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Possíveis relações entre as propostas de "Reforma do Pensamento" de Edgar Morin e "Educação para o Pensar" de Matthew Lipman

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO – UNINOVE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGE. POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE AS PROPOSTAS DE “REFORMA DO PENSAMENTO” DE EDGAR MORIN E “EDUCAÇÃO PARA O PENSAR” DE MATTHEW LIPMAN. OSWALDO MARQUES. SÃO PAULO 2007.

(2) 2. OSWALDO MARQUES. POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE AS PROPOSTAS DE “REFORMA DO PENSAMENTO” DE EDGAR MORIN E “EDUCAÇÃO PARA O PENSAR” DE MATTHEW LIPMAN. Dissertação de mestrado apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário Nove de Julho – Uninove, para obtenção do grau de mestre em Educação, sob a orientação do Prof. Dr. Marcos Antonio Lorieri.. SÃO PAULO 2007.

(3) 3. FICHA CATALOGRÁFICA. Marques, Oswaldo Possíveis relações entre as propostas de “Reforma do pensamento” de Edgar Morin e “Educação para o pensar” de Matthew Lipman. / Oswaldo Marques. 2007. 165 fls. Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário Nove de Julho, 2007. Orientador: Prof. Dr. Marcos Antonio Lorieri 1. Educação - Filosofia 2. Morin, Edgar 3. Lipman, Matthew CDU : 37.01.

(4) 4. POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE AS PROPOSTAS DE “REFORMA DO PENSAMENTO” DE EDGAR MORIN E “EDUCAÇÃO PARA O PENSAR” DE MATTHEW LIPMAN. Por. OSWALDO MARQUES. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação da Universidade Nove de Julho UNINOVE, como requisito parcial para a obtenção do título de MESTRE em Educação.. _______________________________________________________ Presidente: Prof. Marcos Antonio Lorieri, Dr. – Orientador, Uninove. ______________________________________________________ Membro: Profª. Cleide R. S. Almeida, Dra. – Uninove. _____________________________________________________ Membro: Profª. Patrícia Del Nero Velasco, Dra. - PUC-SP. ____________________________________________________ Membro: Profª. Izabel Petraglia, Dra. – Uninove. São Paulo, 26 de Junho, 2007.

(5) 5. Hay hombres que luchan un dia y son buenos. Hay otros que luchan un año y son mejores. Hay quienes luchan muchos años y son muy buenos. Pero hay los que luchan toda la vida: esos son los imprescindibles. Bertolt Brecht.

(6) 6. Para Roseli, que se desdobrou em compreensão. Para Aline, Ariane e Fábio, pelo que representam. Para Luzia, que já partiu, e Antonio, que insiste..

(7) 7. AGRADECIMENTOS Ao professor Marcos Antonio Lorieri, pela dedicação e competência, pela orientação e, sobretudo, pela amizade.. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário Nove de Julho, que desponta como lócus de ensino e pesquisa.. Aos professores doutores do Programa do Núcleo de Pós-Graduação do Centro Universitário Nove de Julho: Carlos Bauer de Souza, Celso do Prado Ferras, Cleide Rita Silvério de Almeida, Elaine Terezinha Dal Mas Dias, Ester Bufa, Ivanise Monfredidni, Izabel Cristina Petraglia, José Eustáquio Romão, José Gabriel Perissé Madureira, José J. Queiroz, José Luís Vieira de Almeida, José Rubens Lima Jardilino, Marcos Antonio Lorieri, Maria da Glória Marcondes Gohn, Miguel Henrique Russo, Paolo Nosella, Terezinha Azerêdo Rios, pelo exemplo de sabedoria e humildade.. Aos colegas da turma de 2005: Adalberto Ribeiro; Andréia de Oliveira Silva, Antonio Luís de Quadros Altieri, Antonio Luís Risso, João Carlos Camolez, José Carlos Damasceno, Ladenilson José Pereira, Luis Fábio Simões Pucci, Luis Mauro Leonel Ferreira, Marcília Fátima Gobbo, Maria Aparecida Mazaro da Costa, Neusa Maria Jorgino Oliveira, Paulo Tadeu de Moraes, Renata Paredes, Rosana Cerqueira Dias, Rosângela Aparecida Hilário, Rúbia Andréa Duarte dos Santos, Sonia Alves Achnitz, pela convivência, amizade e aprendizado coletivo.. Aos colegas ATPs (assistentes técnicos da oficina pedagógica), supervisores de ensino da Diretoria de Ensino Leste 5: Ana Maria, Eliana, Eunice, Inez, Ivany, J. Edson, J. Martins, M. Helena, M. Cristina, M. Angélica, Marta, Rosana, Shirley, Sônia, Sueli, Terezinha, Tereza, especialmente à professora Solange Teresa Galetti – Dirigente Regional de Ensino –, pelo apoio e incentivo.. Ao governo do Estado de São Paulo, pelo estímulo que a Bolsa Mestrado representou..

(8) 8. RESUMO. O presente trabalho tem como base as idéias de Edgar Morin e de Matthew Lipman sobre o pensamento. O objeto central do estudo foram as concepções dos pensadores relativas ao pensamento, pensar bem, relação da educação com o desenvolvimento do pensar bem. Lipman identifica o pensar bem como o pensamento de ordem superior e propõe uma “educação para o pensar”. Morin considera o pensar bem como uma nova maneira de pensar que ele denomina de pensamento complexo e sugere uma “reforma do pensamento”. Estes tópicos foram analisados à luz da questão das relações que podem ser estabelecidas, tanto de afinidades quanto de diferenças ou mesmo de divergências, entre as posições destes pensadores e das implicações educacionais que podem derivar das idéias de ambos e das relações estabelecidas entre elas. Para a consecução do proposto empreendeu-se uma pesquisa bibliográfica nas obras dos pensadores. Selecionadas as obras, buscou-se analisar e compreender as idéias dos autores sobre pensamento e sobre o pensar bem; procedeu-se a análise comparativa das idéias dos pensadores e, por fim, verificou-se as possíveis implicações educacionais a partir da análise comparativa das idéias de ambos. Nas conclusões do trabalho é apresentada aproximação entre as idéias dos autores estudados, não somente sobre as idéias de pensamento e pensar bem, mas também, em relação à necessária reforma educacional.. Palavras-chave: Pensamento, Reforma do pensamento, Educação para o pensar, Implicações educacionais..

(9) 9. ABSTRACT. This assignment is based on Edgar Morin and Mathew Lipman’s ideas about thought. The main object of study was the conceptions of those philosophers relating to thought, think-well, relation with education with the think-well development. Lipman identifies think-well as the superior order of thought and proposes an “education for thinking”. Morin considers thinkwell as a new way of thinking that he calls as complex thought and proposes a “thought reform”. These topics were analyzed at question’s light of the relationship that can be established, as much affinities as differences or even as divergences, among positions of those philosophers and of educational implications that can derive from ideas of both and the established relationships among it. To carry out what was proposed it was developed a bibliography research on those philosophers’ works. After selecting works it was looked to analyze and understand de authors’ ideas about thought and about think-well; it was analyzed the ideas of those philosophers and, finally, it was checked the possible educational implications starting from comparative analyze of both ideas. The conclusion of the research is a meaningful approach among these studied authors’ ideas, not only about ideas of thought, but also, in relation to a necessary educational reform.. Key-words: Thought, Thought reform, Education for think, Educational implications..

(10) 10. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 11. CAPÍTULO I – PENSAMENTO EM EDGAR MORIN ........................................ 15. 1 Pensamento em Morin............................................................................ 15. 2 Pensamento: computação, cogitação e concepção............................... 17. 3 O pensamento criador............................................................................ 23. 4 O pensar bem......................................................................................... 27. 5 O pensamento complexo........................................................................ 31. 6 A reforma do pensamento proposta por Morin....................................... 40. 7 Conceito de cabeça bem-feita................................................................ 47. 8 Os princípios da reforma do pensamento.............................................. 50. 9 Como promover a reforma do pensamento............................................ 54. CAPÍTULO II – PENSAMENTO EM MATTHEW LIPMAN................................. 57. 1 Pensamento de ordem superior............................................................ 59. 2 O pensamento crítico............................................................................. 66. 3 O pensamento crítico e autocorreção.................................................... 67. 4 O pensamento crítico e sensibilidade ao contexto................................. 70. 5 Critérios e razões no pensamento crítico............................................... 71. 6 O pensamento criativo............................................................................ 72. 7 O pensamento cuidadoso....................................................................... 74. 8 O pensar bem......................................................................................... 78. 9 Habilidades de pensamento................................................................... 80.

(11) 11. Habilidades de investigação....................................................... 84. Habilidades de raciocínio .......................................................... 89. Habilidades de formação de conceito........................................ 91. Habilidade de tradução............................................................... 92. 10 A Comunidade de Investigação........................................................... 93. CAPÍTULO III – POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE AS IDÉIAS DE MORIN E LIPMAN ......................................... 99. 1 Conceito de pensamento...................................................................... 99. 2 Pensamento de ordem superior/ pensamento complexo...................... 103. 3 Pensamento crítico................................................................................ 104. 4 Pensamento criativo / pensamento criador............................................ 111. 5 Pensamento cuidadoso / pensamento compreensivo .......................... 112. 6 Pensar bem............................................................................................ 113. 7 Proposta de educação para o pensar / proposta de reforma do pensamento......................................................................... 115. CAPÍTULO IV – POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS DAS PROPOSTAS DE “REFORMA DO PENSAMENTO” DE EDGAR MORIN E DE “EDUCAÇÃO PARA O PENSAR” DE MATTHEW LIPMAN........................................................... 122. 1 Implicações educacionais das idéias de Matthew Lipman...................... 122. 2 Implicações educacionais das idéias de Edgar Morin............................. 133. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 155. BIBLIOGRAFIA.................................................................................................. 163.

(12) INTRODUÇÃO. Esta pesquisa concretiza uma idéia que surgiu dos estudos e das práticas vivenciadas desde 1986, quando conheci o Programa de Filosofia para Crianças – Educação para o Pensar (FpC – EP) e comecei a trabalhar como monitor. Durante todo este tempo, a questão do pensamento sempre esteve presente e nos desafiava intelectualmente, seja pelas leituras realizadas, seja nos questionamentos dos colegas e alunos, crianças e jovens, feitos durante as sessões de filosofia. Não era só um desafio, mas também um estímulo que me empurrava na direção de estudos mais sistematizados. Li, estudei e vivenciei Lipman; busquei seus fundamentos e encontrei outros autores que também tratavam do tema. Nessas buscas e contatos com colegas, conheci Os sete saberes necessários à educação do futuro de Edgar Morin. Desde então, passei a estudar Lipman e Morin juntos. Optei por um estudo comparado das idéias de Edgar Morin e Matthew Lipman porque, além de pensadores contemporâneos, tratam a categoria pensamento, relacionando-o com o processo educacional. de significativa relevância, pois muito se apregoa a necessidade de acentuar, na Neste estudo, para apreender as idéias de Edgar Morin sobre o pensamento, utilizei O método 3: conhecimento do conhecimento (1999), Os sete saberes necessários à educação do futuro (2002), A cabeça bem feita: repensar a reforma e reformar o pensamento (2004) e outras obras. De Lipman selecionei: A filosofia vai à escola (1990), Filosofia na sala de aula (1994), mas principalmente o livro O pensar na educação (1995), além de outras obras dos autores e fontes bibliográficas. Os passos seguidos no projeto da pesquisa e que serviram de guia para esta dissertação são apresentados a seguir. As questões relacionadas aos modos de pensar, sobretudo dos alunos, sempre estiveram presentes em minha prática pedagógica em sala de aula, nos corredores e pátios. Sempre me interessei em entender a lógica e a complexidade que envolve o pensar das pessoas, não somente em âmbito escolar, mas também nas relações interpessoais cotidianas. Por isso, interessa, nesta pesquisa, refletir e entender as contradições e as ambigüidades existentes no pensar, no falar e no fazer humano; compreender a configuração desse pensar, penetrar em seus labirintos para apreendê-lo de forma sistemática e aprofundada..

(13) 12. Para essa tarefa foram selecionados dois autores que tratam do assunto e que ajudarão nessa empreitada. Espero que este estudo ofereça uma contribuição às pesquisas que são feitas sobre o pensamento e fomente a discussão sobre a prática pedagógica reflexiva. Do ponto de vista educacional, este estudo reveste-se formação dos professores e na prática pedagógica, o desenvolvimento do pensamento crítico, sistemático e reflexivo. Contudo, parece que pouco se avançou a nesse sentido, principalmente em relação à prática docente em sala de aula. É inegável que a sociedade não prescinde de sujeitos racionais. É certo também que somente a racionalidade não é suficiente para a construção de uma humanidade melhor; que a sociedade chegou ao século XXI pela capacidade do ser humano de utilizar seu pensamento e a reflexão para resolver os problemas que enfrenta cotidianamente, em todos os setores. No século XX, o tema do pensamento foi recorrente nas discussões e propostas educacionais de muitos educadores e nações. Desde a filosofia da educação de Dewey1, e principalmente a partir das últimas décadas, presenciamos a mudança do foco da educação, que passou do aprendizado para o pensar. Ou seja: o processo de aprendizagem antes centrado na transmissão de conteúdos, passou a voltar-se para o desenvolvimento do pensamento de crianças, jovens e adultos, e o foco da educação passou a ser a educação para o pensar2. O objeto central deste estudo são as concepções de Matthew Lipman e de Edgar Morin relativas aos seguintes tópicos: pensamento, pensar bem, relação da educação com o desenvolvimento do pensar bem. Lipman identifica o pensar bem como o pensamento de ordem superior, e Morin, com uma nova maneira de pensar que denomina de pensamento complexo. Lipman propõe uma “educação para o pensar bem”, e Morin, uma necessária “reforma do pensamento”. Esses tópicos do pensamento dos dois autores são analisados à luz do seguinte problema:. Que relações podem ser estabelecidas, tanto de afinidades quanto de diferenças ou mesmo de divergências, entre as posições desses dois pensadores e que implicações educacionais podem derivar das idéias de ambos e das relações estabelecidas entre elas?. 11. 2. John Dewey (1859-1952), filósofo e pensador norte-americano, fundador da chamada escola ativa e dos métodos ativos tem uma vasta obra da qual, entre as mais importantes obras citamos: Escola e a sociedade (1889); A criança e o currículo (1902), Como nós pensamos (1910), Democracia e educação (1916), Experiência e educação (1938). Para corroborar essa idéia, a título de exemplo, consultar o primeiro volume dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental..

(14) 13. O problema será desdobrado em outras quatro questões. Trata-se de elucidar a concepção de pensamento e de pensar bem dos dois autores; procurar as relações possíveis entre as duas concepções; investigar o que os dois autores propõem em relação à necessidade de mudanças na maneira de pensar das pessoas; e relacionar as implicações educacionais que podem ser derivadas das idéias e propostas dos autores. Pretende-se, com esta pesquisa, de maneira mais genérica, contribuir para os estudos atuais sobre o pensamento e, precipuamente, sobre o trabalho educativo voltado para o pensar bem. E, de forma mais focada, almeja-se aprofundar a compreensão das idéias de Edgar Morin e Matthew Lipman sobre o pensamento e o pensar bem, além de avaliar as possíveis implicações das propostas dos dois autores na prática educativa escolar. Para a consecução dos objetivos propostos e esclarecimentos da questão central, foi feita uma pesquisa bibliográfica nas obras dos dois pensadores e também de outros autores. A pesquisa, em um primeiro momento, centrou-se nas obras de Lipman e Morin que abordam especificamente esses assuntos. Em seguida, foi feita uma análise comparativa de suas idéias e a verificação de suas implicações âmbito da educação. Assim, a proposta central deste trabalho é um estudo comparativo entre Morin e Lipman, buscando destacar as similitudes e as distinções em relação aos conceitos e idéias sobre o pensamento, sobre pensar bem e sobre propostas de educação para o pensar (Lipman) e reforma do pensamento (Morin). O exame das idéias desses dois importantes autores contemporâneos poderá indicar implicações pedagógicas na formação dos educadores, mas principalmente na sua prática de sala de aula. Pensando na questão central e nos objetivos propostos o trabalho foi organizado da seguinte maneira: no primeiro capítulo tratamos da concepção de Edgar Morin sobre o pensamento, sobre o bem pensar e sobre sua proposta de reforma do pensamento. O pensamento em Lipman é o tema do segundo capítulo; nele são exploradas as várias nuanças das idéias do autor sobre o pensamento de ordem superior e sobre o pensar bem. As possíveis relações entre as idéias de Limpam e Morin sobre o pensamento são contempladas no terceiro capítulo. O quarto e último capítulo foi reservado para as implicações educacionais das propostas dos dois autores..

(15) 14. CAPÍTULO I. PENSAMENTO EM EDGAR MORIN. Objetiva-se, neste capítulo, explicitar as idéias de Edgar Morin sobre o tema do pensamento, buscando clarear os conceitos criados e utilizados pelo autor, a fim de elucidar um dos problemas desta pesquisa, que se relaciona com a concepção de pensamento de Morin. Por esse motivo, organizou-se didaticamente o texto em seções, desdobradas em subseções, procurando construir um itinerário para a compreensão das idéias do autor.. 1 Pensamento em Morin. Nesta parte, pretende-se caracterizar as idéias de Edgar Morin sobre o pensamento para relacioná-las com a noção de pensamento complexo e com sua afirmação a respeito da necessidade de uma reforma do pensamento. No terceiro capítulo, será feita a relação entre as idéias de Morin e de Matthew Lipman sobre o tema. O ponto de partida para a caracterização das idéias de Morin é a sua obra O método 3: o conhecimento do conhecimento (1999). Outras obras do autor também foram utilizadas. No tocante à reforma do pensamento, a obra básica utilizada foi A cabeça bemfeita: repensar a reforma - reformar o pensamento (2004). De início, destacamos duas falas de Morin. Primeiro, uma pergunta: “Pensamos, mas sabemos pensar o que quer dizer pensar? Existe um impensável no pensamento, um incompreensível na compreensão, um incognoscível no conhecimento?” (MORIN, 1999, p. 17). Em segundo lugar, este alerta, que revela o seu programa de estudos, na obra O método 3:. Quando o pensamento descobre o gigantesco problema dos erros e das ilusões que não cessaram (e não cessam) de impor-se como verdades ao longo da história humana, quando descobre correlativamente que carrega o risco permanente do erro, então ele deve procurar conhecerse. (MORIN, 1999, p. 15) Na primeira citação, Morin relaciona (e o faz em toda a sua obra) a questão do pensamento, com a questão do conhecimento: conhecimento é produto privilegiado do pensamento; assim como se reporta à compreensão. Na segunda citação, ele aponta a.

(16) 15. necessidade de se conhecer o pensamento tendo em vista o gigantesco problema dos erros e das ilusões. Deixemos para mais adiante uma questão que surge de imediato: Se o conhecimento é produção do pensamento, como se pode ter garantia de um conhecimento sobre o pensamento que não seja contaminado de ilusões e erros? E outra: Para conhecer é necessário pensar, como pensar para conhecer o pensar? A questão da presença dos erros e ilusões no pensamento, apontada em O método 3, que é de 1986, volta com igual ênfase em obra de 1999: Os sete saberes necessários à educação do futuro. Nela lê-se o seguinte:. Erro e ilusão parasitam a mente humana desde o aparecimento do Homo sapiens. Quando consideramos o passado, inclusive o recente, sentimos que foi dominado por inúmeros erros e ilusões. Marx e Engels enunciaram justamente em A ideologia Alemã que os homens sempre elaboraram falsas concepções de si próprios, do que fazem, do que devem fazer do mundo onde vivem. Mas nem Marx nem Engels escaparam destes erros 3. (MORIN, 2002, p. 19) Nessa última obra, há indicações para uma educação que queira auxiliar as pessoas a enfrentar os problemas que dizem respeito à sua maneira de pensar. No final do primeiro capítulo, Morin aponta que “o dever principal da educação é o de armar cada um para o combate vital para a lucidez” (ibid., p. 33), talvez o único caminho para a minimização dos prejuízos causados pelos erros e ilusões no pensamento. Mas, o que seria mesmo o pensamento? Morin não o define exatamente. Ele constrói, aos poucos, uma idéia sobre o pensamento, atrelada a uma grande preocupação sua, que é com o conhecimento do conhecimento. Conhecimento, na verdade, é obra do pensamento, pois este último é como uma oficina que produz, também e talvez, precipuamente, conhecimento. Noções de computação, de cogitação e de concepção se entrelaçam para dar conta de dizer o que é pensar, assim como noções de inteligência, de explicação, de compreensão, entre outras, como será abordado a seguir. 2 Pensamento: computação, cogitação e concepção. O ser humano é um animal que se hiperdesenvolveu, diz Morin (1999, p. 62). O cérebro do homem distingue-se, por diversas razões, do cérebro dos demais animais, “mas permanece um cérebro animal, mamífero e primata”. (ibid., p. 62). É preciso ter isso sempre 3. Citação retirada da publicação em português de 2002..

(17) 16. em conta, assim como conta o que o distingue, por sua vez, dos demais animais. Morin procura mostrar que o desenvolvimento do cérebro e de todo o sistema nervoso está sempre ligado à ação. Mas o cérebro, ainda que originário do sensório e do motor, é quem comanda tudo. “Transforma em conhecimento individual as indicações sensoriais e fornece instruções ao motorium em função disso” (ibid., p. 62). Morin chama a atenção para a importância do desenvolvimento do cérebro para as interações sociais e destas para o desenvolvimento cerebral (ibid., p. 64-5). Conhecimento tem sempre a ver com a ação, e esta com o conhecimento: o desenvolvimento de um beneficia o do outro. O cérebro computa: produz conhecimentos, realiza uma megacomputação.. A megacomputação cerebral constitui um cômputo, ou seja, um ato auto-exo-referente que se autocomputa computando os estímulos vindos do mundo exterior, e esse ato é ao mesmo tempo um ato egocêntrico que unifica o conhecimento do indivíduo como sendo o seu conhecimento. (MORIN, 1999, p. 67) Morin menciona a possibilidade de uma autonomização do conhecimento em relação às finalidades puramente vitais (a possibilidade do conhecimento pelo conhecimento, ou pelo prazer de conhecer). Fala em estratégias cognitivas e em programas de ação no ser vivo e os relaciona (ibid., p. 70-5). No final do capítulo 2, que trata sobre a animalidade do conhecimento, precisamente na seção das conclusões, o autor, ao se referir às semelhanças e diferenças entre o aparelho cognitivo do chimpanzé e do homem, dirá que a diferença está “na quantidade de neurônios e na organização do cérebro. Foi a partir dessa diferença de organização que apareceram as qualidades humanas irredutíveis chamadas pensamento e consciência” (ibid., p. 75). Ao mencionar que o desenvolvimento de estratégias de ação e de conhecimento possibilitou o aparecimento da linguagem, do pensamento e da consciência, ele assim se refere ao pensamento: “O pensamento opera a superação da computação pela cogitação e constitui essa ultrapassagem mesma, inseparável da linguagem e das possibilidades de consciência” (ibid., p. 76). É daí, talvez, que vem a possibilidade de um mundo de idéias que envolvam o próprio homem. O conhecimento, dimensão ligada à computação, caminha na direção da cogitação (mundo do pensamento). Diz Morin que o espírito pode desconectar-se da ação (do motorium) e da sensação (do sensorium) e.

(18) 17. lançar-se, por um lado, nos sonhos e fantasias e, por outro lado, através da linguagem, rumo às idéias e às especulações e, por isso mesmo, criar novos universos, umbilicalmente atrelados ao universo da sua vida prática, do imaginário e das idéias. Assim surge um conhecimento que não somente pode liberar-se da ação, mas também pôr a ação a serviço do seu sonho, do seu mito, da sua idéia. [...] O pensamento humano passa do Umwelt – o meio – ao Welt – o Mundo. O movimento que cria o mundo do pensamento é o mesmo que abre o pensamento ao mundo. (MORIN, 1999, p. 77) Esse mundo dos sonhos, das fantasias, das idéias, das especulações, e também do conhecimento, é o mundo do pensamento que Morin atrela à cogitação e que paga tributo à computação. Esse é o mundo do espírito. Talvez o espírito seja mesmo uma atividade pensante, como diz:. O espírito, aqui, não significa nem a emancipação de um corpo, nem um sopro vindo do alto. É a esfera das atividades cerebrais onde os processos computantes tomam forma cogitante, ou seja, de pensamento, linguagem, sentido, valor, sendo atualizados ou virtualizados fenômenos de consciência. O espírito não é uma substância pensante, mas uma atividade pensante que produz uma esfera “espiritual” objetiva. De fato, há uma realidade objetiva da linguagem, das suas regras, do pensamento, das idéias, da sua lógica. Daí a necessidade, para o conhecimento do conhecimento, de considerar também as coisas do espírito no sentido objetivo da palavra “coisa” (que será tratada no livro “Noosfera e noologia”). Essas “coisas” reais não têm, contudo, realidade “material”, embora não possam ser separadas de substratos ou de processos físicos, biológicos, cerebrais. (MORIN, 1999, p. 92-3 – destaques nossos). Em O método 3 (1999, p. 225), Morin se reporta explicitamente à atividade pensante. Pensamento, para ele, é atividade cogitante e reflexiva, de concepção. Para existir assim, cogitante e conceptivamente, o pensamento necessita da atividade computante. Pensar é cogitar a partir dos dados, das informações produzidas ou obtidas pela computação. E é, além disso, conceber seu próprio processo. dando-se conta dele. Mas é ainda mais que isso, pois “a concepção transforma o conhecido em concebido, em pensamento”, diz ele (1999, p. 204). Pensar é tomar os dados, as informações, os conhecimentos e cogitá-los, isto é, relacioná-los entre si reflexivamente, produzindo concepção. Os dados, as informações e certo arranjo deles provêm da atividade computante. O pensamento é uma atividade dialógica de.

(19) 18. concepção, e é também uma atividade reflexiva do espírito sobre si mesmo e sobre suas atividades como cogitação.. O pensamento é uma atividade específica do espírito humano que, como qualquer atividade do espírito, expande-se na esfera da linguagem, da lógica e da consciência, comportando, como toda atividade do espírito, processos sublingüísticos, subconscientes, sub ou metalógicos. (MORIN, 1999, p. 201). Comporta esses processos e é também. uma dialógica complexa de atividades e de operações que aciona as competências complementares/antagônicas do espírito/cérebro e, nesse sentido, representa a plena utilização da dialógica das aptidões cogitantes do espírito humano. Essa dialógica elabora, organiza, desenvolve, em modo concepção, uma esfera de múltiplas competências, especulativas, práticas e técnicas, justamente o que caracteriza o pensamento. (ibid., p. 201). Pensar é, pois, uma atividade do espírito que Morin denomina de “dialógica pensante”. É dialógica porque associa de modo permanente e complementar processos virtualmente antagônicos que tenderiam a se excluir. Pensar envolve atividades contrárias e, ao mesmo tempo, complementares que “correm juntas” – concorrem – na produção da concepção.. Assim, o pensamento deve estabelecer fronteiras e atravessá-las, abrir e fechar conceitos, ir do todo às partes e das partes ao todo, duvidar e crer; deve recusar e combater a contradição, mas ao mesmo tempo assumi-la e alimentar-se dela. (MORIN, 1999, p. 202) A atividade pensante trabalha com os antagonismos que lhe são inerentes, fazendo-os dialogar, concorrer e complementar-se o tempo todo. É uma atividade que distingue e relaciona; diferencia e unifica; analisa e sintetiza; particulariza e universaliza; trabalha o concreto e abstrai; produz certeza e incerteza; vai do todo às partes e vice-versa; explica, isto é, divide em pormenores, mas compreende e reúne o que separou; verifica e imagina, e assim por diante, com muitas idas e vindas nas suas atividades concorrentes e complementares. A esse processo nada simples Morin chama de atividade dialógica (1999, p. 201). Ele apresenta em O método 3 um quadro dessas atividades concorrentes e.

(20) 19. complementares, alertando que ele é incompleto (ibid., p. 202). A boa atividade pensante trabalha sempre nos dois pólos e os inter-relaciona. As falhas e carências do pensamento surgem quando há exclusão de um processo por seu opositor. O pensamento que simplifica ou reduz é aquele que permanece apenas em um dos pólos. O pensamento complexo os faz dialogar. Ele aponta exemplos de atividade pensante que não é dialógica, portanto, parcial, nos seguintes termos:. Assim, abstração sozinha mata não somente o concreto, mas também o contexto, enquanto que o concreto sozinho mata a inteligibilidade. A análise sozinha desintegra a organização que liga os elementos analisados, enquanto a síntese sozinha oculta a realidade dos componentes. A idéia onipotente conduz ao idealismo (fechamento do real na idéia); a razão não regulada pela experiência conduz à racionalização. (MORIN, 1999, p. 202). A atividade pensante consistente e significativa ocorre quando o pensamento envolve o ideal e o empírico, a abstração e o concreto. Há, portanto, uma relação dialógica no pensamento que conjuga o ideal, aquilo que é abstrato e que se encontra na mente da pessoa, com as coisas e fatos que existem e acontecem no mundo empírico. Assim, a inteligibilidade se torna possível na medida em que o pensamento realiza análise e síntese. Quando ele explicita a realidade de cada componente que compõe o todo e, simultaneamente, considera de forma global a organização dos elementos, é possível haver compreensão, pois a razão pondera todos os elementos do pensamento. Para Morin, a experiência na realidade concreta é fundamental para a constituição do pensamento complexo. A experiência serve de parâmetro e regulação para que a razão não se feche em si mesma, caindo no dogmatismo. Em seguida, o autor comenta que: “Todo processo de pensamento isolado, hipostasiado e levado ao extremo, ou seja, não dialogicamente controlado, conduz à cegueira ou ao delírio” (MORIN, 1999, p. 202), pois o pensamento fixo, isolado, linear, repetitivo, que não quer ver o incerto, o oposto, o diferente, que se fixa em idéias absolutas, é pobre porque não ajuda a ver a complexidade da realidade. Daí esse tipo de pensamento conduzir à cegueira ou ao delírio. O bom pensar gera-se, ou “autogera-se [...] a partir de um dinamismo dialógico ininterrupto, formando um circuito reflexivo, ou melhor, um turbilhão” (ibid., p. 203). O pensamento está sempre em desequilíbrio e, nesse turbilhão, ele se produz como pensamento: transforma o conhecido em concebido. Pensar é, pois, cogitar concebendo, transformando o conhecido em concebido..

(21) 20. Morin insiste nesse entendimento do pensamento como concepção ao afirmar, em seguida, que “a concepção transforma o conhecido em concebido, em pensamento” (ibid., p. 204). Mas o que seria a concepção, que é o próprio pensamento? Diz ele: “Podemos [...] definir a concepção como uma configuração original, formando unidade organizada, engendrada por um espírito humano” (ibid., p. 204). E como opera ou funciona o pensamento que concebe? Que atividades e que recursos utiliza?. A concepção utiliza todos os recursos do espírito, do cérebro e da mão do homem: combina a aptidão para formar imagens mentais, com as aptidões para produzir imagens materiais (desenhos, projetos de arquitetos, maquetes de engenheiros, modelos reduzidos); utiliza palavras, idéias, conceitos, teorias; recorre ao julgamento (avaliação, escolha dos elementos e do mundo de organização); utiliza a imaginação e as diversas estratégias da inteligência. A plena utilização da dialógica pensante gera a concepção que gera essa plena utilização. (MORIN, 1999, p. 205). Pode-se identificar, nessa citação de Morin, muitas das atividades de pensamento apontadas por Lipman e que dizem respeito às habilidades de pensamento4. Dentre as atividades necessárias ao pensar bem, Morin indica a da regulação, que provém do exterior do sujeito pensante e do seu próprio interior. Tal regulação é necessária devido a todos os riscos de que padece o turbilhonar da atividade pensante.. O pensamento não pode evitar o risco de desregulação, ou seja, de loucura. Mais ainda: o pensamento vivo aciona necessariamente processos de autodestruição (ceticismo, relativismo, autocrítica) nos seus próprios processos de autoconstrução. Significa que não pode eliminar o risco de autodestruir-se no movimento mesmo em que tenta autoconstruir-se. Como vimos, “o único pensamento que vive é aquele que se mantém na temperatura da sua própria destruição”. (MORIN, 1999, p. 204). Pensar, portanto, é uma atividade complexa, como se pode constatar. Pensar sobre o pensar é mais complexo ainda, mas necessário. Para Morin, o pensamento é simultaneamente uno e múltiplo, polimorfo, aberto e versátil, sendo utilizado para solucionar problemas, inclusive aqueles relacionados ao próprio conhecimento. Ele pode adaptar suas estratégias e utilizar suas aptidões de acordo com os 4. Sobre as habilidades de pensamento, conferir o capítulo II..

(22) 21. tipos de problemas encontrados em determinada situação, realizando de formas diversas inúmeras tarefas: estabelecer uma ordem seqüencial correta para conceber um itinerário rodoviário; concentrar suas aptidões analíticas para identificar os diferentes fatores que intervêm numa situação determinada ou privilegiar suas aptidões sintéticas para conceber a totalidade dessa situação; mobilizar todas as suas aptidões para enfrentar as complexidades de acontecimentos em interação simultânea ou aleatória; utilizar suas virtudes críticas e criadoras para reconceber os princípios que dirigem suas próprias concepções. (ibi., p. 206-7). Nas palavras de Morin:. [...] múltiplos modos de pensamento podem surgir da mesma fonte de pensamento. [...] o pensamento é polivalente e poligerador, porque é capaz de descrever, compreender e explicar, através de meios de concepção – noções, idéias, discursos, teorias, mitos e também símbolos matemáticos, mapas, desenhos – tudo o que pode ser descrito, compreendido, explicado por tais meios. (MORIN, 1999, p. 207). E, mais ainda, citando Descartes, Morin afirma que “o pensamento humano é uma coisa que duvida, concebe, afirma, nega, quer, não quer, imagina e sente” (ibid., p. 207). A dúvida e a imaginação estão presentes até mesmo no pensamento filosófico ou matemático. Assim, o pensamento mobiliza integralmente o ser e pode absorvê-lo totalmente; por isso, cada indivíduo utiliza as possibilidades dialógicas do pensamento, de acordo com seu jeito, sua história pessoal, sua formação, sua profissionalização, sua idiossincrasia. Pensar é a arte de inventar a concepção de um fenômeno, de um acontecimento, de um problema. A arte de pensar (ars cogitandi), segundo Morin, é uma arte dialógica da concepção que ativa todas as aptidões e atividades do espírito/cérebro: “A concepção necessita de um espírito engenhoso (na sua estratégia), engenheiro (na sua aptidão organizadora) e, nas mais elevadas formas criadoras, genial” (1999, p. 207). Aqui, observa-se que a noção de gênio, destacada por Jean-Louis Le Moigne5, está implícita na noção de concepção, pois a palavra gênio tem a mesma origem das palavras gênese e geração, ou seja, todas originam-se da palavra grega geneia, que contempla a idéia de geratividade, noção importante para os setores da formação e da organização. Como o gênio sempre utiliza uma arte da concepção, Morin exemplifica citando os engenheiros, os gênios da arte e da ciência, e conclui que “o nome de Leonardo da Vinci, como bem observou Le Moigne, coloca-nos na 5. Apud MORIN, 1999, p. 204..

(23) 22. encruzilhada de todos os gênios e assim ilumina o nucleus gerador da noção de concepção” (ibid., p. 205). Da ligação complexa entre a concepção e a arte de pensar, destaca-se de maneira sintética que o pensamento, além de reflexivo e crítico, também é criador, porque pode revelar-se com liberdade e criatividade.. 3 O pensamento criador. Qualquer descoberta, a começar pela de uma coisa visível para todos, é uma conquista cognitiva que comporta invenção e criação. (E. Morin) Para Morin (1999, p. 208), a invenção e a criação estão ligadas por sobreposição e são intrínsecas ao pensamento, encontrando-se sempre presentes no processo de concepção. Ele considera que a noção de invenção carrega algo de engenhosidade, de estratégia, e a noção de criação, uma potência organizadora sintética, uma concepção. O exercício dialógico do pensamento depende da arte, sua realização como concepção depende da criação. Morin (1999, p. 208) considera que a criação e a invenção possuem diferentes modos e níveis de manifestação, seja por um detalhe, uma técnica, uma obra filosófica, literária, científica etc. A maioria das invenções e criações são comuns e rotineiras e seguem princípios e teorias preexistentes. Mas são raras as invenções que transgridem os princípios e teorias vigentes, porque quebram o paradigma6 dominante e concebem um novo princípio de inteligibilidade capaz de modificar ao mesmo tempo, a visão das coisas, a concepção e a realidade mesma do mundo. Na história das ciências encontramos inúmeros exemplos de transgressões criativas. Algumas pessoas que quebraram paradigmas vigentes e engendraram um novo mundo, uma realidade inexistente, são: Galileu, Newton, Planck, Einstein, Bohr. Sobre a importância da imaginação criadora, Morin escreve:. 6. Paradigma é a representação do padrão de modelos a serem seguidos. É um pressuposto, uma matriz, uma teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma realização científica com métodos e valores que são concebidos como modelo; uma referência inicial como base de modelo para estudos e pesquisas..

(24) 23. É extraordinário que os progressos do conhecimento objetivo necessitem de imaginação criadora. Recapitulemos: não apenas os grandes sistemas filosóficos, mas também as grandes descobertas científicas, aparentemente as mais evidentes a posteriori, como a da atração universal ou da equivalência massa/energia, são o fruto de uma imaginação surpreendente. A imaginação elabora formas ou figuras novas, inventa/cria sistemas a partir dos elementos aqui e ali ou desviados dos sistemas que integravam, o que confirma, na esfera do pensamento, o caráter experimental de toda evolução criadora. (1999, p. 209) Mas o pensamento, ao tentar resolver os problemas que enfrenta, corre o risco da regressão ou do delírio, pois não é raro encontrar obstáculos, rupturas, bloqueios e enfrentar turbulências e tormentos que são concorrentes, ou seja, correm juntos e se contrapõem ao mesmo tempo. Dessa maneira, a imaginação arrisca-se a cair na ilusão, no erro e, por conseguinte, como se pode constatar na própria história, ela nem sempre produziu o tão esperado mundo melhor; freqüentemente, criou sérios problemas para a humanidade, haja vista as desavenças, injustiças e guerras que produziu e produz. Nas palavras do autor, “a criação, com freqüência, engendrou monstros” (MORIN, 1999, p. 209). Qualquer descoberta é uma conquista cognitiva que comporta invenção e criação, sendo dada a todo ser humano. Entretanto, apenas aquele que se mantém atento, com a mente aguçada, consegue enxergar além das aparências e das coisas. É o que afirma Szent-Gyorgÿ7, para quem a descoberta “consiste em ver o que todo mundo viu e em pensar o que ninguém pensou” (apud MORIN, 1999, p. 207). Morin destaca as “aptidões criadoras” (ibid., p. 209) do pensamento. “Ver o que todo mundo viu” nada acrescenta, porque nada de novo acontece; a novidade está “em pensar o que ninguém pensou”, pensar o novo que aparece e incomoda, que é problemático e problematizado. Ferreira Gullar, em artigo na Folha de S. Paulo sobre Idade do óbvio (2006, p. 12), fala sobre o novo, sobre aquilo que é feito para não durar, que é consumível, do automóvel ao chinelo; tudo passou a ser efêmero por conta dos interesses do capital, até mesmo a própria arte, pois para este mundo do novo “não importa o significado, a complexidade, o difícil de apreender, o que não se entrega fácil, à primeira vista. Só importa o que se entrega logo. O complexo, o difícil de explicar, deve ser descartado: esta é a idade do óbvio” (ibid., p. 12). 7. Albert Szent-Gyorgÿ: cientista húngaro que, com seu trabalho relacionado à vitamina C, ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 1937..

(25) 24. Para Morin, é preciso um novo olhar, um olhar que “destrivializa a percepção”, que afasta a obviedade, que se interroga e começa a pensar o que ninguém pensou. Uma nova percepção é formada para permitir ver de outra maneira o que todo mundo vê. Morin refere-se à interdependência entre “ver o que todo mundo viu” e “pensar o que ninguém pensou”; o “e” que associa os dois enunciados deve ser concebido como um vínculo estabelecendo um circuito, em que a visão de uma evidência não vista determina a criação de uma concepção de forma alguma evidente. (MORIN, 1999, p. 208). Morin diz também que “a invenção e a criação são intrínsecas ao pensamento” e evidencia que é próprio do pensamento ser criativo. Em suas palavras sobre o pensamento criador, destaca a junção e a sobreposição da invenção e da criação para a conquista da descoberta e a constituição do exercício dialógico do pensamento. Existem condições externas e internas ao pensamento, ligadas à complexidade cultural, que favorecem o desenvolvimento da autonomia, o pensamento inventivo e o criativo. Um ambiente de intensa atividade cultural propicia condições culturais que comportam pluralismos, trocas, concorrências, possibilidades de desvios, favorecem as pessoas no sentido de dispor “de certa autonomia em relação aos modos de pensar dominantes, aos preconceitos, às intimidações, aos diversos conformismos e assim escapam aos hábitos e viseiras mentais” (MORIN, 1999, p. 221). Os determinismos intrínsecos são os mais implacáveis ao pensamento, são os princípios organizadores do conhecimento, ou paradigmas8. No entanto, as idéias movem-se e mudam, apesar de tais determinismos; as convicções absolutas passam a ser questionadas; os deslizes da normalização tornam possível a manifestação de desvios e o progresso do pensamento; enfim, a dúvida começa a ter mais espaço, dando início a um longo processo de enfraquecimento do imprinting9. Dependendo do imprinting cultural, se é mais aberto ou fechado, os humanos serão mais conformados do que transgressores, irão mais reproduzir e imitar do que criar e inventar. Isso tem a ver com a cultura. Para Morin “não há sociedade humana, arcaica ou moderna desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre existe a cultura nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas” (2002, p. 56). Para 8 9. Para Morin, o paradigma é inconsciente, mas irriga o pensamento consciente e o controla. Imprinting cultural é a marca imposta pela cultura, primeiramente familiar, depois social, e que se mantém na vida adulta. É marca matricial que inscreve o conformismo a fundo e a normalização..

(26) 25. resguardar sua identidade singular, as culturas apresentam-se fechadas em si mesmas, mas também abertas, porque integram nelas idéias, costumes, alimentos, indivíduos, saberes e técnicas vindos de fora. Podem ser enriquecedoras as assimilações culturais. Segundo o autor, verifica-se que há mestiçagens culturais bem sucedidas que estimulam intercâmbios culturais e propiciam a criatividade, a inventividade. As duas condições que favorecem o desenvolvimento da autonomia, o pensamento inventivo e o criativo, que são aquelas internas ao sujeito e as culturais, precisam ser estimuladas e desenvolvidas. O processo educacional tem tarefas nessa direção. Morin tem propostas para a educação voltada à reforma do pensamento. Lipman também. Invenção e criação transgridem regras e formalidades, “superam, transcendem os limites ordinários da razão e remetem-nos à singularidade das personalidades, os ‘gênios’, quanto às aptidões psicocerebrais mais profundas do homo sapiens” (MORIN, 2002, p. 221). A existência do pensamento, simultaneamente crítico, radical, criativo e inventivo, exige um complexo de condições internas, começando pela “resistência ao imprinting, a surpreender-se e a deixar-se surpreender pela paixão e o gosto pela aventura” (ibid., p. 221). Um pensamento assim poderia ser denominado de pensar bem. Mas, o que seria esse bem pensar para Morin?. 4 O pensar bem. Em toda a história da humanidade, percebem-se sofrimentos e conflitos provocados pelos erros e ilusões do pensamento. Para compreender e tentar superar esses graves problemas, Morin propõe uma reforma do pensamento que levaria a um pensar melhor, capaz de superar as carências da inteligência humana e promoveria a lucidez, como escreve:. [...] o problema cognitivo é de importância antropológica, política, social e histórica. Para que haja um progresso de base no século XXI, os homens e mulheres não podem mais ser brinquedos inconscientes não só de suas idéias, mas das próprias mentiras. O dever principal da educação é de armar cada um para o combate vital para a lucidez. (2002, p. 33). A questão central está na dificuldade de conceber a complexidade que ocorre no interior do próprio ser humano e extravasa para seus semelhantes, para o mundo, para a.

(27) 26. natureza, provocando a incerteza e a incompreensão. E está também na dificuldade de pensar bem. Morin, no capítulo IV de O método 6, obra dedicada à ética, ao tratar da ética do conhecimento e do conhecimento da ética, foca e caracteriza o pensar bem ligado à noção de moral e ética. Para ele, “o princípio da consciência intelectual deve esclarecer o princípio de consciência (moral)” (2005, p. 60), pois, mesmo conservando a distinção, há um vínculo inseparável entre ambas. Existe uma estreita relação entre o pensar bem e o agir bem. Daí ele destacar a necessidade de se ”trabalhar para o pensar bem” (ibid., p. 62). Mas, o que seria esse pensar bem? Seria o próprio pensamento complexo? Considerando as características desse pensar, tudo indica que sim, pois o pensar bem, nas suas palavras,. [...] religa; liberta os conhecimentos do fechamento; abandona o ponto de vista mutilado das disciplinas separadas e busca um conhecimento polidisciplinar ou transdisciplinar; comporta um método para tratar o complexo; obedece a um princípio que se propõe, ao mesmo tempo, a distinguir e religar; reconhece a multiplicidade na unidade, a unidade na multiplicidade; supera o relacionismo e o holismo ligando partes – todo [todo – parte]; reconhece os contextos e o complexo [...] inclui o cálculo e a quantificação entre os seus meios de conhecimento; concebe uma racionalidade aberta [...] reconhece e enfrenta incertezas e contradições [...] concebe a autonomia, o indivíduo, a noção de sujeito, a consciência; [...] reconhece os poderes que cegam ou geram ilusões no espírito humano, o que o faz lutar contra as deformações da memória, os esquecimentos seletivos, a self-deception, a autojustificação, o autocegamento. (MORIN, 2005, p. 63) Em outras obras, Morin indica também características do pensar bem ou do pensamento complexo. Em Os sete saberes necessários à educação do futuro (2002), ele esclarece que o “bem pensar” (pensar bem) é [...] o modo de pensar que permite apreender em conjunto o texto e o contexto, o ser e seu meio ambiente, o local e o global, o multidimensional, em suma o complexo, isto é, as condições do comportamento humano. Permite-nos compreender igualmente as condições objetivas e subjetivas (self-deception, possessão por uma fé, delírios e histerias). (MORIN, 2002, p. 100). Ainda fazem parte do pensar bem os componentes éticos relacionados por Morin em O método 6 (2005). Segundo ele esse pensar bem.

(28) 27. esforça-se para imaginar a solidariedade entre os elementos de um todo e assim tende a suscitar uma consciência da solidariedade. A sua concepção do sujeito torna-o capaz de suscitar uma consciência de responsabilidade; incita, portanto, a regenerar a ética e fazer com que ela beba novamente nas suas fontes; [...] pensar bem inclui a compreensão que efetua a relação de sujeito a sujeito. ‘Trabalhar para o pensar bem’ reconhece a complexidade humana: não dissocia indivíduo/sociedade/espécie [...]. Reconhece a complexidade humana, social e histórica e compreende os desvios, derivas, possessões. Reconhece as incertezas do conhecimento, a dificuldade da consciência, a incerteza irremediável do futuro e, a partir daí, as incertezas éticas. Conduz para uma ética da compreensão, uma ética da pacificação das relações humanas. [...]. Mostra que quanto maior é a complexidade social, maiores são as liberdades, maior é a necessidade de solidariedade para garantir o vínculo social. (MORIN, 2005, p. 63-5) Pensar bem é fundamental para a própria sobrevivência da espécie humana, da vida e do planeta. Para Morin, vivemos num momento em que há um crescimento do ódio, do maniqueísmo, da diabolização, da desumanização coletiva recíproca. Por isso, declara que é essencial “trabalhar pelo pensar bem” (ibid., p. 64), que pode ajudar na idéia de uma era planetária e na inclusão da ética, estabelecendo concretamente a solidariedade e a responsabilidade humana na concepção de Terra-Pátria. O pensar bem promove a decisão consciente e esclarecida sobre os valores, a solidariedade, a compreensão e o respeito pelo outro, e compreende também o resgate da esperança na completude da humanidade. Há um movimento de reciprocidade entre a inteligência (consciência esclarecedora) e a consciência moral. “A inteligência é uma luz que necessita ser esclarecida pela moral. Há momentos em que a moral dá a lucidez à inteligência resignada e passiva” (ibid., p. 66). No livro A inteligência da complexidade (2000), escrito em parceria com Le Moigne, Morin trata da consciência moral e da responsabilidade científica, e observa que “o problema da ciência e da consciência se encontra hoje colocado como problema ético e como problema de consciência reflexiva, postulando ambos a reintrodução do sujeito” (2000, p. 35). Há, portanto, uma dimensão ética no pensar bem, assim como há lucidez no pensamento que promove e ilumina a moral. Para ilustrar essa relação entre inteligência esclarecedora e moral, é possível pensar na corrupção no campo político, que assola as nações, e se esse pensar leva à indignação contra a mentira, a desonestidade, a injustiça e os.

(29) 28. efeitos devastadores do mau exemplo, será possível pensar numa forma de superar o problema por meio de mobilização de forças éticas que concretamente poderão estabelecer metas de solidariedade, de responsabilidade e de reciprocidade social. Saí a afirmação de Morin: “trabalhar para o pensar bem, eis o princípio da moral” (MORIN, 2005, p. 60). Com o intuito de estudar o conceito de pensamento de Edgar Morin, presente em algumas de suas obras, explicitou-se até aqui a idéia de pensamento humano como resultado de uma dialógica complexa formada a partir de operações simultaneamente complementares e antagônicas do espírito/cérebro, que organiza e desenvolve competências, especulações, práticas e técnicas, em modo concepção e se manifesta pela linguagem. Viu-se também que o cérebro humano é uma máquina hipercomplexa, um “complexo de sistemas complexos”, como diz Morin, e nele estão presentes o pensamento e a consciência, que são qualidades distintivas em relação aos primatas. O pensamento, como operador da superação da computação pela cogitação, está ligado à consciência e é inseparável da linguagem. A consciência, por sua vez, é promotora da reflexividade, possibilita que o sujeito conceba a si mesmo e considere os próprios sentimentos, pensamentos e discursos. No cérebro acontece uma megacomputação que produz conhecimento, ou seja, o conhecimento é o resultado de um ato auto-exo-referente10 que se autocomputa computando os estímulos do mundo exterior. A partir desses dados (conhecimentos) obtidos na e pela megacomputação, emerge a cogitação e o pensamento, que após retroagir sobre a computação, em nível de organização, formula-se na linguagem. A concepção surge como uma configuração original, uma reorganização criada pelo espírito humano. O pensar, portanto, é o resultado da transformação dos dados conhecidos na cogitação por meio da concepção; é uma atividade complexa, e pensar sobre o pensar é duplamente complexo e extremamente necessário. Outro aspecto importante a destacar é o fato de a concepção comportar e incorporar a invenção e a criação. Estas são componentes do pensar e possuem diferentes modos, níveis de manifestação, e constituem o processo de descoberta da pessoa. Esta descoberta é uma conquista cognitiva dada a todo ser humano. Contudo, para que a invenção e a criação sejam genuínas, precisam romper regras e formalidades, transcender os limites ordinários da razão e remeter-se à singularidade das pessoas.. 10. Cf.: MORIN, 1999, p. 67..

(30) 29. Dessa maneira, o desenvolvimento de um pensamento simultaneamente crítico, radical, criativo e inventivo é condição fundamental para a resistência às determinações culturais da sociedade e superação das teorias que comandam as estratégias cognitivas do pensar. Um pensamento com essas características seria, para Morin, o pensar bem, porque possui uma racionalidade aberta e é capaz de enfrentar as incertezas e as contradições de si mesmo e do mundo externo, reconhecendo os poderes que cegam ou geram no espírito humano erros e ilusões. Esse seria, portanto, um pensamento complexo, tema da seção subseqüente.. 5 O pensamento complexo. Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém, mundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão; Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem. Traduzir uma parte na outra parte – que é uma questão de vida ou morte... será arte? (Ferreira Gullar) No livro Introdução ao pensamento complexo (2005), Morin explicita os pressupostos teóricos de sua teoria, partindo da análise sobre as carências e as cegueiras do pensamento e da inteligência. Destaca a cegueira da inteligência como patologia do saber, que resulta do caráter fragmentado, mutilador, disjuntivo e simplificador da organização do conhecimento, o qual não permite conhecer nem apreender a complexidade do real. A inteligência torna-se cega quando opera dentro do paradigma da simplificação, reduz o que é complexo em simples, com base nos princípios de disjunção11, de redução e de abstração. Nessas condições, a inteligência passa a considerar a parte, e não o todo. Compartimentada, mecanicista, disjuntiva e reducionista, ela rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntivos, fraciona os problemas, separa o que está unido e torna 11. Princípio de disjunção: em lógica, a disjunção é uma indicação "ou". Por exemplo "João esquia ou nada" é uma disjunção. A indicação "P ou Q" é escrita na maioria das vezes, como: P V Q..

(31) 30. unidimensional o multidimensional. O resultado foi a separação entre as áreas do conhecimento – física, biologia, química, a ciência do homem. Esse isolamento das disciplinas, essa fragmentação do saber produziu a hiperespecialização do conhecimento, causando cegueira à inteligência. Os cientistas e pesquisadores passaram a delimitar ao máximo seu objeto de estudo, isolando os objetos do seu contexto, a tal ponto de perder a visão de conjunto e as totalidades. O conhecimento, resultado desse processo de simplificação, estará cada vez mais preparado e especializado para ser incorporado aos bancos de dados e cada vez menos se prestará à reflexão e à discussão, cada vez menos produzirá compreensão, apesar de cada vez mais produzir explicações. Em Ciência com Consciência (1998), Morin relata que há três séculos o conhecimento científico tem provado, em relação aos demais modos de conhecimento, sua capacidade de verificação e de descoberta, promovendo conhecimento extraordinário sobre o universo, a natureza, a vida, o homem. No entanto, o autor afirma que “essa ciência elucidativa, enriquecedora, conquistadora e triunfante apresenta-nos, cada vez mais, problemas graves que se referem ao conhecimento que produz, à ação que determina, à sociedade que transforma” (1998, p. 15-6). Assim, ao analisar os avanços científicos, Morin (ibid., p. 15-6) aponta também conseqüências danosas devidas ao paradigma que preside a ciência moderna: a separação disciplinar das ciências produziu os inconvenientes da superespecialização, ao promover o enclausuramento e a fragmentação do saber; a separação entre as ciências da natureza e as ciências humanas produziu a incapacidade do homem de pensar sobre si mesmo; a especialização nas ciências antropossociais destruiu os conceitos de homem, de indivíduo e de sociedade, que perpassaram várias disciplinas; a tendência para a fragmentação, para a disjunção, para a esoterização do saber científico produziu o anonimato; o saber deixa de ser pensado, meditado, refletido e discutido por seres humanos, sendo acumulado em bancos de dados, podendo ser posteriormente computado por instâncias manipuladoras. Surge daí um paradoxo, em que o desenvolvimento do conhecimento produz a resignação à ignorância, e o da ciência significa o crescimento da inconsciência, e, por fim, os poderes criados pela atividade científica escapam totalmente aos próprios cientistas e alimentam instâncias todo-poderosas (econômicas e políticas), capazes de utilizar completamente as possibilidades de manipulação e de destruição provenientes do próprio desenvolvimento da ciência. Em suma, o avanço científico produziu paradoxos e antagonismos, com resultados positivos inegáveis – o progresso tecnológico que se desfruta hoje trouxe benefícios, por.

(32) 31. exemplo, na medicina; contudo, esse avanço também produziu resultados perversos para toda a humanidade e para o planeta, para não falar dos interesses, nem sempre explícitos, pelas conquistas espaciais. Para corroborar com essa idéia, o autor afirma: Há progresso inédito dos conhecimento científicos, paralelo ao progresso múltiplo da ignorância; progresso dos aspectos benéficos da ciência, paralelo ao progresso de seus aspectos nocivos e mortíferos; progresso ampliado dos poderes da ciência, paralelo à impotência ampliada dos cientistas a respeito desses mesmos poderes. (MORIN, 1998, p. 18) Em A cabeça bem-feita (2004), Morin mostra também que o pensamento científico, desde o início, segue os princípios da separação e da redução constantes no segundo e no terceiro princípios, respectivamente, do Discurso sobre o Método, de Descartes, O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis para conhecer, para elevarme, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se procedem naturalmente uns aos outros. (DESCARTES, 1999, p. 49). No princípio cartesiano da redução, é pelo conhecimento adicional das partes que se chega ao conhecimento do todo. Por esse princípio, o conhecimento limita-se ao que é mensurável, quantificável e formulável, isto é, que pode ser reduzido a fórmulas, regras etc. Segundo Morin, esses princípios revelam hoje sua obsolescência e limitações. Por esse motivo, e para confirmar o que acontece em muitas áreas do conhecimento que adotam uma concepção sistêmica, em que o todo não se reduz às suas partes, o pensador francês utiliza a máxima de Pascal, para quem o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo, como o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes. Como todas as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas são sustentadas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes. (apud MORIN, 2004, p. 88).

Referências

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