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Marines Viana de Souza

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Academic year: 2021

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CURRÍCULO E DIVERSIDADE CULTURAL: Um Estudo do Ensino das Culturas Afro-Brasileira e Indígenas na Disciplina de Artes em Escolas Públicas de São Paulo

SOUZA, Marinês Viana de Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo – PUS/SP Doutoranda Bolsista: Capes marines.souza@ig.com.br

Orientador: Prof. Dr. Alípio Casali

Resumo

No Brasil, a inclusão no currículo escolar do ensino sobre a história e cultura afro-brasileira, determinada pela lei 10.639/03, posteriormente agregando o estudo das culturas indígenas pela lei 11.645/08, representa do ponto de vista da legislação educacional, a possibilidade de rompimento com a exclusividade dos cânones hegemônicos da cultura européia, que têm historicamente permeado o currículo escolar brasileiro. As referidas leis são marcos fundamentais na luta pelos direitos das populações negras e indígenas de terem suas histórias e culturas reconhecidas nas políticas educacionais, uma vez que alteram a legislação maior que regulamenta os sistemas educacionais brasileiros, a LDB 9394/96. A inclusão desses estudos veio através de temáticas, não se constituindo em disciplinas específicas. Nessa perspectiva, estabelecem que os conteúdos referentes às mesmas sejam “ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”. A presente pesquisa está delimitada na disciplina de Artes, tendo como objeto de estudo os programas curriculares e as práticas pedagógicas dos arte-educadores, que atuam em escolas públicas situadas na zona leste da cidade de São Paulo, no tocante às culturas afro-brasileira ou indígenas. Objetivamos, além de verificar os fatores que possivelmente dificultem a inclusão dessas temáticas nos projetos escolares, dar visibilidade às práticas que estão sendo desenvolvidas nessa área do conhecimento, em consonância com os dispositivos legais e à luz do referencial teórico do multiculturalismo.

Palavras-chave: Currículo, Multiculturalismo, Culturas Afro-Brasileira e Indígenas, Ensino de Arte.

Introdução e Referencial Teórico:

O que venho propondo é um profundo respeito pela identidade cultural dos alunos – uma identidade cultural que implica respeito pela língua do outro, cor do outro, gênero do outro, classe social do outro, orientação sexual do outro, capacidade intelectual do outro, que implica na capacidade de estimular a criatividade do outro. Mas essas coisas ocorrem em contextos social e histórico, e não no ar puro e simples. Essas coisas ocorrem na história...

Paulo Freire

Educação Multiculturalista permite ao aluno lidar com a diferença de modo positivo na Arte e na vida.

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Ana Mae Barbosa

A temática do multiculturalismo tem sido recorrente na área educacional, onde se verifica uma variedade de abordagens relacionadas ora com o campo do currículo, ora com o da formação de professores, bem como aos estudos das relações de gênero, étnicas dentre outros que se encontram presentes na cultura escolar.

As epígrafes iniciais deste texto trazem o pensamento de Freire (Apud Passos: 2002, p. 21) e Barbosa (2003, p. 21) para este debate, por ilustrarem de maneira bastante apropriada e complementar o meu ponto de vista no que tange aos estudos multiculturais e sua relação com o currículo escolar, com a educação de maneira geral e com o ensino de Artes de forma específica. Freire propõe o respeito pela identidade cultural dos alunos em suas diferentes dimensões (lingüística, étnica, social, sexual, intelectual). Entretanto, o respeito aludido por ele não é imobilizante, nem se configura numa postura contemplativa face ao diverso, visto que chama a atenção para o fato de que tal respeito implica no estímulo à sua criatividade, o que pressupõe movimento e transformação. Deste ponto de vista, o estímulo à criatividade representa, também, a possibilidade de ampliação do universo cultural do aluno, que deverá ser favorecido pelo contato e acesso ao conhecimento produzido pelas diversas culturas presentes nas sociedades, o que lhe permitirá “lidar com a diferença de modo positivo na arte e na vida”, conforme assinala Barbosa. Freire nos lembra, ainda, de que as identidades culturais são resultado de um processo histórico, que se constrói cotidianamente e não correspondem a um dado fixo e pré-existente na natureza.

Nesta linha de pensamento, Severino (2002, p.53) considera que “a humanidade, enquanto sujeito social se constrói na temporalidade histórica”, e as práticas que permeiam nossas ações (práticas produtiva, política e simbolizadora) correspondem às relações do sujeito com a natureza, com a sociedade e com a cultura. Diante da constatação de que somos herdeiros de um processo histórico, que é construído nas relações do sujeito com a natureza, sociedade e cultura, não podemos deixar de considerar que essa construção traz em seu bojo uma carga de intencionalidade que, portanto, não é natural, mas fruto de opções, seleções feitas em épocas e contextos determinados.

Nessa direção, Pinto (1969. p.127) apresenta a concepção dialética de cultura e considera que a mesma “é uma realização do homem coetânea à realização de si mesmo pela ação produtiva”. Assim, a cultura é o resultado do trabalho (prática produtiva) do homem exercido sobre a natureza a tal ponto de modificá-la. A cultura, portanto, é uma construção sócio-histórica, o que torna o sujeito produtor e também fruidor de bens culturais e artísticos.

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Analisando a concepção de cultura sob o ponto de vista da matriz antropológica em Geertz (1978), entendemos não existir natureza humana desprovida de cultura. Este autor vincula cultura a um sistema de significados que são produzidos em contextos históricos e sociais específicos, mediados pelo homem. Dessa forma, a cultura não corresponde a uma herança biológica ou um dado apriorístico ao homem, ocorrendo neste caso um processo de interdependência entre ambos. “Sem os homens certamente não haveria cultura, mas de forma semelhante e muito significativamente, sem cultura não haveria homens. Somando tudo isso, nós somos animais incompletos e inacabados que nos completamos e acabamos através da cultura – não através da cultura em geral, mas através de formas altamente particulares de cultura: dobuana e javanesa, Hopi e italiana, de classe alta e classe baixa, acadêmica e comercial.” (1978, p. 36),

As particularidades culturais descritas por Geertz representam formas específicas de culturas, que somadas constituem um vasto mosaico multicultural. Nesta perspectiva, a diversidade cultural é uma realidade presente nas sociedades que foi se configurando historicamente e ganhando novos contornos com o desenvolvimento sócio-econômico e no contexto da globalização.

Nesse sentido, ao analisarmos o quadro em que se configuram as sociedades modernas, é forçoso reconhecer que a diversidade cultural tem sido, muitas vezes, causa de intolerância e conflitos entre grupos diversos. Gadotti (1992) avalia que a simultaneidade de formas culturais circunscrita em um mesmo território, foi favorecida pelo processo urbano-industrial moderno, que promoveu o aparecimento de sociedades multiculturais, apesar dos seus grupos constitutivos não estarem no mesmo patamar social, político e econômico.

Carvalho (1997) considera que “a modernidade tão almejada e decantada desde dois séculos atrás, como uma possibilidade de realização da espécie humana, produziu uma sociedade marcada pela racionalidade e pelo progresso, pelo avanço tecnológico, mas, paradoxalmente, criou desafios cruciais para as chamadas sociedades civilizadas, na medida em que gestou um processo de desumanização sem limite, em escala planetária. Na medida em que se engendram relações cada vez mais desiguais, potencializou-se a violência e se reduziram as capacidades da convivência humana, implicando o aumento da intolerância frente à diversidade humana e às diferenças e as dificuldades em se estabelecer padrões solidários que vinculam o nós com os outros.” (1997, p. 13)

Nesse contexto paradoxal, exposto por Carvalho, por um lado vemos eclodir o progresso em seu apogeu, com as tecnologias de ponta que reduzem as distâncias geográficas entre os continentes, agora traduzidas em territórios próximos, virtualmente conectados. Um

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mundo fantástico de grandes conquistas e avanços tecnológicos, graças ao poder criativo do homem, com seus feitos certamente inquestionáveis. Mas por outro lado, convivemos com a miséria e a segregação em seu estado mais letal, que exclui parcela significativa da população mundial do acesso aos bens materiais e simbólicos que são produzidos no contexto das sociedades modernas. Carvalho menciona que “nesses tempos de transnacionalização de mercados e capitais, de rompimento de fronteiras, de lutas religiosas, segregações étnicas e nacionalismos xenófobos, fica claro que o mundo caminha, de um lado, no sentido da planetarização política e de outro, se fragmenta na emergência de novos lugares, novos ritmos, linguagens e configurações.” (1997, p. 43)

Silva (2005, p.85-86) avalia que a atração que tem levado muitas pessoas em direção aos países ricos, deve ser vinculada às relações de exploração desses países sobre os demais, o que tem provocado grandes desníveis econômicos nas nações do mundo. Bolívar (2004) aponta o paradoxo que traz de um lado o processo de globalização veiculando uma homogeneização cultural como padrão, e por outro os grupos culturais oprimidos defenderem suas identidades em lutas políticas: “De fato, um grande paradoxo da globalização é que, ao mesmo tempo em que a cultura mundializa-se, ressurgem com mais contundência as reivindicações das identidades culturais primárias, a desterritorialização produz novas territorializações culturais.” (2004, p. 9 – 10)

As sociedades multiculturais, dentre outros fatores, são também conseqüências das alterações demográficas ocasionadas pelos fluxos migratórios que tem evidenciado grandes desigualdades sociais e econômicas. Para Canen (2001) o multiculturalismo representa a “corrente de pensamento teórico e político, voltado ao reconhecimento identitário e à justiça social.” cujo objeto é dar visibilidade à realidade multicultural das sociedades, combatendo racismos e discriminações contra grupos marginalizados.

McLaren (1997) chama a atenção para que os debates sobre as questões do multiculturalismo não se dêem separados do contexto das experiências em que estão submetidos os grupos oprimidos. Assim, “um enfoque sobre as relações materiais e globais de opressão pode nos ajudar a evitar a redução do “problema” do multiculturalismo a simplesmente uma questão, atitude ou estado de espírito, ou como no caso da academia, a um caso de discordância textual ou guerra de discursos.” (1997, p. 58-59). Ao tratar da temática do multiculturalismo, Mclaren (1997) identifica quatro formas de abordagem assim denominadas pelo autor: Multiculturalismo Conservador, Multiculturalismo Humanista Liberal, Multiculturalismo Liberal de Esquerda e Multiculturalismo Crítico e de Resistência. McLaren critica as três primeiras tipologias e considera que as mesmas apresentam uma falsa

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oposição entre si, visto que apregoam o essencialismo dos padrões culturais e identitários. Defende a tese de um multiculturalismo crítico que reconhece o valor da diversidade cultural, no entanto “não compreende a diversidade como uma meta, mas argumenta que a diversidade deve ser afirmada dentro de uma política de crítica e compromisso com a justiça social” (1997, p. 123). Assim, a abordagem cultural não deve ser analisada isolada dos fenômenos sociais, políticos e econômicos, uma vez que os sujeitos culturais são eminentemente sujeitos políticos, e qualquer projeto que venha reconhecê-lo em suas dimensões étnicas, deve resultar em mudanças econômicas, promovendo a verdadeira eqüidade – a justiça social.

Apple (2006) faz uma análise das relações entre dominação econômica, cultural e currículo escolar, e através do conceito de currículo oculto mostra como o conhecimento, produzido e reproduzido na escola, contribui para manter as desigualdades sociais. O autor considera que através de um processo ideológico são legitimadas as hegemonias em torno de padrões sociais, culturais, políticos e econômicos. Os conhecimentos, portanto, são considerados neutros, fixos, pré-existentes, imutáveis e, portanto, existem por consenso. Para Apple (2006) as sociedades são apresentadas como um sistema cooperativo. A idéia de “cooperação feliz” camufla o conflito interno que está no cerne das relações sociais e entre as classes, pois “os paradigmas sociais encontram-se em constante mudança, freqüentemente guiados pelo conflito de classes e pelas condições econômicas.” (2006, p.137). Apple considera que, ao se abordar explicitamente a natureza do conflito nas diversas áreas do conhecimento, como nas Ciências ou Estudos Sociais, desenvolve-se nos alunos uma perspectiva política e intelectual que os capacita, minimamente, para perceber os determinantes ideológicos que legitimam as hegemonias dominantes.

Para ilustrarmos como as idéias da “cooperação feliz” estão presentes na sociedade brasileira, citamos aqui a construção do mito da democracia racial, inspirado e forjado a partir das idéias contidas na obra de Gilberto Freire, “Casa Grande e Senzala”, que apresenta um Brasil livre de conflitos étnicos, apregoando uma convivência pacífica entre as três matrizes culturais formadoras de nossa sociedade: indígena, européia e africana. Ortiz (2006, p. 36) cita que “Florestan Fernandes, ao tratar da questão racial no Brasil, afirmava que o brasileiro tem preconceito de não ter preconceito”, sintetizando dessa forma que as relações raciais no Brasil são negadas através da ideologia da democracia racial. Para Candau (2003) segundo esta ideologia “a escravidão no Brasil foi relativamente benigna (...). A crença em uma democracia racial construiu no imaginário da população o mito de uma sociedade harmoniosa, não-preconceituosa, que não se reconhece como racista e discriminadora. Enfim, um Brasil

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que seria um paraíso das raças. O desafio que se coloca nesse sentido, é continuar trabalhando para desvelar esse mito.” (2003, p.19;21)

Nessa perspectiva e considerando o papel que escola tem na desmistificação das ideologias racistas, nossa reflexão acerca do currículo escolar indica que o mesmo não deve prescindir da análise de seus condicionantes, visto que representa uma construção histórica, social e cultural, que segundo Sacristan (1998) é “um projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada.” (1998, p. 34)

A definição de Sacristan revela que as instituições escolares são organizadas a partir de um projeto cultural e o currículo representa uma seleção de conteúdos, a partir dos interesses e valores de quem os escolhe. Seguindo seu raciocínio, o projeto cultural realiza-se vinculado à condicionantes sociais, políticos, estéticos e econômicos determinados, com pressupostos e concepções próprios, que se refletem na cultura escolar.

No Brasil, a inclusão no currículo escolar do ensino sobre a história e cultura afro-brasileira, determinada pela lei 10.639/03, posteriormente agregando o estudo das culturas indígenas pela lei 11.645/08, representa do ponto de vista da legislação educacional, a possibilidade de rompimento com a exclusividade dos cânones hegemônicos da cultura européia, que têm historicamente permeado o currículo escolar brasileiro. As referidas leis são marcos fundamentais na luta pelos direitos das populações negras e indígenas de terem suas histórias e culturas reconhecidas nas políticas educacionais, uma vez que alteram a legislação maior que regulamenta os sistemas educacionais brasileiros, a LDB 9394/96. A inclusão desses estudos veio através de temáticas, não se constituindo em disciplinas específicas. Nessa perspectiva, estabelecem que os conteúdos referentes às mesmas sejam “ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística1 e de Literatura e História Brasileiras”.

A inclusão dessas temáticas no currículo escolar traz algumas questões a serem consideradas, tais como: Quais têm sido os limites e as possibilidades que se apresentam às equipes escolares na implementação das referidas leis? Como tem sido feita a articulação dessas temáticas no currículo escolar? No que se refere ao ensino de Artes, as perguntas recorrentes tem sido sobre o tratamento teórico e metodológico dado às temáticas. Essas questões são fundamentais, pois dentro de uma concepção pedagógica que valoriza as diversas formas de manifestações culturais de nossa sociedade é preciso abandonar o

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tratamento exótico ou circunstancial da representação do negro e do indígena e de suas culturas, quando da abordagem simplificada, onde predominem as comemorações de datas específicas em eventos esporádicos, sem que isso de fato, provoque mudanças significativas na cultura escolar. Segundo Barbosa (2003), a abordagem multicultural numa perspectiva aditiva vem sendo criticada por estudiosos do assunto. Para ela uma abordagem aditiva do multiculturalismo “é adicionar à cultura dominante alguns tópicos relativos a outras culturas”.

Silva (2005) considera que um currículo não se torna multicultural pela “simples operação de adição (...) pelo simples acréscimo de informações superficiais sobre outras culturas e identidade (...) Numa perspectiva crítica de currículo buscaria lidar com a questão da diferença como uma questão histórica e política (...) não se trata simplesmente de celebrar a diferença e a diversidade, mas de questioná-la.” (2005, p.102)

Ao se confecciona o cocar no dia do índio ou se colar cartazes enaltecendo o 13 de maio como um ato heróico do branco em benefício do negro, sem refletir que quando a Lei Áurea foi assinada, a maioria dos negros já estavam libertos pelas rebeliões, e que “liberdade não se dá, não se concede, se conquista”, conforme expõe Aracy Santana2, estamos reproduzindo uma visão distorcida em relação ao trabalho com diversidade cultural em ambientes escolares, reforçado dessa maneira as concepções liberais do multiculturalismo.

É fato que os valores sociais, culturais e estéticos, hegemônicos no currículo escolar, não têm contemplado a diversidade cultural presente na sociedade brasileira. Em Artes, o trabalho com a contextualização dos produtos artísticos é uma alternativa para a construção de uma proposta multicultural crítica. Ao analisarmos uma obra de arte é preciso situá-la em seu contexto histórico e cultural no qual foi produzida. Para Barbosa (2003), “sem o exercício da contextualização corremos o risco de que, do ponto de vista da Arte, a pluralidade cultural se limite a uma abordagem meramente aditiva”. Para corroborar com a proposta de contextualização dos produtos e valores estéticos apresentada por Barbosa, citamos Hernandez (2003), que também indica a contextualização como uma possibilidade para trabalhar as artes visuais, considerando que tal perspectiva ultrapassa a concepção espontânea e o essencialismo estético. “Há uma concepção onde se facilita a aprendizagem a partir do estabelecimento das relações entre imagens e seus contextos de produção, assim como desde seus efeitos nas construções identitárias nas diferentes audiências.” (2003, p.11),

A importância de se assumir uma postura crítica frente aos conteúdos curriculares, veiculados tanto através da linguagem escrita, visual, musical ou corporal, é fundamental para

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se combater qualquer forma de discriminação ou racismo, que possam ser veiculados como mensagens hegemônicas. Sem essa atitude crítica, em Artes, por exemplo, corremos o risco de reproduzir o que Barbosa (2003) critica ao afirmar que “continuaremos a mostrar a nossos alunos o Monumento às Bandeiras, de Brecheret, como uma magnífica obra de arte, sem analisar o fato de que ela comemora um episódio colonialista de nossa história, no qual a matança e a escravização dos nativos – os índios – atingiu proporções dizimadoras”, ou continuaremos a realizar eventos descontextualizados e esporádicos, ou ainda solicitar dos nossos alunos os famosos desenhos temáticos sobre datas comemorativas como o dia do índio, o 13 de maio, como se estas práticas já estivessem contemplando à temática da diversidade. Um currículo numa proposta multicultural crítica em Artes precisa propor mais que isso, precisa superar essas práticas.

O reconhecimento e valorização das identidades culturais presentes na sociedade brasileira através do sistema educacional é um avanço político importante. Mas, além do reconhecimento, é preciso que haja projetos voltados também para a eqüidade econômica, para promover a justiça social, conforme apregoa McLaren (1997). O respeito à diversidade cultural é fundamental, dar visibilidade às identidades culturais nos espaços escolares é um imperativo ético, mas tais aspectos não podem ser abordados dissociados de um tratamento que garanta o direito ao acesso aos bens materiais e simbólicos produzidos socialmente. Neste campo, faz muito sentido as políticas de ação afirmativa, como as cotas para negros e indígenas nas universidades e as leis 10.639/03 e 11.645/08, que alteram a LDB introduzindo o estudo das histórias e culturas africanas e indígenas nas escolas brasileiras, pois se traduzem em ações concretas, com resultados passíveis de serem mensurados e avaliados. Para saber lidar com os desafios contemporâneos postos ao ato de educar, o professor ou o pesquisador em educação precisa desenvolver uma postura crítica acerca dos conhecimentos veiculados e atuar na perspectiva de construção de uma escola pública de qualidade e democrática para todas as crianças, jovens e adultos desse país, entendendo aqui como qualidade e democracia uma realidade curricular que possibilite dar visibilidade às heterogeneidades presentes no espaço escolar.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE INVESTIGAÇÃO

A trajetória metodológica está fundamentada na pesquisa qualitativa e para operacionalizarmos nosso estudo iremos situá-lo em momentos distintos, porém

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complementares. Trata-se de uma divisão apenas didática, tendo em vista que os processos de desenvolvimento são interdependentes e os respectivos momentos serão articulados e inter-relacionados ao final do processo, constituindo o corpo da pesquisa.

Os momentos referem-se às etapas do processo que relacionamos a seguir:

1. Análise Documental: Além da revisão bibliográfica, pertinente a este estudo, iremos analisar os documentos legais preconizado em Leis, Decretos, Portarias, Regimentos, Diretrizes Curriculares, bem como analisar os documentos internos das unidades pesquisadas como os planos das disciplinas e os projetos pedagógicos.

2. Entrevista semi-estruturada com os professores de Artes e acompanhamento em aulas. 3. A análise dos dados das entrevistas e do conteúdo dos documentos analisados e

demais observações será feita a partir de categorias temáticas que serão posteriormente organizadas e analisadas à luz do referencial teórico do multiculturalismo.

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CANDAU, Vera Maria Ferrão. Sociedade, cotidiano escolar e cultura(s): uma aproximação. Educ. Soc. , Campinas, v. 23, n. 79, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo __________(coord) et al. Somos todos iguais? Escola, discriminação e educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003

CANEN, Ana. Relações raciais e currículo: reflexões a partir do multiculturalismo. Cadernos PENESB, nº 3, 2001. Disponível em: http//www.uff.br

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_________A luta por justiça social: breves reflexões sobre o ensino multicultural nos Estados Unidos. Pátio Revista Pedagógica. Pluralidade Cultural: A diversidade na educação democrática. Ano 2, nº 6, p. 9 – 11, Agosto/Outubro 1998

MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. “Multiculturalismo, currículo e formação de professores”. In: MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa (Org.). Currículo: Políticas e Práticas. 4ª ed. Campinas: Papirus, 2001 (coleção magistério: formação de professores e trabalho pedagógico)

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