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Maria do Carmo Custodio

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Academic year: 2021

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DAS SÉRIES AOS CICLOS: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO

CUSTÓDIO, Maria do Carmo docarmoc@gmail.com Prefeitura Municipal de Uberaba

Agência de fomento: CNPq

Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar os resultados da investigação realizada em 1998, nas escolas da rede municipal de Uberaba-MG, sobre a implantação do Regime de Progressão Continuada no ensino fundamental. Os resultados dessa investigação foram apresentados na dissertação de Mestrado intitulada “Das séries aos ciclos: um processo em construção” defendida em 2000, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Franca. A pesquisa teve como objetivo investigar a opinião das equipes dirigentes das escolas sobre a implantação da proposta pedagógica, elaborada pela Secretaria Municipal de Educação, que instituiu em todas as escolas da rede municipal o Regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental organizado em ciclos. A metodologia usada na pesquisa, fundamentada na abordagem qualitativa, partiu de um esquema geral de conceitos para a comprovação das hipóteses com a realidade observada usando como instrumento de pesquisa a entrevista semi-estruturada. Nas entrevistas com as equipes dirigentes das escolas municipais buscou-se respostas para questões a respeito das mudanças que ocorreram na escola com a adoção da proposta de Progressão Continuada. Ao término dessa pesquisa concluiu-se que a implantação do Regime de Progressão Continuada implicou em uma mudança estrutural, mas que deveria ter sido aberta à ação dos educadores e que as renovações pedagógicas só são legítimas se forem resultantes do trabalho, da análise e da crítica dos educadores.

Palavras-chave: Sistema de ciclos; Progressão continuada; Organização Escolar.

INTRODUÇÃO

A idéia de realizarmos um estudo sobre as estratégias de ensino com regime não seriado surgiu das angústias e incertezas que professores e alunos do ensino fundamental experimentaram frente a uma das mais profundas reformas do ensino público na rede municipal de ensino de Uberaba. Nessa pesquisa investigamos como se realizou a implantação da Proposta Pedagógica do Regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental instituída nas escolas municipais de Uberaba – MG por meio do discurso da equipe dirigente das escolas envolvidas na implantação da Proposta.

O presente texto explicita o problema, a metodologia, o desenvolvimento e os resultados de uma pesquisa apresentada como dissertação de Mestrado intitulada “Das séries aos ciclos: um processo em construção” defendida em 2000, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Franca.

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O objetivo da pesquisa consistiu em investigar a opinião das equipes dirigentes das escolas, atores diretamente responsáveis pela coordenação e pela mediação necessária entre a teoria e a aplicação da nova proposta pedagógica de organização escolar, sobre a implantação da experiência pedagógica, elaborada pela Secretaria Municipal de Educação de Uberaba, que instituiu, em todas as escolas da rede municipal de Uberaba, o Regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental organizado em ciclos.

Assim, a pesquisa se origina da seguinte pergunta: a organização escolar através de ciclos favorece a classe popular, atende mais aos objetivos de uma escola democrática e de qualidade contribuindo para o desenvolvimento da ação educativa eficiente, a construção do conhecimento e a formação para a cidadania?

Na intenção de responder o problema central da pesquisa, definimos o objeto de estudo como sendo o Regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental organizado em ciclos, instituído nas escolas da rede municipal de Uberaba através da Portaria n.º 01/98 da Secretaria Municipal de Educação e o universo de pesquisa as equipes dirigentes das escolas da rede municipal de ensino do município de Uberaba.

Buscamos definir a metodologia a ser usada na pesquisa, em uma linha de pesquisa que se preocupa mais com o processo de desenvolvimento da pesquisa do que com o seu produto, convergindo em suas características, para a perspectiva das abordagens qualitativas. Partindo de um esquema geral de conceitos procuramos testar constantemente as hipóteses com a realidade observada. Essa interação contínua entre os dados reais e as suas possíveis explicações teóricas permitiu a estruturação de um quadro teórico dentro do qual o fenômeno pode ser interpretado e compreendido.

Para o pretendido, escolhemos como instrumento de pesquisa a entrevista semi-estruturada, porque permite a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, a interação entre entrevistador e entrevistado. Nas entrevistas com as equipes dirigentes das escolas buscamos responder as questões analíticas investigando quais as opiniões a respeito das mudanças que ocorreram na escola com a adoção da proposta de Progressão Continuada. As entrevistas foram se estruturando evidenciando quais os pontos positivos e quais as maiores dificuldades enfrentadas pelas escolas durante o período de implantação da proposta.

O primeiro passo da pesquisa foi estabelecer contato com a Secretaria Municipal de Educação de Uberaba, que prontamente nos forneceu uma autorização para a realização da pesquisa nas escolas municipais. No momento da pesquisa a Rede Municipal de Ensino de Uberaba contava com 35 (trinta e cinco) escolas. Dessas 35 (trinta e cinco) escolas: 9 (nove)

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escolas se localizam na zona rural do município e 26 (vinte e seis) escolas se localizam na zona urbana do município.

Nem todas as escolas da rede ofereciam o ensino fundamental completo. Selecionamos as equipes dirigentes que atuam nas escolas que ofereciam o ensino fundamental completo, por considerarmos que essas escolas apresentavam o perfil ideal de investigação do objeto da pesquisa, no caso, o Regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental organizado em ciclos.

Das 25 (vinte e cinco) equipes dirigentes selecionadas, apenas 5 (cinco) se opuseram a gravar entrevistas, oferecendo-se para responder os questionamentos de forma escrita. Uma dessas equipes não entregou as respostas, mesmo depois de inúmeras tentativas sem retorno. Um dos diretores não respondeu às inúmeras tentativas de contato realizadas, logo, foram 23 (vinte e três) as equipes dirigentes entrevistadas na pesquisa.

O universo da pesquisa se restringiu às equipes dirigentes das escolas por considerarmos que esses elementos durante a implantação do Regime de Progressão Continuada organizado em ciclos, realmente desempenharam o papel de líder pedagógico tanto para o convencimento ou para a rejeição, se fosse o caso. As equipes dirigentes se transformaram em elo entre a exposição da proposta pela Secretaria Municipal de Educação e a aplicação da proposta na sala de aula pelos professores, em cada escola. Além disto, as equipes dirigentes das escolas tiveram mais oportunidades de busca do estudo e do embasamento teórico justamente para dar respaldo às dúvidas dos professores.

As entrevistas e visitas às escolas foram realizadas durante o 2º semestre de 1999 e durante o 1º semestre de 2000. Todos entrevistados eram do sexo feminino e com formação universitária, tendo cursado Pedagogia. A equipe pedagógica das escolas era composta por supervisores escolares e orientadores educacionais, comumente denominados especialistas em educação. Essas 23 (vinte e três) equipes dirigentes das escolas receberam aleatoriamente uma numeração durante o processo de pesquisa com o objetivo de facilitar a sistematização dos dados e preservar a privacidade das pessoas entrevistadas. Os dados referentes a cada escola, especialmente as falas dos entrevistados, foram apresentados na dissertação obedecendo a um código como, por exemplo, ED – 9 refere-se à equipe dirigente da escola n.º 9. As falas dos entrevistados permearam todo o trabalho, dando a ele o necessário suporte empírico.

A dissertação de mestrado foi estruturada em sete capítulos:

No Capítulo I, foram apresentadas as questões que nos desafiaram, as opções feitas em relação aos procedimentos metodológicos e a forma como foram utilizados para investigar os

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limites e as possibilidades colocadas pelas experiências vividas pelas escolas com a implantação do Regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental.

No Capítulo II, apresentamos os pressupostos legais à adoção de novas formas de organização escolar tendo como enfoque o preceito constitucional do “direito a educação” e as alternativas propostas para normalizar o fluxo escolar destacando algumas das experiências pedagógicas de organização do tempo escolar do passado.

No Capítulo III, procuramos contextualizar o momento de inovação e renovação pedagógica apresentando os pressupostos filosóficos, psicológicos e sociológicos que constituíram o embasamento teórico e justificaram a implantação de medidas de adequação das escolas.

No Capítulo IV, apresentamos a reforma implantada no ensino público de Uberaba, o Regime de Progressão Continuada: suas características, fundamentos e estratégias para a reorganização do ensino fundamental. Por meio das falas das equipes dirigentes das escolas, buscamos demonstrar como foi a aceitação das escolas em relação à proposta do Regime de Progressão Continuada organizado em ciclos.

O Capítulo V é dedicado a exposição do pensamento das equipes dirigentes das escolas da rede municipal de ensino de Uberaba em relação ao cotidiano pedagógico depois da implantação do Regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental. Buscamos identificar nos discursos quais as mudanças ocorridas e quais as adequações realizadas. Enfocamos questões pedagógicas como: a enturmação dos alunos, as estratégias adotadas visando respeitar o ritmo de aprendizagem dos alunos e a adequação do planejamento, currículo e avaliação.

No Capítulo VI apresentamos as declarações das equipes dirigentes das escolas em relação a preparação do professor para a atuação em uma escola organizada por meio de ciclos e quais as dificuldades enfrentadas pela escola para se organizar de acordo com a proposta do Regime de Progressão Continuada.

No último capítulo, Capítulo VII, denominado “uma transformação inconclusa” apoiada nas falas das equipes dirigentes das escolas sobre a realidade da implantação do Regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental nas escolas da Rede Municipal de Uberaba, buscamos respostas para o problema que gerou a dissertação: a organização escolar através de ciclos favorece a classe popular, atende mais aos objetivos de uma escola democrática e de qualidade contribuindo para o desenvolvimento de uma ação educativa eficiente, a construção do conhecimento e a formação para a cidadania?

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Nos estudos e na investigação observamos que para responder a essa pergunta seria necessário, inicialmente, buscar conhecer os conceitos e as concepções que envolvem os termos: escola democrática, escola de qualidade, formação para a cidadania e a relação intrínseca entre eles. Seria necessário também, analisar e discutir a abrangência da função da escola enquanto instância educativa e transmissora de conhecimentos, que em si deve expressar o próprio sentido da qualidade.

SÉRIES X CICLOS: A MELHORIA DA QUALIDADE DO ENSINO EM QUESTÃO

Nosso sistema de ensino atual tem reproduzido em seu interior a exclusão já produzida no seio da sociedade. Essa exclusão se concretiza no ato ou efeito de criar, gerar, elaborar, realizar a privação, o distanciamento, a rejeição, o alijamento de um determinado grupo, camada ou categoria da população das funções do ensino e aprendizado representados pelo sistema escolar. A problemática do fracasso escolar demanda, para seu entendimento e sua superação, diferentes caminhos de análise. O entendimento de que lutar contra o fracasso escolar representa, sobretudo, uma luta de classes, tem que estar aliada à discussão do sentido que assume a obrigatoriedade escolar num contexto sócio-econômico determinado. Nesse sentido, democratização, qualidade e cidadania são inseparáveis.

Não se pode delimitar arbitrariamente a obrigatoriedade da educação em número de anos ou períodos. Dizer que a sociedade se obriga a oferecer educação apenas para 4, 8 ou 11 anos, ou no período de 7 a 14 anos, por exemplo, é falsear o espírito do princípio, já que para todos os cidadãos ela é um direito. É formalizar a exigência da educação escolar com o objetivo de justificar a inoperância do Estado, já que a educação é instrumento para realizar a igualdade dos cidadãos e por isto “ela é para os poderes públicos um dever de justiça”.

A igualdade de oportunidades ao direito à educação, não deve ser entendida apenas como o direito a matricular-se em uma escola, mas o direito de nela permanecer. Isto significa que ao início de cada ano de escolaridade todas as crianças em idade de ingresso na escola devem nela ser admitidas e ao final de cada ano de escolaridade, todas as crianças matriculadas devem vencer determinadas etapas, capazes de lhes garantir a continuidade escolar.

A contrapartida da conquista do acesso à escola, no entanto, tem sido a qualidade deteriorada do ensino que chega até a população mais carente. A permanência das crianças na escola que foi objeto de luta, não é garantida. Então a educação “obrigatória” não é tão “obrigatória” assim.

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Entendemos, com Severino (1992), que não tem sentido falar de humanização, de humanismo, de democracia e de liberdade se a cidadania não estiver lastreando a vida real desse homem. Cidadania é uma qualificação do exercício da própria condição humana através do gozo dos direitos civis, políticos e sociais. O homem só é plenamente homem se for cidadão.

Assim, a cidadania exige o efetivo compartilhar dos bens materiais, dos bens simbólicos e dos bens sociais. A pressuposta igualdade ontológica não tem nenhuma consistência se não for reconstruída reiteradamente no tempo histórico-social. Donde se pode concluir igualmente que a cidadania não é um dado pronto e acabado, mas uma condição a ser construída e instaurada.

Segundo Pino (1992), a análise da relação entre escola e cidadania passa, necessariamente, pela questão do direito do homem à apropriação do conhecimento. O caráter público da escola pressupõe a idéia de que o conhecimento é um bem suficientemente importante para que o Estado assegure a todos a sua apropriação. A apropriação do conhecimento, por ser constitutiva da condição humana, é um direito humano fundamental e, por isso mesmo, uma exigência da cidadania. A questão é saber de que conhecimento se fala, pois a escola não oferece o mesmo a todos. Os desafios que a realidade social e educacional colocam à nação brasileira são enormes: resolver a contradição estrutural que existe entre a declaração constitucional dos direitos sociais (entre eles à educação) e a negação da prática desses direitos; superar a ideologia que associa pobreza material e pobreza cultural, fazendo uma causa e efeito da outra; recolocar o problema da escola pública em termos de direito de todos de acesso ao conhecimento e não a qualquer tipo de conhecimento.

No Brasil, a sucessão de regimes autoritários com breves intervalos de democracia dificultou o desenvolvimento de uma cultura política democrática que busque preservar e assegurar direitos políticos bem como aperfeiçoar nas instituições representativas outros mecanismos de participação. Ribeiro (1990), ao constatar a persistência dos altos índices de repetência nas primeiras séries do 1º grau, apesar do expressivo aumento na cobertura do sistema alcançado no país, comenta que “aos pais interessa mais a freqüência à escola do que a sua qualidade”. Para que se efetivem as transformações estruturais da sociedade brasileira e o acesso ao conhecimento deixe de confrontar-se com o direito à cidadania, necessária se faz a construção de rupturas que implicam, certamente, em uma nova compreensão da educação e da escola, como instituições que devem, prioritariamente, se engajar na construção da cidadania da maioria de excluídos.

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Uma escola que não leva em consideração os condicionantes sociais, políticos, culturais e econômicos de sua clientela se distancia cada vez mais do sentido abrangente da formação necessária para a cidadania. A escola que não leva em conta a realidade dos seus alunos não tem como instrumentalizá-los para entender e transformar sua realidade, lutar por seus direitos e por condições melhores de vida. A escola que não promove a interação do sujeito com seu mundo acaba funcionando como mantenedora das desigualdades sociais, reprodutora das injustiças sociais; acaba promovendo a exclusão. A prioridade deve ser o sucesso do aluno, a aprendizagem real, para que ele se torne um cidadão e se inscreva no corpo da sociedade com possibilidades de realização pessoal. Para isso, a escola deve ser democrática quanto ao acesso e permanência e deve oferecer um ensino de qualidade. A forma de organização da escola é condição estratégica para o alcance desse objetivo. E foi com esse ponto de vista que analisamos a proposta pedagógica de Regime de Progressão Continuada.

A proposta pedagógica de Regime de Progressão Continuada busca uma escola que leve em conta o desenvolvimento integral do aluno, que leve em conta que o aluno é um ser humano completo, que tem direito ao desenvolvimento social, a ser cidadão. Tem o direito à educação compreendida enquanto formação e não apenas enquanto ensino, ou seja, transmissão de informação. A adoção dos ciclos se apresenta como mais adequada para o processo formativo, produzindo maior liberdade e maiores alternativas para a atividade educacional.

Não podemos deixar de destacar a importância da proposta de Regime de Progressão Continuada como um avanço, como uma resposta aos problemas maiores já de muito tempo conhecidos na área educacional. A democratização e a qualidade do ensino devem estar a serviço da cidadania. Buscamos na proposta os fundamentos e a definição da função social da escola, com o intuito de avaliar em que medida a política educacional e as práticas escolares respondem, ou não respondem, aos direitos decorrentes do próprio conceito de cidadania.

Os fundamentos filosóficos da proposta trazem em seu bojo uma noção muito clara de cidadania e dos caminhos a serem percorridos na sua direção. A Proposta traz como fundamento principal a luta contra a exclusão do aluno da escola, enfrentando com alternativas políticas e pedagógicas a repetência e a evasão.

O Regime de Progressão Continuada, enquanto organização escolar busca promover a mudança de atitude para com o aluno, um ser humano com características próprias e um cidadão com direito a receber uma educação sistemática. Um direito que não se restringe apenas a matrícula em uma escola, mas o de nela permanecer para se desenvolver.

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Durante as entrevistas percebemos que as equipes dirigentes das escolas reconheceram a importância da escola para a formação para a cidadania e consideraram que o Regime de Progressão Continuada oferecia condições melhores para o desenvolvimento dos alunos e para a concretização desses objetivos. Percebemos também que as equipes dirigentes estavam conscientes da necessidade da inclusão e de uma escola democrática tanto no acesso quanto na permanência.

O respeito às diferenças individuais e ao ritmo de aprendizagem dos alunos foi evidenciada como principal vantagem do Regime de Progressão Continuada pelas equipes dirigentes das escolas. Destacamos a preocupação detectada nas falas das equipes dirigentes, para os procedimentos a serem adotados com o aluno que mesmo no sistema de ciclos, ao final de um ciclo não apresentasse condições para ser promovido ao ciclo seguinte. Percebemos então, que essa diferenciação, baseada no respeito às diferenças individuais, deveria ser repensada e refletida para que não decorra em discriminações no interior da escola, na sala de aula, que concorreria para a marginalização de certas crianças.

A diferenciação também não deveria servir para encobrir a ineficiência, deficiência e incompetência da escola e de seus agentes, concentrando no aluno a responsabilidade pelo fracasso escolar. A apologia do respeito às diferenças individuais do aluno também não pode servir para justificar a simplificação dos currículos e dos programas, a adoção de medidas assistencialistas e o remanejamento de alunos com base no seu rendimento escolar.

Muitas estratégias foram apontadas pelas equipes dirigentes das escolas na tentativa de continuar incluindo o aluno no sistema de ensino: Acertando o Passo, Ensino Alternativo, outros Recursos Humanos disponíveis na escola, como: bibliotecária, professores de apoio, recuperadores, de reforço, a formação de Classe Especial, o remanejamento... até chegar ao sistema de monitoria e grupos de estudo.

Algumas dessas estratégias já possuem um questionamento histórico na área de educação. Chamou nossa atenção, porém, a estratégia da monitoria. Alunos pouco mais adiantados se propondo a ajudar aqueles menos adiantados. Isto remete diretamente para a questão da homogeneidade X heterogeneidade. Segundo Rego (1994), a heterogeneidade, presente em qualquer grupo humano, passa a ser fator imprescindível para as interações na sala de aula. Os diferentes comportamentos, experiências, trajetórias pessoais, contextos familiares, valores e níveis de conhecimentos de cada criança (e do professor) imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visão de mundo e conseqüente ampliação das capacidades individuais.

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Portanto, a questão não seria somente definir se a organização seria em ciclos ou em séries. É preciso analisar todo o contexto escolar, diagnosticar a realidade, determinar prioridades e definir o Projeto Pedagógico da escola. A autonomia pedagógica deve ser assumida enquanto compromisso com responsabilidade por todos, e principalmente, pelos professores. Antes que a escola idealize onde quer chegar seria preciso que ela reflita sobre o ponto onde ela se encontra.

É fundamental que os professores da escola se proponham a identificar os problemas e a estabelecer propostas de atuação para resolvê-los. Aqui, o cerne da questão: não importa qual a mudança, sua dimensão, seu alcance, mas que se estabeleçam uma estratégia e o compromisso de implantá-la em um tempo determinado. Solucionado o problema, elege-se outro(s) a ser(em) enfrentado(s).

Envolver a escola em um projeto coletivo é um passo essencial para sua transformação, pois significa recuperar sua dimensão coletiva e o papel de sujeitos históricos para professores, alunos e família.

E esta é a tarefa mais difícil. Para a construção de uma escola voltada à produção do sucesso, é preciso envolvê-la em uma ambição, uma ação coletiva, arrancá-la de seu imobilismo, arrancar os professores da inércia a que historicamente têm sido condenados. (COLLARES e MOYSÉS, 1995)

A Proposta Político Pedagógica de Uberaba que instituiu o Regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental organizado em ciclos, em seus ideais e fundamentos, favorecia a classe popular, atendia os objetivos de uma escola democrática e de qualidade contribuindo para o desenvolvimento de uma ação educativa, da construção do conhecimento e da formação para a cidadania.

No entanto, seria preciso investir na transmissão desses ideais para a prática educativa no cotidiano da escola e nesse ponto a proposta seria sempre um processo em construção.

A proposta não apresentava algo novo e diferente sugerido pela Lei 9394/96, suas características e fundamentos já tinham sido trabalhadas por tantos outros educadores que buscaram diversificar o ensino de modo a atender às diversas camadas da população. Mostramos experiências brasileiras passadas de desseriação que, embora com objetivos semelhantes não conseguiram ter continuidade mostrando que a preocupação é antiga e que não basta propostas bem fundamentadas teoricamente se não alcançarem a necessária mudança da ação educativa.

CONCLUSÕES

Concluímos com a pesquisa que os fundamentos da Proposta não tinham sido apreendidos em sua profundidade e abrangência por todos os profissionais da educação, e

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principalmente pelos professores, responsáveis pela transposição desses ideais para a ação educativa por meio do fazer pedagógico. Os cursos de formação continuada, segundo grande parte das equipes dirigentes das escolas, não atenderam a necessidade de fundamentação teórica e nem colocaram em discussão o cerne da questão que seria a avaliação da prática educativa.

Não se muda a escola por decreto porque não se muda concepções por decreto, forma de ver as coisas, ver o mundo, de ver a vida, de ver o aluno. A implantação de um sistema como este não poderia, portanto, resultar apenas de uma decisão administrativa. Não basta, então, que os técnicos estejam imbuídos da necessidade de mudança. É preciso sensibilizar, transformar as pessoas envolvidas no processo em agentes da mudança, bem como demonstrar-lhes a importância e viabilidade da Proposta. Na medida em que uma transformação tão abrangente consiga efetivamente a participação de todos tem-se maior possibilidade de êxito. Não será uma inovação resultante de atos administrativos.

Assim, uma mudança dessa natureza deveria envolver, necessariamente, os vários segmentos da educação. As decisões deveriam ser tomadas em todos os níveis, como resultado de um planejamento de ações integradas e contínuas. O projeto será mais bem entendido e modificado, à medida que os implantadores forem apreendendo sua abrangência, objetivos, etc., na própria ação de implantá-lo. Paulatinamente irão se apropriando do mesmo de tal forma que ele poderá ser incorporado como próprio e, portanto, se tornar passível de ser modificado por eles.

O sucesso ou o fracasso das reformas depende da atitude dos professores. Na maioria dos esquemas elaborados por técnicos inovadores, no entanto, o objetivo parece se atuar sobre os professores – possivelmente por eles, mas raramente com eles. Este paternalismo tecnocrático baseia-se em desconfiança que, por sua vez, gera desconfiança. Os professores como um todo, não são propriamente contra as reformas. Sentem-se, sim, ofendidos pela forma como elas lhes são apresentadas, para não dizer impostas. Daí a grande importância dos educadores estarem ativamente associados a qualquer projeto de reforma educacional. (FAURE et ALII, 1972, p. 181)

Nas falas das equipes dirigentes das escolas observamos que a cooperação pedagógica entre professores, embora proposta e pretendida, seria quase impossível dada a situação de isolamento do professor sem consciência clara da força do trabalho coletivo, paralisado pelas condições de trabalho e pelos limites de sua formação. Nas falas das equipes dirigentes percebe-se a inadequação dos cursos oferecidos aos professores e, portanto, a necessidade de maior investimento e de redimensionamento da concepção de Educação Continuada do professor.

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Aos educadores deveriam ser dadas condições de trabalho, capazes de conduzi-los a resultados satisfatórios e a uma prática reflexiva. Um professor lúcido, crítico e devidamente inserido na realidade do aluno, seria a mola propulsora de uma escola viva, de uma escola renovada. O professor deveria ser a imagem viva do “aprender a aprender”, estabelecendo que o centro desta expressão é o cerne da educação.

Adjetivar como “continuado” um processo educacional é já admitir uma certa concepção de educação. Para aqueles que compreendem – e reduzem – a educação à formação intelectual e concebem esta como o domínio do conjunto de conhecimentos – ou ao menos parte dele – relativo a uma área , trata-se de estar sempre a atualizar os sujeitos , informando-os sobre os novos descobrimentos da ciência e suas conseqüências para a ação no mundo do trabalho (no caso dos professores, no seu mundo de trabalho, aquele do ensino). (...) No caso da “capacitação” ou “qualificação” de profissionais de ensino, a história de numerosos programas sustentados em tais perspectivas, mostra que acabam agindo como se o exercício da docência fosse sempre um tempo de desgaste de esvaziamentos. (...) No entanto, são os saberes produzidos na escola junto com outros colegas e alunos, que iluminam e dirigem as práticas mais significativas do processo de formação social e intelectual a que se dedicam professores e alunos. (...) É aproximando conhecimentos apreendidos – na formação inicial ou ao longo do exercício profissional – às experiências e saberes construídos na prática pedagógica que o professor produz rupturas. (COLLARES, MOYSÉS e GERALDI, 1999, p. 209-211)

Para a escola realizar um trabalho como esse, precisaria ter sempre presente o diálogo, a comunicação. Diálogo que deveria se processar em todos os níveis e faria da educação uma tarefa de construção do ser humano.

A escola é simultaneamente reprodução das estruturas existentes, correia de transmissão da ideologia oficial, domesticação – mas também ameaça à ordem estabelecida e possibilidade de libertação (...) A escola não é nem lugar de vitória, de libertação já assegurada, nem o órgão voltado à repressão, o instrumento essencial da reprodução; segundo as relações de força, acompanhando o momento histórico, ela é uma instabilidade mais ou menos aberta à nossa ação. (SNYDERS, 1981)

A implantação do Regime de Progressão Continuada implicou em uma mudança estrutural, mas que deveria ter sido aberta à ação dos educadores Não é possível alterar apenas um elemento do sistema educacional, sem provocar um desequilíbrio. Como estrutura, o sistema reage globalmente. Uma de suas partes afetada provoca um reflexo automático nas demais. O novo pelo novo não traz contribuição alguma, podendo mesmo acentuar as distorções.

Ao término desse estudo, mais uma vez sentimos que educação é um fazer e re-fazer constante, resultante do diálogo, da comunicação entre os homens. As renovações pedagógicas só serão legítimas se forem resultantes do trabalho, da análise e da crítica dos educadores. Diariamente, no anonimato das salas de aula, práticas inovadoras acontecem, só precisam ser socializadas.

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REFERÊNCIAS

BRASIL Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 9394/96 – DOU – 23/12/96.

COLLARES, C. A. L. e MOYSÉS M. A. A. Construindo o sucesso na escola – Uma experiência de formação continuada com professores da rede pública. Cadernos Cedes 36. Educação Continuada, 1995.

COLLARES, C. A. L., MOYSÉS, M. A. A. e GERALDI, J. W. Educação Continuada: A política da descontinuidade. Educação & Sociedade n.º 68, 1999.

CUSTÓDIO, M. C. Das séries aos ciclos: um processo em construção. Dissertação de Mestrado. Universidade de Franca, Franca, 2000.

FAURE, E. et ALII. Learning to Be. UNESCO, Paris, 1972.

PINO, A. Escola e Cidadania: apropriação do conhecimento e exercício da cidadania. Sociedade Civil e Educação. Cedes, 1992.

REGO, T. C. R. A origem da singularidade do ser humano. Análise das hipóteses de educadores à luz da perspectiva de Vygotsky. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação da USP, 1994.

RIBEIRO, S. C. A Pedagogia da Repetência. Rio de Janeiro: Tecnologia Educacional: 19(97): 13-20, nov./dez, 1990.

SEVERINO, A. J. A escola e a construção da cidadania. Sociedade Civil e Educação. Cedes, 1992.

SNYDERS, D. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed., Lisboa: Moraes, 1981.

UBERABA, Prefeitura Municipal. Portaria n.º 01/98. Secretaria Municipal de Educação. Uberaba, 1998.

UBERABA, Prefeitura Municipal. Portaria n.º 13/99. Secretaria Municipal de Educação. Uberaba, 1999.

Referências

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