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O Estado e o movimento comunitário por creche em São Gonçalo (RJ)

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

TAHÍS MOREIRA PASSOS

O ESTADO E O MOVIMENTO COMUNITÁRIO POR CRECHE EM SÃO GONÇALO (RJ)

Niterói 2018

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2 TAHÍS MOREIRA PASSOS

O ESTADO E O MOVIMENTO COMUNITÁRIO POR CRECHE EM SÃO GONÇALO (RJ)

Projeto de pesquisa de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense (UFF), no Campo de Confluência: Linguagem, Cultura e Processos Formativos, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Educação.

Orientadora: Professora Doutora Zoia Prestes

Niterói 2018

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4 TAHÍS MOREIRA PASSOS

O ESTADO E O MOVIMENTO COMUNITÁRIO POR CRECHE EM SÃO GONÇALO (RJ)

Projeto de pesquisa de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense (UFF), no Campo de Confluência: Linguagem, Cultura e Processos Formativos, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Educação.

Aprovada em ____/ ___/ _____.

________________________________________________ Profª. Drª. Zoia Ribeiro Prestes – UFF

(Orientadora)

________________________________________________ Profa. Dra. Maria Tereza Goudard Tavares – UERJ

(examinadora externa)

________________________________________________ Prof. Dr. Jader Janer Moreira Lopes – UFF

(examinador interno)

Niterói 2018

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AGRADECIMENTOS

A meu Deus por me acompanhar dando-me força para prosseguir e vencer.

À minha mãe, Luzinete, que sempre confiou em mim e me deu força para fazer tudo o que sempre desejei, e esteve ao meu lado me apoiando, me incentivando e me estendendo a mão para seguir em frente e também por servir de exemplo de esforço, superação e perseverança.

Ao meu companheiro, Marlos Eduardo, por ser compreensivo e incentivador.

Ao meu filho, Marluz Henry, que me incentiva e me encoraja a vencer as dificuldades da vida.

À minha família, em especial ao meu pai, Saulo, pela confiança e o carinho, e a meus irmãos, Tahina e Saulo Jr., que sempre confiaram e torceram por mim.

Aos amigos que sempre estiveram ao meu lado e me incentivaram a continuar: Rosangela Ângelo (descanse em paz), Michele G. da Silva, Fabiana Porfírio.

À minha orientadora, Zoia Prestes, por sua acolhida, por ter paciência e me ensinar a olhar e a sonhar alto.

À professora Tereza Tavares por ter contribuído de forma significativa na banca de qualificação.

Às instituições que me acolheram e me ajudaram em minha formação profissional: Centro Comunitário Amigos do Serpa; Centro de Assessoria ao Movimento Popular (CAMPO) que sempre esteve disposto a me ajudar e a me incentivar; Redes da Maré, em especial à equipe de monitoramento e avaliação; Obra Comunitária São Francisco pela acolhida; e SENAC-Rio pela contribuição de formação do meu ser profissional e pessoal.

Aos grupos de Pesquisa: Núcleo de Tradução, Estudos e Interpretação das obras dos representantes da Teoria Histórico-Cultural (NUTHIC), em especial a Larissa, Lucas Leni, Patrícia e Nina; e Núcleo Interdisciplinar de reflexão e memória Afrodescendente (Nirema), em especial aos amigos Lady Cristina, Fernando Pinheiro e Márcio Flávio, pelo apoio e incentivo.

Aos professores, funcionários e colegas de turma do Mestrado em Educação, da linha de pesquisa Linguagem, Cultura e Processos Formativos, por compartilharem seus conhecimentos.

À CAPES pelo apoio recebido com a concessão de bolsa de estudos ao longo de todo o percurso no mestrado.

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6 Um refúgio? Uma Barriga? Um abrigo onde se esconder Quando estiver se afogando na chuva, Ou sendo quebrado pelo frio, Ou sendo revirado pelo vento Temos um esplêndido passado pela frente, Para os navegantes com desejo de vento, A memória é um porto de partida

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RESUMO

Esta dissertação realizou um estudo sobre o processo de construção do movimento comunitário no município de São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro, que inaugurou um conjunto de aspectos da participação popular em diferentes espaços e com dinâmicas próprias de atuação na comunidade. O estudo está fundamentando teórico e metodologicamente no pensamento de Karl Marx, Friedrich Engels, Safira Ammann, Vladimir Lenin, Décio Saes, Martin Buber que dialogam com questões sociais apontadas na luta por direitos, iniciando com uma análise do contexto histórico em que se deu o nascimento do Estado e do Estado burguês brasileiro, assim como, refletem sobre a relação que se estabelece entre o Estado e os movimentos comunitários no Brasil. A dissertação empreende esforços para apresentar e analisar a atuação dos movimentos coletivos de contestação em São Gonçalo frente ao descaso do poder público em relação a crianças e adolescentes gonçalenses e tenta evidenciar a existência de recursos públicos que podem ser investidos nas ações dos movimentos que defendem o diálogo com o Estado na promoção de parcerias Estado - comunidade. O trabalho aborda também uma breve retrospectiva histórica da luta dos movimentos por conquistas de direitos, de políticas sociais e educacionais, buscando compreender o papel da rede comunitária de educação infantil no que se refere ao atendimento em creche e pré-escola e como a legislação trata das instituições comunitárias para o atendimento a crianças pequenas. Tais aspectos, tendo como locus a luta do movimento comunitário, possibilitaram caracterizar os esforços e lutas por direitos, desvelando as contradições existentes entre o Estado e a sociedade civil organizada.

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ABSTRACT

This research carried out a study about the construction process of the community movement in the county of São Gonçalo, in the State of Rio de Janeiro, which inaugurated a set of aspects of popular participation in different spaces with its own dynamics of action in the community. The work is a theoretical study based mainly on the ideas of Karl Marx, Friedrich Engels, Sapphira Ammann, Vladimir Lenin and Martin Buber who dialogue with social issues pointed out in the struggle for rights. Starting with an analysis of the historical context which lead to the birth of the State and the Brazilian bourgeois state, as well as reflects on the relationship established between the State and the community movements in Brazil. The dissertation makes efforts to present and analyze the actions of the collective protest movements in São Gonçalo in the face of the public power neglection in relation to children and adolescents of São Gonçalo and tries to evidence the existence of public resources that can be invested in the actions of the movements that defend the dialogue with the State in promoting State - community partnerships. The paper also addresses a brief historical retrospective of the struggle of the movements for rights, social and educational policies, and seeks to understand the role of the community network of early childhood education in relation to day care and pre-school and how the legislation treats Community institutions for the care of young children.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CAMPO Centro de Assessoria ao Movimento Popular

CBAR Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais CC Creche Comunitária

CF Constituição Federal do Brasil

CMDCA Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente CME Conselho Municipal de Educação

CMM Conselho Municipal da Mulher CONAE Conferência Nacional de Educação

CRAS Centros de Referência de Assistência Social EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação e de Valorização dos Profissionais de Educação

FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MIEIB Movimento Interfóruns da Educação Infantil do Brasil MROSC Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil MSC Movimentos Sociais Comunitários

NIREMA Núcleo Interdisciplinar de Reflexão Memória Afro Descendente NUTHIC Núcleo Teórico Histórico Cultural

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10 OS Organizações Sociais

OSCIP Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público PJ ProJovem Adolescente

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNE Plano Nacional de Educação

RNPI Rede Nacional Primeira Infância

SEMCI Secretaria Municipal de Controle Interno SEMED Secretaria Municipal de Educação

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia SUDECO Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste SUDESUL Superintendência do Desenvolvimento do Sul TAC Termo de Ajustamento de Conduta

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SUMÁRIO

I APRESENTAÇÃO ... 12

Breve Trajetória... ... 19

CAPÍTULO 1 O SURGIMENTO DO ESTADO ... 25

1.1A CLASSE POPULAR NO BRASIL ... 37

1.1.1Movimento Social Popular no Estado burguês do Brasil ... 43

1.1.2A relação do comunitário com o Estado: EU – TU ou EU – ISSO? ... 53

CAPÍTULO 2 A FORMAÇÃO DO MOVIMENTO COMUNITÁRIO NO BRASIL .. 62

2.1A Rede Comunitária ... 76

2.2Participação Social ... 81

CAPÍTULO 3 ENGAJAMENTO POLÍTICO COMUNITÁRIO ... 91

3.1Oferta de creches e pré-escolas na Creche Comunitária ... 92

3.2Convênios com creches e pré-escolas ... 97

3.3O protagonismo de instituições sociais frente à Participação Social ... 98

3.4A parceria público-privada ... 101

3.5Descrição do Processo de Conveniamento ... 108

3.6O chamamento público ... 109

3.7Das etapas do processo de conveniamento das creches e pré-escolas comunitárias em São Gonçalo em 2017 ... 115

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 124

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BREVE CONTEXTO

As questões propostas neste estudo têm como objetivo discutir a origem da formação do Estado brasileiro burguês e como, se constituem os movimentos sociais comunitários no Brasil. Sob essa perspectiva, parte do pressuposto de que a ação coletiva do movimento e da participação social no processo histórico-político no Brasil constituiu um movimento comunitário que, ao longo dos anos, se desenvolveu como um movimento de luta de classe.

Para essa discussão, no início do projeto de pesquisa, refletimos a cerca do por que no Brasil as iniciativas dos movimentos comunitários, principalmente em comunidades muito pobres e economicamente menos favorecidas, permanecem por décadas desenvolvendo suas ações, enquanto, e as iniciativas dos programas governamentais são temporárias.

Inicialmente, pretendia-se fazer um estudo das iniciativas sociais implementadas pelo poder público em parceria com a sociedade civil organizada. E, para tanto, foram escolhidos o Programa ProJovem (PJ) Adolescente de gestão pública e ações compartilhadas com a sociedade civil organizada. No entanto, com a interrupção de tal Programa, foi decidido concentrar os estudos apenas nas ações do movimento comunitário em São Gonçalo.

Por essa decisão, foram empreendidos esforços para a reflexão sobre a origem dos movimentos comunitários no Brasil e sua forma de atuação no campo do direito por políticas sociais e educacionais e como atualmente passaram a se configurar como instituições públicas não estatais, sem fins lucrativos. E também uma reflexão sobre sua relação com o Estado, e os impactos produzidos no cenário brasileiro por meio de suas intervenções.

Com essa reflexão inicial, considerou-se que as instituições comunitárias, por suas ações e influência, têm muito a contribuir com a presente pesquisa. De um lado, toda a atividade de tais instituições acaba por minimizar as diferenças sociais, por meio da educação, cultura e política e, de outro, por sua atuação há décadas, elas se aproximam do que Marx diz sobre organização de classe1.

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A teoria da historia da luta de classes de todas as sociedades que já existiram está no centro da compreensão marxista. Como mostrou MORGAN ao tratar da natureza verdadeira dos clãs e suas relações com a tribo. Com a dissolução das comunidades primitivas, a sociedade começa a ser distinguida por classes separadas e antagônicas. Para Marx e Engels, portanto, as classes emergem sobre uma base

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Para dar curso à pesquisa, foram assumidos os seguintes objetivos específicos: 1) realizar uma análise de obras que discutem o surgimento do Estado capitalista, seu desenvolvimento no Brasil e, com base em ideias de Martin Buber; 2) refletir a respeito de como se configura a relação entre Estado e o movimento comunitário no Brasil; 3) apresentar como se deu, na década de 1970, o marco que deu início às reinvindicações por políticas públicas voltadas para a criança no Brasil; 4) relacionar os conceitos envolvidos ao fomento do trabalho desenvolvido por esses Centros Comunitários; apresentando o fenômeno comunitário a exemplo do Centro Comunitário Amigos do Serpa; 5) apresentar análise de alguns documentos oficiais referentes a convênios com entes públicos.

O problema gerador da pesquisa começou a ser formulado no momento em que exerci o cargo de coordenadora do ProJovem Adolescente (PJ) em São Gonçalo, no espaço parceiro Obra Social São Francisco de Assis, em 2012. O ProJovem é um programa do governo federal que constitui uma reformulação do ProJovem – Programa Nacional de Inclusão de Jovens, e tem por finalidade a elevação do grau de escolaridade de jovens entre 18 e 29 anos, visando ao desenvolvimento humano e ao exercício da cidadania, por meio da conclusão do ensino fundamental, de qualificação profissional e do desenvolvimento de experiências de participação cidadã – ambos instituídos em 30 de junho de 2005 pela Lei n. 11.129. Incomodava-me o fato de que não pudesse ser executado em sua plenitude um programa com tal estrutura, mesmo tendo sido aprovado pelo governo federal:

As instalações físicas e demais recursos materiais disponibilizados ao Projovem Adolescente devem contribuir para a criação de uma ambiência adequada e favorável ao desenvolvimento das ações socioeducativas ambientes amplos, limpos, arejados, bem iluminados e bem conservados, com espaços, mobiliário e materiais suficientes e adequados, ajudam a criar esta ambiência, contribuem para a autoestima dos jovens e também para que estes se corresponsabilizem com o cuidado das instalações e o uso responsável dos recursos.

(...) Para suporte às atividades do coletivo, recomenda-se que os jovens possam dispor de equipamentos e recursos diversos, tais como: projetor multimídia e tela de projeção, máquina fotográfica, filmadora, aparelhos de som, TV, DVD, instrumentos básicos musicais (violão, berimbau, instrumentos de percussão), computador conectado à internet, pen-drive, softwares livres, livros e revistas, lousa, além de materiais de consumo básico (papel, canetas, pincéis, outros) e materiais esportivos básicos (bolas, raquetes, cordas, redes, outros) indicados para as atividades dos encontros e oficinas, estes últimos garantidos obrigatoriamente. É importante, ao longo do tempo, a constituição de uma biblioteca mínima, com material de leitura

econômica, pois se ergue sobre modos de produção, força de trabalho e de troca, envolvendo varias formas de mão de obra (KARL MARX, 1998, p.9).

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variado, e de uma videoteca, para utilização pelos jovens (Caderno 2, Traçado Metodológico, 2009, p. 33-34).

O programa PJ Adolescente, pensado para atender jovens da periferia e em suas comunidades, foi elaborado e implementado pelo governo federal em 2012 com base em estudos estritamente teóricos, e pesquisas pontuais, sem, no entanto, atentar para a realidade diversificada local. Por exemplo, como responsável por diversos pólos do Programa (Centros Comunitários, Igrejas, Escolas Públicas e Centros de Referência de Assistência Social (CRAS)), pude perceber que em sua grande maioria os espaços eram precários e improvisados.

Em relação aos profissionais contratados, estes nem sempre possuíam formação adequada, e os materiais de mídia desejosos para a realização do programa eram bens de luxo e raramente eram obtidos pelas instituições. Assim era também em relação aos bens móveis que, mesmo diante das muitas possibilidades previstas em tal programa, a instituição concedente/parceira não podia adquirir materiais permanentes (de duração de mais de dois anos) – de acordo com as normas do Financiamento Federal na assistência social.

Outro ponto era o programa roteirizado, ou seja, as aulas deveriam seguir um determinado roteiro. As instituições das quais fazíamos o acompanhamento não prestavam relatórios devidamente, pois não tinham recursos materiais adequados, tais como: almoxarifado adequado, carro disponível2 para pegar os materiais pedagógicos em locais distantes, computadores, internet ou impressoras. Diante de tanta precariedade, em 2103, o programa ao qual eu estava vinculada já não funcionou e deixou muitos profissionais sem receber salários durante meses. Com isso, em relação à presente pesquisa, que tinha o intuito de fazer um estudo sobre programas do governo federal e seus impactos na comunidade em comparação às ações comunitárias, optou-se por concentrar-se na análise do movimento social comunitário, explicitando seu potencial para uma classe social determinada. Afinal, a iniciativa do governo federal foi interrompida; ao contrário do Centro Comunitário – foco da pesquisa – que segue firme apesar de todos os contratempos impostos pelo poder público. No entanto, cabe

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Uma das responsabilidades da sede era enviar o material pedagógico aos pólos em que funcionava o Projovem Adolescente, contudo muitas instituições atendiam em áreas de risco, fazendo com que a sede dependesse de uma situação propícia para entregá-la o material ou para a realização de visitas de supervisão. Por isso o polo dependia que as instituições concedentes retirassem o material no polo, fazendo com que o desenvolvimento das aulas ficasse prejudicado por falta de material.

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15 salientar que no ano de 2018 o ProJovem Urbano foi relançado com edição especial em São Gonçalo.

Foi escolhido, então, o Centro Comunitário Amigos do Serpa, instituição comunitária localizada em São Gonçalo (RJ), por prestar atendimento à comunidade em que está inserida há um pouco mais de 30 anos e também por estar envolvida com os processos políticos de seu município. O seu projeto sempre foi atender a famílias da localidade e adjacências a partir de demandas concretas dos campos de proteção, saúde, educação, segurança e outros. Na medida em que tornamos claros os elementos estruturais que permeiam o desenvolvimento de Projetos Sociais norteadores de suas ações, acreditamos ter colocado na esfera pública possibilidades outras de acesso aos processos democráticos.

Compreendemos que a forma de organização dos Movimentos Sociais Comunitários (MSC) vão de encontro aos pilares dos conceitos marxistas e que seus pressupostos potencializam suas ações (elevar o grau de escolarização, organizar fóruns, encontros, seminários, congressos e outros), revelando-se como práticas que agregam, fortalecem e formam sujeitos dispostos a mudar sua condição social. Em outras palavras, os MSC produzem inferências significativas no campo social cultural, político e econômico, em especial no educacional.

Reconhecemos que o MSC vem agregando pessoas e há décadas organiza e busca estratégias de luta com os sujeitos dos grandes centros urbanos, e recorrem a matrizes discursivas já existentes para construir sua ideologia, identidade e resignifica seu cotidiano instituindo novas práticas de resistência.

Nessas circunstâncias, é possível compreender como foram fomentadas pelas entidades comunitárias as estratégias de atuação política, assim como suas ações prolongadas e efetivas ao longo dos anos – uma organização em que os meios se baseiam no fortalecimento de seus pares para a transformação social sob o prisma do diálogo e aperfeiçoamento das práticas democráticas. O processo de organização das MSC foi permeado pelas ideias baseadas na práxis e nos princípios de liberdade e emancipação, conforme os paradigmas da criação e implantação de projetos sociais nascidos de iniciativas comuns.

É um processo de iniciativa local, profundamente social e imprescindível, que visa à articulação em rede que amplia a ação junto ao Estado no que se refere aos seus direitos e deveres perante sua comunidade.

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16 Nesses espaços, as experiências sociais e históricas possibilitam a apropriação de instrumentos culturais, as diferentes linguagens, o pensamento, os conceitos e as ideias, criando possibilidades de aquisição de ferramentas hegemônicas3 para o estabelecimento de relações com o universo da transformação social.

Segundo o economista Ricardo Henriques (2012), em seu artigo Pensando a governança da favela4, um programa que busca considerar sujeitos concretos em territórios concretos tem de ser capaz de dar conta das especificidades locais e dos campos de probabilidade de diálogo entre governo e sociedade, para construir soluções sustentáveis. E ainda, que devesse dar conta da heterogeneidade e implantar políticas públicas com base no diálogo e no reconhecimento da diversidade, interagindo atenta e respeitosamente com os moradores das comunidades.

Em minha experiência profissional, pude perceber que um dos grandes desafios a serem enfrentados, na implementação e no desenvolvimento de políticas públicas brasileiras, está no campo do monitoramento e da avaliação dos programas sociais. Observa-se, com frequência, que projetos e programas são marcados pela dispersão e pela descontinuidade.

Além disso, os resultados esperados de projetos e programas, inclusive os que envolvem financiamento com recursos públicos, são raramente documentados e sistematizados e, em consequência disso, sequer são divulgados. A resposta para essa questão pode ser pensada se levarmos em consideração a formação social do Brasil e o seu projeto de sociedade, de dominação de uma classe sobre outra.

Neste cenário a elaboração de projetos e programas sociais são em partes deixados de lado e a etapa privilegiada é a fase de formulação de planos e metas, deixando de lado a tarefa de acompanhar e avaliar periodicamente as ações. Mas é preciso ressaltar a importância de que políticas públicas devem ser monitoradas para que ações, processos e resultados sejam justificados e, na mesma medida, apresentem e divulguem seus impactos.

Segundo Cris Roche:

(...) no mundo das organizações, da sociedade civil e, particularmente das ONGs, a necessidade de ter instrumentos apropriados que possam dar

3 Antonio Gramsci (1929-35) indica como princípio organizador de uma sociedade, na qual uma classe se impõe sobre as outras, não através da força, mas também mantendo a sujeição da massa da população. Sujeição conseguida por reformas e concessões, levando em consideração os interesses dos diferentes grupos e também o modo como as pessoas pensam (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p.350). 4 Revista Eletrônica e-metrópoles. [Em linha]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Observatório das Metrópoles, 2012a, ano 3, março, nº 8, p. 63-69. ISSN 2177-2312. Disponível em: <http://www.emetropolis.net/download/edicoes/emetropolis_n08.pdf>. Acesso em: 14 de agosto de 2013.

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visibilidade aos resultados e impactos das atividades é cada vez maior. Contudo, as alternativas lineares e meramente quantitativas têm se mostrado pouco apropriadas para captar os avanços e conquistas das intervenções. Processo social que leva ao desenvolvimento não é linear nem previsível, portanto, dificilmente pode ser entendido a partir de pressupostos simplificados de causalidade atividades-resultados, as atividades que buscam desenvolvimento social, seja de longo prozo, seja de caráter de emergência, devem ser entendidas em toda a sua diversidade (ROCHE, 2002, contracapa).

Para Henriques (2012), os desafios relativos à institucionalidade continuam presentes na condução das políticas públicas no Brasil. Entre essas características estão a fragmentação, a sobreposição e o isolacionismo dos setores que se configuram em deslumbres estruturantes, na medida em que se visualiza uma política pública orientada para reduzir desigualdades sociais e produzir integração territorial. A fragmentação é um instrumento eficiente do clientelismo, que garante e produz relações de dominação e de subordinação. A sobreposição é outro desafio dos programas públicos devido à existência de ações e programas voltados para áreas específicas de um território, enquanto outras áreas não recebem o mesmo tratamento. Essa sobreposição encontra amparo tanto nas estruturas de oferta, como nas demandas de ações públicas. E o isolacionismo setorial5 é um desafio posto para a coordenação de políticas nos territórios.

É evidente que, para que as políticas públicas sejam sólidas e consistentes, é preciso ter agendas setoriais densas e qualificadas, o que provoca a limitação das potencialidades de transformação social e dos horizontes de uma potência integradora das políticas públicas. Nesse sentido, acreditamos que esta pesquisa – que nos possibilitou caminhar por entre teorias marxistas, ideais de relação dialógica e as práticas das ações comunitárias – possa contribuir com a elaboração e implantação de políticas públicas.

Consideramos ainda que a forma de luta dos MSC surgiu na reconfiguração da institucionalidade da gestão pública nos projetos e programas para viabilidade e implementação da atuação pública nas diferentes localidades, e no questionamento, com base em críticas dos movimentos sociais, dos projetos paliativos que abrem campo para o assistencialismo e retraem o exercício prático de cidadania participativa nas

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Mais detalhes em: http://www.rio.rj.gov.br/web/compur/exibeconteudo?id=6170155 Acesso: 06/02/2018

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18 comunidades. É possível afirmar que a iniciativa comunitária, objetivando por melhores condições de vida dirigida a uma população especificamente, busca em seu entendimento meio e formas de reduzir as desigualdades sociais.

Nessa perspectiva o trabalho dissertativo ora apresentado nos proporciona refletir sobre a possibilidade de percebermos como o Estado se relaciona com a população. E nesse sentido como os sujeitos, em uma correlação de força com o Estado, se organizam, elaboram conhecimentos e consolidam mudanças em meio as políticas públicas.

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BREVE TRAJETÓRIA...

A motivação para este trabalho teve início no âmbito familiar, pois sou filha de militante que luta pelo direito da criança pequena6. Ainda pequenina, era levada para o trabalho de minha mãe e por lá permanecia durante todo o dia.

O local de trabalho era uma creche comunitária, localizada em São Gonçalo (Rio de Janeiro), no bairro Fazenda dos Mineiros. O Centro Comunitário Amigos do Serpa – Creche Estelinha Azul (CAS), instituição comunitária estabelecida desde a década de 1980 que presta serviço à comunidade de baixa renda, na área da assistência social e educação.

Nela, por volta dos 10 anos de idade, comecei a contribuir com o dia a dia do trabalho de minha mãe e tive a oportunidade de observar sua luta, sua correria com os trabalhos pedagógicos e suas emoções no calor do movimento social. Eu me imaginava fazendo a mesma coisa e, mais tarde, nesta mesma instituição, apareceu a oportunidade de trabalhar como ajudante de professor (auxiliar de turma), e posteriormente como instrutora no projeto brinquedoteca e informática, voltado para aqueles que eram atendidos pela creche.

No momento de escolher qual carreira seguir, pesquisei por um curso que, de alguma forma, poderia ajudar-me a interferir na realidade social da comunidade em que estava inserida. Pensava, ainda, que seria bom observar outras comunidades e, desta forma, reunir conhecimentos que pudessem contribuir com a construção de ideias que beneficiassem as populações tão desprivilegiadas, em especial a da minha comunidade.

À época, Ciências Sociais atendia a minha expectativa, curso no qual me formei pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, ou seja, numa instituição particular e vinculada à Igreja Católica. Já no início do curso, assumi a coordenação do Projeto Brinquedoteca no Centro Comunitário Amigos do Serpa e o contexto com o qual me deparei fez-me enxergar com maior profundidade as demandas emergentes dos jovens e das crianças daquele local. Entre 2003 e 2005, atendíamos cerca de 100 crianças e adolescentes da comunidade, cuja faixa etária variava de 06 a 18 anos.

6 MOREIRA, M. L. M. A creche comunitária deve mesmo fechar? Para onde irão as crianças. Dissertação de Mestrado, PPGE-UFF/Niterói, 2016.

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20 Com a intenção de promover mudanças sociais, a instituição compreendia que o projeto político-pedagógico baseado em brincadeiras e brinquedos abria possibilidades para pensar e refletir coletivamente sobre as questões sociais e econômicas daquela comunidade, e também do seu entorno.

Na universidade, junto ao grupo de pesquisa Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente (NIREMA), ao pesquisar políticas de ações afirmativas em Universidades públicas brasileiras, tive a oportunidade de estudar com maior profundidade questões sobre discriminação racial no Brasil. Tive a chance de conhecer mais de perto as realidades do nosso país por meio de visitas realizadas a universidades públicas para aplicar questionários e realizar entrevistas com estudantes.

Essa pesquisa contribuiu ainda mais para embasar minhas indagações, pois pude enxergar com maior clareza a comunidade em que vivia e passei a refletir substancialmente sobre aquela realidade que é, em sua maioria, composta por negros, pobres, com pouca ou nenhuma escolaridade..

Já formada em Ciências Sociais, tive a oportunidade de desenvolver significativos trabalhos no terceiro setor como assistente de projetos na ONG Rede Nami que, por meio da arte urbana, discute questões de gênero, raça e violência contra a mulher. Então, pude perceber como a arte pode ser também uma poderosa aliada na luta pelos direitos da mulher.

Mais tarde, na qualidade de Coordenadora de Pólo do Programa ProJovem Adolescente, em 2012, trabalhei com ações socioeducativas de Proteção Social Básica ofertadas aos jovens pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e entidades conveniadas da rede de Assistência Social constatei certas dissonâncias existentes entre a teoria e a prática em função dos diferentes interesses envolvidos nessa política pública.

Um dos documentos oficiais norteadores do Programa ProJovem Adolescente diz:

No processo de construção da Agenda Social, sob a coordenação da Secretaria Geral da Presidência da República, os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, do Trabalho e Emprego – MTE, da Educação – MEC, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH e a Secretaria Nacional de Juventude – SNJ constituíram um Grupo de Trabalho com a tarefa de discutir a integração de programas governamentais voltados aos jovens – Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano, Saberes da Terra, ProJovem, Consórcio Social da Juventude, Juventude Cidadã e Escola de Fábrica.

O objetivo foi elaborar uma estratégia que articulasse intersetorialmente as políticas públicas e os respectivos programas, conferindo-lhes escala, otimizando ações e potencializando resultados. Como resultado dessa

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iniciativa, optou-se pela reformulação do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem, criado em 2005, ampliando sua faixa etária para o público de 15 a 29 anos e criando quatro modalidades: ProJovem Adolescente – Serviço Socioeducativo, ProJovem Urbano, ProJovem Trabalhador e ProJovem Campo – Saberes da Terra. O novo ProJovem foi lançado em setembro de 2007 pelo Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, e posteriormente regulamentado pela Lei nº 11.629, de 10 de junho de 2008. A intersetorialidade na concepção e implantação do ProJovem vai além da sua gestão compartilhada e busca alcançar a efetiva integração de programas e ações promovidos por cada um dos ministérios parceiros. Sua lógica visa assegurar um atendimento integral e contínuo aos jovens dos 15 aos 29 anos de idade, oferecendo-lhes a possibilidade de participação nas diversas modalidades do Programa.

O ProJovem Adolescente, coordenado pelo MDS, é voltado para jovens de 15 a 17 anos de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família e jovens vinculados ou egressos de programas e serviços da proteção social especial, como o Programa de Combate à Violência e à Exploração Sexual e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, ou ainda jovens sob medidas de proteção ou socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Como forma de promover e garantir a intersetorialidade na modalidadeProJovem Adolescente foi constituído um comitê, sob a coordenação do MDS, com representantes dos ministérios e secretarias parceiros, a saber: Ministérios da Cultura, do Esporte, da Saúde, do Meio Ambiente, do Trabalho, da Educação, Secretaria Especial de Direitos Humanos, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Secretaria Nacional de Juventude (Caderno 1, 2009, p.3).

Em São Gonçalo, a instituição Obra Comunitária São Francisco de Assis, fundada em 19 de março de 1988, estabeleceu uma parceria para a implementação do ProJovem Adolescente. É uma entidade filantrópica sem fins lucrativos e surgiu pela iniciativa de jovens incomodados com a realidade de muitas mães solteiras que não podiam sair para trabalhar, a fim de prover o sustento para suas famílias, pois não tinham com quem deixar seus filhos. Diante dessas circunstâncias, os jovens – motivados a realizar um trabalho social articulado para o atendimento à população de baixa renda, situada no bairro do Jóquei Clube e adjacências – pretendiam minimizar as demandas oriundas das questões sociais, com o desenvolvimento de atividades no campo da assistência, da educação, da saúde, da cultura e do lazer.

Posteriormente, atuei por 2 (dois anos) como coordenadora do setor de monitoramento e avaliação na ONG Redes de Desenvolvimento da Maré (Redes). A Redes, instituição da sociedade civil, é resultado de um longo processo de atuação dos seus fundadores juntamente com o movimento comunitário no conjunto de favelas da Maré (RJ), e também em outras comunidades na cidade do Rio de Janeiro. As ações, pesquisas e reflexões desenvolvidas pela Redes da Maré contabilizam um longo percurso marcado pela atuação de seus integrantes em organizações locais e em outros

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22 espaços da cidade, inclusive no campo das políticas sociais. Seu trabalho é pautado pelo interesse comum de trabalhar, de forma integrada e abrangente, com temáticas relativas à cidade do Rio de Janeiro e a seus espaços populares. A instituição busca desenvolver projetos dentro de temáticas como educação; arte e cultura; mobilização social; segurança pública; desenvolvimento local; comunicação; combate à violência, em suas diversas manifestações; e geração de trabalho e renda. Sua atuação se dá no conjunto de favelas mais populoso no Rio de Janeiro, a Maré, onde residem aproximadamente 140 mil pessoas, distribuídas em 16 comunidades. (CENSO MARÉ, 2014).

Em suma, a Redes tem por missão promover a construção de uma rede de desenvolvimento territorial por meio de projetos que articulam diferentes atores sociais comprometidos com a transformação estrutural da comunidade.

Como é possível observar, de forma geral, direta e indiretamente, atuei com famílias, mulheres, jovens e crianças que com suas particularidades buscam por melhores condições de vida.

Em 2017, trabalhei no SENAC-Rio, como docente na gerência de Operação Acadêmica ambiental, ministrando aula nos cursos Portal do Futuro e Jovem Aprendiz, que preparam jovens de 16 a 21 anos de baixa renda para a primeira experiência profissional, e para se tornarem agentes de transformação social em suas comunidades. Além da capacitação profissional, o Portal do Futuro promove o desenvolvimento de competências profissionais. O Programa Jovem Aprendiz atende jovens de 14 a 24 anos, que devem estar matriculados no Ensino Fundamental ou Médio ou ter concluído o Ensino Médio. A Lei de Aprendizagem tem como objetivo promover inclusão social e profissional, oferecendo formação técnico-profissional a jovens contratados pelas empresas e matriculados em curso de aprendizagem.

Todas essas experiências relatadas me proporcionaram a possibilidade de reconhecer a importância e o significado dos campos da assistência social e da educação frente à realidade vivida pelas comunidades do Brasil, e assumir o desafio de empreender e provocar impactos transformadores por meio de ações educativas e reflexões sociopolíticas, motivando e provocando os agentes à participação social.

Neste trabalho, além de discutir sobre o trabalho de um Centro Comunitário e sua relação com o Estado, apresento uma breve retrospectiva histórica do nascimento do Estado. Desse debate retiro questões atuais pautadas pelo movimento comunitário na

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23 busca pelo reconhecimento do seu trabalho e sua atuação política. Procuro trazer reflexões acerca dos conceitos de classe e de participação social com base em autores que ajudam a refletir sobre o tema – estado e comunitário – e que descortinam as contradições instauradas pelo antagonismo de classe. E nesse quadro verifica-se que as abordagens teóricas fornecem subsídios para se pensar sobre o papel social da classe popular e sua consciência como classe.

Os capítulos estão organizados de modo que, ao longo da leitura, o/a leitor (a) possa construir um pensamento a respeito da função social do Estado e do seu surgimento, bem como da força coletiva da população como resposta ao modelo de Estado constituído no Brasil. E assim explicitamos a correlação de força existente entre Estado e comunitário. A estrutura estatal opera no sentido de fazer a manutenção da opressão de classe, privilegiando políticas estratégicas e ações táticas que reprimem e retardam as verdadeiras transformações em direção à redução das desigualdades sociais. A revisão de literatura foi desenvolvida em três capítulos. – No primeiro capítulo, com base em autores como Engels, Marx, Lenin e Saes, para tanto, apresentamos um breve contexto histórico sobre os processos da criação do Estado. No segundo capítulo, tendo como fio condutor as ideias de Martin Buber, apresentamos uma reflexão sobre a relação dialógica que poderia se estabelecer entre o comunitário e o Estado, tentando mostrar que existe, na verdade, mais um conflito de classe do que propriamente uma relação dialógica que poderia instaurar a cooperação mútua das organizações comunitárias com o Estado. O terceiro capítulo, mostramos como acontece na prática à relação entre o poder público (Estado) e a sociedade civil organizada (comunitário) no Brasil, tendo como exemplo a Creche Comunitária do Centro Comunitário Amigos do Serpa. Analisa-se como os movimentos sociais ocorridos no Brasil influenciaram as políticas públicas que, de forma geral, resultaram em efeitos práticos no poder da transformação, tendo em vista, que suas manifestações e reivindicações foram aceitas pelo poder público. Nas considerações finais, são apresentadas reflexões acerca da relação que o movimento social comunitário organizado estabelece com o Estado a partir de uma dinâmica elaborada sobre o prisma da participação política.

Tais reflexões contribuíram com a possibilidade de uma visão crítica sobre a participação e o diálogo existente na relação Estado e sociedade, explicitando a relação

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24 conflituosa e descompensada, em que a população necessitada de bens e serviços especializados e de boa qualidade é quem mais sofre.

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25 O SURGIMENTO DO ESTADO

Apresento um breve contexto histórico sobre os processos da criação do Estado, com base em Friedrich Engels, Karl Marx, Vladimir Lenin e Décio Saes. Trago esses autores para minha reflexão como aporte teórico para compreender a forma como a relação Estado sociedade se dão nos espaços políticos, econômicos e sociais e, nesse sentido, como os sujeitos se comportam nessas relações até hoje.

O debate sobre o papel do Estado está presente ao longo da história do Brasil, incidindo de forma distinta nas políticas públicas. Nas últimas décadas, o cenário sociopolítico e econômico brasileiro sofreu mudanças significativas que estabelecem uma nova relação público-privada no debate educacional.

Segundo Engels7 (2012), a origem da civilização humana passa necessariamente pela contestação da fase da barbárie e pela classificação dos tipos de família, categorizando as etapas pelas quais passaram as sociedades, segundo seus processos e progressos na produção dos meios de subsistência e arranjos patrimoniais em que se encontravam.

Ainda segundo Engels (Idem), Morgan introduziu uma ordem na pré-história da humanidade e, apesar de ter identificado três épocas principais – Estado selvagem, barbárie e civilização –, em seu trabalho – Origem da família, da propriedade privada e do Estado, ele se deteve mais nas duas primeiras.

De maneira bastante genérica, podemos dizer que, de acordo com Engels, no Estado selvagem é predominante a apropriação dos produtos da natureza, prontos para serem utilizados nas produções artificiais do homem a fim de refinar essa apropriação8.

7

Esta obra surge nos anos de 1880 e 1881, sob forma de um resumo que Marx fez da pesquisa antropológica do norte-americano Lewis Henry Morgan a respeito d‟A Sociedade antiga (Roma, Grécia, Irlanda, Germanos antigos e outros). Com base nesse manuscrito, no início de 1884 (um ano após a morte de Marx), Engels concluiu o livro A origem da família, da propriedade privada e do Estado.

8

No período da barbárie, os homens passam a criar gado e desenvolvem a agricultura, aprimorando e incrementando a produção por intermédio do trabalho humano. A civilização tem a ver com o período em que o homem continua aprimorando os usos dos produtos naturais (ENGELS, 2012).

Com a civilização, o homem avança para o período da indústria e da arte. (...) Como vimos, há três formas

principais de matrimônio, que correspondem aproximadamente aos três estágios fundamentais da evolução humana. Ao Estado selvagem corresponde o matrimônio por grupos; à barbárie, o matrimônio sindiásmico; e à civilização, a monogamia com seus complementos: o adultério e a prostituição. Entre o matrimônio sindiásmico e a monogamia, intercalam-se, na fase superior da barbárie, a sujeição aos homens das mulheres escravas e a poligamia (ENGELS, 2012).

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26 Com base na descrição da formação da origem da família, Engels demonstra passo a passo a formação do Estado. Sua conclusão se baseou na observação das tribos e dos pequenos povos e com isso ele nos apresenta o motivo pelo qual foi criado o Estado. Para ele, Estado pressupõe um poder público especial, distinto do conjunto dos cidadãos que o compõem. Ao desenvolver o estudo de cunho comparativo e evolucionista no campo matrimonial que, por assim dizer, passou do sistema matriarcal ou comunismo primitivo para o patriarcal, Engels percebeu este fato como causa e efeito da criação da propriedade privada e do Estado, e com este a inserção do sistema capitalista.

Engels aponta algumas circunstâncias que, para ele, foram as que culminaram no nascimento do Estado, mas ele germinava sem ser percebido. Tal fato ocorre, dentre outros fatores, pela formação de grupos de acordo com a divisão do trabalho, guerras e militarização. E a divisão do trabalho também se insere como fator que determina as relações dos indivíduos entre si, com o material, instrumento ou produto do trabalho.

O Estado é uma nova instituição que serviria como instrumento da classe exploradora para sufocar os conflitos de luta de classe no campo econômico nos trâmites legais, ou seja, o Estado serve para manter os interesses dos principais interessados em explorar a classe trabalhadora.

Como já dito, o Estado é um poder criado e posto acima da sociedade que tem como propósito conter o antagonismo; os interesses econômicos colidentes; e manter os limites da ordem. Foi constituído por desejo da sociedade e personificado como produto da sociedade (quando alcançado um determinado nível de desenvolvimento). O Estado é implantado pela classe dominante, quando reconhece uma irremediável contradição instaurada pelos antagonismos de classes.

Esse quadro se concretiza conforme a sociedade ultrapassa os limites gentílicos e passa a adotar assembleias, conselhos, comandantes militares etc., e ao se mostrar eficaz e suficiente constitui o Estado que toma a cena com toda sua estrutura e formação.

Dentre as características do Estado estão os agrupamentos por territorialização e a institucionalização da força pública derivada da divisão da sociedade em classe. O Estado impõe sua força cobrando impostos, impondo lei e concedendo direitos e deveres aos cidadãos (ENGELS, 2012, p.213-215).

O Estado serviu e serve para assegurar a riqueza e o acúmulo de riqueza, que não só perpetuavam a nascente divisão da sociedade de classe, mas também o direito de

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27 exploração dos menos possuidores pelos mais possuidores – o domínio de um sobre outro. A isso se deu o nome de Estado (IDEM, 1884. p. 35-36).

Sobre a forma de constituição dessa sociedade, Engels afirma que “a riqueza passa ser valorizada e respeitada como um bem supremo e as antigas instituições da gens9 são corrompidas para justificar a aquisição de riquezas pelo roubo e pela violência.”. Essas afeições são fundamentais quando se fala de Estado. Em outras palavras, a autêntica constituição do Estado baseou-se na divisão territorial e nas diferenças de riqueza (IDEM, IBIDEM, p. 39-45). Essas circunstâncias impuseram a criação de uma força pública e da inserção do povo nos negócios da coisa pública. Neste período, é possível também perceber sentimentos nacionalistas e patrióticos.

O Estado surge com as tendências ocasionadas pelo capitalismo, ou seja, pela ampliação da produção e da concentração de capital e exploração da mão de obra; da valorização dos indivíduos pela aquisição de bens materiais e poder aquisitivo; da ampliação da mais-valia; do surgimento da classe burguesa; da modernização do modo de produção.

A relação do Estado com a sociedade civil organizada e sua forma intervencionista tem em seu cerne a estrutura familiar10. No centro das transformações da sociedade e do Estado brasileiro, cuja existência carrega as marcas dos conflitos e contradições, se realiza a relação social econômica, cultural e política.

9 A diferenciação de riquezas, repercutindo sobre a constituição social pela formação dos primeiros rudimentos de uma nobreza hereditária e de uma monarquia; a escravidão, em princípio restrita aos prisioneiros de guerra, desenvolvendo-se depois no sentido da escravização de membros da própria tribo e até da própria gens; a degeneração da velha guerra entre as tribos na busca sistemática, por terra e por mar, de gado, escravos e bens que podiam ser capturados, captura que chegou a ser uma fonte regular de enriquecimento (ENGELS, 2012, p.136).

10

Quando A origem da família, da propriedade privada e do Estado trata especificamente da constituição da família, Engels descreve de forma comparativa os tipos de acordos matrimoniais que se configuravam e faz isso classificando os tipos de gens e famílias. A família consanguínea é a primeira etapa da família, e se permite o casamento entre irmãos e irmãs, carnais e colaterais de um mesmo grupo. Esse tipo de família desapareceu. Na família punaluana impera o casamento coletivo de grupos de irmãos e irmãs, carnais e colaterais, em um mesmo grupo. Progressos se sucederam nessa família quando, primeiramente, pais e filhos foram excluídos das relações sexuais recíprocas; o segundo progresso e mais importante acontece quando se exclui os irmãos. A família sindiásmica permite que as uniões por casal permaneçam por um tempo mais ou menos longo e o faziam sob o regime do casamento por grupos. A família

monogâmica diz respeito à união de um só casal, com coabitação exclusiva dos cônjuges (ENGELS,

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28 Interessa-nos essa descrição da família11 que Engels faz devido à conveniente particularidade dos movimentos sociais, e em especial a das instituições comunitárias que perpassam a esfera do poder local discutindo a forma pela qual as políticas públicas vêm sendo geridas e implementadas.

As ações tomadas contra a comunidade se dão por ela ser sentida como perigosamente poderosa.

De todas as classes que se põem frente à frente hoje com a burguesia, somente o proletariado é uma classe realmente revolucionária. As outras declinam e finalmente desaparecem... O proletariado é o seu produto mais autêntico (MARX, 1998, p.26).

Destaca-se que para Marx (1998) o proletariado perpassa vários estágios de desenvolvimento, inicia sua luta no âmbito individual e mais tarde essa luta passa a ser por um grupo. No início, o proletariado se constitui como uma massa incoerente, espalhada e fragmentada, mas, alcança novos estágios, inserindo em sua luta objetivos políticos.

Assim acontece com o movimento social comunitário que, ao combinar forças e se unir em prol de uma causa coletiva, se fortalece, cresce e adquire um importante papel político e social. O movimento social comunitário reúne em seu histórico lutas com perdas e ganhos, porém, o que prevalece na relação Comunitário-Estado é a coalisão de forças.

Contudo, a burguesia socialista quer controlar todas as vantagens das condições sociais modernas, evitando lutas e perigos da perda do controle do projeto de governo democrático. Evita as lutas e os perigos restringindo os elementos revolucionários e desintegradores, em outras palavras, quer manter o proletariado dentro dos limites da sociedade existente, todavia, abandonando as suas ideias odiosas em relação à burguesia.

Historicamente, o Brasil vem traçando metas e estratégias políticas para manter a classe trabalhadora em condição desfavorável social e economicamente, não reconhecendo suas demandas; e tomando atitudes que não modificam as estruturas sociais dos sujeitos, mantendo-os sempre na mesma posição social. As ações do Estado não modificam as condições de vida real dos trabalhadores - principalmente no campo

11 A burguesia arrancou da família seu véu sentimental e reduziu a relação familiar a uma mera relação de dinheiro (MARX, ENGELS, 1998, p.13).

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29 da saúde, educação, habitação, saneamento básico, emprego e renda – para que, assim, não haja ascensão social.

As políticas implementadas pelo Estado obscurecem as maneiras pelas quais os menos favorecidos poderiam chegar a uma forma digna de vida, e ao mesmo tempo asseguram a hegemonia da burguesia no sistema capitalista. Para tanto, o Estado permite reformas que não afetam as relações capital/trabalho e benefícios, mas diminuem o custo e simplificam o trabalho administrativo da classe burguesa (IDEM, 1998). Além disso, segundo Marx e Engels, há um outro aspecto: o proletariado, ainda em sua infância, apresenta o aspecto de uma classe sem iniciativa história ou movimento político independente. Sua emancipação acontece quando apresenta uma nova ciência social e novas leis sociais (IDEM. IBIDEM, p. 59).

Isso ocorre porque, por um lado, a complexidade e a multiplicidade dos novos arranjos governamentais para a oferta de bens e serviços a (Sociedade) e, por outro, o investimento de gastos estatais e eliminação do papel distribuidor e regulatório das atividades do Estado não são capazes de proporcionar mudanças para amplos segmentos da população excluída. E este processo busca depreciar os movimentos revolucionários da classe trabalhadora, mostrando com o passar do tempo que meras reformas políticas não geram mudanças nas condições de vida dos excluídos.

Com o estudo de Marx e Engels é possível nos debruçarmos sobre as contínuas formas sociais e econômicas culturais ao longo da história humana primitiva e, com isso, percebermos os limites criados para os princípios organizacionais da sociedade, ou melhor, a organização do povo em classe.

As principais diferenças encontradas entre sociedade primitiva e civilização dão base para: categorizar as classes e organizações políticas; localizar os estágios de desenvolvimento na história da humanidade e da posição social da família e parentesco; desvendar a natureza da sociedade primitiva em relação à propriedade; contextualizar o surgimento da economia do Estado e da população em classe social.

Desta forma, as mudanças apontam para estratégias de modernização do capital brasileiro que orienta o modelo do Estado versus a ação organizada da população em classe, visto que a história social das políticas brasileiras desde sua fundação demonstra como objetivo do Estado a manutenção de grande parte da população sem acesso às políticas públicas sociais e afastadas dos acessos aos recursos financeiros.

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30 Marx e Engels concordam que uma das primeiras tarefas com a qual o capitalismo se ocupou foram os contratos sociais, os quais exigiam pessoas livres e desfrutantes da igualdade de direitos e condições.

A dependência econômica nasceu quando a propriedade privada se sobrepôs à propriedade coletiva e os interesses da transmissão por herança era dado pelo direito paterno, proveniente do sistema monogâmico. Engels afirma que, para que haja mudança nesse quadro, o proletário deve se apropriar da força do Estado. Nessa perspectiva, o sufrágio universal foi um dos indícios da maturidade da classe operária (ENGELS, 2012).

Há que se salientar que Engels indica as circunstâncias vividas pelas mulheres nos estágios de progresso dos quesitos matrimoniais da civilização, manifestadamente de acordo com as alusões do grupo. O movimento comunitário por creche começou pela demanda de mulheres mais fortemente na década de 1970, as quais, pela necessidade trabalhar, não tinham onde ou com quem deixar seus filhos em local que oferecesse segurança e abrigo.

Em linhas gerais, o argumento de Engels de que a posição das mulheres em relação aos homens foi deteriorada com o advento da sociedade de classes, além da inferioridade da condição da mulher, encontra-se também na base da sociedade de classe com a decomposição do grupo corporativa de parentesco em famílias individuais e a individualização dos direitos de propriedade, o fortalecimento da hierarquia e a usurpação dos poderes pelos chefes.

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A família é produto do sistema social e refletirá o estado de cultura desse sistema. Tendo a família monogâmica melhorado a partir dos começos da civilização e, de uma maneira muito notável, nos tempos modernos, é lícito pelo menos supor que seja capaz de continuar seu aperfeiçoamento até que chegue à igualdade entre os dois sexos. Se, num futuro remoto, a família monogâmica não mais atender às exigências sociais, é impossível predizer a natureza da família que a suceder (ENGELS, 2012, p. 26).

A principal mudança foi a instituição de uma administração central ateniense, e então houve o nascimento universal do direito popular – o que de certa forma se organizava de maneira hierárquica. E ocorreu também a divisão populacional em três classes: artesãos, agricultores e nobres, categorizadas em ordem de importância potencial, dos últimos para os primeiros. Daí ficaram estabelecidos os novos elementos sociais que se tornavam cada vez mais complexos.

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31 A isso se agrega o fato de que, para Engels, é a proclamação nítida do inconciliável antagonismo entre a sociedade gentílica e o Estado o motivo da destruição dos laços gentílicos, dividindo os membros de cada gens em privilegiados e não privilegiados, e dividindo estes últimos em duas classes, segundo seus ofícios, e opondo-as uma à outra (ENGELS, 2012).

À medida que os autores marxistas aprofundam suas análises sobre as mazelas que o sistema capitalista produz na vida dos menos afortunados, nesse aspecto eles afirmam que as massas, ao compreenderem sua situação, deverão ser capazes de criar estratégias para se libertarem do jugo capitalista (LENIN, 1917, p. 2).

Ao nos questionarmos sobre as ações comunitárias e sua bandeira política, recorremos à ideia de Marx sobre formação de classe e a formação do Estado e, ao aprofundarmos as leituras sobre isso, encontramos pistas a respeito da formação social e política do movimento comunitário no Brasil, em muitos aspectos em consonância com o que se denomina por classe social.

Destaca-se que, sob a concepção de classe, repousa a ideia de conflitos que estão relacionados à vida e às diferentes relações estabelecidas nesse meio. Caracteriza-se que entre o Estado e os movimentos sociais comunitários (MSC) exista um sistema de classe, ora representado por um grupo dominante e um grupo dominado.

Este pensamento permite fazer uma análise de que classes sociais, na ideia de Marx, são formadas por um grupo de indivíduos, protagonistas, que ocupam na sociedade o sistema produtivo e que produzem transformações na organização social e econômica da sociedade.

É nessa linha de pensamento que pretendemos definir como o movimento comunitário interfere no modo de pensar e na organização de grupos sociais populares no Brasil.

A invenção do Estado possibilitou o surgimento de “uma instituição que não só perpetuasse a acumulação e a nascente divisão da sociedade classes, mas também garantisse o direito da classe possuidora de explorar a não possuidora e assim houvesse o domínio da primeira sobre a segunda – o Estado” (MARX, ENGELS, 2012, p.137).

A sociedade antiga, baseada nas relações de parentesco, desaparece e, como consequência, surgem as classes sociais que dão lugar a uma nova sociedade estabelecida pelo Estado e cujas relações nada têm a ver com laços de parentesco e sim

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32 com unidades territoriais. É uma sociedade na qual se estabelecem as contradições de classe e de luta de classe12.

São duas as hipóteses apontadas por Engels para o surgimento das classes (IDEM, 1884. p. 9-10).

A primeira parece ser a forma correspondente ao estado social dos selvagens errantes; a segunda já pressupõe o estabelecimento fixo de comunidades comunistas e conduz diretamente ao grau imediatamente superior de desenvolvimento. Entre essas duas formas de matrimônio, encontraremos ainda, sem dúvida, graus intermediários; este é um terreno para pesquisas que apenas foi descoberto, e no qual somente se deram os primeiros passos.

Marx conceitua classe como um grupo de pessoas que compartilham determinadas condições e determinados objetivos, mas sua distinção se dá quando por classe em si diz-se grupos que se organizam politicamente para defender seus interesses e por classe para si, grupos de pessoas que conseguem sobreviver de maneira independente. As classes são uma expressão da parcela do produto de um grupo de indivíduos (GARDÊNIA; QUINTANEIRO, 1995, p. 79, 81).

No caso, a classe social do movimento comunitário se estabelece enquanto classe em si, pois, apesar de se organizar para defender politicamente questões específicas da comunidade, suas ações dependem de outros para sobreviver, principalmente da solidariedade de pessoas com militância política e dos agentes locais. No cotidiano, o termo comunidade é usado para definir pequenos grupos que têm algum tipo de atividade social na localidade e que se articulam e se organizam em contraposição a “políticas e programas excludentes”.

Se, por um lado, para esses autores Estado é um instrumento de controle que pertence à classe dominante, por outro, a pequena burguesia se defende afirmando que o papel do Estado serve para conciliar as classes (LENIN, 1917, p. 4).

12

Na medida em que Engels considera dentre tais que a gens é “uma instituição comum a todos os bárbaros até sua passagem à civilização e mesmo depois dela”, essa visão serviu para embasamento de como era estruturada a sociedade antes da instituição e reconhecimento do Estado. Engels salienta que “tal era o aspecto dos homens e da sociedade humana antes que se operasse a divisão em classes sociais. E, se compararmos a situação deles com a da imensa maioria dos homens civilizados de hoje, veremos que é enorme a diferença de condição entre o antigo e livre membro da gens e o proletário ou o camponês de nossos dias.”. Engels admite que essa organização mais tarde fosse perecer por já ter vícios. “Não foi além da tribo; a confederação de tribos já indica o princípio da sua decadência.” Ao abordar a gens dos gregos, Engels mostra que o matrimonio por grupos começou a se dissolver. Essa mudança ocasionou, de certa forma, a migração para se adotar o regime patriarcal de sociedade. Aqui o direito materno cedeu lugar ao direito paterno e daí à riqueza privada que surgiu e abriu a oportunidade para a constituição gentílica, como consequência natural da primeira: ao introduzir o direito paterno, a fortuna de uma rica herdeira que se casa passa ao marido dela, quer dizer, a outra gens, com o que se destrói todo o fundamento do direito gentílico; dessa forma, não apenas se terá por lícito, mas ainda por obrigatório, nesse caso, o casamento no seio da sua gens acontece como forma de se evitar a saída das riquezas (MARX; ENGELS, 2012).

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33 Nesse sentido, faz-se necessário compreender, em diferentes escalas, que as múltiplas dimensões e manifestações dos movimentos sociais de classe comunitária se justificam, pois objetivam suas formas de atuação, particularizam suas estratégias, ações e táticas e travam embate político na esfera política.

Decorre que o comunitário muitas vezes é entendido como entidade da burguesia, na perspectiva do comunista Karl Marx, segundo o qual uma parte da burguesia deseja compensar injustiças sociais a fim de assegurar a continuidade da existência da sociedade burguesa, composta por economistas, filantropos, humanitários, organizadores de caridade, aperfeiçoadores da condição da classe trabalhadora, proteção aos animais, reformadores secretos (MARX; ENGELS, 1998, p.56).

Segundo Guiddens (2000), as instituições comunitárias são compostas por indivíduos ativos, em favor da democracia. Entretanto, esse movimento reivindica a relação do Estado com a sociedade, assegurada pela participação política universal compartilha da ideia de uma nova sociedade, baseada na comunidade e na superação do modo de produção capitalista.

Nessa perspectiva, objetivamos explanar o que vem a ser o movimento social comunitário e, nessa mesma linha, demonstrar que este possui características de classe, ainda que não reconhecida por seus integrantes ou por estudiosos desse campo. A classe comunitária se insere na classe dos trabalhadores, em outras palavras, classe dos oprimidos.

As instituições comunitárias se veem sempre inventivas e criativas buscando superação frente às situações que lhe são postas no dia a dia da luta pela permanência de sua atuação nas comunidades, que parecem subjugadas pelo Estado que estabelece exigências agressivas e imperativas para execução do projeto.

Atribuímos esse movimento à correspondência existente entre trabalho e família, se entendermos que as causas vencidas têm relevância num trabalho árduo nesses contextos, desenvolvidos sob a pena da solidariedade, do companheirismo e de afinidades.

Para Marx (2012), as condições que levariam à emancipação seriam dadas pela ação histórica, que conduziria a uma ação pessoal inventiva e, consequentemente, a uma organização de classe de caráter espontâneo. O princípio do materialismo histórico é que daria base à compreensão das épocas de progresso da humanidade que, de certo modo, coincidem com as épocas em que se ampliam as fontes de existência.

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34 De acordo com a concepção materialista, o momento da história é, em última instância, a produção e a reprodução (reproduktion) da vida imediata. Todavia, ela própria possui duas facetas: de um lado, a reprodução de meios de existência, de outro, a produção do homem mesmo, a reprodução (fortflanzung) do gênero. A ordem social em que vivem os seres humanos de determinada época ou determinado país está condicionada por esses dois modos de produção: o grau de desenvolvimento do trabalho, de um lado, e o da família, de outro (MARX; ENGELS, 2012, p. 18).

A questão que se apresenta sobre a reflexão de movimento social comunitário como classe se justifica porque o movimento se constitui na sua história e na sua práxis. As experiências do cotidiano do movimento proporcionam integração, interdependência e solidariedade e, com isso, engendram participação social.

Marx não nega a existência de muitos grupos intermediários entre os capitalistas e os proletários, mas afirma que, à medida que o regime capitalista avança, há uma tendência a se estabelecer somente dois grupos – os proletários e os capitalistas.

Isso ocorre porque essas classes têm clara possibilidade de criar ideias de regime político e social. As demais classes sucumbiriam por não terem iniciativa, nem tampouco dinamismo histórico.

De todas as classes que hoje se defrontam com a burguesia, apenas o proletariado é uma classe realmente revolucionária. As outras classes decaem e por fim desaparecem com o desenvolvimento da indústria moderna, mas o proletariado é seu produto mais autêntico (MARX; ENGELS, 1998, p.26).

Para Marx, não se trata da não existência do antagonismo individual, mas antes, de um resultado das forças produtivas que se desenvolveram por conta da burguesia, que cria ao mesmo tempo as condições materiais próprias com o propósito de resolver esses antagonismos.

A dialética das forças e das relações da produção sugere uma teoria das revoluções que, por vezes, ocorreram mediante expressão de uma necessidade. Todavia, Marx determina que seja a realidade social que determina a consciência, daí que parte da ideia de conjunto que, por assim dizer, significa que homens pensam de acordo com as relações sociais que integram.

Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentemente da sua vontade. Essas relações de produção correspondem a certo grau de evolução das suas forças produtivas materiais. O conjunto de tais relações forma a estrutura econômica

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