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O lugar da espiritualidade/religiosidade para psicólogos(as) que atuam em contextos de cuidados paliativos na proximidade da morte

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Academic year: 2021

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-graduação em Psicologia

O LUGAR DA ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE PARA PSICÓLOGOS(AS) QUE ATUAM EM CUIDADOS PALIATIVOS NA PROXIMIDADE DA MORTE

Ingrid Raíssa dos Anjos Rocha

Natal/RN 2019

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Ingrid Raíssa dos Anjos Rocha

O LUGAR DA ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE PARA PSICÓLOGOS(AS) QUE ATUAM EM CUIDADOS PALIATIVOS NA PROXIMIDADE DA MORTE

Dissertação elaborada sob a orientação da Profa. Dra. Geórgia Sibele Nogueira da Silva e apresentada ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Natal/RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Rocha, Ingrid Raíssa dos Anjos.

O lugar da espiritualidade/religiosidade para psicólogos(as) que atuam em contextos de Cuidados Paliativos na proximidade da morte / Ingrid Raíssa dos Anjos Rocha. - 2019.

175f.: il.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020. Natal, RN, 2020. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Geórgia Sibele Nogueira da Silva.

1. Espiritualidade - Dissertação. 2. Cuidados Paliativos na Terminalidade da Vida - Dissertação. 3. Humanização da

Assistência - Dissertação. 4. Psicologia - Dissertação. 5. Morte - Dissertação. I. Silva, Geórgia Sibele Nogueira da. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.923.32

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação “O lugar da Espiritualidade/Religiosidade para psicólogos(as) que atuam em Cuidados Paliativos na proximidade da Morte”, elaborada por Ingrid Raíssa dos Anjos Rocha, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca examinadora e aceita pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia como requisito parcial para obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA.

Natal-RN, 29 de outubro de 2019.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________ Profa. Dra. Geórgia Sibele Nogueira da Silva

__________________________________________ Profa. Dra. Annatália Meneses de Amorim Gomes __________________________________________ Prof. Dr. João Bosco Filho

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“Não há lugar na Terra onde a morte não nos encontre – mesmo que voltemos a cabeça uma e outra vez olhando em todas as direções” (O livro tibetano do viver e do morrer – Sogyal Riponche) “a história de cada homem é essencial, eterna e divina, e cada homem, ao viver em alguma parte e cumprir os ditames da Natureza, é algo maravilhoso e digno de toda a atenção” (Demian - Hermann Hesse)

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Dedico este trabalho ao Tempo, que tanto me ensina sobre ciclos, sobre a vida e a morte.

À minha avó Madeleine (in memoriam), a primeira pessoa a quem lembro de amar e que partiu.

E ao meu bisavô Pedro (in memoriam), que me fez sentir ainda criança frente aos mistérios que a morte pode causar.

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Agradecimentos

Agradeço ao Tempo e ao Universo por sua generosidade e vastidão, que sempre me incentivam a seguir e a recomeçar.

Agradeço aos meus pais, Derocy e Mônica, por toda a vida e cuidado, por serem solo firme e amoroso em que posso fincar minhas raízes e crescer. Os seus modos de estar no mundo me inspiram e estão presentes em minha vida e nesta dissertação, desde a responsabilidade e dedicação que aprendi com meu pai à sensibilidade e criatividade que tanto admiro em minha mãe, e tantas outras coisas. Para vocês minhas palavras sempre serão poucas.

Ao meu irmão Thiago, pela leveza que me traz com sua presença, e por me lembrar através de seu bom humor quase que diariamente que a alegria e o riso também são “armas quentes” diante do mundo.

À minha irmã de coração Laura por sua presença sempre incentivadora e amorosa. À minha vovó Ceiça, que no seu abraço cuidou de tantos dos meus desesperos, e que na sua escuta atenta me faz recordar que há lugar no mundo para as minhas sensibilidades.

No afeto destes cinco descubro que há sempre terra para onde voltar. E por isso e por serem cada um aos seus modos os maiores incentivadores dos meus voos agradeço imensamente.

Ao meu avô Canindé e ao meu avô Derocy (in memoriam) por todo cuidado, aprendizados e amor, é sempre com gratidão e afeto que me lembro de vocês.

À Netinha por seu cuidado comigo e minha família.

À minha tia Cecília por me lembrar junto com minha avó, minha tia Tetê, minha mãe e tantas outras a força – que tanto admiro e na qual me recarrego – das mulheres de minha família.

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À minha prima Ádila e à minha tia Nilma pela presença e trocas nestes últimos anos. À Janaína por sua atenção e cuidado.

Às minhas amigas Gabi e Thaíza, por toda escuta, suporte e incentivo, fundamentais nessa trajetória.

À Brisa, Letícia, Luana, Larisse, Jaris e Ana Flávia por toda torcida, conversas e afeto. À Tallita por ser uma amiga tão querida.

À Danielle por ser uma referência de cuidado, que há tanto me auxilia e acompanha pelos caminhos do meu coração.

À professora Annatália Meneses de Amorim Gomes e ao professor João Bosco Filho, pelos seus olhares atentos e contribuições cuidadosas a mim e ao meu trabalho, desde a qualificação, momento para mim muito importante, até a defesa, quando compuseram a banca e mais uma vez trouxeram valiosas pontuações.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo investimento que também tornou esta pesquisa possível.

Às colaboradoras deste estudo por me permitirem ser escuta de suas práticas e de seus mundos.

E à Geórgia Sibele, por acolher a mim e à minha pesquisa. E por me ensinar tanto, pelo seu rigor, conhecimentos e exigências, mas principalmente pela sua sensibilidade, cuidado e amorosidade, serei sempre grata pelas “trilhas de encantamento” a que você me inspira e a que me permitiu percorrer.

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ... 17

1.1 Como nasce este projeto ... 17

1.2 Morte, cuidados paliativos e espiritualidade: das afetações às leituras ... 19

2. OBJETIVOS ... 33 2.1 Geral ... 33 2.1 Específicos ... 33 3. PERCURSO METODOLÓGICO ... 34 3.1 Quadro teórico ... 35 3.1.1 Hermenêutica Gadameriana ... 35

3.2 Estratégias Operacionais da Pesquisa ... 40

3.2.1 Colaboradoras do estudo ... 40

3.2.2 Instrumentos de acesso as narrativas ... 42

3.2.3 Tratamento e compreensão das narrativas ... 47

3.2.4 Análise de Riscos e Medidas de Proteção ... 51

3.2.5 Aspectos Éticos ... 52

3.2.6 Estudo Piloto ... 52

3.2.7 A continuidade do campo ... 55

3.3 Apresentando nossas colaboradoras ... 55

4. CUIDADOS PALIATIVOS E A MORTE: CONSTRUINDO UMA HISTÓRIA DE AFIRMAR O CUIDAR DA VIDA ATÉ O FIM ... 65

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4.1 Morte: os retratos da interdição à humanização do cuidado diante do morrer ... 65

4.2 Cuidados Paliativos uma história que desde o início é um convite à espiritualidade .... 73

4.2.1 Os Cuidados Paliativos e a motivação para incluir o cuidado espiritual ... 84

5. A ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE NOS PROCESSOS SAÚDE-DOENÇA-MORTE E NAS CONCEPÇÕES DE PSICÓLOGAS ... 89

5.1 Espiritualidade e Religiosidade nos processos saúde, doença e morte... 89

5.2 Religiosidade, Espiritualidade e Psicologia: quando algo maior conforta! ... 97

5.2.1 Espiritualidade, algo maior: entre o sagrado e o mundano ... 98

5.2.2 Da estruturação da religião à prática da religiosidade: crenças que confortam .... 105

6. ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE NO CUIDAR ESPIRITUAL DA PSICOLOGIA DIANTE DA MORTE ... 110

6.1 Psicologia e Espiritualidade: alguns apontamentos ... 111

6.2. Eu torço para que o paciente tenha algo: como incluir a espiritualidade? ... 116

6.3 Religião e a Espiritualidade no cuidado na prática psi: um campo de delicadezas, desafios e dificuldades ... 123

6.3.1 A Restrição Formativa ... 124

6.3.2 Os diferentes modos de estar diante da morte ... 131

6.3.3 Os desafios éticos: uma questão de delicadezas ... 135

6.4 A Espiritualidade e a Religiosidade como potência: o lugar para os psicólogos e no cuidado ao outro na proximidade da morte ... 139

6.4.1 Para além do cuidado do outro: o lugar da espiritualidade para os psicólogos/as 143 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 150

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8. REFERÊNCIAS ... 153

APÊNDICES ... 167

Apêndice A – Roteiro da entrevista ... 167

Apêndice B – Roteiro da oficina com uso de cena ... 170

Apêndice C – Termos de Consentimento e Autorização ... 171

Apêndice C1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ... 171

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Lista de figuras

Figura 1. Quartzo Rosa Figura 2. Ônix Figura 3. Ametrino Figura 4. Olho-de-tigre Figura 5. Tanzanita Figura 6. Berilo Figura 7. Cornalina

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Lista de tabelas

Tabela 1. Perfil das colaboradoras

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Lista de Siglas

ACP – Abordagem Centrada na Pessoa ADEC – Association for Death Education

ANCP – Academia Nacional de Cuidados Paliativos CP – Cuidados Paliativos

CRE – Coping Religioso-Espiritual

IAHPC – Internacional Association for Hospice and Palliative Care IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LETHS – Laboratório de Estudo em Tanatologia e Humanização das Práticas de Saúde OMS – Organização Mundial de Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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RESUMO

A vivência do adoecimento e da morte, desvela a fragilidade humana e impõe consideráveis desafios a quem a vivencia e aos que dela cuidam e acompanham, sobretudo quando se fala em processos de adoecer em que não há terapêutica curativa. Na década de 1960 nascem os Cuidados Paliativos (CP), destinados à pacientes e familiares em processos de adoecimento que ameaçam a continuidade da vida, trazendo desde sua gênese a preocupação com o cuidado integral e multidimensional das pessoas, isto é, não apenas com sua dimensão física, mas igualmente com seus aspectos emocionais, sociais e espirituais. Nas últimas décadas as pesquisas na temática da espiritualidade têm crescido exponencialmente, os estudos demonstram seu impacto na saúde física e mental das pessoas, relacionando-a com qualidade de vida, bem-estar, prevenção de doenças e seu enfrentamento, situando-a ainda como uma relevante dimensão humana, fundamental para pensar estratégias de cuidado, saúde-doença e morte, sendo assim também importante ao olhar da psicologia. O objetivo deste estudo é compreender o lugar da espiritualidade/religiosidade na atuação de psicólogos/as de Natal-RN que atuem em contextos de cuidados paliativos diante da morte. Colaboraram com esta investigação sete psicólogas, com diferentes tempos de formatura e prática em CP, distintas experiências espirituais e religiosas e diferentes abordagens de atuação na psicologia - selecionadas por indicação e conveniência. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que adota a Hermenêutica Gadameriana como aporte teórico-metodológico, para sua construção, análise e compreensão das narrativas. O acesso às narrativas deu-se a partir da entrevista narrativa com uso de cenas projetivas. As entrevistas foram gravadas e transcritas. Utilizou-se o diário de campo para registro de impressões pessoais da pesquisadora. O diálogo com as narrativas originou os seguintes capítulos: “Cuidados Paliativos e a morte: construindo uma história de cuidar da vida até o fim”, que traz diferentes posturas da humanidade diante da morte e do morrer e uma breve história dos cuidados paliativos, desde seu princípio marcado pelo convite à integração da espiritualidade no cuidado, aspecto ilustrado também pelas falas das colaboradoras; “A Espiritualidade/Religiosidade nos processos saúde-doença-morte e o olhar da psicologia” tratando da espiritualidade, religiosidade e religião nos processos de saúde-doença e morte e abordando as concepções das psicólogas sobre os conceitos de religiosidade e espiritualidade; “A espiritualidade e religiosidade no cuidar espiritual da psicologia diante da morte”, que se debruça sobre aspectos da relação entre espiritualidade e psicologia, trazendo a atuação da psicologia no contexto dos cuidados paliativos diante da morte, destacando as dificuldades e desafios na inclusão da espiritualidade neste processo, e o lugar potente que pode ter a espiritualidade no cuidado da psicologia na proximidade da morte, no que se refere ao cuidado do outro, mas também a um cuidado que seja de si (profissional de saúde). Assim, a partir da compreensão da prática destas profissionais e do lugar que a espiritualidade ocupa nesta, conclui-se a importância de considerar a espiritualidade/religiosidade nas práticas de saúde e cuidado, sobretudo no cuidado diante da morte, em resgate à humanização e a integralidade.

Palavras-Chave: Espiritualidade; Cuidados Paliativos na Terminalidade da Vida; Humanização da Assistência; Morte; Psicologia.

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ABSTRACT

The illness and death experience’s reveal the human fragility in the face of life and impose on those who experience illness and those who care and attend them considerable challenges, especially in illnesses where there is no curative therapy. In the 1960s, Palliative Care emerged as a field of care, which belongs to patients and families living an illness process that threaten life itself. Thereby, since the beginning of this process, there was a concern about people’s integral and multidimensional care, which was not only about their physical dimensions, but also about emotional, social, and spiritual aspects, considering spirituality as an important resource in care near death. In the last few decades, studies about spirituality has grown exponentially, and had shown its relevance on both physical and mental health, quality of life, well-being, diseases prevention, and coping, showing itself as relevant human dimension, which is fundamental to develop care strategies, regarding to the processes of health, disease and death, and thus also important to psychology. The aim of this study was to understand the place of spirituality / religiosity in the work of psychologists in Natal-RN who work in palliative care near death. There were seven psychologists participants in this study, with different experience time in palliative care, different spiritual and religious experiences, and different approaches to acting in psychology – who were selected by indication and convenience. It is a qualitative research grounded on Gadamer’s Hermeneutics as a theoretical basis for its construction, analysis and narratives comprehension. It was accomplished a narrative interview using projective scenes. The interviews were recorded and transcribed. The research field diary was used to record the researcher's personal impressions during the study. The dialogue with the participants narratives originated the following chapters: (1) “Palliative Care and death: building a history of caring for life until the end”, which brings different human attitudes towards death and dying and a brief history of palliative care, which since the beginning it has been marked by the inclusion spirituality in care, an aspect also illustrated by participants’ words; (2) “Spirituality / Religiosity: the concepts of health-illness-death and the psychologists’ conceptions” that exposes spirituality, religiosity and religion in health, illness and death process and the reveal the psychologists’ concepts of religiosity and spirituality; (3) “Spirituality and religiosity in the psychology spiritual care near death” which was focused on the relationship between spirituality and psychology, mainly in a palliative care context near death, highlighting the difficulties and challenges to include spirituality in care, although detach the power that spirituality has above psychology care near death, both for patient and their families care and for the health professional's own care. Thus, from the understanding of these professionals practice and the place that spirituality occupies in it, it is defended the importance of considering and including spirituality / religiosity in health care practices, especially when dealing with care near death, in rescue to humanization and integrality of care.

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Como nasce este projeto

“Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?” Ante o meu espanto, sem palavras, ela acrescentou: “Mas não chore não. Eu vou te abraçar.

Rubem Alves Da necessidade do abraço e do desejo de abraçar nasce este projeto. O abraço aqui, no entanto, não está como ato que objetiva parar o choro, mas sim como metáfora para o acolhimento, alusão ao cuidar e ao estar junto, tal qual a fala de Raquel, filha do poeta supracitado, a qual me inspira. Desde o princípio de meu não muito longo trajeto de construir-me psicóloga e pesquisadora, fiz escolhas que construir-me aproximaram quase sempre das questões referentes ao cuidado, aos que o recebem e aos que o oferecem. Muitas dessas escolhas foram decorrentes do impacto que a temática da finitude e o interesse pela tônica da espiritualidade tinham e têm sobre mim, mas não somente, visto que a esse campo de interesse e de afetação também se integrava o contexto oncológico.

Assim sendo, fui buscando contato com os temas e campos que tanto ressoavam em mim. No terceiro ano de meu curso, fui surpreendida com uma disciplina que estava disponível na grade curricular optativa: chamava-se Psicologia da Morte. Os temas então propostos e discutidos foram os primeiros impulsos que me levaram a defrontar-me conscientemente com temática da morte, que, para mim, já naquele momento, trazia um imenso atravessamento da oncologia.

No final do mesmo ano em que isso aconteceu, fiz uma escolha: adotar como foco, na minha formação, o contexto oncológico. Desse modo, logo no ano seguinte, iniciei um curso formativo em psico-oncologia, além do estágio curricular em um hospital exclusivamente oncológico, onde meu contato com o câncer, com o cuidado, com a espiritualidade e com a

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morte se adensaram. A vivência foi rica – em leituras, experiências e trocas – e o contato com a morte “viva”, durante a minha atuação naquele momento vivenciado enquanto parte da equipe de saúde, mesmo que na condição de estagiária, muito me inquietou e me pôs defronte com questões que ainda hoje me são caras e que muito deslocaram meu olhar, a priori focado nos pacientes e em suas famílias, para os profissionais de saúde. Surgiam-me, assim, questionamentos como: quem cuida de quem cuida? Como a equipe de saúde lida com a morte? De que estratégias se utiliza para lidar com a dor e com o sofrimento?

Diante disso, criou-se em mim uma dificuldade em reocupar o hospital, que, por um tempo, tornou-se o retrato da dor, do sofrimento e da morte, que à partida não eram meus, mas com os quais, ainda sem perceber, eu não conseguia lidar internamente. Com isso, aquilo com que me deparava deixava de ser a dor, o sofrimento e a morte do outro e passava, em certa medida, a ser também a minha dor, o meu sofrimento, a minha morte e a de todos a quem eu amava. Era a minha dor, ao reconhecer os limites de minha atuação; o meu sofrimento, por me dar conta de que, mesmo sendo possível “estar com”, não se pode blindar o outro ou evitar o sofrimento das perdas; e a minha morte, a morte da crença ingênua, embora complexa, de que nós, profissionais de saúde, detemos a morte.

Diante de tantas descobertas, logo as perguntas que eu tanto ansiava responder pessoalmente embasaram o primeiro projeto de pesquisa, na graduação, no qual estive intimamente implicada, da escolha ao delineamento do tema. A proposta consistia na busca por compreender como a espiritualidade surgia para os profissionais de saúde no contexto oncológico. Apesar do distanciamento, em minha prática, da oncologia e da morte, permanecer pesquisando o tema foi importante no processo de elaborar minhas inquietações e de discutir possibilidades e potencialidades neste campo, que não se esgota na batalha contra a morte, a qual muitas vezes acreditamos que precisamos travar incansavelmente, mas que se reinventa na vida que permanece e se reproduz.

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Assim, o interesse pelos temas que agora fortemente atravessam esta dissertação permaneceu mesmo quando o “querer” pedia deles afastamento, de modo que o tempo foi um grande aliado no processo de dar lugar às experiências que haviam sido difíceis e inquietantes, no entanto que não precisavam ser estanques. Com isso, converteram-se em propulsoras do desejo de ampliar os horizontes de compreensão acerca da temática da finitude e do lugar da espiritualidade/religiosidade no cuidado – aqui personificados na figura de psicólogas de Natal-RN que tem em sua atuação o contato direto com pacientes, famílias, cuidadoras e cuidadores em cuidados paliativos, em especial na proximidade da morte.

1.2 Morte, cuidados paliativos e espiritualidade: das afetações às leituras

A segunda metade do século XX marca um período de substancial desenvolvimento do campo técnico-científico em diversas searas do conhecimento. Isso não passa despercebido no âmbito da saúde, que incorpora novas tecnologias, materiais, equipamentos e conhecimentos que favoreceram e favorecem diagnósticos mais acurados e novas terapêuticas, as quais oportunizaram a ampliação da expectativa de vida e de envelhecimento da população em geral, mas também o aumento da prevalência de câncer e de outras doenças crônicas (Monteiro, 1997). Nesse sentido, o progresso técnico-científico-informacional beneficiou o desenvolvimento do campo da saúde, de maneira a contribuir para o prolongamento da vida e seu suposto favorecimento – aparelhos cada vez mais modernos e sofisticados trouxeram benefícios e agilidade ao processo de identificação, de diagnóstico e de tratamento das doenças, o que tem contribuído fortemente para a solução de problemas antes considerados insolúveis (Paim, 2005).

Diante desse novo cenário, a luta contra doenças fatais e contra a própria morte tem se prorrogado cada vez mais, todavia, isso, por vezes, também amplifica o sofrimento dos que já

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não apresentam possibilidade de cura (Ferreira, Lopes, & Melo, 2011). Em outras palavras, o progresso no setor da saúde, fortemente marcado pelo paradigma da ciência positivista, que tem sido bastante sensível à incorporação de tecnologia do tipo material, por vezes contrasta com a adoção discreta das tecnologias não-materiais, que nos remetem justamente às questões referentes à organização do trabalho, ao cuidado e ao fazer humano e relacional (Lorenzetti, Trindade, Pires, & Ramos, 2012).

A nova realidade de crescente envelhecimento populacional, de acordo com Ferreira et al. (2011), relaciona-se com o aumento dos quadros de doenças crônicas. Isso impõe um amplo desafio aos profissionais e ao ramo da saúde, demandando busca de novas práticas de atuação com intuito de melhorar o maneio do período final de vida das pessoas que estão vivenciando processos de adoecimento, sendo importante que a equipe tenha uma prática que leve em consideração essas especificidades e que seja permeável a ações que favoreçam o cuidado em adoecimentos crônicos e/ou fora de possibilidade de cura.

Afora as diversas e variadas concepções filosóficas referentes às discussões sobre a condição humana, os homens e mulheres, em geral, estão vivendo mais. Entretanto, os mesmos avanços responsáveis pela redução da taxa de mortalidade no planeta e pelo aumento da expectativa de vida não conseguem ainda beneficiar integralmente a maioria das pessoas em processos de adoecimento de alta gravidade, como em doenças crônico-degenerativas, não estando ainda disponíveis a esses os recursos mais modernos disponíveis à medicina, que inclui não apenas aparatos concretos, mas também elementos imateriais contidos nos cuidados em saúde (Gomes & Othero, 2016).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada ano ocorrem 58 milhões de mortes no mundo, das quais 34 milhões decorrem de doenças crônico-degenerativas incapacitantes e incuráveis, ou seja, mais de 58% das mortes registradas são

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decorrentes de processos de adoecimento em que caberia a atuação em Cuidados Paliativos. Já no Brasil, transcorrem um milhão de mortes por ano, sendo também mais da metade delas, 650 mil, relacionadas a doenças crônico-degenerativas. Esse cenário, ratifique-se, possui relação direta com o processo de envelhecimento da população mundial.

A medicina ocidental foi significativamente marcada e afetada pelos avanços alcançados no fim do século passado. Aumentou, assim, a especialização do conhecimento e da prática, foram criados novos tratamentos e expandiu-se a ênfase na cura e na reabilitação. De modo que, os momentos finais da vida, que ocorriam predominantemente no seio do ambiente familiar, passaram a ocorrer no ambiente hospitalar, sendo os pacientes em terminalidade e sem possibilidade curativa considerados, com frequência, atestados da ineficiência da prática médica e de seus profissionais (Pessini & Bertachini, 2006), já que, em seu cerne, além da tecnologia e da institucionalização do cuidado, havia a promessa de prolongamento da vida (Bifulco & Iochida, 2009). Não obstante, sobretudo nas duas últimas décadas, uma conjunção de fatores – como o aumento da expectativa de vida e o desenvolvimento tecnológico – favoreceram o deslocamento do processo de tratamento do adoecimento e da proximidade da morte para o contexto hospitalar, como já mencionado, de modo que cerca de 70% das mortes ocorridas nos Brasil, segundo Gomes & Othero (2016), dão-se em hospitais, em sua maioria nas unidades de terapia intensiva.

Nesse sentido, a partir da segunda metade do século XIX, é possível identificar uma espécie de revolução das ideias e dos sentimentos tradicionais, no que se refere à morte e ao morrer, o que consiste em um fenômeno complexo, implicado pelo contexto social, histórico e cultural (Combinato & Queiroz, 2006). Assim, a morte passa de fenômeno presente, familiar e explícito na cotidianidade à inaudita, torna-se vergonhosa e objeto, agora, de interdição (Ariès, 2017). É imprescindível destacar, ainda, que, assim como aspectos culturais e históricos interferem na relação com a morte e com o morrer, também interferem na forma como se lida

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com o processo de saúde-doença e de cuidado, de modo que se estrutura, a partir também desses elementos, uma racionalidade que orienta as práticas médicas e a dinâmica equipe-paciente, bem como a relação do profissional com as questões associadas à saúde, ao adoecer e à morte, chamada nesse âmbito de isso racionalidade médica e se refere a um sistema lógico e teoricamente estruturado que guia o saber e o fazer em saúde, fortemente concatenada a dimensões que se inter-relacionam, como: a doutrina médica, a morfologia, a dinâmica vital, o sistema de diagnose e o sistema de terapêutica, os quais se baseiam em uma cosmologia específica (Tesser & Luz, 2008).

O paradigma biomédico, que orienta a racionalidade médica hegemônica, é substancialmente identificado com o positivismo, marcado por um imaginário mecanicista, analítico e reducionista. Impera nessa lógica – produto da modernidade – uma espécie de causalidade linear, isto é, a ideia do todo como soma das partes e da realidade como algo dado, que apenas necessita de uma agente cognitivo para ser aprendida. De modo a favorecer a fragmentação e o afunilamento do conhecimento em especialidades, assim como um radical aprofundamento do uso da tecnologia na medicina ocidental, trazendo um olhar fortemente direcionado à doença, enquanto processo que precisa ser vencido pela equipe. Essa perspectiva, no entanto, constitui um problema apenas quando em sua radicalidade, isto é, quando a cura passa a ser a maior prioridade, inclusive em detrimento do cuidado, uma vez que, por vezes, falha, ao abordar a complexidade do adoecimento humano, quando o trata a doença como uma espécie de entidade, quase como se independesse do sujeito que adoece.

Nesse sentido, a permanência ou não cura da doença assinala o fracasso da equipe em ganhar da doença, e mesmo da morte. Centrada nos procedimentos padronizados em relação às doenças, a atenção em saúde embasada na biomedicina tende a se tecnificar e a se desumanizar (Tesser & Luz, 2008), aprofundando, consequentemente, a dificuldade e a repulsa ao lidar com

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questões referentes à morte e ao morrer, já que, na racionalidade dominante, remetem à falha e ao fracasso dos profissionais em “destruir” a doença e em manter a vida.

Por conseguinte, a morte, outrora marcada por sua familiaridade, reclusa-se na solidão do hospital. Com isso, desloca-se o lugar simbólico e concreto do morrer – algo que marca a dificuldade contemporânea de reconhecer a morte e de fitá-la – e se constrói, então, um imaginário para o qual é preciso se poupar da morte, poupar o moribundo, poupar a família e os entes queridos. Esse olhar acerca da morte, tão marcado em nossos tempos, acentua a necessidade de olhá-la, tendo em vista também os desdobramentos que essa postura traz ao processo de cuidado, às concepções que se têm sobre a morte e sobre o morrer e, consequentemente, ao ofício dos profissionais de saúde.

A postura de interdição diante da morte adensa mais ainda a necessidade de olharmos para a qualidade do morrer, sendo necessário dirigi-lo de maneira contextual, compreendendo o cenário de nosso país. Em 2010, foi publicado o primeiro relatório da Economist Intelligence Unit comissionado pela Lien Foundation, que elaborou um índice de qualidade de morte, avaliando a assistência e os cuidados ao final da vida em 40 países, sendo avaliados elementos tanto qualitativos como quantitativos, a partir de quatro categorias: (1) ambiente da assistência em saúde, (2) disponibilidade de cuidados, (3) qualidade e (4) custos. Um dos cuidados consistiu em garantir que o exame não perdesse de vista aspectos éticos e culturais.

O resultado do índice colocou o Brasil na 38ª posição, ressaltando a importância do engajamento como algo necessário para melhorar nossa qualidade de morte. Não obstante, é necessário destacar que se levou em consideração uma quantidade limitada de países participantes, o que pode ter implicado no desempenho do país, cuja posição o coloca entre os três piores. Já em 2015, o The Economist divulgou um novo relatório a respeito da qualidade de morte, envolvendo 80 países. Dessa vez, o Brasil ficou na 42ª posição.

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Reino Unido e Austrália ocuparam os dois primeiros lugares em ambos os estudos, o de 2010 e o de 2015, representando os melhores índices de qualidade de morte no mundo, de acordo com a pesquisa (Gomes & Othero, 2016).

É fato que, dentro da lógica da racionalidade biomédica hegemônica, os sentimentos de impotência, de fracasso e de vergonha diante da morte, tão característicos dos homens e das mulheres ocidentais modernos, intensificam-se (Combinato & Queiroz, 2006). A atuação em saúde, por vezes centrada nos procedimentos padronizados em relação às doenças, quando toma como alvo quase exclusivamente a cura, submete os profissionais a um racionalismo e a um objetivismo excessivos, afetando diretamente o processo de cuidar (Tesser & Luz, 2008). Destarte, diante da impossibilidade de curar, o profissional sente-se frustrado e incapaz, podendo, inclusive, questionar sua utilidade, o que pode levar a dor e sofrimento, bem como interferir de modo limitante na qualidade do tratamento e do cuidado oferecidos. Outrossim,

As dificuldades para enfrentar a dor de não salvar, de não saber dar a notícia ruim, de não saber confortar, nem ficar ao lado do paciente à morte, muitas vezes são etapas solitariamente vivenciadas que, se não forem acolhidas, enfrentam um percurso de grande vulnerabilidade ao desenvolvimento de mecanismos rígidos de defesa e de distanciamento do outro e de si mesmos e precisam de um espaço de acolhimento e cuidado para serem resignificados (Nogueira da Silva & Ayres, 2010, p. 84).

Assim, a partir do questionamento das formas de cuidado disponíveis vigentes, a priori, nos contextos de proximidade da morte, surgem os cuidados paliativos, enquanto forma inovadora de assistência na área da saúde, trazendo em seu cerne a proposta de um cuidado integral, focado na prevenção e no controle de sintomas, o qual não restringe sua atuação apenas ao paciente, mas também à família que, junto ao paciente, compõe a unidade de cuidado. Nessa perspectiva, o foco não está voltado exclusivamente à doença, nem tampouco à cura, tão buscada por outras abordagens em saúde, dentro do paradigma hegemônico (Gomes & Othero, 2016).

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O cuidado diante da morte, é preciso destacar, diferencia-se em alguns pontos do cuidado de modo geral, tendo em vista as especificidades referentes ao trato com a morte na contemporaneidade ocidental, ainda tão atravessada por interditos e negação. Porém, ao acolhermos essa temática, isso pode nos conduzir a um novo ethos, bem como a práticas de saúde mais cuidadosas e humanizadas. Assim sendo, é imprescindível um olhar sensível a essa temática que seja dirigido às necessidades de cuidado, evitando, por um lado, reforçar o modelo cartesiano e, por outro, considerar exclusivamente a racionalidade científica que tão fortemente atingiu o Ocidente (Nogueira da Silva, 2014).

Dito isso, cabe-nos observar o quanto o entrelaçamento entre o trabalho em saúde e as práticas religiosas é bastante marcante ao longo da história, tanto nas tradições orientais quanto nas ocidentais, havendo centros destinados ao tratamento e à cura de pessoas enfermas que eram também espaços religiosos (Pereira, 2018), algo que inclui também o cuidado diante da morte (Custódio, 2013). Exceções multiplicaram-se no ínterim da modernidade, em que essa visão foi rechaçada – apesar de não excluída de todo – pela lógica hegemônica da tecnociência, até que, nos fins do século XX, passou a ser retomada, gradativamente, no campo das pesquisas em saúde (Moreira-Almeida, 2007), emergindo, inclusive, como uma potente estratégia de enfrentamento nos processos de adoecimento e de sofrimento (Pargament, Koenig, Tarakeshwar, & Hahn, 2004).

O movimento dos Hospices, precursor do desenvolvimento do que hoje denominamos Cuidados Paliativos (Matsumoto, 2012), teve, em algumas de suas iniciativas, vínculo religioso ou referências religiosas, influência importante, mas que não implica na caracterização do movimento como religioso. Outrossim, a temática da religiosidade e/ou da espiritualidade tem estado substancialmente presente nesse contexto, de modo que olhar e considerar essas dimensões de forma cuidadosa e acurada tem sido um desafio necessário à equipe de saúde que, usualmente, não tem esses aspectos contemplados em sua formação (Arrieira et al., 2018).

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Ademais, no ano de 1988, a Organização Mundial de Saúde incluiu o aspecto espiritual no conceito multidimensional de saúde, de modo que a perspectiva biopsicossocial e espiritual é adotada por vários autores e estudiosos, os quais, mais explicitamente, passam a valorizar as experiências espirituais e religiosas (Miranda, Lanna, & Felippe, 2015). Assim, a espiritualidade, na condição de tema, ganha relevância no âmbito da pesquisa, sobretudo no final da primeira década do século XXI, em contrapartida a um longo período em que a temática era vinculada majoritariamente ao campo da religião e considerada como parte deste. Sua presença havia sido cindida do campo da ciência durante a modernidade, como já referenciado (Santos, 1988), mas, atualmente, a teologia e as ciências da religião são apenas uma parcela dos domínios nos quais o assunto tem sido estudado e discutido (Belzen, 2012).

A área da saúde é a esfera em que o tema encontra maior representatividade, abarcando-o em distintabarcando-os aspectabarcando-os, desde seu lugar nabarcando-os prabarcando-ocessabarcando-os de subjetivaçãabarcando-o, de enfrentamentabarcando-o a adversidades, de saúde-doença (tanto física quanto mental) e de qualidade de vida até discussões acerca de sua presença, ou não, na formação dos profissionais de saúde. Moreira-Almeida (2007) salienta o crescimento exponencial dos estudos referentes à espiritualidade na saúde, acentuando, assim, a importância de serem consideradas a dimensão espiritual e/ou religiosa no contexto e nos processos de saúde-doença, sejam eles relacionados à terminalidade ou não, embora o tema parece surgir com mais recorrência no primeiro caso (Koenig, 2012c). Porém, apesar do destacado desenvolvimento da temática nos últimos anos, como veremos em detalhes mais adiante, não é unânime o conceito de espiritualidade, a qual, por vezes, é confundida com religião e/ou religiosidade, o que se justifica também pelas possíveis intersecções que podem haver entre os temas ou mesmo pelo não aprofundamento teórico marcado pelo senso comum. É preciso, no entanto, ter discernimento acerca disso, pois tais incompreensões podem dificultar o trabalho com o tema.

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Não obstante, apesar das muitas definições evidenciadas na literatura, pode-se dizer que, em geral, a espiritualidade é delineada como uma busca pessoal de respostas acerca do significado da vida e da relação com o sagrado e/ou transcendente, distinguindo-se de religião, que é marcada por ser um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos que auxiliam o indivíduo na aproximação com o sagrado/transcendente (Koenig, 2004). Já a religiosidade, de acordo com Vasconcelos (2006), refere-se ao movimento em que a espiritualidade assume a transcendência como elemento divino, revelando, assim, a presença de um Outro, mas que não se identifica, necessariamente, com nenhuma tradição religiosa particular, embora isso possa acontecer.

O interesse pela espiritualidade, no entanto, não se restringe ao campo da ciência, sendo alvo de interesse de diferentes segmentos da sociedade (Pessini, 2007), fato que potencializa os desafios na construção de conhecimento sobre o tema, tendo em vista que as pessoas já têm, usualmente, opiniões formadas a esse respeito, havendo sedimentação de preconceitos favoráveis ou contrários à espiritualidade. Estes raramente se constituem a partir de uma análise aprofundada das evidências acerca do tópico, sendo fácil cometer deslizes, “por um lado, para um ceticismo intolerante e uma negação dogmática ou, por outro, para uma aceitação ingênua de afirmações pouco fundamentadas” (Moreira-Almeida, 2007).

Os estudos referentes às relações entre religiosidade, espiritualidade e saúde expandiram-se e continuam em expansão na literatura médica e psicológica, na qual se evidencia, principalmente, a faceta da espiritualidade que contribui positivamente para o bem-estar psicológico e para a qualidade de vida (Melo, Sampaio, Souza, & Pinto, 2015). Além disso, há o lugar dado pelas pessoas à dimensão espiritual em suas vidas, sendo algo importante e mesmo central na vivência delas (Borges, Santos, & Pinheiro, 2015). Logo, dentro das áreas de cuidado, com intuito de promover saúde a partir de um prisma integral e humanizado, é

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valoroso que se considere a dimensão espiritual, pois esta pode trazer indicativos relevantes à conduta de cuidado dos profissionais de saúde (Pessini, 2007).

Além da relevância atual do tema, destacam-se as potencialidades de sua inclusão nas práticas de cuidado, de modo que é interessante que levemos em consideração o contexto em que estamos inseridos. O último Censo do IBGE (2010) revela que 89,1% da população brasileira se identifica com alguma religião, índice que ainda não engloba quem não se identifica especificamente com uma única religião. Esse dado aponta para o fato de que a grande maioria da população brasileira é religiosa. Consideremos também que o contexto brasileiro é, desde os tempos coloniais, marcado pela predominância da religiosidade e pela presença do sincretismo entre diferentes matrizes religiosas, mesmo quando o catolicismo era obrigatório e oficialmente a única religião (Negrão, 2008). Dessa forma, ainda hoje, mesmo dentro de religiões específicas, reverbera certa fusão cultural entre diferentes crenças, forjando, em nosso país, religiões e sistema de crenças marcados por sincretismos e pluralismos tipicamente brasileiros (Camurça, 2009). Esses aspectos podem e devem ser levados em consideração no que se refere às práticas de cuidado.

Sendo assim, considerar a religião e/ou espiritualidade como parte da estratégia de cuidado, dentro de uma perspectiva de saúde integral, parece um caminho coerente, já que: (1) muitos pacientes são religiosos ou trazem crenças que os auxiliam a lidar com muitos aspectos da vida. Além desse fator, Koenig (2012) destaca outros quatro, os quais podem motivar o trabalho com a dimensão da espiritualidade no cuidado em saúde do médico; neste trabalho, abranjo dentro dessas dimensões os profissionais de saúde de forma geral, assim, é preciso considerar que: (2) as crenças religiosas influenciam as decisões médicas, principalmente nas situações em que os pacientes estão seriamente doentes; (3) atividades e crenças religiosas relacionam-se à melhor saúde e à melhor qualidade de vida; (4) muitos pacientes gostariam que os médicos/equipe de saúde comentassem suas necessidades espirituais; além disso, (5)

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médicos que falam e que levam em consideração as necessidades espirituais não são novidade, posto que esse liame tem raízes na longa história da relação entre religião, medicina e assistência à saúde (Koenig, 2012).

A ciência moderna hipertrofiou e ainda hipertrofia, entretanto, os aspectos instrumentais e racionais empregados no campo da saúde, negando a subjetividade e, consequentemente, aspectos da espiritualidade. Todavia, desde o final do século XX, intensifica-se a valorização das dimensões não racionais presente na produção do conhecimento e nas ações humanas (Gomes & Merhy, 2014), o que se conecta com a necessidade de que os trabalhadores da saúde aprendam e compreendam a importância das dimensões não restritas às racionalidades biomédicas para um cuidado integral (Tesser & Luz, 2008).

A pauta da humanização do cuidado em saúde e da ampliação da interface saúde-doença traz a atenção para aspectos que transcendem a dimensão biológica dos pacientes;

desse modo, passa-se a levar em consideração a espiritualidade, assim como outras experiências e vivências do humano (Espinha, Camargo, Silva, Pavelqueires, & Lucchetti, 2013). No campo da medicina e da enfermagem, há estudos acerca da formação de profissionais tendo em vista a tendência atual de atenção à temática na formação em saúde (Aguiar, Cazella, & Costa, 2017; Coscrato & Bueno, 2015; Espinha et al., 2013; Fonseca, Bueno, Schliemann, Kitanishi, & Floriam Junior, 2014; Reginato, Benedetto, & Gallian, 2016). Isso sinaliza a necessidade de se incluir essa tônica na formação profissional – tendo em vista a dificuldade que a lida com o tema usualmente ocasiona nos profissionais em formação e mesmo nos já formados – como alternativa à tendência anterior, a qual negligenciava a espiritualidade dos sujeitos de cuidado, já que, supostamente, não se tratava de uma questão relevante para o exercício profissional dentro do modelo biomecânico.

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A identificação das potencialidades do tema não cessa os desafios nem as dificuldades que, em geral, a equipe de saúde tem em sua abordagem, apontando para a necessidade de investigar e de compreender como essa temática tem sido tratada na formação profissional e em sua atuação. Desse modo, é preciso considerar os estudos que indicam a complexidade de incluir a espiritualidade nas práticas em saúde, tendo em vista a preocupação de que a abordagem do tema não tenha finalidade doutrinária, mas, sim, intuito de promover o cuidar do modo mais integral possível, dentro das possibilidades de cada profissional (Espinha et al., 2013; Reginato et al., 2016).

Anteriormente à década de 1990 e à virada para o século XXI, as transições paradigmáticas reverberaram em uma intensa dicotomia entre ciência e religião, em variados momentos, de modo que, durante muito tempo, os estudos científicos sobre espiritualidade, religião e religiosidade tornaram-se escassos em diversas áreas do conhecimento, em especial na psicologia (Cavalheiro & Falcke, 2014). É importante, ainda, não perder de vista que ciência e religião, apesar de não precisarem ser encaradas necessariamente como antagônicas, consistem em formas distintas de ordenação da realidade (Heisenberg, 2009).

Todavia, apesar do aumento significativo da produção sobre espiritualidade no âmbito da saúde, ainda se observa que, quando voltada aos profissionais de saúde ou à formação deles, os estudos sobre a psicologia são menos numerosos do que os realizados nas áreas da enfermagem e da medicina. Outrossim, as investigações sobre espiritualidade voltadas exclusivamente para os profissionais de saúde, de uma forma geral, são também menos usuais do que aqueles voltados ao paciente e/ou a seus familiares, apontando para a necessidade de se aprofundar o conhecimento e as ações nesse campo (De La Longuiniere, Yarid, & Silva, 2018; Oliveira, 2017).

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Diante de tudo o que foi exposto até aqui, este trabalho se propõe a dirigir um olhar cuidadoso para o tema espiritualidade e religiosidade no contexto da prática profissional de psicólogos e psicólogas, sobretudo quando diretamente em contato com a temática da morte, da finitude da vida e de seus processos, como os cuidados paliativos.

Em termos de organização, na sequência da introdução, tratamos da problemática e da justificativa das escolhas que envolveram o presente estudo. Em seguida, apresenta-se a seção com os objetivos da pesquisa. No capítulo posterior, elucida-se o percurso metodológico desta investigação, que possui um delineamento qualitativo e que se ancora na Hermenêutica Gadameriana como referencial teórico-metodológico para compreensão das narrativas, obtidas a partir de entrevista narrativa e do uso de cenas projetivas.

Na sequência, o capítulo “4. CUIDADOS PALIATIVOS E A MORTE: CONSTRUINDO UMA HISTÓRIA DE AFIRMAR O CUIDAR DA VIDA ATÉ O FIM” consiste numa breve discussão teórica acerca da tanatologia e dos diferentes retratos da morte e do morrer no Ocidente, da morte interdita à humanização do morrer. A isso se segue a apresentação da propositura dos Cuidados Paliativos (CP) como alternativa ao modelo biomédico hegemônico e também como possibilidade de melhoria às práticas de saúde dominantes, sem negar ou rejeitar seus avanços, mas em busca de uma re-humanização do cuidado e do olhar para a integralidade das pessoas; e, para tanto, dialoga-se com as colaboradoras acerca da importância da inclusão da espiritualidade nesse processo, exibindo a aproximação que parece haver, desde o prelúdio dos CP, com o que se associa ao campo do espiritual.

No capítulo subsequente, intitulado “5. A ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE NOS PROCESSOS SAÚDE-DOENÇA-MORTE E O OLHAR DA PSICOLOGIA”, a literatura na área dialoga com as nossas colaboradoras, apresentando aos leitores e leitoras

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aspectos da espiritualidade e da religião nos processos de saúde-doença e morte. Além de trazer a discussão das diferentes compreensões e concepções que têm as psicólogas participantes deste estudo, sobre religião, religiosidade e espiritualidade.

O capítulo seguinte “6. A ESPIRITUALIDADE E A RELIGIOSIDADE NO CUIDAR ESPIRITUAL DA PSICOLOGIA DIANTE DO MORTE” dedicado à relação da psicologia com a espiritualidade e seus desdobramentos no cuidar diante da morte, bem como suas motivações, dificuldades, desafios e potências.

Ao fim dos capítulos que discutem e dialogam as narrativas com os achados presentes na literatura, apresentamos as “Considerações Finais” deste estudo, seguidas pelas “Referências” e os “Apêndices”.

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2. OBJETIVOS

2.1 Geral

Compreender o lugar da espiritualidade/religiosidade na atuação de psicólogas/os de Natal-RN em contextos de cuidados paliativos na proximidade da morte.

2.1 Específicos

(a) identificar o conceito de espiritualidade e religiosidade;

(b) investigar se e como a religião/espiritualidade é abordada no contexto de sua atuação diante de pacientes em situação de proximidade da morte em cuidados paliativos; (c) investigar se e como as vivências pessoais dos profissionais no campo da

espiritualidade/religiosidade dos profissionais psicólogos interferem na experiência de cuidado dos pacientes;

(d) identificar qual a compreensão ética que os psicólogos possuem sobre a relação deles com a questão religiosa ou espiritual de seus clientes/pacientes;

(e) identificar as potencialidades e dificuldades para abordarem espiritualidade/religiosidade diante dos processos de terminalidade da vida de seus pacientes;

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3. PERCURSO METODOLÓGICO

Ao processo de pesquisar, é necessária uma metodologia associada que abarque os métodos e técnicas que orientam e que o balizam, bem como a criatividade do pesquisador (Minayo, 2008), de modo que os aspectos metodológicos envolvidos no decurso da pesquisa estejam alinhados com os objetivos da investigação.

Logo, com o intuito de alcançar os objetivos anteriormente propostos, cuja natureza é compreensiva, será adotado nesta investigação um delineamento qualitativo, o qual trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças e das atitudes, ou seja, com o universo das produções humanas (Minayo, Assis, & Sousa, 2010), sendo a abordagem qualitativa aquela que se propõe esclarecer e conhecer os processos relacionados à subjetividade (Holanda, 2006). Destaca-se ainda que as pesquisas qualitativas, com depoimentos, histórias de vida e outros elementos, podem oferecer melhores retratos da realidade das pessoas em contato com o fim da vida e/ou vivendo com sua proximidade (Kovács, 2003a).

Soma-se ao paradigma metodológico citado a Hermenêutica Gadameriana, a qual será tomada como referência teórica e também analítica, por consistir numa disciplina que se encarrega da compreensão de textos, corroborando o princípio de que o conhecimento é permeado e também construído a partir da linguagem. Diante disso, faz parte da hermenêutica esclarecê-la e compreendê-la a partir da busca de sentido, do esforço a fim de aprofundar o entendimento de seu significado (Nogueira da Silva, 2006).

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3.1 Quadro teórico

3.1.1 Hermenêutica Gadameriana

Etimologicamente, a palavra hermenêutica está ligada ao deus grego Hermes, o qual, dentre outras atribuições, era considerado emissário dos deuses: responsável por traduzir e comunicar as mensagens e desejos das deidades aos humanos (Domingues, 2016).

A hermenêutica consiste em uma importante linha de pensamento filosófico das ciências sociais (Araújo, Paz, & Moreira, 2012), que se ocupa da arte de compreender textos, que podem ser biografias, narrativas, entrevistas, documentos, artigos, livros e tantas outras expressões, já que é bastante abrangente o que é considerado texto pela hermenêutica (Minayo, 2002). Há nesta abordagem o intuito de interpretar, o que, de modo geral, a associou à interpretação (Schmidt, 2014), todavia, sua principal tarefa e esforço consistem em compreender, ou seja, é uma teoria para compreensão.

Todavia, a compreensão só alcança sua verdadeira possibilidade quando se busca esclarecer as condições sob as quais surge a fala, de modo que não se inicie o processo interpretativo já com opiniões prévias e/ou arbitrárias (Minayo, 2002). Desse modo, o entendimento é perpassado por todo processo da experiência de vida, em que a linguagem escrita, falada ou simbólica demonstra aspectos da realidade humana (Araújo et al., 2012).

É recorrente associar a hermenêutica à interpretação de certo tipo de texto, de modo que é comum o equívoco de compreendê-la como um sinônimo de interpretação; são, pois, conceitos diferentes, cujas diferenças devem ser compreendidas (Lawn, 2011). Na antiguidade clássica, com Platão (427 a. C.), está a matriz filosófica da hermenêutica, enquanto doutrina da arte da compreensão e da interpretação, porém, medrou-se por múltiplos caminhos, relacionados sobretudo à filosofia e à teologia, adotada nesta última como instrumento de defesa da compreensão reformista da Bíblia e, na primeira, como recurso para redescoberta da

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literatura clássica com o intento de desvelar o sentido original dos textos. Na modernidade, entretanto, sob a influência do iluminismo e diante do nascimento da ciência moderna, a hermenêutica terminou por se desvencilhar de todos seus enquadramentos dogmáticos. Com a “liberação da interpretação do dogma”, a partir de Dilthey (1833-1911), e com o desaparecimento da diferença entra a interpretação de escritos sagrados e profanos, desapareceu a dualidade hermenêutica, emergindo, assim, uma nova hermeneuta, como arte da interpretação correta de todas as fontes escritas (Brito et al., 2007).

Schleiermacher (1768-1834), filósofo e teólogo alemão, é quem se coloca como o preponente de uma nova hermenêutica geral, com intuito de unificar e de apoiar as disciplinas particulares da hermenêutica legal, bíblica e filológica. Porém, apesar do grande impacto que provocou nesse campo de saber, não foi o primeiro a se propor desenvolver uma teoria universal (Schmidt, 2014), embora seja a partir dessa figura que a compreensão, junto com a interpretação, passa a ser o centro da preocupação hermenêutica, propondo que a compreensão e que aquilo que deve ser compreendido não estão apenas na literalidade das palavras ou em seu sentido objetivo, mas também na singularidade de quem comunica (Brito et al., 2007).

Schleiermacher e Dilthey contribuem significativamente para o desenvolvimento das hermenêuticas históricas, apontando que o entendimento hermenêutico se conecta, em algum nível, também com passado, já que o processo de compreensão carrega necessariamente uma dimensão histórica. Essa virada, que ressalta a íntima relação entre passado e presente, no que se refere à compreensão, foi de substancial importância para Heidegger, com suas contribuições na história das hermenêuticas, tendo em vista que, ao invés de enfatizar uma concepção puramente metodológica da interpretação, ele salientava a constituição ontológica do entender, de modo que todo entendimento atingido é interpretativo, independente de se tratar de um evento ordinário ou de caráter científico (Pereira, 2018).

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Martin Heidegger (1889-1970) inaugura a percepção de que a filosofia precisa começar com uma descrição fenomenológica da experiência real e ressalta que a experiência não possui apenas um prisma por meio do qual pode ser vista. Com isso, propõe uma hermenêutica que comunica não exclusivamente o aspecto teórico, mas também outros aspectos do ser humano, tratando da verdade, daquilo que é, sendo a verdade, ou o não encoberto como verdade, encontrada na própria experiência vivida (Schmidt, 2014).

Heidegger, em seu primeiro momento, compreende a história da hermenêutica como um afastamento do significado verdadeiro e original dessa filosofia; propõe, então, a hermenêutica da facticidade, que não indica o sentido moderno de “uma doutrina sobre a interpretação”, mas sim de uma “autointerpretação da facticidade”, em que esta vai sendo encontrada, vista, contida e expressa em conceitos, sendo a hermenêutica utilizada para trazer à tona diversos aspectos da facticidade. A tarefa da hermenêutica é, pois, interpretar Dasein para si mesmo; na hermenêutica da facticidade, Dasein tem a possibilidade de se autocompreender, subvertendo, de certo modo, a lógica sujeito-objeto: a interpretação não envolve uma lógica sujeito/objeto, já que o suposto “objeto” é também capaz de se auto-interpretar. Desse modo, o método pelo qual acessamos Dasein, a fenomenologia e a compreensão sempre interpretativa, dispensa pressuposições.

Em um segundo momento, Heidegger não se refere mais à hermenêutica e há um giro em seu pensamento. Porém, sua práxis interpretativa segue a hermenêutica tradicional, mas substituindo a interpretação psicológica pela escuta do dizer do texto, pontuando a linguagem como meio, como casa do Ser e como acesso a ele (Schmidt, 2014).

Gadamer, que fora aluno de Heidegger, por marcada influência deste, assim como também das ideias de Husserl e Dilthey, ampliou e transformou a hermenêutica, defendendo que esta vai muito além dos limites da interpretação textual, sendo atravessada por aspectos

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históricos e dando-se a partir da apropriação e da negociação diária do mundo (Lawn, 2011). Distancia-se de seu mestre, ainda, na reflexão sobre os fundamentos das ciências do espírito, tema central de sua filosofia (Maza, 2005).

Hans-Georg Gadamer (1900-2002) parte do princípio de que todo conhecimento é mediado pela linguagem, sendo assim, o esforço para conhecer e compreender é mediado também por ela, a qual está sempre atravessada por espaço e tempo, de modo que cada situação tem sua historicidade e seu horizonte próprio (Gadamer, 2002). Assim, o exercício compreensivo se dá no processo de entender-se com o outro a respeito de algo (Nogueira da Silva, 2006), o que ocorre por meio de uma espécie de encontro dialógico em que o pesquisador se abre para o risco e para o teste de suas ideias prévias em relação ao colaborador. Assim, reforça-se que a compreensão é participativa, conversacional e dialógica (Melo & Caldas, 2013).

Nesse sentido, a interpretação do significado se dá no que se chama círculo hermenêutico, isto é, o entendimento do que é texto se dá a partir de um processo em que o significado das partes separadas é determinado pela acepção global, o que, por sua vez, pode alterar o significado das partes, e assim consecutivamente. Porém, na tradição hermenêutica, essa circularidade não é tomada como um ciclo vicioso, mas, sim, enquanto uma espécie de espiral frutífera que propícia a possibilidade de aprofundamento e de entendimento do significado contínuo (Nogueira da Silva, 2006).

Desse modo, o acesso ao outro não consiste em um resgate de seu horizonte, nem numa apreensão completa de sua realidade, mas se dá a partir da fusão de horizontes. Isso se aprofunda e se expande à medida que percorre a espiral hermenêutica, processo que vai suscitando também questões ao intérprete, fazendo com que o texto fale novamente no horizonte expandido do intérprete a partir do contato com o horizonte expandido surgido da

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fusão com um outro horizonte (Schmidt, 2014). Nesse sentido, a perspectiva narrativa é dialética (Nogueira da Silva, 2006).

Do ponto de vista da hermenêutica, o esforço de compreensão caracteriza-se como projeção arremessada, ou seja, para Gadamer, isso significa que sempre já compreendemos de alguma forma, de modo que qualquer ato de compreensão inicia-se a partir de estruturas prévias das quais se interpreta como alguma coisa, que há uma tradição herdada que é ponto de partida para todos os atos de compreensão, chamados “preconceitos”, os quais, nesse caso, devem ter intencionalmente uma conotação neutra. “Toda compreensão parte de nossos preconceitos” (Schmidt, 2014, p. 147).

Disso, destacamos a iniciativa de Gadamer para reabilitar a autoridade da tradição, apontando que nela há também preconceitos legítimos, cabendo a ressalva de que, certamente, nem tudo o que se ancora em uma tradição é verdadeiro. Nesse sentido, a tarefa da compreensão hermenêutica é justamente diferenciar os preconceitos legítimos dos ilegítimos, que precisam ser criticados e abandonados; de nossos preconceitos herdados e legítimos deve partir a compreensão, a qual acontece dentro do círculo hermenêutico, em que o intérprete se move de um significado projetado do todo para as partes e logo volta-se para o todo (Schmidt, 2014). Assim, a operacionalização da pesquisa se dá por meio de leituras exaustivas e repetidas, com intuito de ampliar a unidade do sentido a partir da concordância de todas as partes singulares com a totalidade compreensiva (Gadamer, 2002). Ademais, a centralidade da investigação hermenêutica está na compreensão do discurso (Nogueira da Silva, 2006).

Em síntese, o processo de interpretação/compreensão conduzido pela hermenêutica gadameriana parte dos preconceitos do intérprete – representados pelo horizonte deste, o que engloba sua própria história, cultura e circunstâncias – e de sua consequente entrada em um círculo que transita do texto ao intérprete e ao texto regressa, enriquecendo sua interpretação e

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favorecendo o aprofundamento de sua compreensão à medida em que há uma fusão de horizontes, na qual o intérprete assimila o conteúdo do texto, tomando-o, em certo modo, como parte de si mesmo, porém sem fazer com que o texto perca sua própria autonomia (Wermuth, 2015). Isso demonstra ser vital que os preconceitos e opiniões do intérprete interajam com o texto, mas que a ele não se misturem, para que não se perca a expressão de seu sentido literal, isto é, o texto, em sua leitura, mesmo que leve em consideração a linguagem e as tradições, precisa falar por si (Souza, 2018).

3.2 Estratégias Operacionais da Pesquisa

3.2.1 Colaboradoras do estudo

Esta pesquisa contou com a colaboração de profissionais de psicologia que atuam no contexto de Cuidados Paliativos na proximidade da morte. São critérios de inclusão estabelecidos para este estudo: psicólogas e/ou psicólogos que trabalhem em instituições públicas ou privadas ou em equipes particulares ou mesmo profissionais que atuem individualmente, contanto que cuidem de pacientes em cuidados paliativos em situações de terminalidade.

Estabeleceu-se que o número de entrevistados seria definido no decorrer da pesquisa, com intuito de que a quantidade de participantes se delimitasse a partir da possibilidade de promover aprofundamento e amplitude de compreensão da situação referente ao estudo (Minayo, 2010). Não havia pretensão de se formar um grande grupo, haja vista a natureza qualitativa desta investigação, que privilegia o aprofundamento das informações mais pelas estratégias de obtenção das narrativas do que pela quantidade de participantes (Barbalho, 2015). Dito isso, foram entrevistadas sete psicólogas, sendo necessária a interrupção do processo com

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uma delas, o que trouxe como consequência a obtenção apenas de parte da entrevista narrativa e sua abstenção na realização das cenas projetivas.

Buscou-se entrevistar e convidar à participação profissionais com diferentes tempos de formatura e de atuação, bem como representantes de distintas abordagens. No entanto, apesar deste esforço e da diversidade que foi possível garantir, houve características que se expressaram mais de que outras, como os tempos de formatura superiores a quinze anos e a abordagem em Gestalt-terapia.

O acesso às colaboradoras foi ensejado pela rede de contatos da sua orientadora, que também tem uma trajetória na prática em cuidados paliativos, no Laboratório de Estudos em Tanatologia e Humanização das Práticas de Saúde (LETHS). Esse é um laboratório de pesquisa e extensão em que há, dentro de suas articulações, contato com profissionais de cuidados paliativos de Natal-RN e do qual este projeto – bem como esta pesquisadora e sua orientadora – fazem parte. Houve a indicação de profissionais umas pelas outras, à semelhança do método bola de neve (Vinuto, 2014), todavia sem tomá-lo como forma exclusiva de formar o grupo de colaboradoras. Foi, desse modo, formado um grupo exclusivamente composto por mulheres, mesmo não havendo restrição alguma na pesquisa no que se referia ao gênero dos participantes.

A proposta da pesquisa foi explicitada às participantes: suas etapas, isto é, a entrevista narrativa e a participação em oficina com as cenas, além da média de duração de cada uma das atividades. Após isso ser feito, o convite para participar da pesquisa foi realizado. A data e o local da entrevista foram deliberados junto às colaboradoras, de modo a contemplar questões referentes à comodidade e à privacidade delas.

Feitos esses esclarecimentos, a seguir encontra-se um quadro síntese a fim de explicitar dados específicos de cada colaboradora, como idade, religião, escolaridade, tempo de formatura e de atuação em cuidados paliativos. Houve, para cada uma delas, a adoção de nomes fictícios

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com o intuito de preservar suas identidades. Os nomes adotados correspondem a pedras escolhidas a partir das afetações produzidas na pesquisadora durante a entrevista e o contato e com base na qualidade a que cada pedra a remete, tendo em vista os aspectos simbólicos que áreas espiritualistas de estudo atribuem a pedras/minerais

Nome Idade Religião Praticante? Escolaridade Tempo

de formada Tempo de atuação em CP Abordagem Quartzo Rosa

44 Católica Sim Pós-graduada 17 anos 9 anos Gestalt-terapia

Ônix 29 Católica Sim Graduada 3 anos 3 anos Psicodinâmica

Ametrino 36 Não Não Pós-graduada 15 anos 5 anos Terapia

Cognitivo Comportamenta

l

Olho-de-tigre

42 Espírita Sim Pós-graduada 17 anos 17 anos Gestalt-terapia

Tanzanita 42 Espírita Sim Pós-graduada 17 anos 3 anos Gestalt-terapia

Berilo 30 Católica Não Pós-graduada 8 anos 8 anos Abordagem

centrada na pessoa (ACP)

Cornalina 41 Católica Sim Graduada 17 anos 10 anos Gestalt-terapia

Tabela 1 – Perfil das colaboradoras

3.2.2 Instrumentos de acesso as narrativas

Foram realizadas entrevistas narrativas (Apêndice A) aliadas à realização de oficinas com as profissionais para construção de cenas (Apêndice B). Após a entrevista, houve um momento coletivo com as cenas projetivas entre as colaboradoras. No entanto, não foi viável

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que todas as profissionais entrevistadas participassem deste encontro coletivo, de modo que com estas as cenas projetivas foram realizadas individualmente, a partir da disponibilidade de cada participante. As colaboradoras receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice C1) e o Termo para Gravação de Voz (Apêndice C2). As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.

3.2.2.1 A Entrevista Narrativa

A entrevista narrativa apresenta-se como uma metodologia favorável à abordagem de questões de natureza qualitativa, tem caráter descritivo e atende ao intuito de interpretar e de compreender as histórias e as narrativas trazidas por colaboradores e colaboradoras do estudo, sendo utilizada na investigação de acontecimentos que gerem controvérsias, em que há várias perspectivas em análise, bem como em estudos que combinam histórias de vida e contextos sócio-históricos (Jovchelovitch & Bauer por Martins & Ferreira, 2016). Esse é um instrumento que conduz o entrevistado a recorrer à sua memória para que, assim, narre e rememore acontecimentos, experiência e histórias, de modo que haja se estabeleçam conexões, bem como uma lógica temporal específica (princípio-meio-fim), localizada no tempo e no espaço, a partir de uma linguagem própria que leve em conta as perspectivas e representações do colaborador (Martins & Ferreira, 2016).

A entrevista, de acordo com Jovchelovitch e Bauer (2002), consiste em uma forma de interação social em que os atores sociais constroem e procuram dar sentido a sua realidade a partir do uso de palavras, símbolos e signos. Além disso, na condição de técnica, a entrevista tem como vantagem favorecer a relação intersubjetiva entre entrevistador/a e entrevistado/a, isso se dá com base em trocas verbais e não verbais, as quais se estabelecem no contexto da interação, favorecendo uma melhor compreensão dos significados, dos valores e das opiniões

Referências

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