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Partos Domiciliares Acidentais e Mortalidade Infantil

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Partos Domiciliares Acidentais e Mortalidade Infantil*

Zilda Pereira da Silva§ Márcia Furquim de Almeida£

Introdução: Os partos ocorridos em domicílio ou outro local respondem por parcela cada

vez menor dos nascimentos, porém estudos apontam características sociais e epidemiológicas específicas desse grupo e sua associação com desfechos negativos da gestação, entre os quais, maior mortalidade que naqueles ocorridos em estabelecimentos de saúde. Objetivo: analisar as diferenças na mortalidade infantil, segundo local de nascimento, no Estado de São Paulo, em 2009. Métodos: Utilizou-se coorte de nascidos vivos (NV) vinculados aos respectivos óbitos infantis, por técnica determinística aplicada pela Fundação Seade. O local do nascimento (estabelecimento de saúde, domicílio ou outro local) foi identificado a partir das informações da DN. Foram selecionados os NV de mães residentes e ocorridos no Estado; foram excluídos os registros com local de parto ignorado, com peso ao nascer ignorado ou menor de 500g e os óbitos por anencefalia. Foram estudados 594.400 nascidos vivos e 6.954 óbitos de menores de um ano, divididos em dois grupos: os que nasceram em estabelecimentos de saúde (593.045) e os que nasceram em domicílio ou outro local (1.355). Foram calculadas as probabilidades de morte, os respectivos riscos relativos e intervalo de confiança. Resultados: Do total de nascidos vivos, 99,8% ocorreram em estabelecimentos de saúde e 0,23% em domicílio ou outro local. Nos nascimentos não hospitalares foram mais frequentes mães de baixa escolaridade (35,8%), sem companheiro (80,6%), pré-natal ausente (21,9%), NV pré-termos (15,8%) e com baixo peso (22,5%) que aqueles nascidos em hospitais. Os nascidos vivos em domicílio/outro local apresentaram maior probabilidade de morte (45,76 por mil nascidos vivos) do que aqueles que nasceram em estabelecimentos de saúde (11,62 %o NV), com RR de 3,9 indicando que o risco de morte foi quase 4 vezes maior para quem nasceu fora do hospital. A comparação dos dois grupos segundo componentes da mortalidade infantil mostrou que o risco relativo é maior no período neonatal precoce (4,6), do que no neonatal tardio (2,6) e no pós-neonatal (3,8) para os nascidos fora do hospital. A probabilidade de morte diminui conforme aumenta o peso ao nascer, nos dois grupos estudados; o risco de morte para os nascidos fora dos estabelecimentos aumenta com peso ao nascer, quando comparados aos nascimentos hospitalares: RR <2.500g = 2,04; e RR 2500g e mais= 2,16. Conclusões: Apesar da alta predominância do parto hospitalar, o segmento de partos não hospitalares apresentam maior risco de morte indicando dificuldades de acesso a serviços de saúde e maior vulnerabilidade.

Palavras-chave: parto domiciliar; mortalidade infantil; mortalidade neonatal.

*Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Águas de Lindóia/SP – Brasil, de 19 a 23 de novembro de 2012.

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Professora doutora do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – FSP/USP.

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Professora livre docente do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – FSP/USP.

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1. INTRODUÇÃO

A organização da atenção ao parto varia muito entre as nações. Nos EUA (Martin 2007), na Inglaterra e na Bélgica (Christiaens et al., 2007) trata-se de um evento quase que totalmente hospitalar, ultrapassando a proporção de 99%. No Canadá (Blais, 2002; Janssen et al., 2002), na Holanda (Christiaens et al., 2007) e na Austrália (Springer et al., 1996) existem opções de programas de atenção ao parto domiciliar e pelos centros de nascimento (birth centers), com atendimento realizado por enfermeiras-obstetrizes. Já na Guatemala, Zâmbia e Paquistão predominam os partos domiciliares assistidos por parteiras tradicionais (Souza et al., 2007; McClure et al., 2007).

No Brasil, a proporção de partos realizados em hospitais é bastante elevada, sendo que apenas uma pequena parcela ocorre em outros estabelecimentos de saúde ou em domicílio. No país, o parto domiciliar começou a declinar desde o início do século XX (Mott, 2002) até atingir o patamar atual de realização quase exclusiva em hospitais. Pesquisa da Bemfam mostra que, na primeira metade da década de 80, a proporção de partos realizados em hospitais era de 80,5% e em domicílio, de 16,6%. Nos anos 2000, com a disponibilidade de dados contínuos sobre o local de nascimento, por meio do Sistema de Informações de Nascidos Vivos − SINASC, verifica -se que os partos hospitalares atingem 97,8%1

Ainda que os partos em domicílio respondam por parcela cada vez menor dos nascimentos, estudos apontam características sociais e epidemiológicas específicas desse grupo, além de associação com resultados adversos, quando comparados com os partos domiciliares planejados ou com os hospitalares (Almeida et al., 2005, McClure et al., 2007, Rodie et al., 2002, Viisainen et al.,1999; Barros et al., 2008). Em países com programas de assistência ao parto em domicílio, investigam-se características e segurança desses nascimentos planejados para ocorrer em casa confrontados aos que acontecem em clínicas ou hospitais e mesmo com os ocorridos acidentalmente no domicílio (Blais, 2002; Springer et al., 1996; Jansen et al. 2002; Rodie 2002). Embora a declaração de nascido vivo nacional não disponha de informações sobre a condição de planejamento ou não do parto domiciliar, sabe-se que no Brasil essabe-se fenômeno é predominantemente acidental, uma vez que no país não há programas governamentais que dêem suporte à realização de partos domiciliares.

. Nascer em casa tornou-se, assim, um fenômeno circunscrito a áreas com maior presença de população rural e a localidades das regiões Norte e Nordeste. Em locais mais urbanizados, como a Região Metropolitana de São Paulo − RMSP, há mais de uma década os partos institucionais superam 99%.

A literatura identifica alguns fatores de natureza socioeconômica associados ao parto domiciliar acidental: maior freqüência de mães sem companheiro (Viisainen et al., 1999, Almeida et al., 2005), baixa escolaridade (Bemfam 1986, Almeida et al., 2005), assistência pré-natal ausente ou insuficiente (Viisainen 1999, Almeida et al., 2005) e elevada paridade (Viisainen et al., 1999). Entre as características do recém-nascido, há maior prevalência de baixo peso ao nascer e de gestação pré-termo (Almeida et al., 2005, Rodie et al., 2002, Viisainen et al., 1999).

No Brasil, a maioria dos partos ocorre em hospitais. Apenas uma pequena parcela é assistida em outro tipo de serviço, como prontos-socorros, que atendem o parto em situações de urgência, ou unidades mistas de saúde e centros de parto normal, que recebem mães de baixo risco obstétrico. O Sistema Único de Saúde − SUS, ao garan tir assistência gratuita ao parto, desempenhou papel importante para a existência de elevadas taxas de nascimentos

1

Rede Interagencial de Informações de Saúde. Indicadores Básicos de Saúde – IDB 2010. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2010/f07.def. Acesso em 02/07/2012.

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hospitalares. Entretanto, a rede de atenção ao parto é muito heterogênea, seja em termos de distribuição espacial, seja no que diz respeito ao tipo de prestador, infra-estrutura e complexidade da rede hospitalar.

O acesso aos serviços de saúde, seja durante a gravidez ou no parto, é fundamental para uma assistência oportuna e adequada. A efetiva utilização dos serviços de saúde decorre de uma complexa combinação de fatores, que inclui desde a necessidade, a percepção, as características sociodemográficas e os valores do indivíduo, até a organização e a forma de financiamento do sistema de saúde. Mesmo em países mais desenvolvidos verificam-se iniquidades no acesso aos serviços em geral e nos de atenção ao parto.

As barreiras de acesso podem ser desde as geográficas (distância e quantidade de serviços) até as econômicas. As longas distâncias, a falta de sistemas de transporte, de comunicação e de referenciamento eficazes entre os serviços podem agravar afecções já existentes na gestação e podem resultar em complicações durante o parto, resultando em desfechos desfavoráveis para a mãe e/ou recém-nascido. Estudo de Almeida e Szwarcwald (2012) identificou que o maior deslocamento intermunicipal consistiu em fator de risco para a mortalidade infantil, aliado à desigualdade na oferta de serviços qualificados e a falta de articulação entre o atendimento ambulatorial e a assistência ao parto.

Assim, este estudo teve por objetivo analisar as diferenças na mortalidade infantil, segundo local de nascimento, no Estado de São Paulo, em 2009.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Estudo baseado em dados secundários de uma coorte de nascidos vivos (NV) vinculados aos respectivos óbitos infantis, por técnica determinística aplicada pela Fundação Seade.

2.1. População de estudo

A população de estudo compreende os nascidos vivos no Estado de São Paulo, no período de 01/01/2009 a 31/12/2009, e os óbitos de menores de um ano pertencentes a esta coorte, que compreendem aqueles ocorridos entre 01/01/2009 a 06/01/2010.

2.2. Fonte de dados

Foi utilizada a base unificada de eventos vitais do Estado de São Paulo, gerada a partir de dados coletados pela Fundação Seade nos cartórios do registro civil e dos dados das secretarias municipais recebidos pela Secretaria de Estado da Saúde, que alimentam o Sistema de Informações de Nascidos Vivos – SINASC e o Sistema de Informações de Mortalidade - SIM.

2.3. Vinculação das bases de dados

O processo de vinculação dos dados foi executado pela Fundação Seade, que utilizou metodologia de trabalho baseada em técnica determinística (Ortiz, 1999; Waldvogel, 2006). A linkage consistiu na vinculação das bases de dados de nascidos vivos e de óbitos infantis.

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A rotina de vinculação estabelecida pela Fundação Seade contempla quatro etapas: a primeira consiste na seleção e padronização de variáveis e geração de variáveis derivadas; a segunda define critérios de vinculação; a terceira procede à formação de pares por igualdade ou semelhança; a quarta refere-se à busca nominal nas bases de dados e documentos originais. As variáveis selecionadas foram: nome, iniciais do nome, primeiro nome, nome da mãe, primeiro nome da mãe, iniciais do nome da mãe, data de nascimento, número da declaração de nascido vivo (DN) e declaração de óbito (DO), endereço de residência e município de residência.

O emprego dessa base de dados possibilitou a obtenção do nome da criança, o que nem sempre é viável quando se utilizam apenas as declarações de nascido vivo – DN e de óbito – DO, pois o nome da criança dificilmente se encontra preenchido nesses documentos. Como para realizar o registro do nascimento e do óbito neonatal junto aos cartórios de registro civil é necessária a identificação nominal das pessoas, foi possível adotar o nome da criança como variável primária do processo de linkage.

2.4. Exclusões

Foram estudados os nascidos vivos de mães residentes e ocorridos no Estado. Os critérios de exclusão foram recém-nascido com local de parto ignorado, peso ao nascer ignorado ou menor de 500g e óbito por anencefalia, dada a probabilidade de morte praticamente igual a 1, independentemente do local de nascimento. Da base original (597.944 NV), foram excluídos 3.544 registros, sendo 3.014 sobreviventes e 530 óbitos.

2.5. Análise dos dados

Foram estudados 594.400 nascidos vivos e 6.954 óbitos de menores de um ano, divididos em dois grupos: os que nasceram em estabelecimentos de saúde (593.045) e os que nasceram em domicílio ou outro local (1.355). O local do nascimento (estabelecimento de saúde, domicílio ou outro local) foi identificado a partir das informações da DN.

Foram estudadas as características dos recém-nascidos nos dois grupos, a partir das variáveis relativas à mãe (idade, escolaridade e estado civil), do recém-nascido (idade gestacional e peso ao nascer) e de acesso ao pré-natal (número de consultas). As proporções foram comparadas tendo os nascimentos em estabelecimentos de saúde como referência, as diferenças foram avaliadas pelo teste qui-quadrado. Para analisar a mortalidade infantil e seus componentes, foram calculadas as probabilidades de morte, os riscos relativos (RR) e respectivos intervalos com 95% de confiança (IC95%), tomando-se a probabilidade de morte dos nascidos vivos em estabelecimentos de saúde/hospitais como referência (RR= 1) na comparação com os demais locais de nascimento. Adotou-se o nível de significância de 0,05 para os testes estatísticos. Os dados foram processados utilizando-se o software Statistical Package for the Social Sciences - SPSS versão15.0.

3. RESULTADOS

Do total de 594.400 nascidos vivos, para 99,8% o nascimento ocorreu em estabelecimentos de saúde e para 0,23% em domicílio ou outro local, em geral no transporte a caminho do hospital ou em via pública.

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em relação ao perfil das mães e dos recém-nascidos, bem como do acesso ao pré-natal. Os nascidos em domicílio exibem menor proporção de mães adolescentes (11,5%) do que os que nasceram em hospitais (15,4%). As mães que tiveram parto domiciliar ou em outro local apresentam menor escolaridade (35,8% com menos de 8 anos de estudo) e maior proporção sem companheiro (80,6%) (Tabela 1).

Os nascidos vivos em domicílio/outro local apresentaram maior proporção de pré-termos (15,8%) e de baixo peso ao nascer (22,5%). A chance do RN nascer prematuro foi o dobro entre os que nasceram no domicílio/outro local do os que nasceram no hospital.

O acesso ao pré-natal também foi distinto, das mães que pariram em domícilio/outro local, 21,9% não realizaram pré-natal e apenas 1/3 fizeram sete ou mais consultas, enquanto que para as mães que deram à luz na rede hospitalar essa proporção atingiu 76,8%.

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6 Estabelecimento de saúde (n=593.045) Domicílio ou outro local (n=1.355) Idade da mãe (em anos) (%)

Menos de 20 15,4 11,5

De 20 a 34 71,9 75,8

De 35 e mais 12,6 12,7

Escolaridade (em anos) (%)

Menos de 8 anos 19,3 35,8

8 anos e mais 77,7 53,6

Estado civil (%)

Com companheiro 42,6 19,4

Sem companheiro 57,4 80,6

Idade gestacional (em semanas) (%)

Menos de 36 8,5 15,8 37 e mais 91,5 84,1 Peso ao nascer (%) Menos de 2.500g 9,1 22,5 menos de 1.500g 1,3 6,3 de 1.500g a 2.499g 7,8 16,2 2.500g e mais 90,9 77,5 Consultas de pré-natal (%) Nenhuma 1,0 21,9 01 a 03 3,6 15,6 04 a 06 18,5 29,4 07 e mais 76,8 33,1

Fonte dos dados brutos: Fundação Seade. Nota: exclui os ignorados.

* Teste qui-quadrado. <0,001 <0,001 0,012 <0,001 <0,001 Características Local de Nascimento Valor de p* <0,001 Tabela 1

Distribuição dos nascidos vivos, segundo características da mãe, da gestação e dos recém-nascidos, por local de nascimento

Estado de São Paulo, Brasil, 2009

Os nascidos vivos em domicílio/outro local apresentaram maior probabilidade de morte (45,76 por mil nascidos vivos) do que aqueles que nasceram em estabelecimentos de saúde (11,62%o NV), com RR de 3,94 (IC95%: 3,08 – 5,03), indicando que o risco de morrer

antes de completar um ano foi quase 4 vezes maior para quem nasceu fora do hospital (Tabela 2).

A probabilidade de morte foi maior no período neonatal precoce (5,44 por mil nascidos vivos), do que no neonatal tardio (2,54%o NV) e no pós-neonatal (3,72%o NV). A

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para os nascimentos fora do ambiente hospitalar, em todos os componentes da mortalidade infantil: no período neonatal precoce com RR= 4,65 (IC95%: 3,33 – 6,49), no neonatal tardio com RR= 2,63 ( IC95%: 1,37 – 5,05) e no pós-neonatal com RR= 3,80 (IC95%: 2,42 – 5,94) (Tabela 2).

Idade ao Morre e Local de Nascimento Nascidos Vivos Óbitos Sobrevi-ventes Probabili-dade de Morte (1) RR IC 95% Valor de p* Menores de 1 ano Estabelecimento de saúde 593.045 6.892 586.153 11,62 1

Domicílio ou outro local 1.355 62 1.293 45,76 3,94 3,08 - 5,03 <0,001

Total 594.400 6.954 587.446 11,70

0 a 6 dias

Estabelecimento de Saúde 593.045 3.201 589.844 5,40 1

Domicílio ou Outro local 1.355 34 1.321 25,09 4,65 3,33 - 6,49 <0,001

Sub-total 594.400 3.235 591.165 5,44

7 a 27 dias

Estabelecimento de saúde 593.045 1.500 591.545 2,53 1

Domicílio ou outro local 1.355 9 1.346 6,64 2,63 1,37 - 5,05 0,006

Sub-total 594.400 1.509 592.891 2,54

28 a 34 dias

Estabelecimento de saúde 593.045 2.191 590.854 3,69 1

Domicílio ou outro local 1.355 19 1.336 14,02 3,80 2,42 - 5,94 <0,001

Sub-total 594.400 2.210 592.190 3,72

Fonte dos dados brutos: Fundação Seade. (1) Por mil nascidos vivos.

* Teste qui-quadrado.

Tabela 2

Óbitos, nascidos vivos, probabilidade de morte e risco relativo (RR), segundo idade ao morrer e local de nascimento

Estado de São Paulo, Brasil, 2009

A probabilidade de morte diminuiu conforme aumentou o peso ao nascer, sendo de 83,92%o NV para os recém-nascidos com <2.500g e de 4,41%o NV para os com 2.500g e

mais. Essa tendência foi observada nos dois grupos, sendo que para os que nasceram em domicílio/outro local o risco de morrer foi o dobro do que entre os que nasceram em hospitais, tanto para os de baixo peso como para os com peso adequado (Tabela 3).

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8 Peso ao Nascer e Local de Nascimento Nascidos Vivos Óbitos Sobrevi-ventes Probabili-dade de Morte (1) RR IC 95% Valor de p* Menos de 2.500g Estabelecimento de saúde 54.188 4.521 49.667 83,43 1

Domicílio ou outro local 305 52 253 170,49 2,04 1,59 - 2,62 <0,001

Total 54.493 4.573 49.920 83,92

2.500g e mais

Estabelecimento de saúde 538.857 2.371 536.486 4,40 1

Domicílio ou outro local 1.050 10 1.040 9,52 2,16 1,17- 4,02 0,023

Total 539.907 2.381 537.526 4,41

Fonte dos dados brutos: Fundação Seade. (1) Por mil nascidos vivos.

* Teste qui-quadrado.

Tabela 3

Óbitos, nascidos vivos, probabilidade de morte e risco relativo (RR), segundo peso ao nascer e local de nascimento

Estado de São Paulo, Brasil, 2009

4. DISCUSSÃO

No Estado de São Paulo, 99,8% dos nascimentos ocorreram em hospitais e 0,2% em domicílio ou outro local. A institucionalização do parto no Estado é bastante elevada, atingindo proporção semelhante à de países como Estados Unidos (Martim et al., 2007) e Bélgica (Christiaens et al., 2007).

Em relação às características sociodemográficas, as mães que tiveram partos domiciliares ou em outro local apresentaram perfil mais adverso do que as atendidas nos hospitais. Essa situação de maior vulnerabilidade favorece a ocorrência de desfechos negativos em relação ao nascimento (prematuridade e baixo peso), que estão no caminho causal da mortalidade, tanto no período neonatal como no pós-neonatal.

Entre os nascidos vivos fora do ambiente hospitalar é maior a frequência de mães com baixa escolaridade, sem companheiro e pré-natal ausente. Almeida e colaboradores (2005) também observaram o mesmo em relação à escolaridade e ao estado conjugal, em estudo baseado em entrevistas domiciliares sobre mortalidade perinatal na região sul do Município de São Paulo. Estudos mostram que a falta de companheiro está relacionada com desfechos desfavoráveis do nascimento (Schoeps et al., 2007). Na Finlândia também foram identificadas maiores prevalências de mães solteiras e de pré-natal inadequado entre os nascimentos acidentais ocorridos fora da rede hospitalar (Viisainen et al., 1999), além de maior proporção de adolescentes, o que não se observou neste estudo.

A assistência pré-tal inadequada (menos de 4 consultas) foi 7,99 vezes maior entre os nascimentos domiciliares que aqueles ocorridos em hospitais. Estudo de Silva e colaboradores (2009), na Região Metropolitana de São Paulo, identificou que a assistência pré-natal inadequada foi 6,7 vezes mais freqüente quando o parto ocorreu no domicílio comparado aos nascimentos hospitalares. A mesma pesquisa também observou que a assistência pré-natal insuficiente esteve associada aos óbitos neonatais precoces para as

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crianças que nasceram em domicílio. A maior diferença observada aqui para o Estado de São Paulo em relação à região metropolitana sugere que possam existir, no interior do Estado, localidades com dificuldades de acesso à assistência pré-natal.

As condições de saúde de grupos populacionais são influenciadas pelas desigualdades sociais a que estão submetidos. Mesmo com o acesso praticamente universal à atenção ao parto propiciado pelo SUS, pode existir um diferencial no acesso mediado por barreiras relativas às características individuais, sociais e de organização da atenção à saúde. Mesmo a unidade da federação mais rica do país pode apresentar um contingente de população com dificuldade de acesso aos serviços de saúde. O nascimento fora do ambiente hospitalar pode ser um marcador de vulnerabilidade social dessas mães, que se reflete em barreiras de acesso.

Esse estudo identificou um risco de morte maior (RR= 3,9) para os nascidos em domicílio ou outro local quando comparados aos nascimentos hospitalares, sendo cinco vezes maior para o componente neonatal precoce e quase quatro vezes para o pós-neonatal. Este resultado sugere que possíveis diferenças de acesso à atenção ao parto se mantêm ao longo do primeiro do ano de vida desses recém-nascidos, pois não há uma relação direta entre o local de nascimento e a morte pós-neonatal.

A maior mortalidade associada aos partos fora do ambiente hospitalar condiz com os achados da literatura. Estudo de caso controle em Glasgow encontrou associação estatística entre partos domiciliares acidentais e morbidade e mortalidade perinatal (Rodie et al., 2002). O mesmo observou-se na Finlândia, após ajuste por peso ao nascer (Viisainen et al., 1999). Em Pelotas, nascer fora da rede hospitalar esteve associado com maior mortalidade neonatal (Barros et al., 2008). Já pesquisa em São Paulo encontrou elevação no risco de morte neonatal, porém sem significância estatística, devido provavelmente ao baixo poder da amostra (Almeida et al., 2005).

Observou-se maior mortalidade infantil para os neonatos com baixo peso ao nascer, confirmando que este se constitui em um importante preditor do risco de morte. O risco de morte foi duas vezes maior entre os nascidos fora dos estabelecimentos de saúde em todos os grupos de peso, o que indica que independentemente do peso ao nascer há um maior risco de morte infantil para os nascimentos domiciliares.

Esta pesquisa mostrou que, no Estado de São Paulo, existe um segmento de partos acidentais ocorridos tanto em domicílios como no trajeto para o serviço de saúde que merecem atenção, tanto por não serem atendidos em condições ideais como por registrarem maiores taxas de mortalidade infantil. Esses nascimentos reúnem maiores proporções de neonatos com condições biológicas mais precárias, como baixo peso ao nascer e a gestações pré-termo, assim como mães em situações mais vulneráveis no que se refere à escolaridade e ausência de companheiro.

Do ponto de vista da organização da atenção à saúde da mulher, destaca-se o pré-natal ausente, o que é um alerta para os serviços. Tal situação pode ser entendida como evento sentinela para os serviços de saúde, indicando baixa qualidade da atenção pré-natal e necessidade de treinamento dos profissionais para aprimorar a identificação, busca e o atendimento desse grupo de mulheres. Por outro lado, o maior risco de morte nesse grupo de recém-nascidos, inclusive no período pós-neonatal, sugere que há presença de barreiras de acesso não só durante o pré-natal e parto, como também que estas persistem na atenção à criança no seu primeiro ano de vida.

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