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Direito da moda sustentável voluntária : relação contratual de certificação e garantia

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Direito da Moda Sustentável Voluntária

Relação contratual de Certificação e Garantia

Tatiana Andreia de Beça Teixeira

Mestrado em Direito

Faculdade de Direito | Escola do Porto 2019

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Direito da Moda Sustentável Voluntária

Relação contratual de Certificação e Garantia

Tatiana Andreia de Beça Teixeira

Orientador: Doutora Ana Afonso

Mestrado em Direito

Faculdade de Direito | Escola do Porto 2019

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3 À minha mãe À minha irmã Ao meu avô À minha avó.

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4 Um agradecimento incondicional à Doutora Ana Afonso cuja compreensão e apoio foi imprescindível.

Obrigada por ser direta e guiar-me nesta missão impossível e contra o relógio. A minha gratidão é profunda e eterna.

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Resumo: Neste trabalho abordaremos as iniciativas voluntárias que têm surgido, em grande parte, pelas empresas ligadas à indústria da moda, num esforço de se distinguirem comercialmente através da produção sustentável. Para tal, analisaremos o conceito de marca, dando particular atenção ao concerto de marca de certificação e garantia, as recentes mudanças decorrentes da aprovação do novo Código de Propriedade Industrial de 2018 e as relações contratuais adjacentes a um processo de certificação.

Palavras chave: Direito da propriedade Industrial, Marcas, Marcas de Certificação ou garantia, transmissão, licença, contrato normativo.

Abstract: In this work, we will address the voluntary initiatives that have emerged, greatly due to the private sector fashion industries, in an effort to distinguish themselves commercially through a more sustainable production. In that sense, we will analyse the legal concept of a mark, giving special attention to the concept of the certification marks, the recent changes brought by the approval of the new Portuguese Intellectual Property Code of 2018 and the contractual based relations inherent to the process of certification.

Keywords: Trade mark Law, Marks, Certification Marks, transfer of trade mark, licences, Normative Contracts.

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Índice

I. INTRODUÇÃO 9

A. MARCAS SUSTENTÁVEIS 11

II. O OBJETO DO CONTRATO: A CERTIFICAÇÃO GOTS 12

A. O QUE É? 12

B. A MARCA 12

C. A MARCA DE CERTIFICAÇÃO 14

C.1.AFINIDADES E DIFERENÇAS DOS REGIMES DAS MARCAS COLETIVAS E DAS MARCAS DE CERTIFICAÇÃO

OU GARANTIA 16

C.2.DISTINÇÃO ENTRE MARCAS INDIVIDUAIS E MARCAS COLETIVAS OU DE CERTIFICAÇÃO 17

C.3.OUTROS SINAIS AFINS 19

III. MOMENTO CONTRATUAL 21

A. ESTRUTURA CONTRATUAL 21

A.1.COLIGAÇÃO NEGOCIAL 22

A.2.CONTRATOS NORMATIVOS 22

A.3.CONTRATOS DE ADESÃO 24

A.4.SUJEITOS 26 B. PRIMEIRO CONTRATO 28 C. SEGUNDO CONTRATO 30 IV. CONCLUSÃO 36 V. ANEXOS 39 A. ANEXO A 39 B. ANEXO B 63 C. ANEXO C 86 D. ANEXO D 88 D. BIBLIOGRAFIA 91

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PREFÁCIO

Este prefácio foi, até hoje, o único momento de verdadeira reflexão e desabafo escrito sobre os motivos pessoais que me levaram a escrever esta tese.

Sou filha de pais empresários. Ambos do ramo têxtil. Ambos com indústrias de tecelagem e confeção e postos de venda com marca própria. A minha infância foi vivida, portanto, como referem as pessoas ligadas ao ramo têxtil, “entre trapos”.

O mundo da moda é verdadeiramente um mundo em si mesmo. Cresci a ajudar a minha mãe nas férias, na fábrica, a ir para às feiras de revenda com o meu avô, a dobrar e embalar camisolas, casacos, pulôveres, coletes. O negócio evoluiu, deixaram-se as feiras de revenda e investiu-se em lojas em mercados abastecedores. À medida que o negócio evoluía, crescia também a ambição por um futuro melhor, para a minha mãe, para mim, para minha irmã e para os meus avós. Sempre fomos cinco. Todo o sucesso da nossa pequena fábrica de tecelagem e confeção era investido, na medida do possível, na nossa educação, minha e da minha irmã, um ano mais velha e minha alma gémea.

Tive a educação que nunca poderia sonhar e oportunidades que hoje, olhando para trás, parecem realmente parte de um sonho. Tudo o que vivi trago dentro de mim e faz parte de quem eu sou. Na minha casa sempre se disse que a vida nos pode tirar tudo, menos a educação.

Sou filha de uma grande mulher, que sem ter frequentado a universidade, soube ver muito além dos pequenos horizontes da cidade de Penafiel, onde se casou e onde, até hoje, vivemos.

A fábrica e os seus rendimentos, fortemente investidos em colégios caros, explicações, cursos no estrangeiro, institutos de várias línguas, Erasmus, estágios, era para mim o meu porto seguro. O porto que me deixava partir em busca dos meus sonhos, como tantas vezes fiz, em busca do meu caminho e das minhas ambições, sem medo. O meu porto seguro era a minha família e a nossa pequena fábrica.

A grande crise económica de 2008 fez-se sentir como uma brisa. Passou leve, através dos anos, ressentindo-se de ano para ano, ressentindo-sem grandes alarmes, quaressentindo-se impercetível, até ao ponto de rutura: ou encerrávamos a fábrica ou a internacionalizávamos. Mas para tudo eram precisos recursos.

Em setembro de 2016, com uma cadeira para terminar a licenciatura, comecei a trabalhar a tempo inteiro na empresa, a fazer de tudo um pouco. Foi aí que tive a oportunidade de ver aquilo que mais ninguém via. Uma pequena empresa familiar, com 20 anos de atividade e experiência, sem dívidas, com grande ética e respeito por todos os que connosco colaboravam. Foi aí que a minha vida mudou.

Em janeiro desse mesmo ano, fiz uma pequena mala, um pequeno portfólio e com um pequeno orçamento, fui em busca do nosso futuro.

Desse futuro, vieram clientes, com novos clientes e novos padrões de exigência técnica, uma grande restruturação da empresa. Com a restruturação técnica da empresa e a precisar de inovação e confiança por

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parte dos novos clientes, certificamos a empresa com o Global Organic Textile Standard (GOTS) e aqui estamos hoje, dois anos e meio depois.

O grande apoio e confiança por parte da minha família – não isento de discussões e desacordos – a minha persistência nos meus objetivos pessoais e na minha formação, fizeram-me investir, cada salário, neste mestrado que agora termino, com a entrega desta tese.

O meu maior medo sempre foi que a minha experiência profissional retirasse relevância ao meu percurso académico. Afinal, eu sou diretora comercial de uma pequena indústria têxtil, mas sou também o controle de qualidade, quem planeia a gestão industrial, quem coordena os grupos de trabalho e os esquemas de produção, quem sai em representação da empresa, quem gere o certificado GOTS e preparação da auditoria anual da empresa, entre tantas outras coisas que, simplesmente, fazem parte do dia a dia.

Por essa razão inscrevi-me no mestrado de Direito da Empresa e dos Negócios e pela mesma razão fiz questão de dissertar sobre este tema que está tão presente no meu dia a dia enquanto profissional, de modo a unir, mais uma vez, a minha experiência profissional ao meu percurso académico.

Acredito profundamente, que a indústria da moda tem um potencial incomensurável de mudança. Que os valores de sustentabilidade, juntamente com os valores sociais deviam estar no topo da lista de prioridades para a construção de uma indústria digna. Porque o mundo da moda, o real mundo da moda, é muito diferente das capaz de revista.

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I.

Introdução

Muito mudou na indústria da moda desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Exigem-se, hoje em dia, competências jurídicas mais desenvolvidas, num mercado que é, atualmente, inteiramente global.

De acordo com as notas sobre o progresso e a indústria que acompanham o desenvolvimento e estudo dos Sustainable Development Goals (SDG) das Nações Unidas – mais especificamente o SDG 12:

Responsable Consumption & Production, objetivo 12.1 - as taxas atuais e as projetadas de consumo, em

geral, não são sustentáveis. Ora, a indústria têxtil e de vestuário abrange diversas atividades, desde a transformação de fibras naturais ou em fios e tecidos, até a produção de uma ampla variedade de produtos como fios sintéticos de alta tecnologia, têxtil lar, filtros industriais e vestuário.1 O impacto do aumento do

consumo, associado ao crescimento projetado da classe média nos países em desenvolvimento, exigirá uma maior percentagem de recursos em relação aos que já são utilizados, hoje em dia2.

A título de exemplo, analisemos o impacto que o algodão tem para o ambiente. O algodão é a fibra natural mais usada na confeção de roupas, representando cerca de 33% de todas as fibras encontradas nos têxteis. A colheita do algodão requer um elevado consumo de água, exigindo 2.700 litros – o equivalente ao que uma pessoa bebe em dois anos e meio - para fazer uma camisa de algodão. A agricultura de algodão também é responsável por 24% dos inseticidas e 11% dos pesticidas, apesar de usar cerca de 3% das terras aráveis do mundo.3

No que diz respeito ao uso excessivo de água e relativamente à poluição, estes não são problemas exclusivos da colheita e cultivo deste tipo de matérias primas naturais. Cerca de 20% da poluição industrial da água advém do próprio processo de fabrico de vestuário. O setor a nível mundial usa 5 triliões de litros de água por ano apenas para tingir tecidos, quantidade suficiente para encher 2 milhões de piscinas olímpicas4.

Em relação às alterações climáticas, a pegada de carbono de uma peça de vestuário depende muito da matéria prima usada na composição dessa mesma peça. Embora as fibras sintéticas como o poliéster tenham menos impacto em relação ao consumo de água do que, por exemplo, o algodão, elas emitem mais gases de efeito estufa por quilograma. Uma camisa de poliéster tem mais do dobro da pegada de carbono quando comparada com uma camisa de algodão (5,5 kg vs. 2,1 kg, respetivamente5. Ora, com o previsto aumento da

classe média em centenas de milhões de pessoas na China e na Índia, prevê-se que estes gastos cresçam de forma exponencial. Até 2030, estima-se que haverão 5,4 bilhões de pessoas na classe média global, valor

1 COMISSÃO EUROPEIA, Textiles and clothing industries, In

https://ec.europa.eu/growth/sectors/fashion/textiles-clothing/eu_en.

2WORLD RECOURCES INSTITUTE, The Apparel Industry’s Environmental Impact in 6 Graphics, 2017 in https://www.wri.org/blog/2017/07/apparel-industrys-environmental-impact-6-graphics

3 WORLD RECOURCES INSTITUTE, op. cit. 4 WORLD RECOURCES INSTITUTE, op. cit. 5 WORLD RECOURCES INSTITUTE, op. cit.

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muito superior aos 3 bilhões existentes em 2015. Se o consumo continuar na taxa atual, precisaremos de três vezes mais recursos naturais até 2050 em comparação com o que usamos em 20006.

Assumir que os recursos são infinitos num mundo finito não parece ser um modelo de negócio sustentável. Além das preocupações ambientais, o consumo não controlado prejudicará os objetivos econômicos e sociais do mundo. Note-se que, o vestuário é apenas um dos sectores de exploração dos recursos naturais.

As certificações voluntárias, que tentam regular o impacto ambiental da indústria da moda, têm um sistema opt-in, o que significa que a maioria das indústrias ainda não tem obrigação de estar em conformidade com os seus padrões. A pressão pública não é, ainda, forte o suficiente para torná-la uma necessidade para a maioria das empresas que têm que investir financeiramente neste tipo de soluções – muitas vezes reestruturando-se, ao mesmo tempo que tentam competir num mercado de preços esmagadores. Igualmente preocupante é que centenas de certificações colocam no consumidor final, a enorme pressão e responsabilidade de se informar e decidir sobre quais certificações em deve confiar - o que, não é, de todo, realista. Distinguindo entre regulamentos vinculativos e certificações voluntárias, torna-se bastante claro, que existem surpreendentemente poucos regulamentos vinculativos sobre sustentabilidade na indústria da moda. Parte da dificuldade de criar regulamentos sobre a moda, em particular, é que este é um setor com uma cadeia de produção incrivelmente globalizada.

Por esta razão, a maioria das leis que estabelecem padrões para empresas, incluindo na área da moda, são de incidência local. Como tal, só conseguem geralmente abordar aspetos limitados e específicos de cada setor, de cada vez. Os exemplos mais notáveis são:

- O regulamento REACH, na União Europeia (UE), “aplica-se a todas as substâncias químicas; não apenas as usadas em processos industriais, mas também as que fazem parte da nossa vida diária como, por exemplo, as contidas em produtos de limpeza e tintas, em artigos como o vestuário, o mobiliário e os aparelhos elétricos. O regulamento tem pois, impacto na maioria das empresas da União Europeia” A inovação deste regulamento foi colocar “o ónus da prova nas empresas. A fim de cumprirem o regulamento, as empresas são obrigadas a identificar e gerir os riscos associados às substâncias que produzem e comercializam na União Europeia. Devem demonstrar à ECHA [European Chemicals Agency] o modo como uma substância pode ser utilizada com segurança e comunicar aos utilizadores as medidas de gestão de riscos. (…) Se os riscos não puderem ser geridos, as autoridades podem restringir a utilização de substâncias de diferentes formas. A longo prazo, as substâncias mais perigosas deverão ser substituídas por outras que o sejam menos” 7.

6 WORLD RECOURCES INSTITUTE, op. cit.

7 EUROPEAN CHEMICAL AGENCY, Compreender o Regulamento REACH in

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- A regulamentação Grenelle II - Loi 2010-788, 12 Julliet 2010, no seu título VI – “Governance: Dispositions relatives aux entreprises et à la consommation”, adoptada pela Assembleia da república e pelo senado Francês e promulgada pelo Presidente da Republica de França – exige que todas as empresas (das mais diversas naturezas incluindo financeiras) incluam nos seus relatórios anuais uma secção sobre as consequências sociais e ambientais de suas atividades e estabeleçam seu compromisso com o desenvolvimento sustentável. No seu art. 228º inclui ainda a exigência de que as empresas informem progressivamente o consumidor, por qualquer processo apropriado de conteúdo, sobre as emissões de CO2 referentes a todo o ciclo de vida do seu produto, suas embalagens, bem como o consumo de recursos naturais ou o impacto no meio ambiente atribuíveis a esses produtos durante seu ciclo de vida8.

- O Transparency in Supply Chain Act aprovado no Estado da Califórnia que exige que todas as empresas com qualquer tipo de negócios no estado da Califórnia - incluindo aqueles que simplesmente vendem mercadorias – divulguem os seus esforços para garantir que suas cadeias de produção e fornecimento estão livres de escravidão e tráfico de pessoas9.

A. Marcas sustentáveis

Green é evidentemente a cor do mundo natural, basta que o seu uso aumentou significativamente nos últimos anos. A lei começa a adaptar-se às mudanças comportamentais do consumidor final, como é o exemplo da rotulagem ecológica – Decisão da Comissão de 5 de junho de 2014, em que se estabelecem os critérios ecológicos para a atribuição do rótulo ecológico da UE aos produtos têxteis, a diretiva 2010/75/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais, entre outras. Assume-se que em matéria de sustentabilidade da indústria da moda, as marcas, em especial, e a propriedade industrial, em geral, assumem, hoje em dia, “um papel de enorme relevância para o crescimento económico…”10 As empresas que utilizaram intensivamente marcas e patentes na sua estratégia de ação

corresponderam a aproximadamente 28% dos postos de trabalho na União Europeia e representaram mais de 42% do total da atividade económica na União Europeia, remontando aos 5,7 mil milhões de euros, total que revela um aumento face aos dados divulgados no anterior estudo de 2013.11

8 LE SERVICE PUBLIC DELA DIFFUSION DU DROIT, LOI n° 2010-788 du 12 juillet 2010 portant engagement national

pour l'environnement, in

https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000022470434&fastPos=1&fastReqId=1656172071&cate gorieLien=id&oldAction=rechTexte

9 CALIFORNIA LEGISLATIVE INFORMATION, Senate Bill No. 657, in

http://leginfo.legislature.ca.gov/faces/billTextClient.xhtml?bill_id=200920100SB657&search_keywords=Transparency+in+Sup ply+Chains+Act

10 DIÁRIO DA REPÚBLICA ELETRÓNICO, Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, in

https://dre.pt/home/-/dre/117279933/details/maximized

11 EUROPEAN PATENT OFFICE AND EUROPEAN UNION INTELLECTUAL PROPERTY OFFICE, , Intellectual property rights intensive

industries and economic performance in the European Union Industry-Level Analysis Report, October 2016, Second edition, in

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II.

O objeto do contrato: a certificação GOTS

A. O que é?

O Global Organic Textile Standard (G.O.T.S.) define-se como o padrão de processamento líder a nível mundial para têxteis fabricados a partir de fibras orgânicas e delineia requisitos, reconhecidos em todo o mundo, que garantem o status orgânico dos têxteis, desde a colheita das matérias-primas, exigindo uma fabricação com responsabilidade ambiental e social, até a rotulagem, a fim de fornecer, ao consumidor final, uma garantia credível de uma cadeia de fornecimento transparente. Este padrão é cedido a empresas através de um processo de certificação que permite que empresas inseridas nos diferentes processos de fabricação e processamento utilizem o sinal GOTS para se distinguirem das demais empresas no mercado.

B. A marca

A competitividade das empresas, que atuam no mercado internacional é hoje fortemente influenciada por fatores como o respeito pelo ambiente e saúde e a segurança dos produtos e/ou serviços. Por esta razão, observamos um crescente recurso a sinais que permitam aos consumidores identificar e diferenciar certos produtos (ou serviços). A estes sinais, suscetíveis de representação e adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa das demais, chamam-se marcas.

A disciplina das marcas é, hoje em dia, fruto da convergência de diversos regimes jurídicos nacionais, basta notar que o CPI de 2018, em matérias de marcas, reflete a transposição das diretivas europeias de harmonização das legislações nacionais.

A marca é, antes de mais, um sinal ou conjunto de sinais – “suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas” - art.208º do Código de Propriedade Industrial (doravante CPI). Esta definição reflete a alteração do conceito de marca resultante da Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015 (Diretiva de Harmonização das Marcas - DHM 2015). Ao contrário da redação portuguesa do CPI de 2018, na DHM 2015, já não se exige a “suscetibilidade de representação gráfica”, mas antes a “identificabilidade” ou “determinabilidade” como é mencionado na alínea b) do art. 3º da diretiva e, por isso, autores como Pedro Sousa e Silva consideram que a expressão “suscetíveis de representação gráfica”, numa interpretação conforme ao direito europeu, deve ser tido como irrelevante12. Note-se que o abandono do requisito de

“suscetibilidade de representação gráfica”, por parte da legislação da UE, não significa uma “via aberta”

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para a concessão da marca. A sua concessão está dependente de o requerente do registo conseguir determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção que solicita.13 Esta norma, plasmada na

regulamentação europeia, pretendeu ir ao encontro da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJ) sufragada em diversas decisões, sendo a mais emblemática o Acórdão Sieckmann, de 12 de dezembro de 200214: um recurso prejudicial motivado pela recusa de registo por parte do Instituto Alemão

de marcas e patentes – Deutsches Patent - em registar uma marca olfativa para serviços. Embora o odor complexo – para a substância química pura de cinamato de metilo -, tenha sido descrito de uma forma detalhada pelo requerente, inclusive através de uma fórmula química, o TJ declarou que “um sinal que não é, em si mesmo, suscetível de ser visualmente percetível pode constituir uma marca, desde que possa ser objeto de representação gráfica, nomeadamente através de figuras, de linhas ou de caracteres (…) [no entanto] os requisitos de representação gráfica não são cumpridos através de uma fórmula química, de uma descrição por palavras escritas , da apresentação de uma amostra de um odor ou da conjugação destes elementos”. Podemos concluir daqui, que possivelmente, mesmo a definição de marca que constava das anteriores diretivas, em que se exigia a “representação gráfica” da marca, não impediria, à partida, o registo de marcas olfativas. No entanto, esta representação gráfica teria que ser “clara, precisa, completa por si própria, facilmente acessível, inteligível, duradoura e objetiva”15. Ora, para autores como Pedro Sousa e

Silva, a substituição do requisito de “suscetibilidade de representação gráfica”, pelo da “determinabilidade”, não veio diminuir a dificuldade em registar marcas olfativas.16

Da delimitação pela negativa do conceito de marca do art. 209º e tendo em conta os motivos enunciados como absolutos para recusa do registo, art. 231º, parece resultar que os requisitos essenciais para que um sinal se possa constituir como marca sejam o seu carácter distintivo e a sua determinabilidade – já tratado anteriormente -, sem esquecer o respeito por interesses de ordem pública e o registo de má fé.

Quanto ao carácter distintivo, trata-se de um requisito absolutamente fundamental para que a marca desempenhe a sua função jurídica básica: o sinal tem de permitir a identificação do produto e a sua diferenciação face aos produtos do mesmo género, tem que permitir individualizá-lo, distingui-lo de todos os produtos ou serviços concorrentes. Como descreve Pedro Sousa e Silva “o carácter distintivo de uma marca está na razão direta da sua arbitrariedade. Quanto mais surpreendente for o sinal, face ao produto a assinalar, mais intenso será o seu poder distintivo”.17

13 PEDRO SOUSA E SILVA, op. cit., p. 228

14 JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL EUROPEU, Acordão Sieckmann de 12.02.2002 (C-273/00), in

http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?oqp=&for=&mat=or&jge=&td=%3BALL&jur=C%2CT%2CF&num=C-273%252F00&page=1&dates=&pcs=Oor&lg=&parties=Sieckmann%2B&pro=&nat=or&cit=none%252CC%252CCJ%252CR %252C2008E%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252Ctrue%252Cfalse%252Cfalse&language =pt&avg=&cid=7576711

15 JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL EUROPEU, Acordão Sieckmann de 12.02.2002 (C-273/00), op. cit. 16 PEDRO SOUSA E SILVA, op cit., p. 230-231

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Deste modo, desde que um sinal reúna estes dois requisitos, poderá, em princípio, ser registado como marca, mesmo que não corresponda a um dos sinais enumerados no art. 208º (e igualmente no art. 4º do Regulamento das Marcas da União Europeia- RMU), a título exemplificativo, como decorre no advérbio “nomeadamente”18.

Na generalidade dos produtos o registo das marcas não é obrigatório19. Nada impede que um

empresário, por exemplo, adote uma marca e a use como marca livre (não registada). Esta possibilidade não afeta a sua validade. No entanto, na falta de registo, o empresário não terá direito de impedir terceiros de usarem a mesma marca. Para ser protegida, a marca tem que ser registada, só daí surge o seu direito exclusivo sobre a marca, sendo que o registo apenas protege os produtos e os serviços especificados no pedido de registo, ou produtos e serviços afins, de acordo com o princípio da especialidade – art. 210º, nº1 e art. 211º do CPI20.

Desde sempre, que aqueles que produzem os mais diversos artigos recorrem a sinais específicos para os diferenciarem. Falou-se em marcas operárias ou labels para assinalar que os produtos distinguidos resultavam do trabalho sindical organizado em certas condições. A inclusão destes sinais no domínio das marcas, foi muito discutido.21 Não obstante das diferentes opiniões doutrinais, estas marcas são, de facto,

uma realidade nalguns ordenamentos jurídicos, como, por exemplo, os EUA.22

C. A marca de certificação

Não deixa de ser interessante verificar o quão relevante esta matéria é hoje em dia, o enfase já não recai tanto sobre as exigências dos trabalhadores, como já aconteceu, mas, de uma forma mais alargada, envolve também preocupações ambientais e os consumidores, a responsabilidade social das empresas e a ideia de um crescimento económico sustentável. No entanto, esta luta pela diferenciação, continua a ser associada às marcas. A marca tem sido usada como arma para conseguir melhores condições de trabalho, qualidade ambiental e melhor informação para o consumidor final. Neste sentido, surgem com particular importância as marcas coletivas e as marcas de certificação ou garantia.

Entre outras alterações, algumas já mencionadas, e por razões de transparência, o novo DL n.º 110/2018, de 10 de Dezembro introduziu também algumas alterações às marcas de associação e às marcas de certificação - agora designadas, respetivamente por «marcas coletivas» e «marcas de certificação ou de garantia» -, deixando estas de ser reguladas através de um regime essencialmente remissivo, que muitas vezes ignorava as suas especificidades, e passando a beneficiar de um regime mais completo e clarificador.

18 PEDRO SOUSA E SILVA, op cit., p. 215

19 NOGUEIRA SERENS, A Monopolização da concorrência e a (Re-)Emergência da tutela da marca, 2007, pp.589 e ss; 20 PIRES DE CARVALHO, A Estrutura dos Sistemas de Patentes e de Marcas. Passado, Presente e Futuro, 2009, p. 465 e ss. 21 PINTO COELHO, Lições de Direito de Comércio, 1957, p. 344 e ss.

22 UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE, Lanham Act, § 4, 15 U.C.C. § 1054 e § 45, 15 U.S.C. § 1127 in

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Na realidade, em relação à mudança de nomenclatura, não houve aqui nenhuma grande novidade. A Ley

17/2001, 7 de diciembre, de Marcas de Espanha já regulava, no seu título VII, as marcas coletivas e as marcas

de garantia; o Trade Marks Act de 1994, no Reino Unido, fala-nos de colective marks and certifcation marks, e no mesmo sentido seguiram o Trade Marks Act de 1996 da Irlanda e o Lanham Act dos EUA.

As marcas coletivas e marcas de certificação ou de garantia são, na realidade, bastante antigas, tendo sido reconhecidas pela doutrina como precedentes das marcas das corporações da Idade Média, usadas para certificar que o produto observava as regras técnicas prescritas pela corporação, sendo estas obrigatórias, por questões de responsabilidade.23

Segundo a nova legislação, entende-se por marca coletiva “um sinal determinado pertencente a uma associação de pessoas singulares ou coletivas, cujos membros o usam, ou têm intenção de usar, para distinguir os produtos ou serviços dos membros da associação dos de outras entidades. O [seu] registo (…) dá ao seu titular o direito de disciplinar a comercialização dos respetivos produtos, nas condições estabelecidas na lei, nos estatutos ou nos regulamentos internos – art. 214º do CPI. Já a marca de certificação ou de garantia presente no artigo 215º do CPI – “é um sinal determinado pertencente a uma pessoa singular ou coletiva que controla os produtos ou os serviços ou estabelece normas a que estes devem obedecer, no que respeita ao material, modo de fabrico dos produtos ou de prestação dos serviços, qualidade, precisão ou outras características dos produtos ou serviços, com exceção da respetiva origem geográfica, [sendo que este sinal] serve para ser utilizado nos [próprios] produtos ou serviços submetidos àquele controlo ou para os quais as normas foram estabelecidas” de modo a que sejam distinguidos pelos consumidores, dos demais produtos e serviços presentes no mercado.

Embora identificada como tal pela ordenação jurídica portuguesa e pela própria União Europeia, a identificação da certificação como marca não é, no entanto, aceite por toda a doutrina portuguesa. Autores como Carlos Olavo recusam a qualificação de marcas a estes sinais24. Já Pupo Correia defende que só as

marcas de associação - agora designadas pela nova nomenclatura como marcas coletivas - podem ser qualificadas como verdadeiras marcas, pelo facto de as marcas de certificação não exercerem uma função distintiva25. Seguindo o pensamento de Coutinho de Abreu, o facto de as marcas de certificação, assumirem

grande relevância na função de garantia de qualidade, fazendo sombra à tradicional função de indicação de proveniência, não é suficiente para excluir estes sinais da classificação das marcas. “As marcas coletivas (de associação ou certificação) individualizam certos produtos, distinguindo-os dos que são lançados no mercado por sujeitos não membros das associações respetivas e/ou dos que não possuem determinadas qualidades” 26.

23 FRANCESCHELLI, 1988, Sui Marchi d’impresa, p. 24 e ss 24 CARLOS OLAVO, 1997 Propriedade Industrial, p. 40 e sS. 25 PUPO CORREIA, 2001, Direito Comercial, p. 335 e ss.

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Com o novo CPI, as marcas coletivas e as marcas de certificação ou garantia, passam a ter um regime jurídico mais denso, adequado às especificidades destas figuras jurídicas e clarificou-se o seu regime com a possibilidade de ambas poderem pertencer a pessoas singulares e/ou coletivas. Uma das grandes mudanças no regime destas marcas foi, portanto, a alteração da legitimidade para as requerer. De notar, no entanto, que também aqui não houve uma verdadeira inovação. O mesmo já acontecia em Itália, em que o art. 2º, nº 1, do Regio Decreto 21Giugno 1942, modificados já por sucessivas legislações, atribuía legitimidade aos sujeitos (pessoas singulares e coletivas) que desenvolviam a função de garantir a origem, a natureza ou a qualidade de determinados produtos ou serviços para requerer o registo como marcas coletivas.27 Neste sentido seguiu, também, o Regulamento (UE) n.º 2017/1001, doravante tratado por

«Regulamento da Marca da União Europeia». Na secção 2, art. nº 83º, nº 2, a propósito das marcas de certificação da EU, o regulamento afirma que “ qualquer pessoa singular ou coletiva, incluindo instituições, autoridades e organismos de direito público, pode[m] apresentar um pedido de marca de certificação da UE, desde que não exerça[m] uma atividade empresarial que implique o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços do tipo certificado”.

C.1. Afinidades e diferenças dos regimes das Marcas coletivas e das Marcas de certificação ou garantia Um traço comum destes sinais é, portanto, que se destinam precisamente a ser usados em produtos fornecidos ou serviços prestados, não pelo titular do registo, mas antes pelos membros da associação ou pelas pessoas que os sujeitam a controlo ou certificação28. Também em comum têm, desde logo, a obrigatoriedade

de os titulares do registo disciplinarem o uso da marca, fazendo constar do regulamento de utilização da marca, as condições do uso da mesma – art. 217º do CPI.

Embora existam traços em comum, estas duas modalidades de marca também se distinguem e fazem-no, essencialmente, em três aspetos: quanto à titularidade, à legitimidade e à finalidade.

Quanto à titularidade temos que uma marca coletiva só pode ser registada por uma associação de pessoas singulares ou coletivas - art. 2 1 4 º e 216s/l/b) do CPI -; já a marca de certificação pode ser registada por

uma pessoa, singular ou coletiva, de qualquer natureza, desde que tenha legitimidade para controlar o uso desse sinal - art. 215e/l e 216°/1/a) do CPI. Nos termos do nº 2 do art. 216º do CPI, este direito de registo

restringe-se às pessoas ou entidades, públicas ou privadas que não exerçam uma atividade empresarial que implique o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços do tipo certificado.

No que concerne à legitimidade de utilização a marca coletiva só pode ser usada pelos membros da associação titular do registo - art. 214s do CPI. Já em relação à marca de certificação ou garantia pode ser

usada por todos quantos cumpram os requisitos de certificação e submetam a esta os seus produtos ou serviços - art. 215º/l e 216º/l/ a) do CPI.

27 VANZETTI e GALLI, 2001, La Nuova Legge Marchi, p. 57 e ss.

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Finalmente no que toca à sua finalidade, a marca coletiva visa atestar que os produtos ou serviços que a ostentam são provenientes de um membro da associação e que respeitam a disciplina definida por esta, podendo certificar proveniência geográfica; a marca de certificação ou garantia tem por fim assegurar que o produto ou serviço por ela assinalado foi objeto de controlo por parte da entidade certificadora.

Por esta razão, Ribeiro de Almeida, no que toca às marcas de certificação, salienta que “a função

certificadora e indicadora de qualidade é a função principal destas marcas. Função exercida em nome do

interesse geral e não no interesse de uma empresa (…) A marca de certificação não é um sinal distintivo dos

produtos ou serviços, tal como este é concebido tradicionalmente. É um sinal certificador, indicador de certa

qualidade. Já as marcas de associação [agora, marcas coletivas] continuam a ter uma função distintiva e tendencialmente indicadora de uma determinada proveniência. A marca de associação distingue os produtos ou serviços dos seus membros dos de outra pessoa que não pertence a tal associação. [Concluindo, Ribeiro de Almeida defende que] a marca individual e a marca de associação [marca coletiva, pela nova nomenclatura] dizem (tendencialmente) algo sobre o utilizador da marca, [enquanto que] a marca de

certificação diz algo acerca dos produtos ou serviços”29.

Também no domínio do CPI anterior, e numa outra perspetiva, Maria Miguel Carvalho defende que “a marca de associação [agora, marca coletiva] visa distinguir um produto ou serviço de outros do mesmo género por referência à sua proveniência empresarial específica: o produto ou serviço com esta marca indica que a empresa de que provém é membro de uma determinada coletividade (...) As marcas de certificação (...) atestam, («certificam») que o produto ou serviço marcado foi objeto de controle por parte do titular da marca ou respeita as normas impostas por este. Estas marcas (...) visam certificar a qualidade, a composição, a origem geográfica da matéria prima, o processo ou método de fabrico, ou qualquer outra característica dos produtos ou serviços em questão” 30 .

Certo é, que uma relevante distinção entre estes dois tipos de marcas reside no fato das marcas coletivas poderem caracterizar a origem geográfica das mercadorias, enquanto que para as marcas de certificação a origem geográfica é, no ordenamento nacional, expressamente excluída das características de produtos e serviços que podem ser certificados pelo proprietário da marca de certificação ou garantia.31 Esta

exclusão foi introduzida também na legislação da UE: a Proposta de Comissão (COM/2013/161 final) não continha esta provisão, tendo sido subsequentemente acrescentada pelo Conselho, de modo a evitar a sobreposição em relação ao sistema sui generis para a proteção das indicações geográficas legislada pelo Regulamento (EU) No.1151/2012).

C.2. Distinção entre marcas individuais e marcas coletivas ou de certificação

29 RIBEIRO DE ALMEIDA, 1999, Denominação de Origem e Marca, p. 365 e 366

30 MARIA MIGUEL CARVALHO, 2009, Marca Colectiva – Breves considerações in direito industrial, pp. 221 e 222 31 KUR E SENFTLEBEM, 2017, European Trade Mark Law, A commentary.

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Em relação às marcas individuais, existem vários aspetos que as distinguem das marcas coletivas ou de certificação. Uma das características principais das marcas individuais é o fato destas indicarem uma única fonte comercial. As marcas coletivas e de certificação, pelo contrário, assinalam uma ideia de participação numa associação, proteção e defesa de uma qualidade em particular, ou o cumprimento de outras condições específicas de um produto e/ou serviço. No entanto, apesar da lei fazer distinção entre os diferentes tipos de marcas, na prática, os seus papéis ainda parecem bastante permutáveis. Se analisarmos, as marcas coletivas também podem funcionar como marcas de certificação, se a associação se comprometer a garantir a observação de determinados padrões de qualidade dos membros através do seu direito de disciplinar a comercialização dos seus respetivos produtos nas condições estabelecidas na lei, nos estatutos ou nos regulamentos internos – art. 214, nº 2 do CPI. Monge Gil defende que “o que acontece é que no caso da marca coletiva, esta referência à qualidade não é uma característica definidora, mas meramente circunstancial.32 Além disso, com a legitimidade de pessoas singulares poderem, agora, requerer marcas

coletivas e de certificação, a distinção entre marcas coletivas e de certificação e as marcas individuais fica ainda mais confusa. Veja-se o caso, em que uma marca individual pertence a uma entidade singular, não produtora, que a licencia a um grande número de produtores que exibem o sinal nas suas embalagens junto com sua própria marca, de uma maneira muito própria e semelhante das marcas de associação ou de certificação. Note-se que, neste caso, o proprietário da marca individual alcança o efeito pretendido de uma marca coletiva ou de certificação, sem ser submetido aos requisitos específicos estabelecidos para esta última, nomeadamente a presentação de um regulamento de utilização da marca, que é para as marcas de certificação e coletivas fundamento de recusa de registo – art. 218º, nº2, al. d) do CPI. Re.VersoTM values in

science é um exemplo concreto da utilização de uma marca individual que credita – não certifica – parceiros de acordo com os critérios estabelecidos na política da marca – e não através de regulamento de utilização da marca - para a criação de uma linha de produção com parceiros acreditados pela própria marca individual, que oferecem ao mercado fios e tecidos de lã, cachemira e lã de camelo recicladas através de resíduos de pré-consumo33.

Embora a função de qualidade de uma marca individual, ou seja, as expectativas do consumidor em relação ao nível de qualidade e à consistência das características do produto, na maioria dos casos seja apenas indiretamente protegida, o que significa que concorrentes ou membros do público não podem solicitar sanções através do direito da propriedade intelectual, caso ocorram alterações de qualidade, as marcas coletivas e as marcas de certificação correm o risco de perder a sua validade.34 Vejamos ao pormenor esta

situação.

32 MONGE GIL, (1994-95), Las Marcas colectivas, in: ADI, Tomo XVI, p. 204 e ss. 33 Re.VersoTM values in science, in http://www.re-verso.com/en

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Quanto às marcas individuais, a posição de Pupo Correia vai no sentido de que “não se pode considerar (…) que a função da marca seja a de garantia das qualidades do produto. O produtor pode perfeitamente alterar as características do produto, mantendo-lhe a marca. E não é obrigado a anunciá-la.”.35 Coutinho de

Abreu também se pronuncia em relação a esta questão, diz-nos que “há que ter em conta a al. b) do nº2 do art. 26[8]º: o registo caduca-se, após a data em que o registo foi efetuado, “a marca se tornar suscetível de induzir o público em erro, nomeadamente acerca da sua natureza, qualidade e origem geográfica desses produtos ou serviços, no seguimento do uso feito pelo titular da marca (…)”.O autor defende, porém, que a lei não impõe uma perseverança qualitativa em sentido estrito, sendo que sempre serão permitidas melhorias qualitativas, bem como pioras não essenciais ou sensíveis dessa qualidade até então empregada. Declara, ainda que “ilícitas (conducentes à caducidade) são apenas as diminuições de qualidade suscetíveis de induzir o público em erro, isto é, as deteriorações qualitativas sensíveis e ocultas ou não declaradas ao público”36.

Não significa isto que as marcas não desempenham um papel relevante no incentivo da qualidade dos produtos e serviços, ao contrário. Ao registar uma marca, um empresário é incentivado a apresentar ao público produtos ou serviços de qualidade, pelo que, se não o fizer, assume o risco de este lhe atribuir a responsabilidade em caso de insatisfação. Assim sendo, pode-se dizer que uma marca com pouca qualidade ou cuja qualidade tem vindo a diminuir, tem como única sanção, a perda da confiança do público consumidor, pois o direito das marcas não prevê uma sanção específica para uma diminuição de qualidade, nem sequer impõe que os produtos ou serviços de um certo titular tenham sempre um grau de qualidade uniforme.

Segundo Beier, “para os consumidores, uma mesma proveniência implica frequentemente uma qualidade constante dos produtos da marca. Contudo, esta espectativa não é protegida pelo direito das marcas”37. O

mesmo não acontece nas marcas de certificação ou de garantia. Neste caso, a marca desempenha uma efetiva função de garantia, se não de qualidade, pelo menos de genuinidade dos produtos ou serviços assinalados, assegurando ao consumidor que aqueles foram sujeitos a um controle por parte da entidade certificadora, no que respeita “ao material, modo de fabrico dos produtos ou de prestação de serviços, qualidade, precisão ou outras características” – art. 215º do CPI -, com exceção da respetiva origem geográfica.

C.3. Outros sinais afins

Se é verdade que a delimitação entre marcas individuais, marcas coletivas e marcas de certificação se torna às vezes difícil, também é verdade que os sinais, cada vez mais frequentes, que indicam a conformidade dos produtos com determinadas normas não tornam esta distinção mais fácil. Pensemos, no exemplo do “rótulo ecológico” ecolabel comunitário. Será o rótulo ecológico (também conhecido por ecolabel ou marca de qualidade ecológica) uma marca de certificação?

35 PUPO CORREIA, op. cit. p.336

36 COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, op. cit. p.365 e ss.

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O sistema comunitário de atribuição de rótulo ecológico da UE está regulado atualmente no Regulamento (CE) Nº 66/2010 do Parlamento Europeu e do Concelho de 25 de novembro de 2009. O seu objetivo, confessado, consiste em “reduzir o impacto negativo da produção e do consumo no ambiente, saúde, clima e recursos naturais. A finalidade do sistema é promover os produtos com um nível elevado de desempenho ambiental, mediante a utilização do rótulo ecológico. Para o efeito, é adequado exigir que os critérios a preencher pelos produtos ou serviços para ostentarem o rótulo ecológico se baseiem no melhor desempenho ambiental obtido pelos produtos existentes no mercado comunitário“ 38. A atribuição do rótulo

ecológico, como defende Emanuele Montelione, é o resultado de um processo de certificação que verifica a conformidade de um produto (ou serviço) com determinados requisitos ecológicos para a área merceológica a que o produto ou serviço pertence39. Deste propósito do rótulo ecológico parece derivar a incerteza quanto

à sua classificação jurídica. Na verdade, muitos autores incluindo Emanuele Montelione associam-no às marcas de certificação, caracterizando-o como marca de garantia sui generis.40

Apesar do ponto comum - que consiste precisamente no facto de ambos certificarem determinada característica de um produto ou serviço – art. 2º do Regulamento relativo a um sistema de rótulo ecológico da EU -, exercendo o respetivo controlo pela qualidade (art. 5º, nº3, al. a)), em alguns pontos parecem ser figuras distintas : como é referido por Montelione, enquanto a marca de certificação verifica a conformidade do produto (ou serviço) por referência a standards pré-determinados, a atribuição do rótulo ecológico corresponde a critérios ecológicos específicos, comparando os produtos para os quais é pedido com outros produtos da mesma categoria – art. 8º, nº 3, al. a) 41. Distinguem-nas, o facto de uma marca de certificação

ser constituída validamente pelo seu registo junto da entidade competente (no nosso caso, como é sabido, o INPI). Ao rótulo ecológico, embora se exija adoção de forma escrita e registo - art. 9º do Regulamento relativo a um sistema de rótulo ecológico da EU – o art. 4° determina que são “os Estados-Membros [que] designam o organismo ou organismos, no interior da orgânica dos ministérios ou fora dela, competentes para a realização das tarefas previstas no presente regulamento (…) e asseguram a sua operacionalidade.” Em Portugal os contactos disponíveis são os do Ministério da economia. Dispõe a plataforma online dedicada ao ecolabel dois contactos da Direção Geral das Atividades Económicas do Ministério da Economia.

Por outro lado, será de julgar relevante o facto de o legislador comunitário — o mesmo que anteriormente aprovou uma Diretiva relativa a marcas e que instituiu a marca comunitária pelo RMC — ter, deliberadamente, adotado a expressão “rótulo ecológico” e não marca, parecendo querer indicar que não se

38 EUR-Lex - Access to European Union Law, Regulamento (CE) n.° 66/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de

novembro de 2009 (RRE), in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32010R0066&from=EN

39 MONTELIONE, 2003, Loghi, Luogui e Non- Luoghi, p. 168 40 MONTELIONE, op.cit., p.177

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trata de uma marca. Em sentido contrário, Montelione critica a adoção pelo legislador da expressão “rótulo ecológico” porque, segundo o autor, está a designar uma verdadeira marca, ou seja, um sinal que desempenha a função de indicar uma qualidade de um certo produto sobre o qual é aposto42. Não foi esta, o entanto a

posição do legislador europeu que no art. 9º, nº 13: “O direito à utilização do rótulo ecológico da UE não é extensível ao seu uso como componente de uma marca”. Também a consideração dos interesses protegidos parece indicar o mesmo caminho. Se o interesse dos consumidores impera na marca de certificação, o interesse primordial no rótulo ecológico é o interesse geral na tutela do ambiente. No entanto, basta notar que existem, hoje em dia, inúmeras marcas de certificação cujo interesse geral é a tutela não só dos interesses sociais e económicos, mas principalmente do ambiente. Um exemplo expressivo deste argumento é o certificado FSC que assegura que os produtos provêm de florestas bem geridas que oferecem benefícios ambientais, sociais e económicos. Pode-se questionar, desde modo, se a marca de certificação e rótulo ecológico comunitário são afinal figuras materialmente diferentes. Certo é que com a atual redação do Regulamento, elas não se confundem no tráfego jurídico. No entanto, também aqui podia haver lugar à proteção do rótulo ecológico a título de marca, desde que houvesse lugar ao seu registo como marca de certificação, no entanto esta hipótese foi travada pelo art. 9º, nº13 do Regulamento. Giuseppe Sena afirma que a ecolabel “se trata de uma marca coletiva europeia, destinada a garantir no território da comunidade a qualidade ecológica dos produtos assinalados, cuja constituição é disposta por lei e cujo uso é consentido às empresas, sob licença dos organismos nacionais competentes”43. O que, de resto, parece ser possível. Uma

pessoa coletiva (o organismo competente do Estado-membro em causa) solicita o registo como marca de certificação da figura que compõe o rótulo ecológico, para os produtos (ou serviços) para os quais aquele pode ser atribuído, estipulando no regulamento de uso as condições de atribuição, de uso, bem como os direitos e obrigações dos usuários; ou então por sugestão de Emanuele Montelione procede-se ao registo como marca individual44.

III. Momento contratual

A. Estrutura contratual

Tendo até agora analisado as características das marcas de certificação ou de garantia bem como a quem é legítima a sua exploração falta-nos agora perceber qual a relação contratual que existe, de facto, entre as entidades certificadoras e os sujeitos que requerem a respetiva certificação. Para esse efeito, analisaremos as relações contratuais de uma certificação em concreto: o Global Organic Textile Standard, assim como todos os documentos e contratos realizados entre a Global Standard gGmbH, titular da marca de certificação,

42 MONTELIONE, op. cit., p.175

43 GIUSEPPE SENA, 2001, Il Nuovo Diritto dei Marchi: Marchio Nazionale e Marchio Comunitario, p..264 44 MONTELIONE, op.cit., p.177

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e a entidade certificadora/ organismo de certificação, no caso concreto, CERES Certification of Environmental Standards GmbH ; e entre esta última e qualquer entidade que segundo o regulamento de utilização da marca possa requerer esta certificação (para efeitos desta tese, foi-nos cedido o contrato realizado entre a CERES e uma sociedade portuguesa, anexo C).

A.1. Coligação negocial

Embora estejamos perante a concretização de dois contratos parece que ambos fazem parte de um mesmo momento contratual. Assim sendo, podemos estar perante uma coligação negocial – categoria entre a pura unitariedade e a pura pluralidade – na medida em que se pressupõe a pluralidade negocial, mas se regista, simultaneamente, a existência, de nexos internegociais juridicamente relevantes. De uma forma mais simplificada, “trata-se de dois ou mais contratos que, sem perda da sua individualidade, se acham ligados entre si por certo nexo”45.

Como Ferreira de Almeida descreve, na maioria dos casos, a coligação negocial inscreve-se numa zona intermédia de formações contratuais complexas plurais para determinados efeitos, mas de alguma maneira unitárias para outros, sendo que esta unitariedade resulta das conexões juridicamente relevantes que se estabelecem entre os vários negócios, apesar de tudo, estruturalmente autónomos46.

Antunes Varela explica que apesar de manterem a sua individualidade, estes contratos estão ligados por um nexo funcional, um vínculo substancial que pode alterar o regime normal de um dos contratos ou de ambos, por virtude da relação de interdependência que eventualmente se cria entre eles47. No caso concreto,

a relação de dependência parece ser unilateral, porque sem a realização do primeiro contrato, a CERES Certification of Environmental Standards GmbH não está habilitada para certificar o padrão de processamento G.O.T.S.

A.2. Contratos normativos

Como podemos observar através dos anexos A e B disponibilizados pela entidade titular do padrão de processamento G.O.T.S., estamos perante dois documentos de essência normativa que regulamentam fortemente a possível e futura relação contratual a existir entre o Global Standart gGmbH e uma potencial organização de certificação e entre esta e as entidades certificadas.

Embora não haja aqui nenhuma relação contratual efetiva ou obrigacional, parece haver uma proposta contratual, bastante técnica e normativa cujas partes interessadas em aceder à certificação não podem negociar. Desta linha de pensamento surge uma questão, desde logo, a de sabermos se estamos perante contratos normativos. Analisemos esta questão.

45 ANTUNES VARELA, 2000, Das Obrigações em Geral, p. 281

46 FERREIRA DE ALMEIDA, 2017, Contratos I – Conceitos. Fontes. Formação, p. 161 47 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, op. cit. p. 282

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O estudo dos contratos normativos começou há várias décadas, especialmente nas doutrinas alemã e italiana de modo a identificar o mecanismo contratual utilizado nas relações comerciais cujas atividades econômicas são massivamente desenvolvidas no mercado de bens e serviços. Estas modalidades especiais de contratação que surgiram para atender às necessidades dos agentes econômicos assumem várias formas e manifestações; por esta razão, tem sido particularmente difícil definir com precisão ou univocidade a sua definição, escopo e implicações legais.

Nesse contexto, Alfred Hueck, com seu trabalho “Normative Contracts”, foi um pioneiro no estudo desta modalidade contratual que floresceu em sociedades com economias de massa. Para o autor, “(…) sempre que as cláusulas contratuais não estejam fixadas no contrato pelo qual se devem reger as partes, e, portanto, estão fixadas num contrato especial, e quando estas cláusulas contratuais não tenham intenção de reger unicamente um único contrato, senão uma série de contratos, estamos perante um contrato normativo”48.

Hueck explica que do contrato normativo não advém nenhuma obrigação futura de celebrar qualquer contrato, e que este só terá vigência no caso de as partes celebrarem um contrato individual, desde que se consiga distinguir os contratos normativos dos contratos individuais, que se podem celebrar subsequentemente. Se tal ocorrer, os contratos posteriores perdem a sua independência e passam a conter uma parte substancial do conteúdo do contrato normativo que o antecedeu49.

Messineo, em Itália, também estudou o contrato normativo e distingui-o do “contrato em sentido estrito”.50 Segundo o professor italiano, o contrato normativo tem por objetivo estabelecer normas jurídicas

com eficácia limitada, em princípio, em relação aos sujeitos contraentes, embora se possam aplicar, em certas hipóteses, a terceiros que sejam destinatários do mesmo, por se colocarem ou pretenderem colocar na mesma posição contratual que uma das partes.

Para este autor, o contrato em sentido estrito, enuncia um resultado concreto e específico para as partes, afetando a relação das partes de forma imediata e deste surgindo uma série de direitos e obrigações. Já no contrato normativo, o autor defende perseguir-se um resultado abstrato e geral, nunca se retirando daqui diretamente direitos e obrigações.

Assim sendo, seguindo a linha argumentativa de Messineo, o contrato normativo não é, estritamente falando, um contrato, porque este último tem força de lei entre partes, seu conteúdo é concreto e determinado, enquanto que o contrato verdadeiramente normativo, rationae materiae, se dispõe de interesses em abstrato e, de modo geral, situações suscetíveis de se repetirem; é um fenômeno de autodisciplina ou autoimposição

48 HUECK A.,1923, Normative Contracts, En Anuario de Ihering para la dogmática del derecho civil, p. 37 49 HUECK, op. cit., pp. 38-40

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de normas admissíveis, não violadoras de normas imperativas.51 Por esse motivo, o autor sustenta que o

chamado “contrato normativo” se adequa melhor à qualificação de “acordo”, formulação que na opinião de Castro de Cifuentes, coloca uma dificuldade não apenas em termos da denominação deste mecanismo contratual, mas também quanto à sua própria natureza jurídica52.

Por um lado, acordos normativos, em sentido estrito, são aqueles mediante os quais as partes predispõem o conteúdo de contratos futuros que podem, ou não, se concretizar, entre as partes ou com terceiros. Se celebrado o contrato individual entre as partes, este acolherá integralmente ou de forma parcial e de maneira uniforme o regulamento adotado anteriormente. Note-se que, mesmo que as estipulações dos contratos individuais tenham sido pré-acordadas, estes contratos que se celebram são contratos completos, eficazes e obrigatórios por si mesmos se satisfizeram os requisitos de melhoria e validade.

O exemplo tradicional desta modalidade de contrato são as convenções coletivas de trabalho que são automaticamente incorporados em contratos de trabalho novos ou em curso. Alguns contratos de franquia também já foram qualificados como normativos, nomeadamente quando o franqueador estabelece com o franqueado as cláusulas que devem conter os contratos que daí em diante se celebrem com os futuros clientes. Da mesma forma, podem se considerar contratos normativos, na opinião de Castro de Cifuente, os contratos de serviço financeiros em que são estabelecidas as estipulações de contratos futuros que podem ou não ser realizada com terceiros. Nesse caso, falamos de contratos normativos unilaterais porque são elaborados pela entidade que oferece massivamente o serviço a uma clientela53.

É neste sentido, que esta figura é comparável ao nosso caso de estudo.

Se por um lado, se pode questionar até que ponto o anexo A - Approval Procedure and

Requirements for Certification Bodies – pode ser considerado como um contrato normativo unilateral, uma

vez que estes implicam que apenas um dos contraentes assume deveres face ao outro, por outro parece poder-se classificar, sem dúvidas, o regulamento de utilização da marca disposto no anexo B – Global Organic Textile Standard (GOTS) Version 5.0 – como tal.

Certo é que ambos se assemelham à classificação estudada de contratos normativos– neste caso realizados pela Global Standart gGmbH - que estabelece o conteúdo dos contratos a realizar com as potenciais entidades de certificação e posteriormente, entre estas, e as empresas de processamento, transformação, fabrico e comércio de materiais orgânicos, que pretendam se certificar.

A.3. Contratos de adesão

51 MESSINEO, op. cit., pp 59-62

52 CASTRO DE CIFUENTES, M. (2019). Los contratos normativos y los contratos marcon en el derecho

privado contemporâneo, p. 121-150.

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Segundo Castro Cifuentes, existem várias figuras que em certas circunstâncias se poderiam considerar contratos normativos, como por exemplo, o contrato promessa54, o pacto de preferência55, e até mesmo os

contratos de adesão56. Neste último, a lex contractus é praticamente elaborada por um só dos contraentes,

sem nenhum debate prévio acerca do seu conteúdo ou negociação. Ao outro contraente fica, claro, a liberdade de aceitar ou não o contrato que lhe é apresentado abdicando-se da negociação e discussão da substância das soluções no contrato firmadas.57

Ora, por norma, o contrato normativo e os acordos que daí resultam são, de facto, produto da livre negociação entre as partes envolvidas no negócio, para que os contratos que delem nasçam sejam do acordo das vontades dos participantes. Porém, Castro Cifuentes acredita ser possível que os contratos normativos resultem da imposição de condições gerais às quais, adere uma das partes58, tal como vimos com o exemplo

tradicional dos serviços financeiros.

O convite a contratar é, em ambos os casos, unilateralmente formulado, as cláusulas pré-elaboradas, pressupondo rigidez, na medida em que os sujeitos ou preenchem os requisitos e aceitam as condições contratuais ou abdicam por completo da marca de certificação.

Relativamente ao regulamento de utilização de marca– neste caso anexo B –, o artigo 217º CPI diz-nos que o requerente da marca de certificação deve apresentar – sob pena de ver recusado o seu registo – um regulamento de utilização da marca, isto é, disposições em que se designem as pessoas que têm direito a usar a marca, as condições em que a marca deve ser utilizada, incluindo as respetivas sanções, o plano de controlo de utilização da marca e os direitos e as obrigações dos interessados no caso de usurpação ou contrafação. Ora, tratando-se aqui de elementos próprios essenciais à qualificação e à própria existência da marca de certificação enquanto tal - descrição dos elementos que pretende certificar, requisitos técnicos, requisitos ambientais, requisitos sociais, sistema de controlo da qualidade, entre outros - não me parece que possamos qualificar o anexo B como um contrato de adesão.

Seria legitimo, no entanto, questionar se além de um contrato normativo, o anexo A relativo ao processo de aprovação e requisitos para uma entidade de certificação – que apresenta mais do que meramente requisitos técnicos próprios da caracterização de uma marca de certificação – não se trata, afinal, de um autêntico contrato de adesão.

No contexto do anexo A, parece haver normas que em circunstâncias diferentes poderiam ser negociadas entre as partes, nomeadamente o modo de pagamento - ponto 5.4.1. “anual fee” -, aqui imposto no processo de aprovação para as entidades de certificação.

54 CASTRO DE CIFUENTES, op. cit., pp. 139 55 CASTRO DE CIFUENTES, op. cit., pp. 140 56 CASTRO DE CIFUENTES, op. cit., pp. 141 57 ANTUNES VARELA, op. cit. 251 e ss 58 CASTRO DE CIFUENTES, op. cit., pp. 141

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Deste modo, parece que podemos estar perante uma limitação de ordem prática — não de ordem legal ou jurídica — à liberdade de estipulação típica dos contratos de adesão. No caso, a Global Standard gGmbH formulou unilateralmente as cláusulas negociais que as entidades de certificação podem aceitar, mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhe é apresentado, ou rejeitar, não sendo possível modificar o ordenamento negocial apresentado.

A limitação contratual típica dos contratos de adesão existe no domínio dos factos, no entanto, o regulamento da certificação não pode ser, em si mesmo, negociável. Note-se que qualquer alteração ao regulamento de utilização que modifique o regime da marca só produz efeitos em relação a terceiros se for comunicado ao INPI, I. P., para efeitos de averbamento, ou neste caso, à entidade competente do sistema certificação em causa– art. 217º, nº4 do CPI. Cabe aos titulares da marca de certificação precisamente o direito de disciplinar a comercialização dos respetivos produtos, nas condições estabelecidas na lei, nos estatutos ou nos regulamentos internos. Cabe a estes titulares designarem as pessoas que têm direito a usar a marca, as condições em que a marca deve ser utilizada, incluindo as respetivas sanções, o plano de controlo de utilização da marca e os direitos e as obrigações dos interessados no caso de usurpação ou contrafação sendo que este mesmo regulamento de utilização da marca deve autorizar qualquer pessoa cujos produtos ou serviços preencham todas as demais condições previstas no regulamento a tornar-se membro da associação que é titular da marca, sem exceção.

A.4. Sujeitos

Assim, neste contexto, os contratos em análise estabelecem-se com relação a três sujeitos distintos: 1º) A Global Standard gGmbH; 2ª) CERES Certification of Environmental Standards GmbH; 3º) entidade que segundo o regulamento de utilização da marca possa requerer esta certificação. Analisaremos a qualificação jurídica de cada um deles.

A Global Standard gemeinnützige GmbH, é uma gGmbH - gemeinnützige Gesellschaft mit

beschränkter Haftung – ou seja, sociedade de responsabilidade limitada sem fins lucrativos. Note-se que

GmbH – abreviatura para “Gesellschaft mit beschränkter Haftung” - significa sociedade de responsabilidade limitada e a forma legal gGmbH rege-se pelas regras gerais das sociedades de responsabilidade limitada GmbH. Esta forma jurídica alemã visa conciliar os benefícios de uma organização sem fim lucrativos com os de uma sociedade responsabilidade limitada – GmbH.

Justificada pelo aumento das demandas económicas das organizações sem fins lucrativos, o regime gGmbH, tornou-se muito atraente para instituições de saúde, culturais e educacionais. Uma sociedade gGmbH é, portanto, sem fins lucrativos se servir de uma função não comercial, beneficente ou religiosa. Os objetivos de uma gGmbH devem ser altruístas, diretos e com um objetivo específico. Os lucros não devem ser distribuídos entre os acionistas, mas devem ser direcionados ao objetivo da empresa.

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Em Portugal, não existe uma figura legal semelhante à sociedade de responsabilidade limitada sem fins lucrativos. O art. 980º do Código das Sociedades Comerciais – CSC – que define o contrato de sociedade fala-nos da sociedade que visa essencialmente a obtenção de lucros destinados a serem distribuídos pelos sócios. Pelo que, em Portugal, uma entidade como a Global Standard gGmbH teria que se constituir sobre a forma de organização sem fins lucrativos.

Há que notar, no entanto, que a nível Europeu se reconhece a figura da empresa social. Neste contexto, poder-se-ia questionar se a Global Standard gGmbH é uma “empresa social”, no contexto da UE. Ora, “Empresa social”, é aquela a)”cujo objetivo social ou de sociedade, de interesse comum, justifica a ação comercial, que se traduz, frequentemente, num alto nível de inovação social”; b) “cujos lucros são reinvestidos principalmente na realização desse objetivo social”; c) “cujo modo de organização ou sistema de propriedade reflete a sua missão, baseando-se em princípios democráticos ou participativos ou visando a justiça social”59. Com efeito, uma empresa social, agente da economia social, é uma empresa cujo principal

objetivo é ter uma incidência social, mais do que gerar lucros para os seus proprietários ou parceiros. Atua no mercado fornecendo bens e prestando serviços de maneira empresarial e inovadora, e utiliza os seus excedentes maioritariamente para fins sociais. É administrada de forma responsável e transparente, nomeadamente associando os seus empregados, os seus clientes e outras partes interessadas nas suas atividades económicas.60

A Lei de Bases da Economia Social, aprovada pela Lei nº 30/2013, de 8 de maio, não contempla as empresas sociais no seu art. 4º sobre as entidades da economia social. A ordem jurídica portuguesa não tem um regime legal específico destinado a estes sujeitos. No entanto, sendo um assunto crescente a nível europeu, também em Portugal se discute os limites deste conceito. À luz da ordem jurídica portuguesa, as empresas sociais podem ser cooperativas, associações, mutualistas ou fundações. Debate-se, porém, se para além destas, podem ser também sociedades comerciais. A comissão Europeia admite esta opção, mas não abdica que a questão seja analisada à luz das leis nacionais.

A qualificação do sujeito contratual CERES Certification of Environmental Standard GmbH não levanta tantas questões como o anterior. Trata-se de uma sociedade de responsabilidade limitada regulada pelo direito alemão. GmbH (Gesellschaft mit beschränkter Haftung), só o património social responde perante os credores. Em relação ao potencial sujeito do segundo contrato, sabemos apenas que podem ser processadores, fabricantes, comerciantes e revendedores que desejam demonstrar sua capacidade de cumprir com os critérios

59 COMISSÃO EUROPEIA, 2011, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Economico e

Social Europeu e ao Comité das Regiões – Iniciativa de Empreendedorismo Social, construir um ecossistema para promover as empresas sociais no centro da economia e da inovação sociais, Bruxelas, 25.10.2011 COM P. 682 in

https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2011:0682:FIN:PT:PDF

60 Para efeitos da presente comunicação, os termos ingleses «social business» e «social enterprise» correspondem à noção de

Referências

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