• Nenhum resultado encontrado

REPRESENTAÇÕES DA COLÔNIA NEU-WÜRTTEMBERG NOS KALENDER RIO-GRANDENSES

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "REPRESENTAÇÕES DA COLÔNIA NEU-WÜRTTEMBERG NOS KALENDER RIO-GRANDENSES"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

REPRESENTAÇÕES DA COLÔNIA NEU-WÜRTTEMBERG NOS KALENDER RIO-GRANDENSES

Rosane Marcia Neumann Universidade de Passo Fundo/UPF rosaneneumann@gmail.com

Resumo: De meados do século XIX até meados do século XX, no Sul do Brasil, jornais e anuários/Kalender foram plataforma para propaganda e crítica das políticas de imigração e colonização, oficial e privada no país. Nesse contexto, objetiva-se mapear as representações sobre/da colônia alemã Neu-Württemberg (1898), de propriedade da Colonizadora Meyer, em circulação nos anuários/Kalender rio-grandenses. Nota-se que nos jornais, tanto da imprensa étnica quanto vernácula, predominava o noticiário sobre o cotidiano da zona de colonização, as propagandas das empresas de colonização – possibilidades e disponibilidade de terras em suas colônias. Já nos anuários/Kalender, há extensos artigos e reportagens sobre os complexos coloniais, ilustradas com fotografias, reforçadas com relatos de visitas realizadas in locus pelos agentes do impresso.

Palavras-chave: Imprensa; anuários/Kalender; Colônia Neu-Württemberg; Rio Grande do Sul

Colonos alemães são os que vêm povoando o pitoresco núcleo de New-Württemberg (sic) e atualmente que tudo vai multiplicando-se pelo trabalho, pela dedicação na arena do labor. É agradabilíssimo, surpreendente, o espetáculo que se nos depara aos olhos uma dessas colônias.

Casinhas de belo aspecto, erguem-se no meio dos milharais, circundadas de paióis abundantes de produtos, arvoredos, potreiros verdejantes onde serpenteando, rumorejam regatos de água pura, cristalina, – tudo enfim, nos dá uma ideia do que é trabalho, a luta tranquila pela vida, esse suor finalmente abençoado por Deus e que proporciona essa paz confortável de espírito, que goza o rude colono, sempre feliz e despreocupado, ante o viço das suas roças, prometendo-lhes abundante colheita.

Quanto de poesia não anda nesse drama da vida quotidiano, nesse quadro animado da existência, quando, numa tarde avermelhada de estio, o colono, ou seja mais bem dito – o herói do trabalho ao deixar suas lides do dia, vai repousar o corpo cansado, ao lado da fiel consorte e no meio da prole loura e risonha como os anjos do Senhor!

Minoly Gomes de Amorim (Democrata, 7/7/1907)

Introdução

A problemática imigração e refúgio é destaque nas manchetes da mídia – impressa, virtual e visual –; está na pauta das discussões e políticas de Estado – principalmente na União Europeia e nos Estados Unidos –, fruto da pressão política e das demandas sociais, da mobilidade populacional e multiplicação dos campos de refugiados.

(2)

Também ocupa o imaginário dos estabelecidos, movido pelo estranhamento e alteridade frente ao “outro” – sua cultura, tradições, língua –, despertando manifestações de xenofobia contra o outsider, percebido como uma ameaça ao mercado de trabalho e ao status quo (SAYAD, 1998; ELIAS, 2000).

A postura da sociedade de recepção e as medidas implementadas pelos seus governantes são múltiplas e oscilam conforme os interesses em jogo: medidas de acolhimento, definição de categorias de imigrantes “desejáveis” e “indesejáveis”, políticas de proteção e inserção do imigrante/refugiado na sociedade, embora negando-lhes a cidadania plena; em outros momentos, sobressaem discursos e atitudes de ódio/xenofobia aos imigrantes, o endurecimento das leis e/imigratórias e o fechamento das fronteiras – simbolicamente, via adoção de uma postura anti-imigração ou fisicamente, com policiamento, construção de cercas e muros e, de forma dissimulada, pela necropolítica (MBEMBE, 2016). Paralelo aos fluxos migratórios excepcionais/fatores de repulsão, permanecem os deslocamentos populacionais regionais e transnacionais regulares e documentados/“legais”, numericamente até superiores, motivados por fatores diversos e direcionados a locais específicos, em razão do desenvolvimento econômico, oportunidades, etc.

A mídia, nos seus diferentes suportes e formatos, contribui historicamente na construção, circulação e debate de representações sobre os imigrantes e os seus territórios de origem/destino/por eles ocupados – tanto positivas quanto negativas. Discussões sobre a presença de imigrantes e a formação de núcleos coloniais pautaram a imprensa de meados século XIX até meados do século XX. Na imprensa étnica no Brasil, em particular no Rio Grande do Sul, esses debates marcaram posicionamentos étnicos, confessionais e políticos entre, de um lado, os apoiadores irrestritos da imigração e colonização, e do outro, os críticos ferrenhos. Os debates cotidianos sobre imigração e colonização figuravam nas páginas dos jornais, enquanto os anuários/Kalender publicavam artigos extensos e bem documentados ao abordar a temática.

Nesse sentido, objetiva-se mapear as representações sobre/da colônia alemã Neu-Württemberg (1898), de propriedade da Colonizadora Meyer, em circulação nos anuários/Kalender rio-grandenses, utilizando-os como fonte de pesquisa.

Anuários/Kalender: o gênero impresso da colônia

Nas zonas de colonização alemã do Rio Grande do Sul, o Kalender ou Jahrweiser contava com uma ampla aceitação e circulação. Em 1924, por ocasião da comemoração

(3)

do centenário da imigração alemã no Estado, foi ressaltada a função, abrangência e popularidade do anuário/Kalender.

O gênero de imprensa mais cultivado aqui é o dos almanaques (Kalender). Apesar de tudo, todo colono mesmo que more na picada mais afastada na mata virgem, embora nunca leia um livro, talvez nem assine um jornal em companhia com um outro, por um hábito que lhe vem de longe, compra um almanaque, a fim de se manter a par do calendário de festas, das fases da lua e outros tantos assuntos (Cem anos de germanidade, 1999, p. 291).

Conforme Grützmann (1999; 2004), a praticidade do anuário confere-lhe um caráter mais duradouro, permitindo, ao contrário do jornal – que logo se torna obsoleto – ser consultado inúmeras vezes e conservado durante um período maior de tempo como um livro da família.

O anuário é, por definição, um periódico de cunho popular, concebido para ser lido por um grande número de pessoas, portanto, um veículo que circula pelas mãos de diferentes tipos de leitores. Esse atributo popular refere-se também ao seu conteúdo que visa ser compreensível e acessível a todos (GRÜTZMANN, 1999, p. 51).

Os editores dos anuários em língua alemã, publicados no Rio Grande do Sul, do final do século XIX até meados do século XX, inspiraram-se nos modelos do gênero impressos na Alemanha, adaptando as características estruturais e os conteúdos das publicações às condições de produção e de recepção reinantes entre os imigrantes alemães e seus descendentes.

A literatura de almanaques pode ser considerada, com toda a razão, o gênero mais adequado para, nas circunstâncias daqui [Rio Grande do Sul], isto é, garantir a informação e formação do povo. Os almanaques daqui afortunadamente não contêm, da forma como vêm ao público hoje, vestígios de acirramento confessional e matérias ofensivas aos bons costumes, tanto em textos como em gravuras, são evitadas. Isto permite a nós, alemães, olhar com orgulho sobre a literatura alemã de almanaque, nas comemorações dos cem anos [1924] de atividade no Rio Grande do Sul (Cem anos de germanidade, 1999, p. 291-292).

Os anuários/Kalender consistiam em meios de comunicação de massa, destinados à informação e o entretenimento, utilizando linguagem verbal e não-verbal. Sua estrutura foi pensada justamente para contemplar todos os aspectos da vida cotidiana do seu leitor e de sua família: contava com um calendário, ao lado do qual se reservava espaço para anotações; instruções sobre os meses de plantio e colheita; textos literários; artigos sobre as colônias ou outros temas; pequenas notas publicitárias; além de ilustrações e fotografias. Essa capacidade de apresentar uma gama variada e acessível de textos faz com que, ao longo de sua história, o anuário se torne a opção de leitura preferencial e

(4)

mais difundida, formando com a Bíblia e o hinário, o terceiro livro da casa dos colonos. Em síntese, os anuários atuavam como guia temporal, informativo, normativo, de entretenimento e de leitura. Os anuários podiam ter vinculação religiosa, como o católico e o evangélico, ou serem populares (GRÜTZMANN, 1999; 2004).

Os primeiros anuários tiveram uma produção e circulação passageira. Há referências a esses anuários a partir de 1858, com produção em Porto Alegre: Der Neue Hinkende Teufel. Deutscher Volkskalender für 1858 für die Provinz S. Pedro do Sul. (O Novo Diabo Coxo. Anuário Alemão Popular para a Província S. Pedro do Sul), impresso pela firma Carl Jansen e Comp., estabelecida na Capital. Em 1862, já circulava o Deutscher Volkskalender (O Anuário Popular Alemão), impresso pela Tipografia do jornal Deutsche Zeitung, criado em 1861 e estabelecido em Porto Alegre.

Posteriormente, houve a concepção e publicação de anuários cuja circulação manteve-se até a II Guerra Mundial. Dentre eles, destacam-se: Koseritz Deutscher Volkskalender für die Provinz Rio Grande do Sul (Anuário Popular Alemão do Koseritz para a Província Rio Grande do Sul), em circulação de 1874 a 1938, criado por Karl von Koseritz em 1873; Kalender für die Deutschen in Brasilien (Anuário para os Alemães no Brasil), impresso em São Leopoldo a partir do ano de 1881, pelo Dr. Willlelm Rotermund; Musterreiter neuer historischer Kalender (O Novo Anuário Histórico dos Caixeiros-Viajantes), publicado a partir de 1885, por Cäsar Rheinhardt, em Porto Alegre.

A partir da década de 1910, e de modo mais acentuado na década de 1920, nota-se a circulação de um maior número de anuários e a interiorização de sua publicação, bem como a diversificação quanto ao perfil político e religioso. Contribui para esse boom dos anuários a pressão da demanda, impulsionada pelo aumento do número de leitores, fruto do crescimento populacional das colônias e dos fluxos imigratórios regulares, somado a maior estabilidade econômica dos colonos, permitindo o consumo desse produto.

Nesse contexto, em 1912 principiou a circulação do Der Familienfreund. Katholischer Hauskalender und Wegweiser (O Amigo das Famílias. Anuário do Lar e Guia Católico), editado em Porto Alegre por Hugo Metz1er; em 1917, o Rio-Grandenser Marienkalender (Anuário Mariano Rio-Grandense), impresso em Porto Alegre, pela Livraria Selbach, ambos de orientação católica. Já em 1925, passou a ser publicado na Capital o Luther-Kalender für Südamerika (Anuário Luterano para a América do Sul), vinculado à Igreja Missouri, a cargo da Casa Publicadora Concórdia.

Relativo a interiorização, em 1916 foi lançado em Pelotas, o Deutsches Handbüchlein für Pelotas und Umgebung (pequeno Guia para Pelotas e Arredores), a

(5)

cargo do jornal Deutsche Wacht (Sentinela Alemã), afetado pela Primeira Guerra Mundial. Já na região do Planalto Rio-grandense, em 1922, passou a circular o Kalender der Serra-Post (Anuário do Correio Serrano), editado em Ijuí, pela Tipografia Löw e Becker. A primeira fase de publicação desse anuário estende-se do ano de 1922 até o ano de 1948. A partir de 1949, o impresso recebeu o nome de Serra-Post Kalender (Anuário Serrano) e sofreu uma reformulação no seu conteúdo.

As colônias novas nas páginas dos anuários: a colônia Neu-Württemberg

Em levantamento nos anuários Familien Freund Kalender e Kalender für die Deutschen in Brasilien, para o período de 1920 a 1940, Thieme (2012) localizou 74 anúncios de propaganda de colônias publicados por empresas de colonização. Predominavam como anunciantes as empresas de colonização privadas com sede no Rio Grande do Sul, mas atuantes no oeste de Santa Catarina – Volksverein, Cia. Territorial Sul Brasil, Dahne, Conceição e Cia., Luce, Rosa e Cia. Ltda, Mosele, Eberle, Ahrons Cia, P. J. Koelzer & Cia., H. Hacker & Cia Ltda. Nos anúncios, com algumas variações, sobressaem como elementos de persuasão, primeiro, a oferta de terras próximas a rios, com água abundante; segundo, a disponibilidade de estradas construídas/vias de acesso boas; e terceiro, os planos de pagamento e descontos.

No decorrer das primeiras décadas do século XX, as publicações em geral e os anuários em particular, contribuíram na construção, circulação e consagração da colônia Neu-Württemberg como a colônia-modelo, dentro da categoria de colônia étnica e particular, situada na região noroeste do Rio Grande do Sul, no limite entre os municípios Cruz Alta e Palmeira (NEUMANN, 2016). Como tal, mereceu artigos extensos nos anuários, ilustrados geralmente com diversas imagens fotográficas, sempre atualizadas e com novos elementos, não encontrando tal regularidade imagética nos artigos sobre outras colônias nas demais edições dos anuários. As imagens fotográficas contribuíam para reforçar as ideias apresentadas, também funcionavam como um convite para imigração e a migração interna. Tais referências são encontradas em anuários de filiação religiosa ou popular, de circulação regional, nacional ou no exterior.

Na década de 1920, as edições dos anuários dedicaram maior espaço para o complexo colonial da Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, por duas razões. Em primeiro lugar, vivia-se o auge do desenvolvimento e da expansão da colônia Neu-Württemberg, quando ela adquiriu a solidez necessária para sua autonomia. Em segundo lugar, devido a uma tragédia: a morte de Hermann Faulhaber, administrador da

(6)

Colonizadora Meyer e diretor da colônia Neu-Württemberg, conhecido e reconhecido como o grande responsável pela execução do projeto de colonização de Meyer, e como fundador da colônia Porto Feliz (Mondaí), no oeste do estado de Santa Catarina. Esse segundo rol de artigos objetivava manter a ordem e afastar as especulações, garantindo que a morte do diretor não significava a morte do projeto como um todo, nem mesmo havia comprometido a sua sustentabilidade e credibilidade no mercado (NEUMANN, 2016).

No mesmo período, na colônia Neu-Württemberg, houve um ensaio do anuário Neu-Württemberger Illustrierter Familien Kalender Siedlungshort (Anuário da Família Ilustrado Refúgio da Colônia de Neu-Württemberg), que circulou apenas em 1925 e 1926, editado por Fr. W. Brüggemann, proprietário da Tipografia e Livraria Fr. W. Brüggemann, estabelecidas na mesma colônia. Grützmann (1999, p. 161-162) afirma que os editores do anuário tinham propósitos bem definidos e pretendiam, “através de palavras e imagens, apresentar aos imigrantes [recém-chegados e aos migrantes oriundos da antiga zona colonial] a região serrana de colonização”, informando as suas peculiaridades, além de incentivar a emigração alemã para Neu-Württemberg. O anuário solicitava aos seus leitores o envio da publicação aos seus parentes e conhecidos na Alemanha, desejosos de emigrar. Objetivava ainda estabelecer um elo entre a pátria de origem, a Heimat, e a pátria de destino e contribuir para conservar a identidade alemã dos imigrantes e de seus descendentes. Nas páginas do anuário de 1925 foi dado amplo destaque à colônia Neu-Württemberg, em artigos e imagens.

Em nível de Estado, na edição de 1922 (p. 35-49), o Koseritz’ Deutscher Volkskalender für Brasilien trazia aos seus leitores o relato de uma visita realizada por um dos redatores às colônias novas. Esclarecia que não tinha o objetivo de fazer propaganda, mas, sim, fornecer um panorama mais aproximado dessas colônias em palavras e imagens, apresentando as diferentes possibilidades existentes para os que pretendiam migrar. Entendia a migração como uma necessidade para resolver os problemas de terra e do excedente populacional: a sina dos colonos alemães – ficavam as colônias velhas, mas não os seus velhos colonos, comparando-a à “marcha para o Oeste”. Na região Serrana visitou apenas a colônia Neu-Württemberg,1 “uma verdadeira pérola sem igual”, “bonita” em muitos aspectos: as condições climáticas, lavouras que

1 De lá, o redator seguiu para as colônias argentinas de Monte Carlo, em Puerto Retiro, e Santo Alberto, em

Puerto Rico; Marcelino Ramos, V. Barro, Barra Grande. Citou ainda os estados de Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso como possibilidades futuras para os migrantes.

(7)

formavam um enorme “campo amarelo”. Descreveu a sede Elsenau como uma “cidadezinha Turíngia”, localizada entre colinas, onde se destacava a casa da administração, a praça, o núcleo evangélico luterano: escola, igreja em construção, casa pastoral, casa dos professores, pensionato, biblioteca; a capela batista, o cemitério e o grande complexo da cooperativa. Também visitou as linhas coloniais, observando que os colonos construíam suas casas, geralmente pintadas de branco, próximas da estrada, com jardins e cercadas de grandes plantações. Lamentou que as quedas d’água do rio Palmeira não eram exploradas economicamente. Identificou o aspecto moderno de Elsenau na iluminação elétrica das casas e ruas centrais. Concluía que Neu-Württemberg era uma colônia em pleno desenvolvimento, com inúmeras possibilidades, atestadas também pelas fotografias que acompanhavam o texto: duas vistas parciais da sede Elsenau, uma vista panorâmica e um retrato da casa da direção da empresa.

O Illustrierter Familien-Kalender Siedlungshort, editado em Santa Cruz do Sul, no ano de 1927, trazia um texto sobre a colônia Neu-Württemberg, outro sobre a colônia Porto Feliz e um relato do falecimento de Hermann Faulhaber. No campo da colonização particular, Porto Feliz, fundada em 1922, pretendia ser uma extensão da colônia Neu-Württemberg, uma colônia-filha, “uma autêntica colônia alemã, com um desenvolvimento material e imaterial extraordinário”, como se comprova pelas fotografias inclusas no texto. Nas entrelinhas do texto deixava claro que o suicídio de Hermann Faulhaber não tinha relação direta com a colônia Porto Feliz, mas com a situação financeira interna da Empresa Chapecó-Pepery Ltda. Segundo o anuário, Porto Feliz seria a Neu-Württemberg do futuro, moldada nos mesmos parâmetros (Illustrierter, 1927, p. 50-56).

O anuário relatou ainda ter havido uma conferência sobre a colônia Neu-Württemberg sem, contudo, informar o nome do conferencista, o local e a data. Em linhas gerais, o conferencista traçou um perfil da colônia e dos (i)migrantes ideais, visando impedir a fuga de capital, retomando os pontos principais do prospecto oficial da colonizadora Meyer, ilustrando a fala com vários slides com imagens da colônia e dos colonos. Segundo ele, após vinte anos de trabalho dedicado, essa colônia recordava em tudo a pátria alemã: seus habitantes, a vida e o movimento na cidadezinha Elsenau, especialmente as atividades das sociedades (das 12 então existentes, seis eram de canto), a autêntica escola alemã e a vida religiosa, além de “manter-se ligada para sempre em pensamento à antiga pátria-mãe” (Illustrierter, 1927, p. 69-72).

(8)

Finalizando o artigo sobre a colônia Neu-Württemberg, o anuário relatava ainda a ocorrência de uma grande enchente entre 21 e 22 de setembro de 1926, como “mais uma surpresa desagradável”, e outra, a morte de Faulhaber. A intensa chuva fez transbordar o rio Fiúza, inundando a área central da sede Elsenau, dezenas de residências, uma casa comercial, ferrarias, serrarias, fábrica de telhas. Danificou também a pequena usina elétrica de Kepler e as lavouras. Foi a maior e mais devastadora enchente verificada na colônia na primeira metade do século XX, afetando diretamente os compradores pretendentes e os residentes das áreas alagadiças, que debandaram para o alto dos morros. Foi uma calamidade inusitada, causou enormes prejuízos tanto aos habitantes quanto à colonizadora Meyer como um todo, exigindo algumas medidas preventivas e de remodelação urbana (Illustrierter, 1927, p. 84-87).

Publicado em São Paulo, mas com circulação no Rio Grande do Sul, o Uhles Kalender de 1932, publicou o texto de Friedrich Krahe, republicado em 1933 no livro Neu-Württemberg, eine Siedlung Deutscher in Rio Grande do Sul/ Brasilien, onde consta o histórico da colonização promovida pela Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, ano em que ocorreu o falecimento de seu proprietário, Dr. Herrmann Meyer, em Leipzig, Alemanha. Trata-se de um artigo longo, ilustrado com dez fotografias, incluindo vistas parciais da sede e atividades cotidianas na colônia, fazendo menção também à colônia Porto Feliz - SC.

Para a edição do Uhles Jahrbuch de 1936 (p. 190-221), a equipe do anuário realizou uma viagem pelo sul do Brasil, visitando a colônia Castro, no Paraná, e Neu-Württemberg, Ijuí e Santo Ângelo no Rio Grande do Sul. Na ocasião, foi constatado que na colônia Neu-Württemberg predominavam os imigrantes/colonos suabos, oriundos do sul da Alemanha. A igreja evangélica luterana, coberta com telhas vermelhas, saudava ao longe aqueles que chegavam. Ao lado da igreja, ficava a nova construção da escola, pois a antiga não comportava mais o número elevado de alunos. Diante do resultado material de Neu-Württemberg, o articulista considerou que o único sonho da colônia e seus colonos havia se realizado há tempo: “sair de um despovoado e desbotado deserto e conseguir um paraíso. Isso custou imenso esforço e trabalho para milhares de homens e mulheres alemães, que formaram uma nova e florescente pátria alemã no Brasil, na qual eles, com alegria e amor, trabalham, e onde os seus corações criaram raízes”. Segundo o relato da visita, em todas as picadas havia bonitas moradias de colonos alemães. Suas plantações, casas, pátios e hortas atestavam grande diligência e espírito ordeiro. Os próprios habitantes tornavam sua vida rica em opções, pois mantinham 32 sociedades. O

(9)

mercado de terras na colônia era regular, com disponibilidade de poucos lotes. A sede urbana crescia gradualmente, pois já contava com cerca de 250 residências, várias casas comerciais, as igrejas evangélica e católica e a capela batista e um grande e bem equipado hospital. Estabelecidos na praça, havia duas farmácias alemãs, e uma casa comercial bem organizada e sortida, restaurantes e hotéis, correio, telégrafo, coletoria de impostos e cinema. A indústria encontrava-se em franco desenvolvimento, disponibilizando na colônia quase todas as atividades artesanais.

Em 1949, por ocasião de a colônia Neu-Württemberg completar o cinquentenário, já com o nome Panambi, e iniciava o processo de emancipação, o anuário de Ijuí Serra-Post Kalender publicou o artigo “De Leipzig até Panambi: breve esboço histórico sobre uma colônia cinquentenária” (p. 74-79). No artigo constam três fotografias: um retrato de Hermann Faulhaber, uma vista parcial da colônia no período da administração de Faulhaber, e uma da residência particular da família Faulhaber, anteriormente casa do diretor. O texto sintetizava a opinião dos editores, ou seja, a colônia como resultado do trabalho e dedicação de seu diretor Hermann Faulhaber. Sugeria também a continuidade entre Leipzig/Alemanha e a colônia Neu-Württemberg, referindo-se no início à cidade Leipzig, aprereferindo-sentando-a como dereferindo-senvolvida, um centro cultural avançado, com muitas livrarias, na qual havia nascido a ideia de fundar uma colônia alemã no Brasil. Tendo-a como modelo, esperava-se a constituição de uma colônia semelhante, e o artigo buscava essa confirmação. Ressaltava que o Dr. Herrmann Meyer era neto do fundador do mundialmente conhecido Instituto Bibliográfico de Leipzig, ou seja, nasceu e cresceu numa família de posses e em meio a intelectuais e livros. Na sequência, apresentava os caminhos que trouxeram Meyer ao noroeste do Rio Grande do Sul e os problemas iniciais da colonização.

O autor do artigo dividiu o desenvolvimento de Neu-Württemberg em três fases: até 1902, era Hermann Faulhaber e o pós-1926. Explicava que apesar do sacrifício pessoal do Dr. Meyer não conseguia fazer com que a colônia progredisse no ritmo esperado, pois as dificuldades eram muitas, chegando a faltar o essencial, pois tratava-se, em regra geral, do desenvolvimento de cada novo colono, para o que, às vezes, era preciso muita paciência. O desenvolvimento de Neu-Württemberg foi possível, segundo o articulista, por Meyer ter conseguido contratar um líder à altura para resolver essas dificuldades. Para justificar a debandada dos primeiros imigrantes trazidos por Meyer, alegava que eles haviam imaginado a vida na mata brasileira de modo diferente do que era na realidade. Do romantismo que o homem havia sonhado na Alemanha, não restava muito ao se

(10)

deparar com a floresta. Os colonos oriundos das colônias velhas teriam permanecido porque já estavam adaptados a esse modo de vida. Logo, com Faulhaber na administração, a colônia cresceu rapidamente, tanto em contingente populacional quanto de infraestrutura. Na sede Elsenau organizou-se uma rica vida cultural e uma forte base econômica. O artigo concluiu que, por tudo isso, Neu-Württemberg estava entre as mais desenvolvidas e promissoras colônias do Rio Grande do Sul. A troca do nome de Neu-Württemberg para Pindorama e, posteriormente, Panambi não havia interferido no seu desenvolvimento. “Independente do nome, quem olhar para trás, verá muitas iniciativas e sacrifício alemão, e como eles conseguiram conduzir seu desenvolvimento com muito trabalho. Ela é um presente do espírito alemão para o Brasil”.

Para o editor do Serra-Post Kalender, o grande responsável pelo desenvolvimento da colônia Neu-Württemberg/Panambi era, sem dúvida, Hermann Faulhaber. Colocando o seu idealismo em primeiro plano e destacando seu falecimento como a maior perda para o núcleo – mais sentida do que a de Herrmann Meyer –, reforçava a ligação pessoal de Faulhaber com a colônia, onde era conhecido e respeitado, conquistando respeito e prestígio em outras zonas coloniais. Por sua vez, Herrmann Meyer era o mentor intelectual e empresário da colônia, porém jamais a visitara novamente, o que poderia ser interpretado como total desinteresse. Enquanto os anuários ocupavam-se de aspectos gerais da colonização, os jornais de notícia acompanhavam o cotidiano da colônia, seguindo a mesma tendência.

Considerações finais

Portanto, os anuários contribuíram para a construção de uma imagem coerente e positiva da colônia Neu-Württemberg olhando de fora, colocando-a em circulação para diferentes públicos leitores. Em linhas gerais, reafirmaram o discurso oficial da Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprovando, com depoimentos de seus editores, fotografias, artigos e notícias, que Neu-Württemberg era e permanecia uma autêntica colônia alemã-modelo. Reforçaram tratar-se de uma colônia privada para colonos e, secundariamente, para artesãos, e somente aqueles que realmente estavam dispostos a se sujeitar a esse modo de vida deveriam (e)migrar – a seleção dos imigrantes era clara. Nesses termos, não se tratava de uma propaganda suntuosa como aquela do século XIX, a qual representava o Brasil e suas colônias como uma terra de possibilidades ilimitadas. Os anuários colaboraram, ainda, para tornar o Noroeste do Estado e as suas colônias

(11)

conhecidas, indicando-as como mais uma possibilidade para a realocação dos excedentes populacionais.

Referências bibliográficas

Aus den neuen Deutschen Siedelungen. Koseritz’ Deutscher Volkskalender für Brasilien. Porto Alegre: Krahe, 1922. p. 35-49.

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. GRÜTZMANN, Imgart.; DREHER, Martin N._____ (org.). Imigração & imprensa. Porto Alegre: EST, São Leopoldo: Instituto Histórico de São Leopoldo, 2004.

GRÜTZMANN, Imgart. “Deus, germanidade, pátria”. A presença do germanismo no Kalender für die deutschen evangelischen Gemeinden in Brasilien. In: DREHER, Martin N. (org.). 500 anos de Brasil e Igreja na América Meridional. Porto Alegre: Edições EST, 2002, p. 308-334.

GRÜTZMANN, Imgart. A mágica flor azul: a canção em língua alemã e o germanismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1999. Tese [Doutorado]. Programa de Pós-Graduação em Letras, PUCRS, 1999.

Hochwasser in Neu-Württemberg. Illustrierter Familien-Kalender Siedlungshort. Santa Cruz do Sul: Friedrich Brüggemann, ano 4, 1927, p. 84-87.

Im brasilianischen Urwald. Illustrierter Familien-Kalender Siedlungshort, Santa Cruz do Sul: Friedrich Brüggemann, ano 4, 1927, p. 50-56.

KRAHE, Friedrich. Neu-Württemberg, die deutsche Siedlung in Rio Grande do Sul. Uhles Kalender. São Paulo: A. Otto Uhle, 1932. p. 238-263.

Mbembe, Achile. Necropolítica. Arte e Ensaios, v. 2, n. 32, 2016, p. 123-151. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993. Acesso em 15 ago. 2020. Mit dem Süd-Express durch das Hochland von Paraná, Santa Catarina und Rio Grande do Sul. Fotos de Curt O. Jensch. Uhles Jahrbuch. N. 30, São Paulo: A. Otto Uhle, 1936, p. 190-221.

NEUMANN, Rosane Marcia. Uma Alemanha em miniatura. O projeto de imigração e colonização étnico particular da Colonizadora Meyer no Noroeste do Rio Grande do Sul (1897-1932). São Leopoldo: Oikos; Editora Unisinos, 2016.

SAYAD, Abdelmalek. A imigração. São Paulo: Edusp, 1998.

THIEME, Robert. Análise de métodos e elementos de persuasão utilizados em anúncios de novas colônias veiculados entre 1920 e 1940 nos almanaques Familienfreund Kalender e Kalender für die Deutschen in Brasilien. In: FERNANDES, Evandro; NEUMANN, Rosane Marcia; WEBER, Roswithia (Org.). Imigração: diálogos e novas abordagens. São Leopoldo: Oikos Editora, 2012, p. 606-616.

Von Leipzig bis Panambi. Kurze historische Skizze einer funfzigjährigen Siedlung. Serra-Post Kalender. Ijuí, 1949. p. 74-79.

Vortrag über die Privatkolonie Neu-Württemberg. Die Kolonie Neuwürttemberg in Brasilien. Illustrierter Familien-Kalender Siedlungshort. Santa Cruz do Sul: Friedrich Brüggemann, ano 4, 1927, p. 69-72.

Referências

Documentos relacionados

Nas análises efectuadas podemos verificar que a qualidade da água distribuída para consumo humano, referente ao Sistema de Izeda, encontra-se 100 % em conformidade com

Em harmonia com a defesa de uma prática de argumentação na casuística proposta para resolver dilemas bioéticos, Atlan sugere que o ter- ceiro nível de ética seria o de uma ética

O uso do PPO também se faz necessário quando o time de desenvolvimento não responde diretamente ao Product Owner, e a organização geral da conta é muito complexa para

de trânsito, mas parece uma tendência a se referir ao desrespeito entre os próprios motoristas de microônibus; ao que se refere a condições de trabalho, baseadas

Foram utilizados 112 leitões mestiços (Landrace e Large White), desmamados aos 21 dias de idade, sendo 56 machos castrados e 56 fêmeas, com peso inicial médio de 8,0 kg, em um

Embora os critérios para diagnóstico da SM não incluam níveis de colesterol total, nesse estudo constatou-se maior risco de indivíduos que apresentam triglicérides elevados

(2001) e o uso de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) foram eficientes no mapeamento da vulnerabilidade à degradação dos solos da Bacia Experimental de Iguatu, para as

Lista de espécies de plantas medicinais (nome popular, nome científico, família e utilidades) utilizadas em terreiros de Candomblé e Umbanda na região da Zona da Mata de Minas