempo, plataformas digitais de interação oferecem possibilidades distintas e próprias de expressão. O aplicativo possui um espaço pequeno para a exposição da própria identidade e uma dinâmica que faz com que seus usuários busquem alguns artifícios a mais para se destacar entre os tantos outros inscritos na plataforma, realçando assim aspectos como o gerenciamento da impressão, a própria performance e a ideia de uma audiência imaginada. Assim, a partir dessas inquietações, propõe-se neste estudo alguns caminhos possíveis de entendimento da subjetividade – e do processo de subjetivação – nas mídias digitais.

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CAPÍTULO 1: ESTRATÉGIAS IDENTITÁRIAS E GERENCIAMENTO DA IMPRESSÃO NOS AMBIENTES DIGITAIS

1.1 – Questões acerca da identidade na pós-modernidade

Um dos principais parâmetros no que concerne ao entendimento da identidade, a partir da modernidade, diz respeito a uma crescente desvinculação de instituições tradicionais, como família e religião, que permitiu maior – porém não total – liberdade em se construir uma narrativa de si mesmo (HALL, 2006; GIDDENS, 2002). Mesmo que forças tradicionais ainda exerçam sua influência em quem somos, há a possibilidade de maior autonomia frente a essas forças e, de acordo com Ana Enne,

o indivíduo, embora não sem percalços e obviamente com diversas instâncias atravessadoras (só para citar algumas, classe, gênero, contexto local e histórico etc.), passa a se perceber, cada vez mais, autorizado a se constituir como sujeito, por meio de projetos de representação de si, nos quais sua margem de escolha é dada pela maior flexibilização das relações sociais. (ENNE, 2006, p. 21-22)

O individualismo surge com muita mais força na modernidade, através da ideia de que “cada pessoa tem um caráter único e potencialidades sociais que podem ou não se realizar” (GIDDENS, 2002, p. 74), ideia que não tinha tanta ênfase em regimes pré-modernos, nos quais o status social era mais fixo e o papel do indivíduo na construção da própria identidade mais direcionado pelos moldes da tradição. Hall acrescenta que a noção estabelecida de individualismo surge a partir de correntes como o Humanismo Renascentista do século XVI e do Iluminismo do século XVIII, conforme apontado abaixo.

As transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que essas eram divinamente estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto, a mudanças fundamentais. O status, a classificação e a posição de uma pessoa na “grande cadeia do ser” - a ordem secular e divina das coisas – predominavam sobre qualquer sentimento de que a pessoa fosse um indivíduo soberano. (HALL, 2006, p. 25)

Giddens atenta para o quanto a alta modernidade10 provoca a ascensão da organização como modus operandi de toda a estrutura cotidiana. Há um “controle regular das relações

10 Para Giddens, a alta modernidade é um segundo momento da modernidade em si, mais atual, no qual há a proeminência da reflexividade na estrutura cotidiana – as estratégias identitárias estão cada vez mais inseridas no processo de constante revisão e na ideia de maior liberdade e autonomia para a sua construção.

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sociais dentro de distâncias espaciais e temporais indeterminadas” (GIDDENS, 2002, p. 22), que funciona a partir da criação de sistemas cada vez mais abstratos e opacos para os sujeitos. Esses sistemas abstratos, como a marcação do tempo e o sistema monetário baseado no dinheiro, por sua vez, se tornam cada vez mais globais; a partir da modernidade, instituições e modos de comportamento são estabelecidos pela primeira vez em toda a Europa no período pós-feudalismo, instituições essas que se tornam globais a partir do século XX. Esse contexto leva a um dinamismo no fluxo de vida, principalmente nos ambientes urbanos, nos quais as mudanças tomam muito menos tempo para se consolidarem e, de fato, modificarem a vida social.

Simmel, ao abordar a consolidação de um sistema moderno de vida, também atenta para o que caracteriza como uma hiperestimulação nas grandes metrópoles. De acordo com o autor, o ritmo da vida e das mudanças se torna tão intenso que os indivíduos desenvolvem um mecanismo de proteção frente a esse dinamismo, chamado de “atitude blasé” (SIMMEL, 1973, p. 16). A atitude blasé confere ao indivíduo uma apatia dos sentidos e uma espécie de escudo ao lidar com os diversos estímulos e mudanças nas práticas sociais. Essa forma de lidar com a realidade concede ao indivíduo uma ainda maior liberdade pessoal, no sentido de estar inserido na cadeia organizacional e passar, de certa forma, desapercebido nas multidões dos ambientes urbanos. O dinamismo também oferece aos indivíduos respostas já prontas para se encaixar na estrutura do mundo moderno e configurar sua própria identidade:

Por um lado, a vida se torna infinitamente fácil para a personalidade na medida em que os estímulos, interesses, empregos de tempo e consciência lhe são oferecidos de todos os lados. Eles conduzem a pessoa como se em uma corrente e mal é preciso nadar por si mesma. Por outro lado, entretanto, a vida é composta mais e mais desses conteúdos e oferecimentos que tendem a desalojar as genuínas colorações e as características de incomparabilidade pessoais. Isso resulta em que o indivíduo apele para o extremo no que se refere à exclusividade e particularização, para preservar sua essência mais pessoal. (SIMMEL, 1973, p. 24)

Apesar de estar inserido em um contexto histórico distinto ao atual, é interessante notar que, na visão de Simmel, ao mesmo tempo em que interessa ao sujeito moderno se inserir na lógica urbana e configurar sua identidade a partir das respostas já prontas, esse mesmo sujeito se vê cada vez mais em busca da autenticidade e da exclusividade, algo que ainda hoje se faz presente no que se refere à auto-identidade. A auto-identidade é vista como uma narrativa explicitada e o indivíduo passa a denotar o esforço de manter a trajetória do eu coerente.

Tal esforço também é abordado na visão acerca da identidade na pós-modernidade. Antes de entendermos tal visão, vale referenciar alguns aspectos que Gumbrecht (2010) traz

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como essenciais do período pós-moderno. O autor enumera três conceitos-chave para se entender a condição pós-moderna. Seriam eles: (1) a destemporalização, entendida como uma diferenciação na ideia temporal (na modernidade, o “tempo confunde-se com a matéria que flui de um passado, sempre distinto do presente, a um futuro, entendido como aberto” (GUMBRECHT, 2010, p. 391), diferente da pós-modernidade, onde vive-se a sensação de um presente estendido, no qual o futuro aparece bloqueado e ameaçador, e o passado invade o presente a partir de técnicas de reprodução artificial); (2) a destotalização, ou seja, a “atual impossibilidade de sustentar afirmações filosóficas ou conceituais de caráter universal” (GUMBRECHT, 1998; p. 391); (3) e, por fim, a desreferencialização ou desnaturalização, entendida como a perda do contato direto com a matéria, o que produz uma “sensação de enfraquecimento do contato com o mundo externo” (Ibid., p. 391) e o entendimento de que as representações não contam tão seguramente mais com um referencial.

Há também uma mudança na noção de espaço, para Gumbrecht, que está ligada à questão da experiência e ação. Com a mediação das ações, principalmente através dos novos dispositivos eletrônicos, há uma “desassociação entre a posição do corpo de um experimentador/agente – em dado momento – e as zonas acessíveis a sua experiência/ação” (Ibid., p. 286). Dessa forma, na visão do autor, tais zonas de experiência permitiriam a desvinculação da noção de espaço da noção de tempo.

Nesse contexto, Hall (2006) traz a ideia de “crise da identidade”, que diz respeito, para o autor, à forma como a identidade perde sua percepção de algo fixo e permanente e passa a ser “descentrada”. Alguns marcos que fizeram emergir a ideia de descentração ou fragmentação do sujeito, de acordo com Hall, foram: a redescoberta do pensamento marxista em uma visão que tirava o sujeito individual do centro da formação histórica, afinal, os “homens fazem a história, mas apenas sob as condições que lhe são dadas” (MARX apud HALL, 2006, p. 34); a segunda descentração vem do pensamento freudiano sobre o inconsciente, que enxerga a formação identitária em parte a partir de nossa psique e de processos muito diferentes dos da Razão, arrasando “o conceito do sujeito cognoscente e racional provido de uma identidade fixa e unificada” (HALL, 2006, p. 36); outro ponto que leva à descentração do sujeito diz respeito aos estudos de Saussure na linguística que vê a linguagem como algo vivo e em constante revisão, contrastando também com a ideia de rigidez sobre os processos simbólicos e constituintes de nossa própria identidade; o quarto marco vem da obra de Foucault sobre a genealogia do homem moderno e a influência de

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dispositivos de poder na formação do indivíduo, que faz com que “quanto mais coletiva e organizada a natureza das instituições da modernidade tardia, maior o isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito individual” (Ibid., p. 43); por fim, Hall acrescenta o impacto do feminismo dentro do contexto dos “novos movimentos sociais” (Ibid., p. 44), que faz imergir o nascimento da política de identidade, ou seja, uma identidade para cada movimento social que o indivíduo integra. Todo esse cenário faz nascer uma ideia de mobilidade no que diz respeito à construção identitária. Nas palavras de Hall:

Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração” móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 1987). É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. (HALL, 2006, p. 13)

Apesar dessa visão, o próprio autor acrescenta que há um esforço por parte do indivíduo em manter uma narrativa do eu coerente, processo que produz a sensação de uma identidade contínua e centrada. Mesmo que haja discordância desse ponto de vista por parte de outros autores, é importante ressaltar no pensamento de Hall a ideia de que a identidade é interpelada a todo momento pelos sistemas culturais que a rodeiam, principalmente em um contexto de sociedades globalizadas, industrializadas e instáveis no que diz respeito às mudanças e modos de vida. Hall, citando Marx, acrescenta que o ritmo de vida moderno tende a manter um eterno movimento e “permanente revolucionar da produção”, onde “tudo que é sólido se desmancha no ar” (MARX e ENGELS apud HALL, 2006, p. 14). Essa visão parece estar algo de acordo com a ideia de um indivíduo inserido em metrópoles urbanizadas, em meio ao anonimato da multidão, capaz de construir sua própria identidade a partir dos diferentes e sempre numerosos estímulos que o rodeiam.

Essa ideia de mudança constante parece se encaixar também na definição de modernidade líquida proposta por Bauman (2007). Em uma sociedade “líquido-moderna”, as condições mudam rapidamente antes de serem consolidadas; portanto, a vida nesse aspecto não deve nunca ficar parada e deve se modernizar em uma série de reinícios. Segundo o autor: “líquido-moderna é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir” (Ibid., p. 7). Portanto, diferente de modelos tradicionais de sociedade, o indivíduo passa a encarar uma instabilização e uma falta de referenciais nos

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quais se apoiar.

Giddens (2002) também atenta para o dinamismo no modo de vida moderno, conforme discorrido anteriormente, o que leva ao que o autor caracteriza como reflexividade institucional, ou seja, o uso regularizado do conhecimento sob as circunstâncias da vida social se torna elemento constitutivo de sua organização e transformação. A alta modernidade seria dessa forma “uma ordem pós-tradicional em que a pergunta “como devo viver?” tem tanto que ser respondida em decisões cotidianas (…) quanto ser interpretada no desdobrar temporal da auto-identidade” (GIDDENS, 2002, p. 20-21). O projeto reflexivo do eu consiste em manter narrativas biográficas coerentes, continuamente revisadas, no contexto de múltiplas escolhas filtradas pelos sistemas abstratos.

Vale ressaltar, a partir da obra dos diferentes autores trazidos anteriormente, a ideia de um eu sempre inacabado, visão compartilhada também nessa dissertação. O processo de subjetivação é visto como incompleto e, afinal, como um processo, sempre em formação. Conforme nos mostra Hall:

Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. (HALL, 2006, p. 39, grifo do autor)

Além disso, Giddens caracteriza a alta modernidade também como uma “sociedade de risco”; nega-se o destino, o caráter puramente predeterminado das ações, e se assume uma postura calculista frente às possibilidades de ação. Essa postura procura prever a todo momento os riscos que possam surgir a cada decisão reflexivamente tomada. Isso faz com que o decorrer da vida moderna seja uma contínua escolha entre mundos possíveis. A avaliação dos riscos na modernidade está ligada a uma especialização generalizada que torna os sistemas abstratos muitas vezes opacos, ponto também abordado anteriormente. Na pré-modernidade, o conhecimento era muito mais local e acessível e, na maior parte do tempo, os indivíduos não dependiam de sistemas abstratos para seguir com sua vida. Já o conhecimento especializado não cria “arena indutivas estáveis” (GIDDENS, 2002, p. 36), pois a razão é sempre posta a prova:

A modernidade, pode-se dizer, rompe o referencial protetor da pequena comunidade e da tradição, substituindo-as por organizações muito maiores e impessoais. O indivíduo se sente privado e só num mundo em que lhe falta apoio psicológico e o sentido de segurança oferecidos em ambientes mais tradicionais. (GIDDENS, 2002, p. 38)

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Além da invasão de sistemas globais no contexto local, Rolnik (1997) também acrescenta o surgimento de novas tecnologias, principalmente as eletrônicas, como fator transformador do processo de subjetivação. A mediação da experiência gerada por tais tecnologias, associada ao surgimento de identidades globalizadas flexíveis, pulveriza as identidades estáveis localmente estabelecidas e as coloca em um constante regime de falta. Os novos modelos de identidades globalizadas mudariam, na visão da autora, velozmente ao sabor do mercado – é sempre a novidade que importa – e se tornam instáveis. Ao mesmo tempo, de acordo com a autora, as subjetividades tendem a resistir a essa desestabilização e buscam uma representação de si dada a priori, o que podemos relacionar com a busca pela autenticidade, em ser verdadeiro consigo mesmo. Conforme aponta Rolnik:

É a desestabilização exacerbada de um lado e, de outro, a persistência da referência identitária, acenando com o perigo de se virar um nada, caso não se consiga produzir o perfil requerido para gravitar em alguma órbita do mercado. A combinação desses dois fatores faz com que os vazios de sentido sejam insuportáveis. (ROLNIK, 1997, p. 2)

Rolnik conclui que esse vazio insustentável é preenchido por uma série de subterfúgios, entre eles, aqueles oferecidos pela mídia, incluindo a televisão, o cinema e a propaganda. Identidades prêt-à-porter são consumidas por aqueles que buscam uma resposta

para o seu processo de subjetivação e podem ser adquiridas através da mediação da experiência característica da modernidade.

Para encerrar, após toda essa discussão teórica acerca das visões sobre identidade na modernidade e pós-modernidade, cabe ressaltar alguns aspectos considerados fundamentais nesta dissertação. O primeiro deles diz respeito a essa maior liberdade que o indivíduo passa a possuir, a partir da modernidade, para se construir a própria identidade. De certa forma mais livre de instituições tradicionais, o indivíduo busca, em outras instâncias, referenciais simbólicos para a construção identitária, sendo uma delas o consumo, conforme veremos no tópico a seguir. Outro ponto importante é a maior desestabilização que o indivíduo passa a sofrer no que diz respeito ao modo de vida moderno, com mudanças até mesmo nos sentidos de espaço e tempo. Isso leva a uma sensação maior da fragmentação do sujeito em diferentes identidades e a um esforço cada vez mais árduo em se manter uma narrativa identitária coerente, fixa e constantemente revisada.

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Para continuar a discussão sobre construção identitária na pós-modernidade, cabe discorrer sobre a influência do consumo no processo de subjetivação. Para Campbell (2006), a partir da modernidade, o consumo passa a ser uma atividade central ligada às questões de ser e saber e atingindo um caráter metafísico. O autor enfatiza o quanto a emoção e o desejo ocupam um caráter decisivo no consumismo moderno, que se constitui não só pela satisfação de necessidades11. Dessa maneira, o consumo passa a possuir uma “ênfase colocada no direito dos indivíduos de decidirem, por si mesmos, que produtos e serviços consumir” (CAMPBELL, 2006, p. 49).

Slater chama de cultura do consumo a forma como a sociedade, a partir principalmente da modernidade, vive em “um acordo social onde a relação entre a cultura vivida e os recursos sociais, entre modos de vida significativos e os recursos materiais e simbólicos dos quais dependem, são mediados pelo mercado” (SLATER, 2002, p. 17). Ainda de acordo com o autor, diferente de sociedades tradicionais, “a noção de cultura do consumo implica que, no mundo moderno, as práticas sociais e os valores culturais, ideias, aspirações e identidades básicos são definidos e orientados em relação ao consumo” (Ibid., p. 32).

O autor aponta algumas linhas gerais que definem a cultura do consumo: 1) o consumo atinge um caráter cultural, pois a atividade de consumo torna-se ela mesma o foco crucial da vida social, além disso, uma cultura de massa passa a reduzir todo tipo de cultura a consumo; 2) “o consumo moderno é mediado pelas relações de mercado e assume a forma do consumo de mercadorias” (SLATER, 2002, p. 33); 3) a cultura do consumo não impõe restrição sobre quem ou o que pode ser consumido, tornando-se impessoal e universal; 4) a liberdade, o individualismo e a escolha no âmbito da vida privada são essenciais no consumo moderno, fato que se liga à ideia de soberania do consumidor; 5) o consumo é visto como ilimitado e insaciável, pois a “necessidade ilimitada – o desejo constante de mais e a produção constante de mais desejos – é comumente considerada não apenas normal para seus membros, mas essencial” (Ibid., p. 36), processo que envolve a participação fundamental da mídia e da propaganda; 6) o consumo passa a ser um instrumento privilegiado na hora da construção e

11 Caclini ressalta que a concepção naturalista das necessidades deve ser descartada ao se pensar o consumo, pois o que “chamamos de necessidades – mesmo aquelas de maior base biológica – surgem em suas diversas apresentações culturais como resultado da interiorização de determinações da sociedade e da elaboração psicossocial dos desejos” (CANCLINI, 1992, p. 2, tradução nossa). Assim, aquilo que se considera necessário hoje, em determinada sociedade, pode não o ser em outro momento histórico ou cultural. Da mesma forma, Canclini também é a favor de se questionar a ideia instrumentalista dos bens. Mais do que apenas por seu valor de uso, bens são consumidos pelos seus valores simbólicos, construídos socialmente e que condicionam sua existência e circulação. Dessa maneira, o ator define consumo como “o conjunto de processos socioculturais nos quais se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (Ibid., p. 3).

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negociação da identidade e do status social, em sociedades pós-tradicionais; 7) por fim, há uma maior ênfase na estetização e na aparência, importantes também para a manutenção e exercício de poder.

O consumo, portanto, é uma força tentacular (LIPOVETSKY, 2007, p. 15) que se insere em diversos campos da vida do indivíduo. Para Lipovetsky (Ibid., p. 14), estaríamos vivenciando uma sociedade de hiperconsumo: já ultrapassado o capitalismo de consumo de massa, em uma fase pós-fordista, os limites de tempo e espaço se desvanecem e o consumo passa a uma esfera contínua, infiltrando-se em diversas faces da vida e da cultura. Os modos de vida, prazeres e gostos mostram-se cada vez mais sob a dependência do sistema mercantil – a própria felicidade seria vendida e mercantilizada, de acordo com o autor, através da busca pelo hedonismo a partir do consumo.

Essa terceira fase do capitalismo que Lipovetsky chama de hiperconsumidora é “orquestrada por uma lógica desinstitucionalizada, subjetiva e emocional” (Ibid., p. 41), na qual o consumo atinge um caráter extremamente individualista e subjetivo. Em termos de construção da própria identidade, o consumo não segue mais somente uma lógica de diferenciação (consumir tal produto para obter distinção social), mas sim uma lógica de satisfação, ou seja, consumir para si mesmo no sentido de buscar a própria felicidade e o auto-conhecimento através do consumo. O autor acrescenta que a lógica de distinção social ainda está presente e é fator importante para a construção da própria identidade através do consumo, mas busca-se agora o consumo também em razão dos “benefícios subjetivos, funcionais e emocionais que proporcionam” (Ibid., p. 44), sempre a partir das novidades que o mercado traz a todo momento. Não se vende mais simplesmente um produto, mas um estilo de vida (ponto que será abordado em detalhes mais a frente).

Sobre a lógica da distinção social, Canclini (1992) acrescenta que, em sociedades que se pretendem democráticas e que enxergam seus indivíduos iguais, o consumo passa a ser uma área central para a comunicação das diferenças sociais. Porém, mais do que o objeto que se possui, a distinção se baseia na forma em que se utiliza os bens consumidos, gerando distinções simbólicas baseadas em gostos. Dessa forma, o consumo não funciona apenas como lugar de diferenciação, mas também como sistema de integração e comunicação, no sentido de que sempre haverá o compartilhamento de significados simbólicos para os bens consumidos.

Através das formas que nos vestimos (diferentes em casa, no trabalho, nas atividades físicas ou nas cerimônias) nos apresentamos aos demais, somos identificados e

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reconhecidos, comunicamos informações sobre nós mesmos e sobre as relações que esperamos estabelecer com os outros. (CANCLINI, 1992, p. 5, tradução nossa) Lipovetsky (2007) conclui que o consumo passa a ocupar o referencial identitário que antes, em regimes tradicionais, era ocupado por instituições como a família ou a religião. O consumo ocuparia, dessa forma, um papel central no que diz respeito ao que somos e àquilo que buscamos nos tornar. De acordo com o autor:

Revelo, ao menos parcialmente, quem eu sou, como indivíduo singular, pelo que compro, pelos objetos que povoam meu universo pessoal e familiar, pelos signos que combino “à minha maneira”. Numa época em que as tradições, a religião, a política são menos produtoras de identidade central, o consumo encarrega-se cada vez melhor de uma nova função identitária. Na corrida às coisas e aos lazeres, o Homus consumericus esforça-se mais ou menos conscientemente em dar uma resposta tangível, ainda que superficial, à eterna pergunta: quem sou eu? (LIPOVETSKY, 2007, p. 44-45)

Slater acrescenta que a “pluralização de modos de vida” (SLATER, 2002, p. 86) gerada a partir da cultura de consumo agrava a crise de identidade na modernidade, discorrida anteriormente e que diz respeito à fragmentação ou descentração do sujeito. O indivíduo, de acordo com o autor, precisa negociar entre as diferentes e contraditórias identidades que surgem à medida que se percorre as distintas esferas públicas e privadas, que, por sua vez, possuem cada uma delas demandas próprias de ser e estar no mundo. O consumo se liga a esse contexto a partir da constante oferta de soluções.

O consumismo explora simultaneamente a crise de identidade em massa ao declarar que seus bens são soluções para os problemas de identidade e, nesse processo, intensifica a crise, oferecendo valores e formas de ser cada vez mais plurais. A cultura do consumo vive e alimenta-se das deficiências culturais da modernidade. (SLATER, 2002, p. 88)

Campbell vai em direção oposta a essa visão: para o autor, o consumo seria exatamente a solução para a crise identitária, pois é através dele que os indivíduos resolveriam o dilema de uma identidade fragmentada. O autor questiona também a própria noção de um sujeito pós-moderno que não possui um conceito fixo e único do próprio self, podendo, assim, mudar de identidade a cada nova oferta de produtos, de uma “maneira fácil e casual com que trocam de roupa” (CAMPBELL, 2006, p.50). Campbell argumenta que o self não muda a cada nova mudança de consumo, mas se mantém, atendendo aos desejos e emoções de cada indivíduo. O consumo apareceria, portanto, como uma resposta para a angústia existencial que atravessa a sociedade.

O primeiro ponto crucial a ser apreciado é que se as pessoas na verdade mudam seu padrão de gostos ou preferências, isso não representa uma mudança na maneira pela qual a identidade é reconhecida ou concebida. Trata-se ainda do self sendo definido pelo desejo, ou de nosso perfil sendo traçado por nossas preferências. (CAMPBELL, 2006, p. 56, grifo do autor)

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Campbell enxerga o consumo como uma forma de descoberta de quem somos e do que definimos como nossos gostos e preferências, o que ressaltaria nossa própria autenticidade e nosso caráter peculiar perante os outros. O autor evoca o slogan “compro, logo existo” no seu sentido literal, pois a atividade do consumo poderia confortar o indivíduo, no sentido de uma exploração do self e “por nos fazer saber que somos seres humanos autênticos” (CAMPBELL, 2006, p. 56).

Apesar de visões contraditórias, o que se pretende ressaltar nessa dissertação é o caráter fundamental que o consumo adquire na construção identitária, a partir de uma perspectiva de múltiplas ofertas e escolhas. O que todas essas visões acerca do consumo parecem ter em comum é o papel central que o indivíduo ocupa na configuração de seus próprios gostos, na forma como consome e como se utiliza daqueles bens simbólicos adquiridos.

Giddens (2002) aponta que, a partir da alta modernidade, não há escolha a não ser escolher, já que, com o caráter reflexivo da sociedade, nenhuma opção de identidade é atribuída indiscutivelmente. Com essa complexa variedade de escolhas, há uma primazia do que o autor chama de estilos de vida. A noção de estilo de vida está ligada ao consumo, mas não no sentido apenas do consumismo de bens materiais, e pode ser interpretada como a rotina e o modo de vida adotado pelo indivíduo no seu cotidiano, que representa “um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular da auto-identidade” (Ibid., p. 79). Mesmo que rotinizados, os estilos de vida dizem respeito às pequenas escolhas que o indivíduo faz todos os dias e que podem variar conforme sua narrativa vai se constituindo e, também, se modificando.

Campbell, dialogando com a ideia de estilos de vida e consumo, analisa classificados pessoais em jornais e revistas. Nesses classificados, indivíduos buscam, normalmente, novos relacionamentos amorosos e possuem poucas linhas para se descrever e se apresentar, sendo obrigados a se definir em poucos caracteres e escolher aquilo que mais estaria de acordo com seu “verdadeiro eu”. O que o autor nota é que a maior parte dos anúncios corresponde à descrição dos gostos e hábitos pessoais ligados ao consumo de diversos tipos de produtos (alimentos, música, locais etc). Assim, as poucas linhas de tais classificados são usadas para descrever, afinal, seu estilo de vida. Campbell chega à seguinte conclusão:

O que considero bastante interessante nesses anúncios é que os indivíduos se autodefinem – isto é, especificam o que consideram sua identidade essencial – quase

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