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Variedades Linguísticas: uma proposta de trabalho pra a sala de aula.

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE LETRAS- ILUFBA

PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA- PPGLINC

MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS – PROFLETRAS

Fabrício de Carvalho Pimenta

VARIEDADES LINGUÍSTICAS:

UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA A SALA DE AULA.

Salvador

2015

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VARIEDADES LINGUÍSTICAS:

UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA A SALA DE AULA.

Memorial Acadêmico para apresentação em banca como requisito para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa pela UFBA. Área: Linguagens e Letramentos. Linha de Pesquisa: Teorias da Linguagem e Ensino.

Orientadora: Profª Drª Alvanita Almeida.

Salvador

2015

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VARIEDADES LINGUÍSTICAS:

UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA A SALA DE AULA.

Memorial Acadêmico apresentado à banca examinadora como requisito final obrigatório para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa pelo Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, sob orientação da Profª. Drª Alvanita Almeida.

Salvador, ____ de ___________ de 20___.

______________________________________________ Prof. Dr. Márcio Ricardo Coelho Muniz

Coordenador do PROFLETRAS - Mestrado Profissional em Letras

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Profª Drª Alvanita Almeida.

Orientadora – Presidente da Banca

________________________________________________ Profª Drª Constância Souza.

Membro - UNEB.

_______________________________________________ Prof. Dr. Henrique Freitas.

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Dedico este trabalho aos meus alunos, que usam a língua portuguesa brasileira falada gostosa e lindamente a seu bel-prazer com seus traços graduais e descontínuos; colaboradores diretos da minha pesquisa e sem os quais não seria possível concluir esta caminhada.

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À Rosana Cardial, amiga de uma vida e companheira de trabalho na Rede UAB/ Polo Esplanada, que foi generosa e insistentemente a incentivadora para eu embarcar neste mar de conhecimentos e não ficar ancorado no cais a idealizar “mares nunca dantes navegados”... Foi o limiar de tudo para o mergulho!

À CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior – por custear meus estudos e , assim, possibilitar a realização deste trabalho e a conclusão do Mestrado Profissional.

Aos professores do Profletras, meus mestres: profª Drª Simone Bueno, profª Drª Simone Assumpção, profª Drª Mônica Menezes, prof. Dr. Julio Neves e prof. Dr. Henrique Freitas, que foram alimento e estímulo para rever conceitos, preceitos e preconceitos, desconstruindo-os e reconstruindo saberes para a construção de um profissional em constante processo de formação.

À banca de qualificação que apontou o norte, o caminho a seguir a fim de se percorrer uma estrada mais clara; foi o guia que acompanha, a bússola que orienta: profª Drª Constância Souza e prof. Dr. Henrique Freitas.

À minha orientadora profª Drª Alvanita Almeida, pelo olhar atento e pelo olho clínico e crítico que me fez enxergar além da superficialidade da visão óbvia e me proporcionou uma nova ótica...

Aos colegas de caminhada, que se tornaram amigos de jornada e crescimento: Camila Gonzaga, Claudia Ramos, Denise Claudete e Jacqueline Carvalho.

À amada Gilmara Carvalho, por me receber com o afeto e carinho de sempre todas as semanas durante dois anos.

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Vício da fala

Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados.

Oswald de Andrade

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RESUMO

Este memorial acadêmico é resultado de um projeto de intervenção realizado numa escola pública do interior do estado da Bahia e que aborda a temática da variação linguística. O objetivo primordial é apresentar uma reflexão sobre a abordagem deste conteúdo em sala de aula. Além disto, as atividades desenvolvidas servem como sugestão de trabalho a ser realizado em sala de aula por meio de sequência didática dentro do modelo proposto pelos estudiosos Dolz e Scheneuwly. Alguns traços graduais e descontínuos de nossa língua foram os aspectos estudados nas atividades realizadas. Os estudos dos linguistas Marcos Bagno e Maria Stella Bortoni-Ricardo serviram de base para o desenvolvimento das atividades. Dentre os descontínuos, trabalhei com os alunos: a) não nasalização de sílabas postônicas; b) o rotacismo; c) eliminação do plural redundante, marcado em geral apenas nos determinantes; e os graduais estudados foram: a) a monotongação; b) a ditongação; c) o apagamento do /r/ em final de palavras, principalmente em final de verbos no infinitivo. Por meio do gênero textual entrevista, os alunos realizaram uma pesquisa com a minha mediação na tentativa de trazer para a sala de aula o modo de falar de nossa comunidade linguística, analisando-o sob a luz das contribuições mais recentes da sociolinguística a fim de colaborar para uma aprendizagem significativa desta questão e aliar teoria à pratica docente.

Palavras-chave: Variação. Etnolinguística. Traços graduais. Traços descontínuos, Sequência didática.

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ABSTRACT

This academic memorial is the results of an intervention project carried out at a public school in Bahia´s Town the state and it approaches the linguistic variation issue. The primary objective is to present a reflection on this content approach in the classroom. Besides, the activities developed are a working suggestion to be done in the classroom through didactic sequence within the model proposed by experts as Dolz and Scheneuwly. Some gradual and discontinuous lines of our language were the aspects studied in activities performed. Studies of linguists and Marcos Bagno Maria Stella Bortoni-Ricardo are the basis for the activities development. Among the discontinuous, I worked with students: a) not nasalization of post-stressed syllables; b) the rhotacism; c) elimination of redundant plural, generally marked by determinants; and the gradual studied were: a) monophthongization; b) diphthongization; c) the erasing of /r/ at the word send, especially at the end of verbs in the infinitive form. Through textual interview genre, students carried out a research under my mediation trying to bring to the classroom the speaking way of our linguistic community, analyzing it in the light of the most recent sociolinguistics contributions in order to collaborate for significative learning of this issue and to combining theory and teaching practice.

Keywords: Variation. Etnolinguistics. Gradual lines. Discontinuous lines. Didactic sequence.

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AVE – Artes Visuais na Escola.

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. DIREC – Diretoria Regional de Educação.

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio. ENCANTE – Encontro de Canto Coral. EPA – Educação Patrimonial e Artística. FACE – Festival Anual da Canção Estudantil. GT – Grupo de Trabalho.

JERP – Jogos Estudantis da Rede Pública. NRE – Núcleo Regional de Educação.

PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras. PROVE – Produção de Vídeos Estudantis.

REDA – Regime Especial de Direito Administrativo. PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais.

PST – Prestador de Serviço Temporário.

SEC/BA – Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Bahia. TAL – Tempos de Artes Literárias.

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1 PARA INÍCIO DE CONVERSA...11

2 TRAJETÓRIA DE UM PROFESSOR EM PROCESSO DE FORMAÇÃO...17

2.1 Uma pequena história: a tartaruga etnógrafa...23

2.2 O Pesquisador-etnógrafo: o raio X do nosso espaço...26

3 NÃO HÁ PRÁTICA SEM TEORIA...31

3.1 Desatando nós: a gramática nossa de cada dia...31

3.2 Gramática da língua ou língua da gramática?...36

3.3 Pedagogia da variação: por um ensino de variedades linguísticas em sala de aula...38

4 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA...48

4.1 Descrição das atividades...53

4.2 Análise dos resultados obtidos...73

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...79

REFERÊNCIAS...84

APÊNDICE...87

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1 PARA INÍCIO DE CONVERSA

O trabalho que ora se apresenta é fruto de uma intervenção realizada em sala de aula como proposta do Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS – e que ganha formato de memorial acadêmico como produto final de sistematização da experiência vivenciada no curso e posta em prática numa escola da rede pública com o objetivo claro de refletir sobre o ensino de língua portuguesa e a minha prática em sala de aula com o firme propósito de unir teoria à prática.

Tendo como área de pesquisa Linguagens e Letramentos, escolhi a linha Teorias da Linguagem e Ensino, pelo fato de me propor a estudar e pesquisar sobre o ensino de variedades linguísticas em sala de aula, trazendo as teorias mais recentes da área para redimensionar a minha prática, refletindo sobre ela e construindo-a paulatinamente a partir da proposta de sequências didáticas elaborada por Dolz e Schneuwly (2004).

Ao mesmo tempo que reflito sobre minha prática e vou construindo uma possibilidade de ensino sobre variedades linguísticas, este material tem também a finalidade de apresentar uma proposta de trabalho com esta temática por meio de sequências didáticas e se constitui num material complementar ao livro didático e, portanto, de apoio ao professor que queira desenvolver um olhar mais sociolinguístico nas aulas de língua portuguesa, visto que o livro didático apresenta, muitas vezes, a temática de forma breve e caricata.

Dentro da disciplina língua portuguesa, o tema escolhido por mim foi a variedade linguística, em virtude do preconceito linguístico percebido em nossa comunidade (mais adiante isto será retomado) e o aspecto de interesse a ser trabalhado neste tema foi o âmbito fonético/fonológico e semântico. A etnografia foi o método desenvolvido e o procedimento foi a proposta de sequência didática dos autores supracitados. Por fim, decidi pelo gênero da entrevista por perceber que seria uma excelente oportunidade de os alunos vivenciarem o fenômeno da variação na prática, sendo eles mesmos os sujeitos do processo de construção de conhecimento. Desta forma, haverá um estímulo ao desenvolvimento da

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habilidade investigativa, da análise crítica, da interpretação e do questionamento de conceitos já cristalizados, contribuindo assim para o combate ao preconceito linguístico. Além disso, proporciono a mim também o desenvolvimento da autonomia em relação ao material didático que vem pronto para a escola.

O objetivo do trabalho que me proponho a realizar como produto de minha experiência no Mestrado não se limita apenas ao conhecimento sobre variedades linguísticas, mas num letramento do indivíduo a partir delas e que oportunize a ele variadas práticas sociais de leitura, escrita, ampliando assim o letramento desses alunos e aprimorando sua competência comunicativa. Sobre isto, escreveu Bortoni-Ricardo (2004, p 73): “...a competência comunicativa de um falante lhe permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer circunstâncias.” E mais adiante a linguista amplia esta questão afirmando que:

Ao chegar à escola, a criança, o jovem ou o adulto já são usuários competentes de sua língua materna, mas têm ampliar a gama de seus recursos comunicativos para poder atender às convenções sociais, que definem o uso linguístico adequado a cada gênero textual, a cada tarefa comunicativa, a cada tipo de interação. (BORTONI-RICARDO: 2004, p.75)

Foi pensando nas reflexões acima que a presente intervenção surgiu com o objetivo primordial de proporcionar ao educando o desenvolvimento de sua capacidade comunicativa e o reconhecimento da mutabilidade da língua, possibilitando, por meio das práticas de leitura e escuta (rodas de conversa), o progresso da prática de exposição oral, e a adequação da linguagem de acordo com o contexto em que esteja inserido. Além disso, acredito ser necessário oportunizar ao aluno, por meio de atividades, a percepção do conhecimento linguístico que ele possui, tornando-o mais crítico em relação ao prestígio que é dado a uma das variantes de uma mesma língua. O aluno precisa perceber que a língua varia no tempo e no espaço e nos diversos contextos em que é utilizada e que necessitará, em alguns momentos, fazer uso de uma dessas variações, por exemplo, o uso da norma padrão gramatical em algumas situações sociais sem, contudo, repudiar e/ou desconsiderar as variedades linguísticas. Compete a mim, como professor, oportunizar ao aluno o desenvolvimento das capacidades leitora e escritora por meio de textos e situações que façam uso das diversas

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modalidades de uso da língua, possibilitando a ele, dessa forma, o contato com diversas formas de uso da língua e discussões em sala de aula que poderão despertar o repúdio a qualquer forma de preconceito.

A escolha do tema da variação linguística para esta proposta de intervenção se deu por perceber em minha realidade social, na escola, e em minha comunidade, um preconceito linguístico deliberado e não só por parte dos alunos, mas principalmente por parte dos professores. Preconceito este percebido nas conversas do intervalo, quando os professores (mesmo graduados e com especialização) se reportavam aos alunos com as seguintes afirmações: “ele não sabe falar direito”, “eles não escrevem bem” “mal sabem o português”. Percebi que precisava dar significado maior e mais amplo às aulas de língua materna em minha sala de aula.

Como abordagem metodológica, escolhi o viés etnográfico, uma pesquisa qualitativa, por perceber que só saindo de minha zona de conforto de professor de Língua Portuguesa (que aborda somente a variação trazida nos livros didáticos) e passando para o “outro lado”, conhecendo de fato a realidade linguística dos alunos e fazendo-os refletir sobre ela, é que minha ação teria sentido. Além disso, só sendo sujeito e objeto de minha prática ela teria uma significativa transformação e daria sentido ao curso e as discussões realizadas nas aulas do Mestrado.

A turma escolhida para aplicar a intervenção foi a última turma do fundamental existente na escola (9º ano vespertino), que em 2014 passou para o 1º ano do Ensino Médio. A escolha do turno se justifica pelo fato de os alunos em sua maioria serem provenientes da zona rural e justamente por isso serem também mais suscetíveis ao preconceito linguístico, em virtude da estigmatização do falar deles, assim como também é no turno da tarde que os alunos menos participam oralmente das aulas, ou seja, há menos interação com uso da língua nas aulas.

Ao escolher o tema da variação linguística optei por trabalhar o aspecto dos traços linguísticos presentes no português brasileiro, proposto por Bagno (2007) e Bortoni-Ricardo (2004) em graduais e descontínuos. Ambos estudiosos agrupam os traços nesses dois grandes conjuntos, sendo que o primeiro traço refere-se àqueles que aparecem na fala de todos os brasileiros, independente de sua

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origem social, regional, dentre outros fatores; e o segundo refere-se a aspectos linguísticos que aparecem principalmente na fala dos brasileiros de origem social humilde, de pouca ou nenhuma escolaridade ou de antecedentes rurais1. Resolvi abordar este tema pelo fato de o mesmo ser um desafio para mim, já que em minha prática de sala de aula eu ainda valorizava a norma dita culta e não me sentia seguro para desenvolver um trabalho com variação linguística que não fosse tão limitado, simples e muitas vezes equivocado como os livros didáticos apresentam.

Por meio de questionário2 elaborado por mim e respondido pelos alunos e por meio de sequências didáticas previamente elaboradas e reelaboradas com orientação da Professora Drª Alvanita Almeida, desenvolvi o projeto de intervenção por meio de sequências didáticas em 18 aulas, culminando com uma entrevista realizada pelos alunos que a organizou num quadro ilustrativo3 os traços linguísticos graduais e descontínuos do português brasileiro a partir da comunidade em que estamos inseridos (Acajutiba) e isto promoveu uma discussão sobre este tema com o propósito de por um lado oferecer aos alunos uma reflexão sobre a língua viva, falada por eles e pelos seus pares e por sua comunidade e, por outro lado, apresentar uma proposta de sequência didática para o trabalho com variedades linguísticas na disciplina de Língua Portuguesa para alunos do Ensino Fundamental II e/ou Ensino Médio.

Foi a partir das respostas do questionário aplicado que fui desenvolvendo uma metodologia e decidi aplicar a minha pesquisa por meio de sequências didáticas como procedimento e a entrevista como gênero textual oral por entender que esta atividade estimula o exercício da habilidade investigativa, da intuição, da análise crítica, da interpretação, do questionamento de conhecimentos cristalizados, da abertura para o novo. Como bem define Schneuwly e Dolz (2004, p 82), “sequência didática é um conjunto de atividades escolares

1

Os traços graduais estudados neste trabalho foram: a) a monotongação; b) a ditongação; c) o apagamento do /r/ em final de palavras, principalmente em final de verbos no infinitivo; e os traços descontínuos foram: a) não nasalização de sílabas postônicas; b) o rotacismo; c) eliminação do plural redundante, marcado em geral apenas nos determinantes

2

Há no site do Projeto ALiB (Atlas Linguístico do Brasil), no tópico “Metodologia”, um material riquíssimo com exemplos de questionários que foram utilizados na pesquisa do Atlas e que podem servir para trabalhos como este que apresento, fazendo as devidas adaptações. Consultar http://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/MetodologiaQuestionarios.

3

O quadro ilustrativo foi feito na lousa da sala de aula em colaboração com os alunos e foi o ponto de partida para as discussões que foram transformadas em texto na seção “Análise dos dados”.

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organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito.” A pesquisa em sala de aula favorece ainda a autonomia do professor, promove a independência em relação ao material didático já existente. O docente pode criar seu próprio material didático, pode ser autor de seu próprio material, pode recorrer a múltiplas fontes de informação no momento de dirimir dúvidas e levantar hipóteses explicativas. Além disso, é uma excelente oportunidade de ir além da gramática e demonstrar que não há livro algum “que dê conta de todas as variedades linguísticas do português brasileiro nem de seus incontáveis usos nos inúmeros gêneros textuais em que ela pode se manifestar” (BAGNO: 2007, p 196).

Com isso, pretendi proporcionar aos alunos uma reflexão sobre o funcionamento da língua a partir das variedades linguísticas, ou seja, em seu uso real e não da maneira como prescreve a gramática, aquela língua idealizada que não é falada por ninguém. Como bem pontuaram Schneuwly e Dolz (2004, p 92) para fundamentar a sequência didática como princípio teórico: “toda língua se adapta às situações de comunicação e funciona, portanto, de maneira bastante diversificada. Ela não é abordada como objeto único, que funciona sempre de amaneira idêntica”. Além do que a mudança de postura em minha práxis pedagógica hoje me dá mais segurança para tratar desta questão.

O foco da entrevista realizada pelos alunos e que servirá como material para esta pesquisa será a análise dos traços graduais e descontínuos de nossa língua, que são as regras fonológicas que caracterizam o português brasileiro, segundo Bortoni-Ricardo (2004) e Bagno (2007). Utilizarei como suporte as contribuições destes pesquisadores, levando-se em consideração não apenas o contínuo de urbanização, mas também o contínuo de oralidade-letramento e o contínuo de monitoração estilística.

Dentre os traços descontínuos levados em conta na elaboração da entrevista feita pelos alunos e que servirá como ponto de partida e reflexão para os estudos sobre variedades, destaco-os aqui: a) a não-nasalização de sílabas postônicas; b) o rotacismo; c) eliminação do plural redundante, marcado em geral apenas nos determinantes. E os traços graduais serão: a) a monotongação; b) a ditongação; c) o apagamento do /r/ em final de palavras, principalmente em final de verbos no infinitivo.

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A segunda seção deste trabalho se constitui no memorial propriamente dito, que procura destacar a minha trajetória como professor de língua portuguesa e como estudante do Mestrado Profissional, que se coloca como um acadêmico-pesquisador-etnográfo. Na seção seguinte, apresento a fundamentação teórica utilizada para respaldar a pesquisa. Esta seção possui três subseções que procuram destacar uma tríplice questão no trabalho com a língua materna em sala de aula: o uso da gramática normativa, reflexões sobre a gramática da língua e a pedagogia da variação. A seção quatro traz a sequência didática aplicada com a descrição das atividades realizadas e a respectiva análise dos resultados obtidos. Por fim, teço as considerações finais, apresentando algumas conclusões a que cheguei com relação ao trabalho feito e as perspectivas para o ensino de língua materna para os próximos anos.

Utilizarei, a título de preservação da identidade dos alunos envolvidos, a numeração arábica progressiva para designá-los.

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2 TRAJETÓRIA DE UM PROFESSOR EM PROCESSO DE

FORMAÇÃO

Lecionar língua portuguesa após os grandes avanços da Linguística e sua consolidação apresentados nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) não é tarefa simples e fácil. Ao refletir sobre minha prática atual em sala de aula, percebi que depois de passar por duas fases – às quais chamo aqui subjetivamente de “gramaticista” e a outra “gramatico-textual”, hoje me encontro numa terceira fase que denomino de “reconstrução e consolidação do ensino de língua”.

A primeira fase, a gramaticista, ocorreu quando iniciei a regência em sala de aula, há aproximadamente 20 anos! Tinha convicção de que era aquela a forma adequada (e única) de se trabalhar gramática em sala de aula, afinal de contas foi assim que meus professores me ensinaram até o Ensino Médio e eu não conhecia outra forma, já que não tinha ingressado ainda numa universidade. Ensinar conceitos, dar exemplos, citar regras e exceções, aplicar lista de exercícios com frases isoladas para se detectar o sujeito da oração eram práticas constantes. Eu acreditava que se podia aprender (e ensinar) gramática por “justaposição”; com aulas expositivas e sem refletir sobre a língua, que eu via apenas como código, como expressão do pensamento, como elemento de comunicação.

Quando ingressei na universidade, veio o choque... Percebi-me gramaticista; deparei-me com a teoria variacionista, a funcionalista, a pragmática. Conheci Bagno, Bakhtin e Marcuschi. Apaixonei-me pela Linguística textual. Tentei mudar a minha prática, contudo não é nada confortável mudar. A mudança foi motivada por eu perceber que a metodologia utilizada para ensinar língua portuguesa não condizia com as novas descobertas na área da Linguística e perceber também que não trazia resultados satisfatórios a maneira como se ensinava esta disciplina, desvinculada da realidade dos alunos e eminentemente pautada em conceitos, regras e exceções.

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Passei então para a segunda fase que, a meu ver, era mais plausível e melhor que a primeira, contudo havia ainda um ranço do ensino da gramática normativa, pois apesar de eu utilizar o texto como matéria-prima para as aulas de língua portuguesa, percebi que o uso dos textos não passava de um pretexto para eu ensinar a minha amada, mal usada e abusada gramática.

Por fim, passei a observar melhor a língua dos meus alunos e suas escritas e comecei a utilizar o texto produzido por eles para dar sentido à gramática. E assim reorientei minha prática. Atualmente, encontro-me a refletir sobre tudo o que fiz até o momento no que se refere ao ensino da língua e da gramática e como redimensionar o ensino de gramática com as novas descobertas e aprendizagens do mestrado. O mais importante, para mim, é que deixei de ensinar a gramática pela gramática e isso para mim já faz uma diferença enorme. Geralmente parto das necessidades que eles apresentam em seus textos, assim consolido o que propõem os PCN de Língua Portuguesa no que se refere ao eixo a ser estudado em sala de aula: uso-reflexão-uso. Dou relevâncias aos gêneros textuais e a escrita e reescrita de textos. Vez por outra surge um assunto que está lá no “manual” de gramática, mas que aparece porque algum texto produzido por eles retomou alguma questão da variedade de prestígio. Enfatizo em minhas aulas aspectos como a história da língua, os fatores sociais e a questão do contexto como preponderante para se definir o que é adequado ou não adequado numa interlocução. Mesmo assim, utilizo algumas gramáticas normativas como, por exemplo, a de Cegalla, Bechara, Roberto Melo Mesquita e Celso Cunha. Utilizo ainda a gramática aplicada aos textos de Ulisses Infante e a de José de Nicola, complementando, obviamente, com as contribuições dos estudos de Bagno, Travaglia, Celso Pedro Luft e Faraco no que se refere ao estudo da língua. E assim vou tentando dar sentido ao estudo da gramática normativa, respeitando a gramática descritiva e trazendo a gramática reflexiva e funcionalista para o seio da sala de aula.

A aprovação no Mestrado Profissional em Letras possibilitou-me descobertas e crescimento. Voltar a estudar e investir na minha formação continuada era desejo constante desde que terminei a minha terceira especialização no final de 2012. Ingressar na UFBA foi motivador por me

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perceber doravante um pesquisador de uma instituição de grande know-how e que goza de prestígio e respeito não só no Estado, mas no país e com profissionais renomados da Linguística (Sociolinguística, Linguística Histórica, Dialetologia), a exemplo da professora Drª Rosa Virgínia Mattos e Silva e a professora Drª Jacyra Andrade Mota, ambas da área a que me propus estudar e desenvolver o meu Projeto de Intervenção como resultado dos estudos no curso. A oportunidade de poder pesquisar foi ainda mais forte do que simplesmente estar em processo de formação continuada. Pela primeira vez estaria na condição de pesquisador de campo; o que faltava em minha formação, já que as pesquisas das especializações tinham sido bibliográficas. Ficou esta lacuna também na graduação e agora poderia ser preenchida. O Mestrado Profissional me faria colocar em prática, por meio de um projeto de intervenção, toda a teoria estudada. Era o curso que eu procurava: unir teoria à prática, duas faces de uma mesma moeda que, na verdade, são indissociáveis e complementares, assim como também poder rever, questionar, interpretar e analisar o meu exercício profissional concomitante ao estudo das teorias, algo que talvez o Mestrado Acadêmico não proporcionasse.

O primeiro semestre, em seu início, foi marcado pela novidade e pela empolgação frente ao novo. A disposição e a curiosidade tomaram conta de mim. Apesar de algumas dificuldades (a licença do Estado para estudos de Mestrado indeferida e, no fim do semestre, a banca da 1ª avaliação dos projetos me fez refazê-lo e enxergar que era preciso amadurecê-lo), aos poucos tudo foi sendo superado. Ao longo do processo, percebi e compreendi que era necessária mais dedicação. O excelente desempenho numa prova escrita da disciplina Alfabetização e Letramento, ministrada por uma professora exigente ao extremo, levantou meu moral e minha autoestima. O trabalho final da disciplina Fonética, Fonologia e Variação exigiu dedicação e esforço jamais desenvolvidos por mim antes. Li como nunca ao longo de minha formação. O resultado foi gratificante e a média condizente com o empenho demonstrado: uma nota acima da média, alcançada nos mais minuciosos critérios de avaliação do professor. Isto me deu mais autoconfiança, motivou-me deveras a seguir adiante, mesmo com todos os empecilhos que se impuseram.

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Veio o segundo semestre: o mais difícil e, paradoxalmente, o mais produtivo. As disciplinas mais agradáveis, a meu ver, os melhores textos porque dialogavam diretamente com minhas angústias e minha prática em sala de aula e também as maiores exigências. Por não residir em Salvador e por trabalhar a semana inteira nos três turnos no interior (com exceção das segundas e terças-feiras, dias de aula do Mestrado), sobravam-me os fins de semana: que foram aproveitados dedicando-me aos estudos, leituras, pesquisas e atividades que neste semestre foram um pouco mais intensas e exigiram de mim uma dedicação ainda maior. A demanda de atividades a serem realizadas foi grande e constante; os professores, comprometidos com a qualidade do curso, exigiam excelência e fomos levados a um grau de produção acadêmica dentro dos parâmetros de um Mestrado mesmo não sendo acadêmico. Apesar das dificuldades pessoais de cada um, como a carga-horária que tínhamos que dar conta por não estarmos de licença, acredito que em tudo que fizemos (eu e meus colegas) respondemos à altura com trabalhos primorosos e de excelência semelhantes à da exigência.

As afinidades entre os colegas se solidificaram, os laços se estreitaram, os grupos se formaram e com um apoiando-se no ombro do outro e dividindo as angústias, chegamos firmes ao final do semestre no ritmo a que um pesquisador sério e dedicado precisa aprender a desenvolver. Apesar de exaustos, o que não poderia ser diferente, uma sensação de dever cumprido. A prova disso, para mim, foi atingir uma média excelente na disciplina que mais cobrou de nós todos: Aspectos Sociocognitivos e Metacognitivos da Leitura e da Escrita e outro conceito acima da média na disciplina Leitura do Texto Literário, ministrada pela também exímia professora, tanto em competência e conhecimento quanto em criticidade e perfeccionismo, Simone Assumpção. Ressalto as notas alcançadas não por dar valor ao mensurável, mas por ver e perceber que, além do meu esforço ter sido reconhecido e avaliado devidamente, os professores são bastante criteriosos em atribuí-las e elas são uma representação do grau de exigência deles, que não as dão sem seguir critérios bem definidos e minuciosos e um acompanhamento muito rigoroso.

Comprar livros tornou-se um hábito constante, a cada semana um exemplar adquirido ou encomendado na visita às livrarias da capital para enriquecer a minha biblioteca particular, graças à bolsa CAPES e à ampla bibliografia indicada

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e sugerida pelos professores durante as aulas. Os melhores livros abriram-me possibilidades de desconstrução e reconstrução de sentidos e conceitos: “Norma Culta Brasileira”, de Faraco e “Cultura Letrada”, de Márcia Abreu deram-me embasamento e nortearam meu projeto.

A disciplina Gramática, Variação e Ensino, ministrada pelo professor Dr. Júlio Neves foi extraordinariamente decisiva e pragmática para mim. Pude perceber e entender a confusão que se faz em torno dos conceitos de norma padrão, norma culta e norma popular, ou como sugere Bagno (2007): norma padrão, variedade de prestígio e variedade estigmatizada. As discussões dos textos lidos e as atividades realizadas durante as aulas promoveram uma reflexão sobre o ensino de língua portuguesa em sala de aula. A disciplina Leitura do texto Literário quebrou paradigmas e propiciou releituras jamais feitas antes. Os textos me propiciaram pensar sobre o que é literário e o que é literatura numa concepção mais contemporânea, a reconhecer o cânone, mas ter olhos novos para a contemporaneidade e a para a quebra de paradigmas dentro da literatura e a perceber a importância da recepção na interpretação do texto literário. Três disciplinas, três profissionais profundamente preparados e exigentes ao extremo. Excelência nas aulas ministradas, nas discussões provocadas, nas ideias levantadas: minha formação mais uma vez alimentada e renovada. Um desses professores, tão criterioso e metódico quanto sensato, passou trabalhos tão interessantes quanto inovadores a cada semestre. Atividades trabalhosas, mas eminentemente salutares, úteis, válidas e significativas para minha práxis pedagógica.

Outra professora cobrou-nos dedicação incondicional em suas atividades e esforço elevado ao máximo. A disciplina foi marcada pela realização de leituras e produções escritas constantes; lemos e escrevemos e discutimos e pesquisamos e apresentamos seminários... E completando a tríade de excelência, veio a professora das sequências didáticas à moda Schneuwly e Dolz. Com seu nível de formação altamente apurado, a criticidade e a cobrança não ficavam por menos. Dona dos comentários mais objetivos por sua sinceridade extrema, fez-me esmerar-me cada vez mais em cada coisa que eu tinha que fazer. Para equilibrar a pressão, veio a orientadora de que eu precisava: humana e paciente, mas

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também racional e objetiva e tão preparada quanto os demais, que foi ajudando-me a modelar e sistematizar a minha pesquisa e a refletir criticaajudando-mente sobre ela.

Os trabalhos finais não foram diferentes, em exigência e complexidade, daqueles do primeiro semestre. Estas atividades nos deram base fundamental para elaborar e trabalhar com sequências didáticas de maneira mais sistematizada. Tanto em Leitura do Texto Literário (criticidade e perfeccionismo desenvolvidos) quanto em Gramática, Variação e Ensino (elaboração criteriosa ao extremo, minuciosa e metódica).

O terceiro semestre chegou num ritmo acelerado e a intervenção, que caminhava a passos curtos no semestre anterior em virtude da quantidade de textos e atividades para dar conta, passou a exigir velocidade acelerada e resultados. Os trabalhos intensificaram-se em nome da pesquisa etnográfica, elaboração de sequências didáticas, aplicação de atividades, análises, registros. Para dar conta do ritmo, seguimos escrevendo, lendo, fundamentando teoricamente a intervenção e o memorial entre uma refeição e outra. Entre um café e outro: leituras, no intervalo da escola: leituras; antes de dormir: leituras, no sonho: releitura das leituras! Mesmo assim os fins de semana eram pouco e aproveitei as minhas viagens de 04 horas de toda semana para Salvador, em meio a paisagens vistas da janela do ônibus, para ler e escrever sem perder um minuto sequer. Era preciso cumprir as exigências e chegar “preparado” para a aula com as leituras em dia e na ponta da língua! Aprendi a otimizar o tempo, a dividi-lo, sistematizá-lo, organizá-lo para dar conta do que me comprometi a fazer.

Impossível continuar o mesmo depois de ter vivido esta experiência intelectual e afetiva de encontros, desencontros e reencontros com o outro e conosco mesmo, encontro com o conhecido e com o desconhecido, com o conhecimento e a ignorância, com os limites e as limitações (e a superação destas), com os afetos e desafetos...Não há como a prática pedagógica não ser afetada de alguma forma. Não só reflexões sobre a nossa formação e atuação em sala de aula foram proporcionadas, mas um sentimento de necessidade de ressignificar a nossa prática, de mudar o que era preciso mudar.

A variação linguística e os multiletramentos foram os temas que mais me fizeram refletir sobre a minha profissão. Mesmo porque o material didático a que todo professor tem acesso com maior facilidade (o livro didático) explora muito

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superficialmente o fenômeno da variação. Quando a aborda quase sempre é de maneira estigmatizada, anedótica, caricaturada, o que reforça estereótipos e nada contribuem para se combater o preconceito linguístico e ainda desenvolve um ensino que em nada agrega de positivo para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno, além do mais o inibe e o reprime de tal forma que nega a sua identidade.

Ser poliglota na própria língua conhecendo sua variedade e sabendo utilizá-la, considerando as situações de comunicação em que o indivíduo se encontra, parece-me ser o objetivo de um trabalho que se pauta na variação. O estudo da língua não pode mais ser desvinculado das práticas sociais de interação.

2.1 Uma pequena história: a tartaruga etnógrafa.

Street (2010) apresenta-nos, a partir de um conto budista (uma fábula, na verdade) uma tartaruga verdadeiramente etnógrafa, que nos faz refletir sobre a abordagem etnográfica. Nele, a tartaruga resolve sair do lago, da sua convivência com os peixes (da sua zona de conforto) e resolve conhecer a terra seca, algo fora de sua realidade. Quando retorna, é indagada pelos peixes sobre o que viu e viveu, mas por não responder pragmaticamente provoca curiosidade nos peixes que resolvem conhecer também a terra seca. O mais curioso na resposta da tartaruga quando é interrogada pelos peixes é o fato de dizer que não tem uma língua para descrever o que é, mas sim o que não é.

A partir da leitura do conto, Street (2010) revela a verdadeira essência e atitude do pesquisador-etnógrafo, que deve ser a mais investigativa e menos julgadora possível. Da leitura da fábula depreendo que a ideia de língua está relacionada à vivência de cada um e que é preciso nos encontrarmos com o outro mundo (linguístico e cultural) que não conhecemos, porque sempre estamos presos ao nosso próprio mundo, ao nosso modo de vida e à nossa própria língua, desconhecendo e desvalorizando a língua desconhecida, aquela que não é nossa, que é diferente. Se passarmos a vida inteira com a gramática, assim como os peixes e tartaruga viviam na água, como entender a variação, a língua que muda em virtude dos contextos? A tartaruga etnógrafa é aquela que sai de seu mundo e vai ao encontro de outro para entendê-lo e é preciso conhecer este outro

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mundo linguístico a partir dos termos desta língua porque se entrarmos com os termos e conceitos a que estamos acostumados e que já conhecemos provavelmente iremos distorcer esta realidade, como afirma Street (2010). Estas ideias corroboram o que diz Fino (2008):

(...) que outra maneira haveria de compreender a cultura escolar, presumindo-se que sou nativo dela, sem a tornar estranha? E, paradoxalmente, como entendê-la sem me submergir nela e olhá-la de dentro? O problema era, e continua a ser, o como se concretiza essa contradição, apenas aparente, entre afastar-me, para ser estranho, e integrar-me para (voltar a) ser um com o objecto do meu estudo, ao ponto de me tornar, eu, o novo estrangeiro, numa voz legítima, de dentro. (FINO: 2008, p.09)

É preciso estudar a língua não a partir de meu ponto de vista, do ponto de vista de minha vivência, do lado de cá, mas a partir da realidade que a mim se apresenta. Preciso começar a estudar a língua a partir deles, dos alunos, e não do que entendo como língua. Para isso um bom começo é determinar a concepção que tenho de língua: se ela é expressão do pensamento, instrumento de comunicação ou processo de interação. Se assumo esta última postura, valorizo a língua do outro e dela parto para os estudos de reflexões sobre ela. A terra seca metaforicamente representa a norma estigmatizada (norma popular) e nós, professores, dificilmente queremos sair do nosso mundo particular e confortável (a água dos peixes), achamos que a água, metáfora aqui da norma padrão (idealização de uma língua) ou da variedade prestigiada (norma culta), é o que deve ser ensinado. Por isso é necessário ir além e começar a se perguntar, como bem pontua Street (2010, p 44) “Que outras categorias podem existir para se entender o mundo e estar no mundo”?

Como já afirmei na introdução, é bastante perceptível a presença do preconceito linguístico em nosso contexto escolar e a supervalorização que a comunidade faz do “falar bem”, associando isto ao uso da norma padrão (livro/ idealização da língua) ou norma culta (variedade prestigiada). Principalmente por parte dos professores que, na conversa informal do intervalo ou nas reuniões, deixam claro a concepção tradicional que possuem de língua (instrumento de comunicação e/ou expressão do pensamento) e nitidamente o preconceito linguístico que carregam para a sala de aula.

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Fino (2008), por meio de um questionamento e na defesa de uma metodologia etnográfica, nos faz refletir sobre a necessidade desta abordagem na educação e sobre a importância do observar, descrever e interpretar a realidade estudada:

Que outra maneira, que não a de sondar directamente a complexa realidade social que constitui uma turma, por exemplo, será mais adequada para compreender esses pontos de vista de seus nativos – alunos e professores – e poder descrever e interpretar as suas práticas, localizá-las, ou não, na corrente da doxa, entender em que se afastam ou em que medida se integram na ortodoxia vigente? (FINO, 2008, p. 04)

Para realização deste trabalho dentro do viés etnográfico, situo a comunidade em sua estrutura física, político-econômica e humana e caracterizo os falantes de língua portuguesa dentro de nosso contexto sócio-cultural, bem como propus o contato dos mesmos com a língua falada por diversas pessoas de nossa comunidade (por meio de entrevista para montagem do nosso quadro ilustrativo): alunos, professores, pessoas com formações escolares diversificadas, idades variadas e de poder aquisitivo também diverso a fim de analisar os seguintes traços linguísticos: graduais (que aparecem em todos os falantes de língua portuguesa do Brasil, independente de origem social ou regional) e os descontínuos (aparecem principalmente em pessoas de origem social humilde), como caracteriza Bagno (2007).

A etnografia é uma abordagem de investigação científica que traz várias contribuições para o campo das pesquisas qualitativas, como bem afirmou Mattos (2001), dentre outras coisas:

(...) por introduzir os atores sociais com uma participação ativa e dinâmica no processo modificador das estruturas sociais. O ‘objeto’ de pesquisa agora sujeito é considerado como ‘agência humana’ imprescindível no ato de ‘fazer sentido das contradições sociais. (MATTOS, 2001, p. 01)

Este tipo de abordagem metodológica pressupõe o estudo pela observação direta, mas etnografar não se restringe a descrever, mas principalmente interpretar a fim de encontrar o significado da ação, como sugere Mattos (2001) e para isto é necessário estar aberto ao outro, ao novo; é imprescindível

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sensibilidade no encontro com o outro, neste caso: o aluno, como também o conhecimento sobre o contexto estudado. Nas palavras de Mattos (2001, p 09): “Ao escrevermos uma narrativa temos que colocar os atores como eles se apresentam sob a perspectiva deles. Para isso é importante se conhecer o significado social da ação”.

No que diz respeito à consolidação epistemológica da etnografia enquanto método de investigação em educação e à importância da interpretação da realidade observada a partir das anotações de campo, Fino (2008) deixa claro a amplitude da pesquisa etnográfica que não se limita a mera descrição de ações. Nas palavras dele:

(...) a Etnografia da Educação, investigando de e sobre instituições, grupos e organizações sociais, supera a estrita dependência descritiva ao ser entendida como devedora de um enfoque pluridisciplinar, uma vez que é pluridisciplinar o saber disponível sobre essas instituições, grupos e organizações. De modo que se mantém a dependência descritiva, mas como base sobre a qual se interpreta (...) a finalidade consciencializadora e dialética da investigação sobre o conjunto dos fenômenos educativos conferem à investigação etnográfica uma intencionalidade distinta da etimológica: a interpretação e a crítica. (FINO, 2008, p. 03)

2.2 O Pesquisador-etnógrafo: o raio X do nosso espaço.

O município de Acajutiba, cidade na qual trabalho 40h pelo Estado, fica aproximadamente a 200 km da capital baiana, possui cerca de 15 mil habitantes e sua economia é basicamente agrícola. É considerado o maior produtor de coco verde do estado.

O

Colégio estadual Antônio da Costa Brito está situado na Rua São Paulo, 145, no centro da cidade e conta com 07 turmas de Ensino Médio (no matutino), 01 turma de Ensino Fundamental II no vespertino (remanescente de um colégio Estadual que foi municipalizado) e mais 06 turmas de Ensino Médio também no vespertino. Não funciona à noite. Foi fundado em 2006 pelas portarias nº 34/06 (criação) e nº 018/07 de 28/09/07 (autorização e funcionamento) e destaca-se pela sua estrutura física.

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O seu espaço físico é adequado, possui equipamentos e mobiliário confortável em todos os ambientes: uma biblioteca com acervo literário e didático (embora ainda muito incipiente), uma sala de áudio e vídeo (transformada em sala de aula desde 2011 devido à demanda de estudantes), um laboratório equipado para as aulas de Química, Física e Biologia, um laboratório de Informática climatizado e equipado com mobiliário confortável com 18 computadores com acesso à internet (a partir de 2011), 06 salas de aula amplas e ventiladas, bem iluminadas e equipadas com TV pen drive.Temos ainda uma cozinha, 06 sanitários adequados também para pessoas com necessidades especiais, uma quadra poliesportiva (em processo de cobertura), um pátio amplo e coberto, corredores de circulação, uma área administrativa com 04 salas, 01 sala para professores, 04 depósitos e 04 sanitários para funcionários. Falta-nos apenas um auditório (já solicitado à SEC/BA) para atividades e apresentações culturais, em virtude da grande demanda de projetos eventos aqui realizados. O colégio possui uma área externa murada que propicia a construção de um grande auditório. Possui ainda 01 caixa amplificada, 02 aparelhos de DVD, 01 retroprojetor, 01 data show, 01 aparelho de som. Necessita, porém, de recursos didáticos audiovisuais: livros de literatura em quantidade de volumes e exemplares.

O corpo docente é formado por professores graduados, mas em sua maioria contratados (REDA e PST). Apenas cinco (05) são efetivos.

Caracterizar a nossa comunidade é fator fundamental para se compreender a nossa realidade sociocultural. Ela é formada por famílias que, em sua maioria, pertencem a uma classe desfavorecida economicamente: assalariados, trabalhadores rurais, feirantes, donas de casa, pedreiros, etc. Há também uma parcela de nossos alunos que é composta por famílias com maior poder aquisitivo: comerciantes, profissionais liberais, funcionários públicos, que ainda preferem matricular seus filhos em nossa unidade escolar pelo prestígio de que goza o corpo docente da instituição, recentemente premiada com o Selo de Ouro pelo Governo do Estado, em novembro passado. É, inclusive, a única escola da DIREC 03 (que compreende 16 municípios do Agreste alagoinhense e Litoral Norte e mais 03 que foram agregados recentemente) a receber este prêmio. Hoje, as DIREC são denominadas de NRE (Núcleos Regionais de Educação) e a nossa passa a ter ma denominação de NRE 18.

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Como não há na cidade atividades desportivas e/ou culturais em grande escala, o colégio sempre desenvolveu por meio de projetos educacionais ações ligadas à cultura, ao esporte e lazer, e entretenimento, como “A noite da Poesia”, “Literatura no Palco”, “Campeonato de Dança”, “Gincanas Culturais”, “Concurso de Quadrilhas Juninas”, “Feira das Nações”, “Torneios Esportivos”, “Reforço para o ENEM”, “Caminhada Ecológica”. E hoje desenvolve outros projetos4

. Os estudantes têm uma relação amistosa com os professores e funcionários, não há índice de violência, indisciplina, agressão ou uso de drogas, não praticam atos de desrespeito e demonstram afeto e carinho pela figura do professor, apesar de o rendimento escolar não ser o esperado pelo corpo docente. Os pais, em sua maioria, participam de reuniões e estão presentes na escola quando solicitados, mas poucos vão à escola em outros momentos para acompanhar a vida escolar de seus filhos, mesmo porque são pais que trabalham durante o dia.

Apesar da relação amistosa entre professores e alunos e mesmo com a boa formação do corpo docente, é notório o baixo rendimento dos alunos em todas as disciplinas. O índice de reprovação é grande e aumenta a cada ano. Especificamente na disciplina Língua Portuguesa, os mesmos apresentam dificuldades na formação de sentenças simples para responder questões nas avaliações escritas e como não foram estimulados ao debate e à expressão oral, quase nunca expõem suas dúvidas e angústias. Isso talvez se deva à concepção de língua transmitida pelos professores de língua portuguesa em suas aulas durante o Ensino Fundamental, concepção esta que faz o aluno pensar que não sabe falar, já que acredita que não domina a gramática da língua, quando na verdade ele não domina é a língua da gramática5.

É perceptível a presença do preconceito linguístico em nosso contexto escolar e a supervalorização que a comunidade faz do “falar bem” associando isto ao uso da norma padrão (livro/ idealização da língua) ou norma culta (variedade prestigiada). Esta atitude interfere no desempenho do estudante, vez que ele não se sente à vontade para expor suas ideias no momento em que é solicitado, já

4

FACE, TAL, AVE, JERP, EPA, COMVIDA, ENCANTE e PROVE são projetos estruturantes da SEC/BA e que são adotados pela escola; têm como objetivo desenvolver atividades artísticas (música, literatura, dança pintura) e desportivas. As siglas estão explicadas na página 08.

5

Isto foi percebido pela análise das respostas dada por eles ao questionário que apliquei, no qual algumas questões apontavam para a concepção de língua que trazem com eles.

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que sua linguagem é discriminada por alguns colegas e até mesmo por alguns professores. Dessa forma, sente-se excluído por não dominar uma variedade da língua que é valorizada na escola e na sociedade. Diante disso, é preciso, pois, fazê-lo perceber o funcionamento da língua e que a variedade falada por ele é tão eficiente na interação entre os sujeitos como a valorizada e exigida pela sociedade e pela escola, mas que ele precisa também conhecer outra variedade e se apropriar da língua de prestígio para ter acesso aos bens culturais e de consumo em sua sociedade para, dessa forma, poder participar efetivamente desta mesma sociedade.

Assim sendo, em que medida as conversas dos alunos nas rodas de conversas durante as discussões de textos sobre variação linguística nas aulas de Língua Portuguesa e a fala de sua comunidade linguística podem ser aproveitadas para as práticas de escuta e reflexão sobre a língua, a fim de se desenvolver um trabalho com as variedades linguísticas e a adequação da língua ao contexto, tendo em vista os traços graduais e descontínuos presentes no português brasileiro falado em Acajutiba?

Como sou fruto de uma educação tradicional centrada no ensino de língua materna limitada ao ensino de gramática focada no conteudismo, será necessário agora olhar diferente para as aulas de língua portuguesa, pensando no enfoque do letramento e das variedades linguísticas e dando espaço à língua falada pelos estudantes em seu dia a dia e na sala de aula. Isso não quer dizer que já não se trabalhe a variação linguística e a norma denominada culta nos contextos que a exigem, mas a intervenção pretende enfocá-la de maneira mais apurada e planejada, pois quando o trabalho com variedades e adequação da linguagem ao contexto eram feitos/desenvolvidos por mim em sala de aula, acontecia em momentos estanques e isolados, como é o caso dos seminários, que ocorrem em uma unidade apenas. As aulas expositivas (que ocupam grande parcela das aulas de todo o ano letivo) precisavam ser, paulatinamente, substituídas por práticas de leitura e escuta. Um problema, porém, persiste: quando se passa um vídeo para se debater/comentar, poucos são os que expressam oralmente o que entenderam. O mesmo acontece com os textos lidos em sala de aula. Foi com um trabalho sistematizado (sequências didáticas planejadas estrategicamente) que acredito ter começado a desenvolver mais amplamente esta competência

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comunicativa (que os alunos, obviamente, já possuem) de forma que começaram a participar mais das aulas sem medo de falar e até pensando em prepará-los melhor para uma situação de exposição oral, como, por exemplo, o seminário ou debate posterior ou ainda outra situação comunicativa.

Muitos professores queixam-se [...] da dificuldade que grande parte dos alunos têm em participar, em tomar a palavra em público, em discutir problemas com os outros, em corroborar ou refutar um ponto de vista. (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, p. 83).

Foi preciso, pois, proporcionar ao aluno situações de exposição oral e adequação da sua linguagem a contextos diversificados para que os mesmos percebessem a mutabilidade e flexibilidade a que a língua que ele utiliza está sujeita, promovendo assim o domínio da adequação da linguagem utilizada ao contexto.

Acredito ainda que o baixo rendimento em todas as disciplinas se dê por três motivos básicos já discutidos em reuniões de Colegiado: a falta de base dos alunos nos anos anteriores, a falta de participação dos pais nas atividades diárias dos filhos e no acompanhamento da vida escolar deles, pois muitos pais só vão às reuniões marcadas pela direção e não vão mais em nenhum outro momento e , principalmente, a baixa autoestima provocada pela visão que têm de si mesmo no que se refere à própria linguagem, pois acreditam equivocadamente que não sabem falar o português “corretamente”.

Este problema se deve ao fato de terem vivenciado desde que entraram na escola uma visão tradicional de língua apresentada pelos professores de língua portuguesa que pautavam suas aulas tão somente no ensino da gramática. Os alunos têm demonstrado muita criatividade e motivação na hora de participar de projetos, e não têm a mesma disposição na sala de aula com os conteúdos abordados. Isso por si só já nos revela algo: é necessário trabalhar por projetos. E a minha ideia é a efetivação da metodologia das sequências didáticas dentro de uma pedagogia de projetos na escola, porque os projetos ainda são feitos (embora muito bons) de maneira pontual, descontextualizada, solta e sem a reflexão sobre ele (avaliação do projeto), ficando limitado ao “projeto pelo projeto”, ou projeto pela pontuação. É necessário, pois, reelaborar esta maneira de conceber a pedagogia de projetos de classe, como denominam Schneuwly e Dolz

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(2004) como metodologia de trabalho para se efetivar a aprendizagem e, a meu ver, os letramentos múltiplos.

Considerando que a pesquisa é de cunho etnográfico, em que me coloquei como pesquisador que iria refletir e analisar a sua própria práxis e nela intervir a fim de propor alternativas propícias para resolução dos problemas detectados, pontuo, a princípio, que muito do que foi sendo pensado por mim, para uma efetiva concretização, dependeu consideravelmente do contexto da sala de aula na qual realizei a intervenção e, obviamente, na recepção dos alunos frente à intencionalidade da pesquisa, do interesse deles e das reais necessidades dos mesmos. A intervenção continuou a se desenvolver num trabalho junto a um grupo de estudantes do 1º ano de Ensino Médio, mas que foram meus alunos no ano anterior, do 9º ano, quando iniciei a elaboração do projeto e comecei a refletir sobre as questões discutidas nas aulas da disciplina Elaboração de Projeto de Pesquisa (e das demais estudadas no Mestrado que se iniciou no 2º semestre do ano de 2013) que iriam nortear o meu trabalho.

É importante destacar que a referida turma é do turno vespertino, turno este que recebe, em sua maioria, pessoas oriundas da zona rural e que apresentam um rendimento menor do que o do turno matutino, além de um índice maior de reprovação e de não participação oral nas discussões feitas em sala de aula. Contudo, há na sala de aula alguns alunos que são da sede do município e, entre estes, alguns que frequentaram escola particular em boa parte do Ensino Fundamental.

3. NÃO HÁ PRÁTICA SEM TEORIA

3.1 Desatando nós: a gramática nossa de cada dia.

Faraco (2008), em seu livro “Norma Culta Brasileira: desatando nós”, traz à tona alguns conceitos estereotipados que nos foram passadas ao longo dos anos durante a nossa formação e propõe-nos uma reflexão sobre a nossa prática e, obviamente, sobre aquela que tem sido o grande nó no ensino de língua portuguesa: a gramática.

Acredito que a reflexão e reformulação de conceitos (equivocados) e de velhos e conhecidos termos de nossa área se faz necessária, já que estamos

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“mergulhados” em estereótipos conceituais que tornam nossa prática ultrapassada. A concepção equivocada que possuímos sobre gramática precisa ser esclarecida e necessário se faz entender a ideologia por trás de um determinado tipo de ensino. Sem rever esses conceitos e sem refletir sobre eles, não haverá mudança de pensamento e, consequentemente, de postura.

A expressão norma culta deve ser evitada, pois pode ser associada, pejorativamente, a inculto e oposto a popular, devendo assim ser questionada, vez que traz em sua terminologia um caráter tão preconceituoso quanto excludente. Além disso, é usada como sinônimo de gramática (norma padrão). É preciso se levar em conta que uma língua não é apenas sistema/estrutura, não é homogênea tampouco imutável; é, na verdade, um conjunto de variedades e uma entidade sociocultural e política. O que há, de fato, segundo Faraco (2008, p.92), é uma norma “curta”, que limita a língua e não considera toda a sua riqueza e que está a serviço de uma elite dominante que possui interesses políticos e que, infelizmente, determina os programas educacionais do país, provocando uma exclusão e um preconceito linguístico. O que deveria ser visto como riqueza é visto como “erro”. O que existe, verdadeiramente, é um conjunto de normas que circulam simultaneamente, porque mudança e variação são elementos inerentes à língua, ou seja, o uso “culto” da língua tem várias formas alternativas, embora muitos professores de português (gramatiqueiros, puristas e conservadores) não considerem este fato.

As ideias de Faraco (2008) se cruzam com as de Bagno (2007), pois para ambos a norma padrão não é uma variedade; é um conjunto de regras padronizadas, descritas e prescritas pela gramática, mas que não é língua falada/usada por ninguém: foram inspiradas em estágios pretéritos da língua e, principalmente, nas opções de um grupo restrito de escritores consagrados, mas que não é utilizada nem mesmo pelas pessoas que têm níveis de escolaridade mais elevados.

A norma culta6 deve ser entendida como variedade linguística reaL, empiricamente observável, autêntica, que caracteriza a fala e a escrita dos

6 É importante ressaltar a importância do projeto NURC (Norma Linguística Urbana Culta), que existe desde 1969 e se desenvolve em cinco cidades brasileiras, objetivando descrever os padrões reais de uso na comunicação oral, considerando falantes com escolaridade de nível superior. Ver https://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/AlibNurc.

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cidadãos urbanos letrados e socioeconomicamente privilegiados, o que também pode ser chamada de variedades prestigiadas7. O conjunto de variedades estigmatizadas é o que é, de modo geral, desprezado pelas escolas e pelos professores de português.

Faraco (2008) não se mostra contrário ao ensino de uma norma padrão se considerarmos que padrão é aquilo que é falado com frequência e naturalidade por uma comunidade linguística. O que se deve combater é o caráter artificial da norma (o que é normativo), já que o padrão é engessado e não condiz com a chamada norma culta/comum/standard. Afinal normal também pode ser considerado como aquilo que é normal para falantes de determinada comunidade. É bom lembrar que a língua (em seus usos pelos falantes dela) precede qualquer instrumento normativo, portanto a norma gramatical (padrão) deveria se adequar ao uso da língua, pois a autoridade maior da língua é o seu uso, isto é, a maneira corriqueira com que os seus usuários a utilizam, seja na fala seja na escrita.

É importante considerar a origem da gramática para entender como o conceito de norma culta foi sendo construído de forma arbitrária, ao longo dos séculos, no Brasil, e que se perpetua até hoje para a manutenção do status quo que sequer considera a historicidade desse povo tampouco a forma como ele lida com uma língua que para muitos ainda é muito estranha.

Limitar-me-ei a fazer um recorte histórico aqui apenas para ficar mais clara a ideia da concepção tradicional de ensino de língua pautado na gramática normativa e que valoriza a sobre norma padrão que existe até hoje nas escolas e também na concepção de muitos professores de língua portuguesa, pois para este trabalho o mais importante é detectar onde, como e por que surgiu esta ideia de ensino de gramática para entender por que as práticas continuam. Foi em Roma que surgiu a gramática tradicional, fruto do grande acervo cognitivo deixado pelos alexandrinos que desenvolveram vários estudos durante o período em que estavam em ascensão. Foi nesse período também que foi criada a primeira gramática latina, a partir da concepção de que só poderia ser considerado culto

7 Esta terminologia é utilizada por Faraco (2008) e para Rosa Virgínia Matos e Silva (2004) é norma culta plural e norma vernácula plural, respectivamente. Para Luchesi (2002), norma culta e popular. Nos três, contudo, é adotada a concepção tripartida de língua, na qual todos denominam norma padrão para se referir à gramática normativa.

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(pessoa culta) aquele que dominasse a “arte de escrever e falar corretamente, e de compreender os poetas”.

Segundo Faraco (2008), dois fatos se destacavam nesse contexto: a) o de que “ser culto era atributo exclusivo dos homens de posse”; b) e o de que “o ensino da língua tinha um caráter eminentemente prático, ou seja, o conhecimento gramatical estava subordinado a esse objetivo maior”. Daí que nesse período houve uma grande produção de várias gramáticas do latim com finalidade pedagógica.

É importante lembrar, nessa trajetória histórica, que o mundo medieval é marcado pela queda do Império Romano e pela criação dos reinos germânicos. Esses fatos são de extrema relevância porque sinalizam a fixação do latim erudito como língua de referência, sobretudo na forma escrita. Dessa maneira, o panorama linguístico na Europa latina vivia um grande contraste, pois se de um lado os conservadores lutavam pela consolidação do latim erudito como língua formal a ser seguida no ensino, na administração política e religiosa e na diplomacia; do outro lado surgiam as novas línguas vernáculas marcando a identidade de um povo e, com ela, o florescimento de uma rica produção literária nessas línguas e a democratização da atividade letrada. Contudo, é no século XV/XVI que surge a gramática das línguas modernas, daí já começa a haver uma necessidade muito grande de sistematização dessas línguas e em 1536 surge a primeira gramática do português de Portugal. É nesse período também que o primeiro dicionário de português-latim-português é criado (1562) e só no século XVIII, então, é que o grande dicionário da língua portuguesa foi publicado, em Lisboa.

A necessidade de se fixar um padrão de língua fez com que os gramáticos da época combinassem dois aspectos para essa padronização: o prestígio social da variedade falada em situações monitoradas pela aristocracia (centro político do país) e o cultivo de uma escrita vernácula latinizada (imitação adaptada dessas línguas modernas ao estilo dos escritores latinos clássicos).

...à medida que mudanças socioeconômicas (industrialização e urbanização) trouxeram a necessidade de ampliar o acesso da população à escola e se propagou o conceito moderno de cidadania (que inclui o direito de todos aos bens culturais), um tal modelo passou a ser um problema grave, como no Brasil de hoje,

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em que ele não faz sentido para a maioria da população e, por isso, acaba por embaraçar não só o ensino do português, como o próprio funcionamento social da norma culta/comum/ standart ( FARACO:2008, p. 186).

Conforme Faraco, o modelo pedagógico medieval herdado pelos países de língua portuguesa são vícios pedagógicos, os quais ele conceitua como gramatiquice e normativismo. Como gramatiquice, ele entende “o estudo da gramática como um fim em si mesmo”, e normativismo como “a atitude tomada diante da norma culta/comum/standart, na medida em que o falante nativo não consegue aprendê-la (ou não se consegue ensiná-la) apenas uma das variedades da língua com usos sociais determinados”.

Esses vícios pedagógicos dão origem, então, ao que se institui chamar “norma culta”, onde a cultura do erro prevalece, haja vista este ser considerado como “toda e qualquer forma que foge ao padrão culto da língua”. Nessa, a língua é vista como elemento pétreo (invariável e inflexível). A consequência disso é que se “transferiu para o ensino de língua materna uma metodologia que servia para o ensino de uma língua artificial” herdada dos clássicos.

O nosso modelo de ensino da língua continua sendo o medieval. Segundo Faraco (2008), este modelo é a continuação da prática pedagógica dos jesuítas e que consolida a exclusão. O direito à educação escolar era e continuou sendo, por alguns séculos apenas para muito poucos. Educação era entendida como adereço sociocultural (modelo elitista e artificial) difícil de ser rompido, o que acaba gerando uma crise aguda no ensino. Como consequência desse processo, Faraco (2008) aponta uma criação maciça de “consultórios gramaticais” preocupados em difundir a norma culta, em virtude das duas premissas básicas tomadas como verdadeiras: “ninguém fala bem o português no Brasil” e “os brasileiros falam errado”. Daí a necessidade de se criar um modelo padrão de língua a ser cultivado.

A escola do século XXI continua a ensinar um estado de língua que não existe há pelo menos 700 anos, sem se dar conta dos fatos da língua real. A preocupação que era do século XIX e que permanece até hoje é: Que modelo de língua se deveria (deve) adotar na escrita? Naquela época, preferiu-se imitar o padrão escrito lusitano descartando qualquer possibilidade de se adotar um português abrasileirado com características da fala culta/comum/standard

Referências

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