Malformação de orelha interna
e meningites de repetição: uma
associação a ser lembrada
Inner ear malformation and recurrent
meningitis: an association to remember
Resumo
Introdução: Está bem estabelecido que algumas mal formações de
orelha interna são causa de disacusia neurossensorial e podem apresentar-se desde assintomáticas até como quadros de meningites de repetição secundárias a fístulas liquóricas. Meningites de repetição, apesar de raras, apresentam alto grau de morbidade e podendo levar a sequelas neurológicas graves. Relato de caso: Garoto de 5 anos de idade com antecedente de surdez congênita bilateral e fenestração de cisto aracnóideo. Cinco meses após abordagem neurocirúrgica evoluiu com meningites de repetição, 12 episódio em 12 meses. Após tomografia computadorizada diagnosticou-se displasia do osso temporal bilateral com velamento na região da janela oval a direita. Após timpanomastoidectomia exploradora foi identificando lesão cística repleta de líquor corado por fluoresceína em região anterior de janela oval que, após ressecção, apresentou saída de grande quantidade de líquor. Foram usados enxertos livres de músculo temporal, fáscia temporal, cola de fibrina e pó de osso para oclusão da fístula, com efetiva interrupção do fluxo. Conclusão: O diagnóstico e correção precoces da fístula liquórica otológica previnem futuras meningites, com melhores prognósticos de linguagem, cognição e desenvolvimento motor, além de diminuir a mortalidade e possibilitar reabilitação auditiva futura.
Palavras-chave: Orelha interna. Meningite. Fístula. Líquido
cefalorraquidiano.
Mariana Dória Moreira1
Renata Ferraz2
Bruno Barros3
Fernanda Pires Gallardo4
José Ricardo Gurgel Testa5
1 Fellow de Otologia da
Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP
2 Residente do 3º. ano de
Otorrinolaringologia pela
Universidade Federal de São Paulo -UNIFESP
3 Fellow em Otologia e mestrando
pela Universidade federal de São Paulo - UNIFESP
4 Fellow de Otologia da Universidade
Federal de São Paulo - UNIFESP
5 Professor adjunto de
Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP
Introdução
Está bem estabelecido que algumas malformações de orelha interna (MFOI) são causa de disacusia neurossensorial, além de poderem levar à uma comunicação anormal entre o líquor e a cavidade da orelha média, constituindo assim uma fístula liquórica.1
Os quadros de fístula liquórica otológica (FLO) podem apresentar-se desde assintomáticos até como episódios de meningites de repetição (MR) pelo contato de microorganismos patológicos da orelha média com o líquido cefalorraquidiano.2
MR é definida como dois ou mais episódios de meningite separados por período de completa remissão.3 Apesar de rara, sua taxa de mortalidade se mantém alta e sequelas neurológicas graves ocorrem em 10 a 20% dos pacientes.4
O objetivo deste estudo foi avaliar e relacionar o perfil funcional dos idosos atendidos em ambulatório com os determinantes comportamentais do envelhecimento ativo e risco de queda de idosos ativos atendidos em nível de assistência ambulatorial de uma universidade pública.
Relato de Caso
Um garoto de cinco anos de idade internado no Hospital São Paulo (UNIFESP/EPM) com anacusia congênita bilateral e antecedente de fenestração de cisto aracnóideo à esquerda via neuroendoscopia há dois anos e meio.
Vinha acompanhado pela neurocirurgia quando, cinco meses após a abordagem cirúrgica, desenvolveu o primeiro episódio de meningite bacteriana. Apresentou onze episódios da infecção até que a equipe da Otorrinolaringologia fosse acionada. Destes, em apenas quatro houve crescimento bacteriano em cultura, sendo dois por Haemophilus influenzae tipo B e dois por Streptococcus pneumoniae.
Decidiu-se por realizar tomografia computadorizada (TC) de ossos temporais que evidenciou displasia do osso temporal bilateral, com dilatação dos condutos auditivos internos, malformações coclear e labiríntica (Foto 1) além de discreto preenchimento com material de densidade de partes moles em topografia de janela oval e mastoide à direita (Foto 2).
Foto 1 - TC evidenciando malformação de orelha interna bilateral.
M o re ir a e t a l., 2 0 1 2
Foto 2 - TC apresentando material com densidade de partes moles
em topografia de janela oval.
Foi realizado, então, timpanomastoidectomia exploradora à direita para investigação de FLO com injeção de fluoresceína de sódio a 5% por punção lombar. Durante procedimento, foi identificada lesão de aspecto cístico, repleto de líquor marcado por fluoresceína, em região anterior da janela oval, que apresentou drenagem liquórica de alto débito após ressecção e exposição da fístula (Fotos 3a, 3b e 3c). Foram usados enxertos livres de músculo temporal, fáscia temporal, cola de fibrina e pó de osso para oclusão da fístula, com efetiva interrupção do fluxo (Foto 3d).
Foto 3 - Achados intraoperatórios e aspecto final da região da janela oval
após ressecção da lesão e fechamento da fístula.
Discussão
Existe ainda muita controvérsia em relação à classificação das MFOI, o que resulta em alguma inconsistência sobre o tema em artigos científicos. Jackler et al.5 propõem a seguinte classificação com base na embriogênese:
1. Aplasia completa (Michel).
2. Aplasia coclear: canais semicirculares e vestíbulos podem ser normais ou malformados, com ausência de cóclea.
3. Hipoplasia coclear: cóclea parcialmente formada. 4. Cavidade comum (Cock).
FLO é definida como uma comunicação anormal entre o espaço subaracnóideo e a orelha média, podendo ter etiologia congênita, adquirida ou idiopática.6 Porém, segundo alguns autores, na existência de giro basal coclear bem formado, não há risco aumentado de FLO. Portanto pacientes portadores de displasia de Mondini, como classicamente descrita por Carlos Mondini, em 1791, não apresentam maior incidência dessa patologia. Outro fator importante é a presença de reserva auditiva. Se essa existir, confirma a existência de gânglio espiral, o que também afasta a possibilidade de fístula.1 No caso descrito, o diagnóstico de FLO foi bastante retardado pela abordagem neurocirúrgica ter servido de fator confundidor da equipe médica, porém quadros de MR, apesar de raros, necessitam de meticulosa investigação otorrinolaringológica clínica e radiológica precoce, principalmente se associados à disacusia.
Considerações Finais
MFOI devem ser investigadas em casos de MR bacterianas. O diagnóstico e correção precoces da FLO previnem futuras meningites, com melhores prognósticos de linguagem, cognição e desenvolvimento motor, além de diminuir a mortalidade e possibilitar reabilitação auditiva futura.
Abstract
Introduction: It´s well established that some inner ear malformations are
the cause of sensorineural hearing loss and may present from asymptomatic to recurrent meningitis because of otologic cerebrospinal fluid leak. Recurrent meningitis, although rare, has high rates of mortality and severe neurological sequelae. Case report: A 5-year-old boy hospitalized with bilateral congenital deafness and a history of arachnoid cyst fenestration via neuroendoscopy when he was two and a half years old. Five months after the neurosurgical approach, he developed recurrent meningitis presented with 12 episodes over a 12-month period. A CT scan was performed and revealed bilateral temporal bone dysplasias and some soft-tissue density material involving oval window of the right ear. Exploratory tympanomastoidectomy revealed cystic lesion filled with cerebrospinal fluid marked by fluorescein in the anterior region of the oval window, showing high cerebrospinal fluid drainage after resection. Free grafts temporalis muscle, temporal fascia, fibrin glue and bone dust were used to occlude the fistula with flow interruption. Conclusion: Early diagnosis and correction of otologic cerebrospinal fluid leak prevent future meningitis, with better prognoses of language, cognition and motor development, and reduce mortality and allow for auditory rehabilitation.
Keywords: Inner ear. Meningitis. Fistula. Cerebrospinal fluid.
[1] Phelps PD, King A, Michaels L. Cochlear displasia and meningitis. Am J Otol. 1994; 15:551-7.
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[4] Lien TH, Fu CM, Hsu CJ, Lu L, Peng SSF, Chang LY. Recurent bacterial meningites associated with Mondini dysplasia. Pediatr Neonatol. 2011; 52:294-6.
[5] Jackler RK, Luxford WM, House WF. Congenital malformations of the inner ear: a classification based on embryosenesis. Laryngoscope 1987; 97:2-14.
[6] Cruz OLM, Costa SS. Malformações de orelha interna - disacusias neurossensoriais genéticas. In: Cruz OLM, Costa SS, editores. Otologia clínica e cirúrgica. Rio de Janeiro: Revinter; 2000. p. 109-20.