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Condições da ação civil pública

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HELEN CRYSTINE CORRÊA SANCHES

CONDIÇÕES DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

FLORIANÓPOLIS 1996

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HELEN CRYSTINE CORRÊA SANCHES

CONDIÇÕES DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Monografia apresentada como requisito para a obtenção do grau de bacharel do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientador: Prof. Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho.

FLORIANÓPOLIS 1996

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE cIÊNCIAS JURÍDICAS

DEP ART AMENTO DE DIREITO PROCESSUAL E PRÁTICA FORENSE

A presente monografia intitulada CONDIÇÕES DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, elaborada por HELEN CRYSTINE CORRÊA SANCHES e aprovada pela banca examinadora composta pelos professores abaixo assinados, obteve a aprovação com nota 9,5 (nove e meio), sendo julgada adequada para o cumprimento do requisito legal previsto no artigo 9° da Portaria n° 1.886/94/MEC, regulamentado na UFSC pela Resolução n° 003/95/CEPE.

Florianópolis, 16 de dezembro de 1996. , ;

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Oliveira Filho /

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Raulin~/ Membro da Banca

José Rubens orato Leite Membro da Banca

(4)

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Des. Francisco de Oliveira Filho que, apesar das diversas atividades a que se dedica, encontrou tempo e disposição para orientar brilhantemente a confecção desta monografia.

Ao Dr. Raulino Jacó Brüning, mestre incansável, pelo incentivo e pelas oportunas sugestões que serviram para engrandecer consideravelmente o presente estudo.

Ao Prof. José Rubens Morato Leite, pelo apOlO e disposição em participar da banca.

À Profa Mônica Elias de Lucca Entres, pela atenção e simpatia sempre dedicada.

Aos demais professores e colegas, que embora não citados, contribuíram de alguma forma para a realização deste trabalho.

À Jackeline, pelo estímulo e apoio dispensado durante todo o trajeto percorrido.

A Deus, por ter me permitido chegar a este momento tão importante em minha vida.

(5)

DEDICATÓRIA

A meus pais, Elias e Kátia, cujo apoio e incentivo tomaram possível chegar a este momento.

À minha avó Inês Zita, que sempre acreditou na certeza da chegada deste dia.

Ao Mauro, namorado e companheiro nessa incessante jornada de minha vida.

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suMÁRIo

INTRODUÇÃO ... 07

CAPÍTULO I - A TUTELA DOS INTERESSES MET AINDIVIDUAIS E A AÇÃO CIVIL PÚBLiCA ... 10

1. A DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS NOS DIFERENTES SISTEMAS JURÍDICOS ... 11

2. AS ORIGENS DA LEI N° 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985 ... 17

3. OUTROS INSTRUMENTOS DE DEFESA DOS DIREITOS E INTERESSES INDIVIDUAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 23

CAPÍTULO 11 - OS INTERESSES PROTEGIDOS PELA AÇÃO CIVIL PÚBLiCA ... 25

1. INTERESSES DIFUSOS ... 26

2. INTERESSES COLETIVOS ... 35

3. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ... 39

CAPÍTULO 111 - ASPECTOS RELEVANTES DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLiCA ... 42 I.NATUREZA JURÍDICA ... 42 2.0BJETO ... , ... 45 3. INQUÉRITO CIVIL ... 49 4. FORO COMPETENTE ... 50 5. RITO PROCESSUAL ... 52 6.SENTENÇA ... 53

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CAPÍTULO IV - CONDIÇÕES DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA ... 56

1. O DIREITO DE AÇÃO NO PROCESSO CNIL BRASILEIRO ... .57

2. LEGITIMIDADE ... 60

2.1. Legitimação ativa ... 64

2.1.1. Do Ministério Público ... 64

2.1.2. Das associações ... 73

2.1.3. Da União, Estados, Municípios e entidades da administração indireta ... 76

2.1.4. Dos sindicatos ... 77

2.2. Legitimação passiva ... 79

3. INTERESSE DE AGIR ... 84

4. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO ... 88

CONCLUSÃO ... 91

REFERÊNCIAS BmLIOGRÁFIcAS ... 94

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INTRODUÇÃO

Desde que o homem se organizou em sociedade, passaram a existir certos interesses que não pertenciam a indivíduos determinados, mas à toda comunidade de modo geral, os quais não despertavam maiores preocupações dos sistemas jurídicos, devido à sua ínfima repercussão social.

O incrível avanço tecnológico e científico, aliado ao fenômeno da massificação que a sociedade moderna vem presenciando nas últimas décadas, veio mudar esse quadro, haja vista o grande número de pessoas, direitos e interesses atingidos simultaneamente pelos prejuízos advindos das atividades sociais e econômicas.

Em decorrência desse fenômeno, e em razão da constatação de que as pessoas lesadas se encontram em situação inadequada para pleitear a tutela jurisdicional contra aquele ou aqueles que causaram o prejuízo pessoalmente sofrido, aos poucos foram surgindo outros meios de proteção adequados a essa nova realidade.

Nesse contexto, a ação civil pública, fruto da aguerrida vontade de grandes juristas de nosso país, desponta em nosso ordenamento jurídico como instrumento eficaz na defesa dos interesses sem titularidade específica. Por seu intermédio, é que

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temas de enonne interesse social no Brasil, puderam ser levados à apreciação do Judiciário, resolvendo-se, em parte, o tonnentoso problema do acesso à justiça.

A Lei n° 7.347/85, ao abir caminho para a defesa de alguns interesses difusos, modernizou e provocou verdadeira revolução na ordem jurídica nacional, já que o processo judicial deixou de ser visto como mero instrumento de defesa de interesses individuais, para servir de mecanismo de tutela de interesses de perfil diferente, cujas dimensões extravasam os contornos das relações pessoais.

A entusiástica utilização, que se seguiu, dos novos mecanismos processuais, no entanto, nem sempre se deu do modo apropriado, às vezes por inexperiência de seus operadores ou ainda por imaginar-se que enfim se tinha em mãos o remédio para todos os males.

É muito salutar, por isso, o processo de revisão crítica que vem se sentindo nos últimos tempos, no sentido de coibir exageros e assim não só preservar do descrédito, mas valorizar e aperfeiçoar esse importante avanço no campo processual.

É com esse propósito que, através do presente estudo, buscar-se-á aqui a reflexão sobre tema que a experiência diária evidencia ser foco de boa parcela de equívocos: o atendimento das condições da ação, exigidas pelo Código de Processo Civil, quando do ajuizamento da ação civil pública pelos entes expressamente autorizados pela lei.

Com efeito, embora de caráter predominantemente processual, a lei dispôs apenas sobre alguns aspectos processuais que lhe pareceram mais relevantes, remetendo os demais ao Código de Processo Civil.

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Com exceção da legitimidade para a cau~ a qual foi regulada pelo artigo 5° da Lei n° 7.347/85, submete-se também a ação civil pública à análise acerca da existência das demais condições da ação, quais sejam a possibilidade jurídica do pedido e o interesse processual, previstas expressamente no artigo 267, VI, do CPC.

Além da introdução, conclusão e referências bibliográficas, divide-se a monografia em quatro capítulos. A fim de cumprir os objetivos propostos, o primeiro contém um breve relato histórico acerca da tutela dos interesses metaindividuais nos diferentes sistemas jurídicos, inclusive o nosso, com a edição lei da ação civil pública. No segundo capítulo, pretendeu-se delimitar o conceito dos interesses protegidos pela Lei n° 7.347/85, como base para um estudo mais específico a ser realizado. O terceiro busca destacar alguns aspectos processuais característicos da ação civil pública como instrumento destinado à tutela dos citados interesses. Por fim, o quarto capítulo, aborda a questão das condições da ação, examinadas à luz da lei adjetiva, quando da propositura da ação civil pública.

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CAPÍTULO I

A TUTELA DOS INTERESSES METAINDIVIDUAIS E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A existência dos chamados direitos difusos e coletivosl remonta ao momento em que o homem passou a viver em sociedade, quando então percebeu-se que detenninados direitos não pertenciam ao indivíduo isoladamente considerado, mas à toda a comunidade.

A princípio, tais direitos se manifestavam em pequena escala, sendo poucos os sistemas jurídicos conhecidos, que se preocupavam com a sua tutela.

o

surgimento do Estado Moderno traz consigo várias modificações no seio da sociedade, as quais, aliadas aos avanços das últimas décadas, acabaram por dar origem a uma série de conflitos pertinentes à grupos em geral ou a própria coletividade como um todo.

1 As expressões "direito"e "interesse", apesar da distinção elaborada pela doutrina, serão

utilizadas na presente monografia como sinônimas por dois motivos: primeiro porque a Lei que regula a Ação Civil Pública não faz qualquer diferença entre os termos utilizados; e segundo, porque ainda que tomada como base a formulação tradicional, o fato de a lei estabelecer a tutela de "qualquer interesse" já os tomaria direito, posto que protegidos pela norma jurídica.

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I I

Com isso e diante da inadequação das estruturas tradicionais para se investirem as formações sociais de poderes processuais, exsurge emergente a necessidade de criar-se mecanismos legais capazes de atender a essa nova gama de interesses, o que de fato ocorreu em vários ordenamentos jurídicos, inclusive o nosso.

o

estudo da legislação de diferentes países auxiliou a própria legislação brasileira sempre no sentido de apontar saídas para os impasses existentes em decorrência da legislação e doutrina adaptadas aos direitos individuais.

Os diversos sistemas jurídicos, constatando que a doutrina e principalmente a legislação em vigor, não atendiam aos reclamos dos cidadãos, procuraram criar novas hipóteses, para que pudessem ser resolvidas questões básicas, adstritas ao tema dos direitos metaindividuais, tais como a questão da qualificação da existência material de direitos que não são individualmente concebidos e a possibilidade de legitimar ativamente pessoas ou órgãos em defesa desses direitos "materialmente transindividuais", conforme se verá a seguir.

1. A DEFESA DOS INTERESSES METAINDIVIDUAIS NOS DIFERENTES SISTEMAS JURÍDICOS.

Segundo os Professores Édis MILARÉ, Antônio Augusto de Mello FERRAZ e Nelson NERY JÚNIOR, a tutela jurisdicional daqueles interesses foi tratada, ordenadamente, de forma pioneira no direito romano, aduzindo que "naquele sistema jurídico existiam as actiones populares como instrumento para defesa dos interesses difusos. Eram ações de natureza privada, já que somente se consideravam

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públicas as ações penais, e estavam previstas no Digesto, 47, 23, 1: "Chamamos ação popular aquela que tutela o próprio direito do pOVO,,2 .

Mas o direito protegido pela ação popular romana não era um direito que correspondesse ao indivíduo como particular, mas sim, como membro de uma comunidade. O particular exercia o direito de ação popular não em nome do povo, e sim no seu próprio nome, no interesse do pov03 .

Competia esta ação a qualquer cidadão de Roma. O indivíduo, já que não era o titular particular de um direito, mas participante no interesse público, atuava na ação popular como defensor desse mesmo interesse público. Ocorria o fenômeno da legitimação extraordinária para a causa: quanto ao autor popular, estava ali defendendo direito seu; quanto ao restante da comunidade, estava ali o autor popular, como legitimado extraordiariamente, defendendo também os interesses do povo.

A denominação interesses difusos, tão falada nos dias de hoje, já era conhecida dos romanos, e vem mencionada expressamente por SCIALOJA, citado pelos autores já referidos: "direitos públicos, que chamávamos difosos, que não se concentram no povo considerado como entidade, mas que têm por próprio titular realmente cada um dos participantes da comunidade."4.

Depois da contribuição do direito romano para a tutela jurisdicional dos interesses difusos, de relevância vamos encontrar a instituição do ombudsman no

2FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo, MILARÉ, Édis e NERY JÚNIOR, Nelson.

A Ação Civil Pública e a Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos. São Paulo: Saraiva, 1984, p.46.

3 idem, p. 47. 4 ibidem, p. 48.

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direito escandinavo, cuja função é a de exercer uma espécie de controle da atividade da administração, ao mesmo tempo que vai decidir a respeito dos interesses difusos. É um órgão criado para administrar a justiça. Não tem jurisdição, mas tão-somente administração da justiça.

Existem certas regras para que se tenha acesso ao órgão, variando de país para país, e basta que o interessado alegue "razões de interesse da comunidade" para que seja provocada a atividade do ombudsmam. Caracteriza o órgão a absoluta informalidade: não é preciso comparecer acompanhado de procurador ou advogado, tampouco deduzir a reclamação por escrito.

No princípio o órgão foi criado com o intuito exclusivo de exercer o controle da administração pública. Como a experiência foi bem sucedida, foram sendo paulatinamente ampliadas as atividades do ombudsman, de modo que hoje existem vários deles para atender interesses coletivos os mais diversos: ombudsman do consumidor, da liberdade econômica, da imprensa, da saúde pública, estudantil, empresarial, etc.

Em face do resultado obtido na Suécia, outros países escandinavos passaram a criar os seus meios de controle da administração e, ao mesmo tempo, designar um órgão para apreciar os pedidos de tutela dos interesses difusos.

Modemamente, outros ordenamentos jurídicos também criaram instrumentos para a defesa dos interesses difusos e coletivos, tais como as relator actions e as class actions, no sistema da commom law; e no sistema romano-germânico

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clássico, a defesa do conswnidor na França, e as ações contra a concorrência desleal, na Alemanha Federal.

As relator actions, comuns na Grã-Bretanha e na Austrália, permitem ao indivíduo ou a associações agirem sempre que a conduta de alguém possa lesar a saúde ou o bem-estar da coletividade. Mas a ação só é possível com a autorização do Ministério Público e é exercida sob o controle deste. Os efeitos do provimento jurisdicional estendem-se a toda a coletividade. Instrumento tipicamente baseado na eqüidade, é considerado um misto de atividade privada e de controle público.

Já nas c/ass actions do direito norte-americano, o autor não necessita de autorização para agir. A titularidade da ação é atribuída a qualquer membro da classe, que demonstre ser seu adequado representante. Os controles sobre o exercício da ação, inclusive quanto à representação adequada, são exercidos pelo juiz.

Nessas ações, é comum que a coletivização ocorra quer no pólo ativo, quer no passivo, com uma série de pessoas litigando contra outras, através de seu representante adequado, e com a extensão do julgado a toda categoria. São elas normalmente usadas em matéria de defesa do meio ambiente, do conswnidor, de controle de atividades econômicas.

Acrescenta ainda o Professor Celso Antonio Pacheco FIORILLO que:

"A vasta obra doutrinária dos italianos, a partir do clássico trabalho de Mauro Capelletti, contribuiu muito no sentido de desenvolver o tema de legitimação ativa para a tutela de novos interesses, que "sem serem públicos (no sentido tradicional da palavra) são, no entanto, coletivos: desses ninguém é titular, ao mesmo tempo que todos os membros de um dado grupo, classe ou categorias deles são titulares"S .

5 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Associação Civil e Interesses Difusos no Direito

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Na França, as denominadas associações de défense foram investidas de legitimação, para a tutela em juízo do interesse coletivo do grupo que representam, por força de legislação especial. Trata-se da Lei Royer, de 27 de dezembro de 1973, destinada à proteção dos consumidores, que permite às associações de consumidores pleitearem a reparação coletiva do dano comum, desde que atendam aos seguintes requisitos: existência jurídica e concreta operatividade há pelo menos wn ano, seus objetivos institucionais e wn número mínimo de associados.

A necessidade de legislação fez-se sentir diante da realidade da fraqueza individual do consumidor e da inércia do Ministério Público, ainda que investido de amplos poderes.

Não só para a ação civil são legitimadas as associações pela Lei Royer. Constituindo-se parte civil, no processo penal também podem as associações movimentar ação penal, no que conceme à propaganda enganosa.

Na Alemanha Federal, a partir da Lei de 21 de julho de 1965, as associações de consumidores foram legitimadas, em via exclusiva, e por categoria contra atos de concorrência desleal que prejudiquem coletivamente os interesses de seus membros, desde que dotadas de personalidade jurídica e que tenham como finalidades estatutárias as de assessoria dos consumidores.

No entanto, nem todos os atos de concorrência desleal podem ser atacados pelas associações. Sua iniciativa processual é taxativamente limitada às hipóteses de publicidade enganosa, fraudes em liquidações, fraudes nas vendas a varejo por atacadistas, dentre outras previstas expressamente na Lei. Outra limitação diz respeito

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ao objeto da ação, consistente exclusivamente na condenação à obrigação de fazer ou não fazer. A ação coletiva é assim meramente inibitória, visando ao impedimento do prosseguimento ou da repetição da conduta lesiva, com cominação de sanções para o inadimplemento; mas às ações indenizatórias continuam legitimados apenas os indivíduos, em caráter pessoal. Ademais, as associações não têm legitimidade para a ação penal.

No Brasil o primeiro diploma legal a tratar de uma ação civil, de natureza pública, foi a Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que em seu artigo 14,

I

l° atribuiu ao Ministério Público da União e dos Estados a legitimidade "'para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente".

Em seguida, a Lei Complementar n° 40, de 13 de dezembro de 1981, denominada Lei Orgânica do Ministério Público dos Estados, por sua vez, previa em seu artigo 3°,

m,

entre as funções institucionais do Parquet a de "promover a ação civil pública, nos termos da lei".

Finalmente a proteção jurisdicional dos interesses difusos e coletivos foi definitivamente outorgada pela Lei n° 7.347/85, cuja evolução passaremos a expor.

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2. AS ORIGENS DA LEI N° 7.347/85.

Lembra a Professora Ada Pellegrini GRINOVER6 que foi pIOneIrO o trabalho de José Carlos Barbosa Moreira preparado em Florença e publicado no Brasil em 1977, intitulado "A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos". De fato, foi a partir deste estudo que

começou a desenvolver-se o tema ligado aos citados interesses.

o

trabalho, publicado em São Paulo, abordava em suas considerações introdutórias a observação de que "a estrutura clássica do processo civil, tal como subsiste na generalidade dos ordenamentos de nossos dias, corresponde a wn modelo concebido e realizado para acudir fundamentalmente à situações de conflito de interesses individuais" 7 , apontando, todavia, que diante do crescimento incessante de situações que envolviam coletividades mais ou menos ampla de pessoas, seria necessário e até mesmo indispensável um trabalho de adaptação que aperfeiçoe às realidades atuais o instrumento foIjado nos antigos moldes, pregando o professor ainda "um esforço de imaginação criadora, que invente novas técnicas para a tutela efetiva de interesses cujas dimensões extravasavam o quadro bem definido de relações interindividuais"S .

o

doutrinador soube abordar, com rara felicidade, o fato de inexistir na época, fora da âmbito da ação popular, regra específica atinente à vindicação judicial

6 GRINOVER, Ada Pellegrini. A Tutela dos Interesses Difusos. la. ed. São Paulo: Max

Limonad, 1984, pp. 22 e ss.

7 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977,

pp.ll0. 8 idem, p. 110.

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de "interesses difusos" em que se atribuísse legitimação para agir a qualquer dos co-titulares, isoladamente ou não, esclarecendo todavia não ser dificil demonstrar que a "solução da legitimatio concorrente e disjuntiva se harmonizava com a sistemática do direito brasileiro, vez que não constituía fenômeno pouco familiar a esta reclamar em juízo uma pessoa a satisfação de interesse que fosse ao mesmo tempo, próprio e alheio,,9 . Para tanto, o jurista recorria ao dispositivo do Código Civil que permite, em se tratando de obrigações indivisíveis, que cada credor exija a dívida inteira (art. 892, 1 aparte); sendo a indivisibilidade uma das notas características dos interesses difusos. basta para resolver o problema operação hermenêutica simples, que desprenda da acepção rigorosamente técnica as palavras credores e dívida. A legitimação seria concorrente, vale dizer, poderia ser proposta a ação por um só ou por vários do co-titulares do interesse, ou até por todos eles, sendo isso impraticável.

Em se tratando de pessoas jurídicas (sociedades, associações) criadas com o

fim institucional de defesa dos interesses difusos, chegava o processualista à conclusão de que, lamentavelmente, estava nosso sistema jurídico preso ao princípio tradicional da obrigatória coincidência entre os sujeitos da relação jurídico material controvertida e os sujeitos do processo e por isso somente admitia, em princípio o ingresso em juízo de pessoas jurídicas quando se tratasse de direitos ou obrigações que eles mesmos sejam titulares, demonstrando escassa inclinação a abrir-lhes tal possibilidade na defesa dos interesses dos respectivos participantes.

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Da mesma importância foi o estudo feito pelo Professor Waldemar Mariz de OLIVEIRA JÚNIOR, o qual, consolidando palestras e conferências proferidas desde o ano de 1976, já apontava a necessidade de se estudar, planejar e adotar as melhores diretrizes que deverão ser seguidas para bem enfrentar a nova era, cujo nascimento o direito coletivo, como provável tertium genus, poderá vir a ser o responsável ressaltando que "esses problemas dos chamados grupos intermediários e de seu acesso à justiça constituirão, em futuro não remoto, objeto da maior atenção dos juristas, sociólogos, políticos e legisladores, governantes e do povo em geral de nosso país" 10 , como que profetizando o aparecimento anos mais tarde, não só de legislação específica apreciadora do tema como do surgimento dos interesses difusos em sede constitucional.

Já apontava em seu estudo o catedrático a existência de direitos e interesses de natureza coletiva com eventuais danos igualmente coletivos: o direito à saúde, à segurança social, ao ambiente natural, dentre outros, indagando quem teria legitimação ativa para poder agir em juízo na defesa e salvaguarda dos interesses coletivos e ainda se os chamados grupos intermediários teriam acesso ao Poder Judiciário para tutelar os interesses que representam sua própria essência, sua própria razão de existir.

A Professora Ada Pellegrini GRINOVER, por seu turno, foi uma das principais doutrinadoras, exercendo marcante influência no meio universitário como estudiosa dos interesses difusos. Autora de trabalho apresentado à

vn

Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil em 1978, intitulado "A tutela

10 OLIVEIRA JÚNIOR, Waldemar Mariz de. Tutela Jurisdicional dos Interesses Coletivos. in "A Tutela dos Interesses ... ", op. cit., p. 8-27.

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jurisdicional dos interesses difusos" a docente sempre demonstrou profundo conhecimento sobre o tema, trazendo no decorrer de todo o período anterior ao advento da Lei n° 7.347/85 contribuições marcantes para o desenvolvimento da matéria. F oi a professora Ada e o professor Mariz, que em conjunto com os professores Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe, que elaboraram o primeiro anteprojeto, denominado Projeto Bierrenbach, que serviria de marco importante para a edição da futura Lei n° 7.347/85.

Com a obra "Ação Civil Pública e a Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos", veio a público o enfoque dado pelo doutrinadores pertencentes ao parquet paulista referente não só ao tema dos interesses difusos como da ação civil pública, entendida como o "direito conferido ao Ministério Público de fazer atuar, na esfera civil, a função jurisdicional" 11 .

Trazendo valiosa contribuição doutrinária a respeito de temas relativos à legitimação ativa, meios judiciais de proteção dos interesses difusos, extensão do dano, bem como destinação da indenização, a obra apresentou não só conclusões elucidativas, como anteprojeto de lei disciplinar de ação de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, consumidor, e bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, assim como a qualquer outro interesse difuso, que foi o embrião da Lei n° 7.347/85.

Por ocasião do I Congresso Nacional de Direito Processual, realizado em Porto Alegre em julho de 1983, foi dado à público o anteprojeto elaborado pelos

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professores Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Dinarmarco e Kazuo Watanabe, o qual após haver sido enriquecido e modificado principalmente com as contribuições do Professor Barbosa Moreira, foi enviado ao Congresso Nacional e transformado no Projeto de Lei nO 3.034/84 de iniciativa do Deputado Flávio Bierrenbach.

Embora importantíssimo para a evolução da defesa dos interesses difusos em juízo, o Projeto Bierrenbach ressentia-se de melhor aperfeiçoamento, o que levou os representantes do Ministério Público paulista a apresentar anteprojeto mais amplo, conforme já apontado anteriormente, o qual, enviado ao então Ministro da Justiça lbahim Abi-Ackel, acabou por ser encampado por este e apresentado como mensagem do Governo Federal (Projeto 4.984/85 da Câmara e 20/85 do Senado), sendo então aprovado pelo Congresso Nacional, com alguns vetos elaborados pelo então Presidente da República José Samey.O veto atingia as expressões que apontam a incidência da lei para a efetiva defesa de quaisquer interesses difusos.

O país contava portanto, com uma lei importante em defesa do povo mas, em face da perplexidade com que o mundo jurídico recebeu os vetos do executivo, seria necessário aperfeiçoar a Lei n° 7.347/85 visando ampla e irrestrita eficácia para a proteção dos direitos metaindividuais.

Atentos à necessidade de complementar a Lei n° 7.347/85 em seus aspectos processuais e cientes da necessidade de estabelecer critério, tanto quanto possível, definitivo a respeito do conteúdo normativo dos denominados direitos difusos, os juristas paulistas que já haviam participado da elaboração daquela lei foram

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convocados para iniciar os estudos necessários visando elaboração legislativa que, mais tarde, quando da edição do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, viria a suprir as lacunas apontadas.

Destarte, ao dedicar todo o Título VI à adaptação da Lei n° 7.347/85, o legislador do Código de Defesa do Consumidor logrou acrescentar dispositivos funndamentais destinados à tutela dos direitos difusos concebidos de forma mais ampla. A partir de 1990, portanto, qualquer outro interesse difuso ou coletivo passou a ser abarcado pela Lei n° 7.347/85, sendo clara a integração entre esta e a Lei n° 8.078/90.

Completando o "ciclo evolutivo" da Lei nO 7.347/85, o artigo 88 da Lei n° 8.884/94 (Lei Antitruste) modificou o caput da referida norma, deixando expressa a circunstância de indenizar danos não só patrimoniais, como morais.

Assim, conforme lembra Nelson NERY JÚNIOR:

"( ... ) muito embora o Código de Defesa do Consumidor (art. 6°, VI) já preveja a possibilidade de haver indenização do dano moral coletivo ou difuso, bem como a sua cumulação com o patrimonial, a Lei Antitruste, em seu artigo 88, modificando o caput da Lei da Ação Civil Pública (art. 1°), deixou expressa essa circunstância quanto aos danos difusos ou coletivos, que são indenizáveis quer sejam patrimoniais, quer sejam morais, permitida a sua cumuiação.,,12 .

12 NER Y JÚNIOR, Nelsom. Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor. São

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3. ALGUNS INSTRUMENTOS DE DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Além da Lei nO 7.347/85 que trata especificamente da ação civil pública para a defesa de quaisquer direitos e interesses difusos e coletivos, existem atualmente em nosso ordenamento jurídico, inúmeros diplomas legais que a seguiram, dentre os quais destacamos:

- lei n° 7.853, de 24.10.89, que nos artigos 3° a 7° disciplina especificamente a tutela dos direitos e interesses coletivos e difusos das pessoas portadoras de deficiência;

- lei n° 7.913, de 07.12.89, que cuida da ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado imobiliário;

- lei n° 8.069, de 13.07.90, que em seus artigos 208 a 224 disciplina especificamente a tutela dos direitos e interesses coletivos e difusos das crianças e adolescentes;

-lei n° 8.078, de 11.09.90, cujos artigos 81 a 104, disciplinam a tutela dos interesses e direitos difusos e coletivos dos consumidores.

- lei n° 8.429, de 02.06.92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública, a qual, em seu artigo 17 atribui legitimidade ao Ministério Público ou à pessoa jurídica interessada para propor ação principal em defesa da probidade administrativa.

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Outro instrwnento de defesa de interesses difusos e coletivos é a ação popular de que trata a Lei nO 4.717/65. Com a configuração que lhe deu a Constituição Federal de 1988, esta ação visa anular o ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (artigo 5°, LXXIll).

Por fIm, há de se ressaltar ainda a importância do mandado de segurança coletivo e do mandado de injunção para a defesa dos interesses coletivos e difusos, aquele, de membros ou mesmo de associados vinculados às organizações sindicais, e este, na medida em que permite o desfrute dos direitos e liberdades constitucionais.

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CAPÍTULO 11

OS INTERESSES PROTEGIDOS PELA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Tanto o Código Civil brasileiro, monumento jurídico que honra as tradições jurídicas nacionais, quanto o Código de Processo Civil Brasileiro, diploma igualmente excepcional do ponto de vista dogmático-científico, foram criados e concebidos para regular relações jurídicas subjetivas e solucionar conflitos intersubjetivos individuais.

Nossa Constituição anterior traduzia, de maneira enfática, o garantismo individual, o que foi ressaltado pelo ilustre mestre BARBOSA MOREIRA: "Tem sabor de lugar comum a observação de que a estrutura clássica do processo corresponde ao modelo concebido totalmente para as garantas individuais e não coletivas,,13 .

Com o fenômeno da massificação, notadamente nas economias de escala, a revisão das normas de direito positivo individualistas se tomou inevitável e de necessidade preeminente.

13 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A acão popular do direito brasileiro como instrumento da tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos. in Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 110.

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A Lei nO 7.347/85, ao abrir caminho para a defesa de alguns interesses difusos, e mais tarde o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) modernizaram e provocaram verdadeira revolução na ordem jurídica nacional, já que o processo judicial deixou de ser visto como mero instrumento de defesa de interesses individuais, para servir de mecanismo de tutela de interesses de diferente perfil, cujas dimensões extravasam os contornos das relações interpessoais.

1. INTERESSES DIFUSOS

Como se infere da lição de CAPPELLETTI, na evolução temática dos interesses difusos "há dois momentos logicamente sucessivos,,14 .

o

primeiro passo-testemunhado, no direito brasileiro, por inúmeras nonnas constitucionais, legais e regulamentares, com incessante tendência à expansão - está na aprovação de "leis de direito substancial que protejam o consumidor, o ambiente, as minorias raciais, civil rigb.ts, direitos civis, etc.,,15 .

No entanto, prossegue CAPPELLETTI, "mesmo se o legislador mais aberto a esse fenômeno, mesmo o mais proguessista, mais avançado, se limitar a estabelecer que tais interesses são substanciais, sem alterar o campo de tutela, ou seja, sem investir desse direito um "autor" que possa legitimar-se a pedir a proteção legal - será um legislador frustrado, limitado a operar no campo do direito material, sem eficácia,,!6 .

14 CAPPELLETTI, Mauro. A Tutela dos Interesses Difusos. Revista Ajuris, 1985, n° 33/174.

15 idem, p. 174.

(28)

27

À necessidade de emprestar eficácia. construindo processo adequado à peculiaridade dos interesses difusos juridicamente protegidos pela Constituição e as leis, veio atender a Lei nO 7.347/85, no ordenamento brasileiro. Cuida-se, porém, na quase totalidade de seu conteúdo normativo, de uma lei processual.

No entanto, não basta o equipamento processual para viabilizar a proteção daqueles interesses sociais outros, que sem lei que os converta em direitos coletivos, o juiz entenda merecedores de proteção, ou o que é pior, contra a lei, que os proteja em

determinada medida, ao juiz pareça devessem ser tutelados em dimensão maior.

Destarte restava ao legislador pátrio delinear o conteúdo material dos denominados interesses difusos, dando efetivamente a esses direitos uma disciplina normativa específica enquanto definição substancial, para que os mesmos efetivamente pudessem vir a ser tutelados, o que veio ocorrer com a edição da Lei nO 8.078/90.

Assim, a lei antes referida estabeleceu, em nosso sistema pátrio, o exato conceito dos denominados "interesses ou direitos difusos", informando que:

"Art. 81. Parágrafo único:

I. interesses ou direitos difusos, assim entendidos para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indetenninadas e ligadas por circunstâncias de fato".

No entanto, muito antes de o Código de Defesa do Consumidor estabelecer a defmição legal de interesses ou direitos difusos, Péricles PRADE estabelecia o seguinte conceito, que observa ser fixado, 'em regime de síntese provisória': "interesses difusos são os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de uma circunstancial identidade de situação, passíveis de

(29)

28

lesões disseminadas entre todos os titulares, de fonna pouco circunscrita e num quadro de abrangente conflituosidade.,,17 .

Ada Pellegrini GRINOVER, por sua vez, em importante lição sobre o tema, acrescenta que:

"O outro grupo de interesses metaindividuais, os dos interesses difusos propriamente ditos, compreende interesses que não encontram apoio em uma relação base bem definida, reduzindo-se o vinculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou extrememante genéricos, a dados freqüentemente acidentais ou mutáveis: habitar a mesma região, consumir. o mesmo produto, viver sob

determinadas condições soclo-econOInlcas, sujeitar-se a determinados

empreendimentos, etc. Trata-se de interesses espalhados informais à tutela de necessidades, também coletivas, sinteticamente referidas à qualidade de vida. E essas necessidades e esses interesses, de massa, sofrem constantes investidas,

freqüentemente também de massas, contrapondo grupos versus grupo, em

conflitos que se coletivizam em ambos os pólos.

( ... ) Decorre dai que suas notas essenciais podem ser destacadas, nesses interesses difusos. Uma, relativa à sua titularidade, pois pertencem a uma série indeterminada de sujeitos. Vê-se dai que soçobra o conceito clássico de direito subjetivo, centro de todo o sistema clássico burguês, que investia o indivíduo do exercício de direitos subjetivos titularizados claramente em suas mãos, e legitimava o prejuízo causado a quem de outro direito subjetivo não fosse titular.

Outra, relativa ao seu objeto, que é sempre um bem coletivo, insuscetível de divisão, sendo que a satisfação de um interessado implica necessariamente a satisfação de todos, ao mesmo tempo em que a lesão de um indica a lesão de toda a coletividade. Neste sentido, foi precisamente apontada, por Barbosa Moreira, a indivisibilidade, latu sensu, desse bem.,,18 .

Colhe-se ainda em Paulo Salvador FRONTINl, o seguinte conceito:

"(. .. ) podemos conceituar os interesses difusos, sob o ponto de vista da titularidade, como aqueles que têm por titular todo o grupo social, ou uma parcela significativa deste; já sob o prisma de seu objeto, são aqueles que recaem sob um bem público ou coletivo.,,19 .

17pRADE, Péricles. Conceito de Interesses Difusos. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1987, p. 57-58.

18 GRINOVER, Ada Pellegrini. A problemática dos Interesses Difusos. in A Tutela dos

Interesses Difusos. São Paulo: Editora Max Limonad, 1984, p. 30/31.

19 FRONTINI, Paulo Salvador. Acão Civil Pública e a Defesa dos Interesses Difusos. Justitita,

(30)

29

Difusos são, pois, interesses indivisíveis, de grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico.

Das definições acima, exsurgem algumas das principais características dos interesses difusos, consagradas pela doutrina, quais sejam:

a) ausência de vínculo associativo entre os lesados ou potencialmente lesados.

A relevância jurídica do interesse tutelado não mais advém de sua afetação a um titular determinado, mas ao contrário, do fato de que esse interesse conceme a uma pluralidade de sujeitos.

Essa "indeterminação dos sujeitos" deriva do fato que não há um vínculo jurídico a agregar os sujeitos afetados por esses interesses: eles se agregam ocasionalmente, em virtude de certas contingências, como o fato de habitarem certa região, de consumirem certo produto, de contribuírem os mesmos tributos, de viverem em uma certa comunidade, por comungarem pretensões semelhantes, por serem cidadãos do mesmo município ou ainda afetados pelo mesmo evento de obra humana ou da natureza, etc.

O vínculo associativo ou afecttio societatis, inarredável nos interesses coletivos com autonomia, não constitui denotação requerida pelos interesses difusos, tais como, o interesse à privacidade, interesse do consumidor, etc.

Como explica Celso BASTOS, "quando nos referimos aos interesses difusos dos usuários de automóveis, por exemplo, abarcamos uma indefinida massa de

(31)

30

indivíduo das mais variadas situações, esparsos por todo o País, sem qualquer especial característica homogênea, que apenas praticaram, aos milhares e milhões, um mesmo ato jurídico, a compra de um veículo.,,20 .

b) alcance de uma cadeia abstrata e indeterminada de sujeitos.

Se o interesse é sempre uma relação entre uma pessoa e um bem, no caso dos interesses difusos essa relação é super ou metaindividual, isto é, ela se estabelece entre um certo número de pessoas, como sujeito, e um dado bem da vida "difuso", como objeto. Mesmo que esses interesses venham, num caso concreto, a ser veiculados ou exteriorizados por um dos sujeitos ou entidade, isso não altera a essência dos interesses, que permanecem "difusos" pelo fato de se referirem a toda uma coletividade, indistintamente.

Atingem os direitos difusos, em suma, uma cadeia abstrata de pessoas, não se limitando a certos indivíduos ou à determinada pessoa. É justamente o fato de ser difusa a lesão que faz tomar difuso o interesse das pessoas (em número indeterminado) por aquela alcançada.

Para MANCUSO, essa indeterminação dos sujeitos revelar-se-ía também "quanto à natureza da lesão decorrente da afronta aos interesses difusos: essa lesão é disseminada por um número indefinido de pessoas, tanto podendo ser uma comunidade, como uma etnia ou ainda toda a humanidade,,21 .

20 BASTOS, Celso. A tutela dos interesses difusos no direito constitucional brasileiro. RePro

na 23. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, julho/setembro de 1981, p. 277.

21 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: Conceito e Legitimação para agir. 3'"

(32)

31

Na lição precisa do já citado Celso BASTOS, "a característica primordial do interesse difuso é a sua descoincidência com o interesse de uma determinada pessoa. Ele abrange, na verdade, toda uma categoria de indivíduos unificados por possuírem um denominador fático qualquer em comum,,22 .

c) a potencial e abrangente con:flituosidade.

Ao contrário dos embates entre direitos subjetivos de particulares, onde de um lado, os lindes da controvérsia estão bem definidos na pretensão e na resistência, e de outro, as situações emergentes são já balizadas por normas jurídicas; no campo dos interesses difusos outra coisa se dá: esles estão soltos, fluidos, desagregados e disseminados entre segmentos sociais mais ou menos extensos; não têm vínculo jurídico básico, mas exsurgem de aglutinações contingenciais, normalmente contrapostas entre

SI.

O que deflui desse entrechoque de massas de interesses, é que os conflitos daí resultantes não guardam as características dos conflitos tradicionais, mas de litígios que têm por causa verdadeiras escolhas políticas, como no caso da proteção dos recursos florestais que con:flita com os interesses da indústria madeireira e, por decorrência, com os interesses dos lenhadores à mantença de seus empregos.

MANCUSO a esse respeito prelaciona que:

''Em todos os casos a marcante con:flituosidade deriva basicamente da circunstância de que todas essas pretensões metaindividuais não têm por base um vínculo jurídico definido, mas derivam de situações de fato, contingentes, por vezes até ocasionais. Não se cuidando de direitos violados ou ameaçados, mas de

22 op. • 27 Clt., p. 8.

(33)

32

interesses ( conquanto relevantes), têm-se que a esse nível, todas as posições, por mais contrastantes, parecem sustentáveis. ,,23 .

d) ocorrência de lesões disseminadas em massa.

Existem interesses, como os do consumidor, que, em última análise, sendo intrinsicamente individuais, assumem, não obstante, configuração de interesses difusos, sempre que passíveis de lesões disseminadas, propagando-se numa detenninada coletividade e atingindo com seus efeitos danosos em massa uma série indetenninada de pessoas, conforme já examinado.

e) vínculos fáticos entre os titulares dos interesses.

Os titulares dos interesses difusos se ligam apenas mediante vínculos essencialmente fáticos, por mera identidade de situações, e não por vínculos associativos, estes sempre presentes nos interesses coletivos tradicionais em virtude de sua natureza corporativa.

Destarte, sustentando anteriormente BARBOSA MOREIRA que os interesses difusos não repousam necessariamente sobre uma relação base, remarca a relevância de se cingirem a dados de fato, aduzindo que:

"( ... ) tal vínculo pode até inexistir, ou ser extremamente genérico - reduzindo-se, eventualmente à pura e simples pertinência à mesma comunidade - e o interesse que se quer tutelar não é função dele, mas antes se prende a dados de fato, muitas vezes acidentais e mutáveis; existirá, v.g., para todos os habitantes de detenninada região, para todos os consumidores de certo produto, para todos os que vivam sob tais e quais condições sócio-econômicas ou se sujeitem às conseaüências deste ou daquele empreendimento público ou privado e assim por diante. ,,2 .

23 op. cit., p. 80. 24 op. Clt., p. 11 2.

(34)

33

t) indivisibilidade dos direitos ou interesses

Os interesses difusos são indivisíveis, no sentido de serem insuscetíveis de partição em quotas atribuíveis a pessoas ou grupos preestabelecidos.

Trata-se, como preleciona BARBOSA MOREIRA, de uma espécie de "comunhão, tipificada pelo fato de que a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de todos, assim como a lesão de um só consituti, ipso facto, lesão da inteira coletividade. ,.25 .

Essa característica advém do fato de que os interesses difusos apresentam uma estrutura peculiar, dado que, como eles não têm seus contornos definidos numa norma, nem estão glutinados em grupos bem delineados, resulta que sua existência não é afetada, nem alterada pelo fato de virem a ser exercitados ou não.

Nelson NERY JÚNIOR26 , com visão própria esclarece ainda que um direito caracteriza-se como difuso de acordo com o tipo de tutela jurisdicional e a pretensão levada a juízo, aduzindo que a pedra de toque do método classificatório para qualificar um direito como difuso, coletivo ou individual é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial, sendo certo para o autor que "da ocorrência de um mesmo fato, podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais,.27 .

2S MOREIRA, José Carlos Barbosa. A legitimação para a defesa dos interesses difusos no

direito brasileiro. Revista Forense n° 276. 26 op. cit., p. 1.232.

27NERY JÚNIOR, Nelsom. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 1 a ed. São Paulo:

(35)

3-'

g) indisponibilidade do objeto

A indisponibilidade do objeto significa que, teoricamente, quando se tratar de ação civil pública proposta para proteger interesses difusos, vedada é a transação judicial entre as partes, já que o objeto da ação neste caso pertence a toda a coletividade, conforme já analisado anteriormente.

(36)

35

2. INTERESSES COLETIVOS

Em sentido lato, os interesses coletivos compreendem tanto grupo de pessoas unidas pela mesma relação jurídica básica, como grupos unidos por uma relação fática comum. Em ambas as hipóteses temos grupos de pessoas determinadas ou determináveis, unidas por interesses compartilhados por todos os integrantes do grupo. Distinguem-se portanto, dos interesses difusos, que dizem respeito a pessoas ou grupos de pessoas indeterminadamente dispersas na coletividade.

Para Péricles PRADE, os interesses coletivos são "os pertinentes aos fins institucionais de uma determinada associação, coorporação ou grupo intermediário, decorrendo de um prévio vínculo jurídico que une os associados, sujeitando-se a regime jurídico portador de características peculiares.,,28 .

o

artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor foi além na conceituação. Embora identificando a característica da indivisibilidade tanto nos interesses difusos como nos coletivos, passou a distingüí-Ios pela origem do interesse, ou seja, os interesses difusos supõem titulares indeterminados, ligados por circunstâncias de fato, enquanto os interesses coletivos dizem respeito a grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas pela mesma relação jurídica básica29 .

Neste sentido mais abrangente, portanto, os interesses coletivos englobam não só os transindividuais indivisíveis (que o Código do Consumidor chama de

28 op. Clt., p. 43 .

(37)

36

interesses coletivos em sentido estrito), como também os transindividuais divisíveis (que o Código chama de interesses individuais homogêneos

iO .

Em suma, segundo a Lei n° 8.078/90, coletivos são os interesses "transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base,,3l .

Para a professora Ada Pellegrini GRINOVER:

"( ... ) por interesses coletivos entendem-se os interesses comuns a uma coletividade de pessoas e apenas a elas, mas ainda repousando sobre um vinculo jurídico definido que as congrega. A sociedade comercial, o condomínio, a família, dão margem ao surgimento de interesses comuns, nascidos em função da relação-base que congrega seus componentes, mas não se confundindo com os interesses individuais. Num plano mais complexo, onde o conjunto de interessados não é

mais facilmente determínável, embora ainda exista a relação-base, surge o interesse coletivo do sindicato, a congregar todos os empregados de uma determinnada categoria profissional.',32 .

Em seu trabalho sobre o conceito e o posicionamento dos diversos interesses que se apresentam na ordem jurídica, Rodolfo de Camargo MANCUS033 , cuidando particularmente do interesse coletivo, apresenta três aspectos primaciais desse tipo de interesse, em que o destaca como: a) interesse pessoal do grupo; b) como soma de interesses e c) síntese de interesses.

Do primeiro interesse pessoal do grupo cita como exemplo a pessoa moral, a empresa comercial que vai a Juízo na defesa de seu patrimônio contra danos que sejam a ela causados por terceiros; do segundo, quando o interesse coletivo se apresenta como um exercício de direitos individuais, isto é, agrupados, sendo coletivos

30 Código de Defesa do Consumídor, art. 81, parágrafo único, inciso lU. 31 Código de Defesa do consumídor, art. 81, parágrafo único, inciso 11. 32 op. Clt, p. • 30 .

(38)

37

apenas na sua forma e não em sua essência, parecendo-lhe que a exata noção de interesse coletivo advém, como tomado de uma síntese de interesses individuais que absorve e reúne os interesses individuais dos membros do grup034 .

E, dentro desse diapasão, conclui dizendo que são requisitos do interesse coletivo, como "síntese de interesses":

"a)- um mínimo de organização, a fim de que os interesses ganhem a coesão e a identificação necessárias; b) a afetação desses interesses a grupos determinados (ou ao menos determináveis), que serão os seus portadores; c) um vínculo jurídico básico, comum a todos os participantes, conferindo-lhes unidade de atuação e situação juridica diferenciada. ,,35 .

Conforme se infere das definições acima, podemos dizer que os interesses coletivos apresentam as seguintes características:

a) são interesses ou direitos transindividuais, na medida em que depassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente considerados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva;

b) abrangem uma quantidade de pessoas determinadas ou determináveis; c) há um vínculo associativo, também chamado de relação-base entre os innteressados, ou entre estes e a parte contrária;

d) também são frutos de uma potencial e abrangente conflituosidade; e) indivisibilidade dos direitos ou interesses.

f) disponibilidade coletiva e indisponibilidade individual, ou seja., a associação pode, em princípio, dispor dos interesses e direitos decorrentes do

34 idem, p. 42-46.

(39)

associativismo, desde que haja concordância expressa de todos os membros do grupo e que não implique em infração à lei; enquanto que tal possibilidade é negada aos membros do grupo isoladamente.

(40)

3. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

o

Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 81, parágrafo único I1I, conceitua os interesses ou direitos "individuais homogêneos" como "os decorrentes de origem comum" permitindo a tutela deles em nível coletivo.

Até então, muito pouco se falou na doutrina acerca desse tipo de interesses, já que, no sentir de James MARINS, estes não tem a mesma transcendência científica dos interesses difusos e coletivos, pois significam "apenas um trato coletivo a direitos já (e desde sempre) prestigiados por instrumentos individuais de proteção,,36 .

Antônio Herman V. BENJAMIM, acerca dessa nova gama de interesses, preleciona:

"Em outros casos, interesses e direitos tipicamente individuais - isto é, aqueles que se atinam ao individuo, não contemplando situações juridicas em que o sujeito 'se encontra inserido, encartado em determinado contexto social' - perdem sua condição atômica, na medida em que sUljam como conseqüência de um mesmo fato ou ato.

São, por esta via exclusivamente pragmática, transformados em estruturas moleculares, não como fruto de uma indivisibilidade inerente ou natural (interesses e direitos públicos e difusos) ou da organização ou existência de uma relação juridica-base (interesses coletivos stricto sensu), mas por razões de facilitação de acesso à justiça, pela priorização da eficiência e da economia processuais, enfim, por criação legal. São, por esse ângulo, acidentalmente supraindividuais. Falamos, então, em interesses e direitos individuais homogêneos, área em que, no sistema da

common law, atua preponderantemente, a class action.',37 .

Os interesses individuais homogêneos, como o próprio nome indica, são direitos subjetivos individuais e que podem ser exercidos judicialmente na forma

36 MARINS, James. Acões Coletivas em Matéria Tributária. in Revista de Processo, n° 76, p. 98.

37 BENJAMIM, Antonio Herman V. A inssureicão da aldeia global contra o processo clássico.

Apontamento sobre a opressão e a libertacão judiciais do meio ambiente e do consumidor. in

MILARÉ, Édis (coord.) et alii. "Ação Civil Pública: Lei 7.347/85: reminescências re reflexões após dez anos de aplicação". São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 96.

(41)

coletiva; ao passo que, os difusos e coletivos, ao contrário, são metaindividuais na sua essência, eis que representam segmentos do universo coletivo, e na forma judicial em que são exercidos.

Nos direitos difusos e coletivos, os sujeitos são, pela ordem, absoluta ou relativamente indeterminados, e o objeto, nos dois casos é indivisível (embora nos difusos essa indivisibilidade seja mais evidente, porque a vinculação é com uma simples "circunstância de fato" - CDC, art. 81, I); já nos coletivos essa indivisibilidade já apresenta uma certa concreção por se referir a uma "relação jurídica base" (COC,

art. 81, II).

Já no que conceme aos interesses individuais homogêneos, o que se verifica é que os sujeitos já são identificados (ou ao menos identificáveis), e o objeto é cindível, divisível, atribuível a cada um deste sujeitos.

Neste sentido esclarece Teori Albino ZA VASCKI:

"Diferentemente é o que ocorre com os chamados interesses ou direitos individuais homogêneos. Estes são divisíveis e individualizáveis e têm titularidade determinada. Constituem, portanto, direitos subjetivos na acepção tradicional, com identificação do sujeito, determinação do objetivo e adeqüado elo de ligação entre eles. Decorrentes, ademais de relações de consumo, têm, sem dúvida, natureza disponível. Sua homogeneidade com outros direitos da mesma natureza, determinada pela origem comum, dá ensejo à defesa de todos, de forma coletiva, mediante ação proposta, em regime de substituição processual, por um dos órgãos ou entidade para tanto legitimados concorrentemente no artigo 82. Tal legitimação recai, em primeiro lugar, no Ministério Público.',38 .

o

trato processual coletivo desse tipo de interesses decorre de duas circunstâncias contangenciais, a saber: a) de um lado, o expressivo número de pessoas

38 ZAVASCKI, Temi Albino. O Ministério Público e a defesa de direitos individuais homogêneos. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 177, pp. 173-174.

(42)

-+1

integradas no segmento social considerado (ex.: pais de alunos de escolas particulares), inviabilizando o trato processual via litisconsórcio (que seria multitudinário ), especialmente agora, em face da reinserção no processo civil brasileiro, do litisconsórcio facultativo recusável (CPC, art. 46, parágrafo único, com redação dada pela Lei nO 8.852/94); b) de outro lado, o fato desses interesses derivarem de origem com~ o que lhes confere uniformidade, recomendando o ajuizamento de ação coletiva, seja para prevenir eventuais decisões contraditórias, seja para evitar sobrecarga desnecessária de volume de serviço para o Judiciário.

Oportuna a lição do mestre Paulo de Tarso BRANDÃO, neste sentido: "De outro prisma, é impossível deixar-se de considerar, que em determinadas situações, embora não exista uma relação-juridica base entre as pessoas que tenham tido lesados certos interesses, e ainda que elas sejam perfeitamente identificadas ou identificáveis, a lesão decorrente de causa comum pode ser de tal ordem que, a busca da tutela de forma individual, determime a cada um suportar custas que simplesmente inviabilizem a demanda; em outras situações, a parte lesada, considerando suas possibilidades ou as do autor da lesão, se encontra em 'desvantagem estratégica', em relação a este; e/ou ainda, que a necessidade das demandas individualizadas são um fator constante de sobrecarga do sistema judiciário e, conseqüentemente um elemento determinante da demora na prestação jurisdicional.',39 .

Por fim, como exemplo suponhamos os compradores de veículos produzidos com o mesmo defeito de série. Há uma relação jurídica comum subjacente entre os consumidores, mas o que liga todos eles é antes o fato de que compraram carros do mesmo lote produzido com o mesmo defeito.

39BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ação Civil Pública: um instrumento de defesa da cidadania -Da necessidade de se repensar sua teoria geral. Tese de mestrado defendida em fevereiro de

(43)

CAPÍTULO 111

ASPECTOS RELEVANTES DA LEI N° 7.347/85

o

artigo 19, da Lei nO 7.347/85 manda aplicar "o Código de Processo Civil, naquilo que não contrarie as suas disposições", eis que, embora predominantemente de caráter processual, optou por inserir na lei apenas alguns aspectos processuais que lhe pareceram relevantes, deixando de dispor acerca de tópicos, como o pedido, a resposta, a revelia, etc.

Tais aspectos privilegiados pelo diploma legal são os que efetivamente conferem caráter peculiar à tutela dessa nova gama de direitos ou interesses pertencentes à toda coletividade, donde ressalta a importância de sua análise, ainda que anpassant.

1. NATUREZA JURÍDICA

Na exposição de motivos do "Projeto Bierrenbach" (3.034/84), que foi o embrião da atual Lei n° 7.347/85, transcreveu-se o encaminhamento da matéria feito

(44)

pela Comissão de Juristas que estudara o assunto, onde se acrescentava que, apesar de existirem textos autorizativos da atuação do Ministério Público em matéria do meio ambiente (Lei n° 6.938/81, LC nO 40/81), tais dispositivos não vinham sendo utilizados, optando-se enfun por disciplinar as ações à que alude a Lei nO 6.938/81, que pela primeira vez entre nós, se preocupou especificamente com a tutela jurisdicional de certos interesses difusos.

Desta forma, percebe-se a intenção de disciplinar, regulamentar, instrumentalizar, de dispor sobre a forma processual que seria mais adequada para viabilizar o acesso à Justiça daqueles interesses difusos mencionados nas leis "substantivas" .

Excluindo-se o artigo 10, que tipificou uma figura penal e o artigo 13, que criou o fundo para onde reverterão as condenações em dinheiro, que parecem ser de natureza substantiva, quanto ao mais, porém, as disposições da Lei n° 7.347/85 são nitidamente de caráter processual, já a partir de seu preâmbulo, onde se enuncia que o texto legal "disciplina a ação civil pública ... ". Todos os demais dispositivos são tipicamente de direito processual, tais como, foro competente, legitimação, atuação do Ministério Público, sentença, coisa julgada, dentre outros.

Para Hely Lopes MEIRELLES, "a Lei n° 7.347/85 é unicamente adjetiva, de caráter processual, pelo que a ação e a condenação devem basear-se em disposição de alguma norma substantiva, de direito material, da União, do Estado ou Município,

(45)

que tipifique a infração a ser reconhecida e ptmida pelo Judiciário, independentemente de qualquer outra sanção administrativa ou penal, em que incida o infratOr',40 .

Apesar nos dois aspectos citados esteja presente o conteúdo de direito material, trata-se portanto de lei de natureza processual, visto que objetiva, sem dúvida, oferecer os intrumentos processuais hábeis à efetivação em juízo, da tutela dos interesses difusos reconhecidos nos demais textos legais substantivos.

40 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular e Ação Civil Pública,

(46)

..

)

2. OBJETO

o

objeto jurídico da ação civil pública tem sede no artigo 3° da Lei nO 7.347/85, que dispõe:

"Art. 3°. A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer."

o

objeto fático é o melO ambiente, patrimônio cultural, as relações de consumo, a cidadania e demais interesses difusos e coletivos.

Tal dispositivo, no entanto, é complementado pelo artigo 11, do citado diploma legal, enunciando que, "na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer, ou não fazer, o juiz detenninará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compativel, independentemente de requerimento do autor".

Da análise dos citados dispositivos, e considerando-se o desiderato perseguido na ação civil pública - responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, aos consumidores e ao patrimônio cultural - constata-se que o ideal seria a execução em espécie, da maneira que se repusesse o bem ou interesse lesado ao seu statu quo ante. Todavia, quando a reparação em espécie não for possível, a solução será o correspondente sucedâneo pecuniário, a ser revertido para o "fundo" (art. 13 da Lei n° 7.347/85), já que o produto da condenação não pode ser titularizado, dada a indivisibilidade dos interesses tutelados.

(47)

Entretanto, do artigo 11 da lei em questão, antes transcrito, resulta claro que a mens legis é a de conseguir, sempre que possível, a reparação do dano causado, possibilitando ao juiz a imposição de astreintes, independentemente de requerimento do autor. O objeto da ação, neste caso, terá natureza predominantemente cominatória, nos termos do artigo 287, do Código de Processo Civil.

O já citado mestre Hely Lopes MEIRELLES, a esse respeito adverte que:

"(. .. ) a imposição judicial de fazer ou não fazer é mais racional que a condenação pecuniária, porque na maioria dos casos o interesse público é o de obstar a

agressão ao maio ambiente ou obter a reparação direta e in specie do dano, do que

receber qualquer quantia em dinheiro para sua recomposição, mesmo porque quase sempre a consumação da lesão ambiental é irreparável, como ocorre no desmatamento de uma floresta natural, na destruição de um bem histórico, artístico

ou paisagístico, assim como no envenenamento de um manancial com a

mortandade da fauna aquática. ,,41 .

O interesse objetivado pela lei, aos quais fora conferida a tutela específica, pode referir-se ao meio ambiente, aos consumidores e ao patrimônio público, lato sensu, conforme se infere do seu artigo 10 e incisos.

A defesa do meio ambiente vem inscrita na Constituição Federal, dentre os "princípios gerais da atividade econômica", e é definido pela Lei n° 6.938/81, como o "conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem fisica, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".

Quanto aos consumidores, são vistos por Fábio Konder COMPARATO como os que "não dispõem de controle sobre os bens de produção e, por conseguinte,

(48)

.+7

devem se submeter ao poder dos titulares destes,,42. É de se ressaltar ainda que, em que pese a lei mencionar o cabimento da ação de responsabilidade por danos causados ao consumidor, não quer se referir à sua proteção individualmente considerada., enquanto consumidor determinado (que é protegido por meio de Lei n° 8.078/90), e sim enquanto a lesão atinja uma coletividade ou então um número disperso ou determinado de pessoas, reunidas por circunstâncias de fato ou pela mesma relação jurídica básica.

Já a expressão "patrimônio cultural" há que ser entendida em sentido lato, abrangendo os "bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico" (art. 1 0 , lII, da Lei n° 7.347/85), também tutelados pela ação popular (art. 1°,

I

1°, da Lei nO 6.513/77), englobados como patrimônio público.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 216 afirma que "constituem patrimônio cultural os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, ... ".

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42COMPARATO, Fábio Konder.A proteção do consumidor: importante capítulo do Direito Econômico. RDM 15/16.

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