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Qualidade das vivências acadêmicas percebidas por estudantes cotistas na Universidade Federal de Santa Catarina

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QUALIDADE DAS VIVÊNCIAS ACADÊMICAS PERCEBIDA POR ESTUDANTES COTISTAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL

DE SANTA CATARINA

Dissertação elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, na Área 1 (Psicologia das Organizações e do Trabalho), Linha 2 (Formação Profissional, Desenvolvimento de Carreira e Inserção no Trabalho), apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Profa. Dra. Maiana Farias Oliveira Nunes.

FLORIANÓPOLIS 2019

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Aos meus pais, que desde muito cedo ensinaram-me sobre o valor imensurável da Educação.

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À minha mãe, que além de auxiliar-me a acreditar em meu potencial e a perseverar em meus sonhos, esteve ao meu lado em todos os momentos dessa jornada, oferecendo-me serenidade e aconchego. Ao meu pai, que com seu exemplo de esforço e trabalho duro, inspirou-me a correr atrás de meus sonhos. Ao meu irmão, que sempre buscou oferecer todo apoio possível nas minhas escolhas de carreira. Amo vocês três incondicionalmente.

À professora Marucia Bardagi, que não foi apenas minha orientadora no primeiro ano do mestrado, mas também a professora no período da graduação que me convidou a trabalhar como bolsista de iniciação científica, e que com isso, possibilitou que eu descobrisse a minha paixão pela pesquisa científica em psicologia. Seu alto astral e companheirismo também foram muito significativos nessa primeira experiência; além do que, seus feedbacks, sempre tão generosos, fizeram com que eu acreditasse que o mestrado seria um projeto viável. Por fim, agradeço por ter buscado acompanhar o desenvolvimento integral da pesquisa, mesmo após ter ido viver em Portugal.

À professora Maiana Nunes, que aceitou ser minha orientadora no segundo ano do mestrado, e que não poupou esforços para que eu me sentisse confortável e acolhida em seu grupo de pesquisa. Sou muito grata por ter sido acompanhada ao longo do segundo ano do mestrado por uma professora-pesquisadora tão organizada, objetiva, dedicada e ética. Por fim, agradeço por todo o cuidado e generosidade dispendido nas supervisões relativas ao desenvolvimento da pesquisa e nas correções desta dissertação.

Complementarmente, à professora Maiana Nunes e à professora Valéria Mattos, que permitiram que eu as acompanhasse como estagiária de docência nas disciplinas ministradas por elas – Orientação e Planejamento de Carreira e Psicologia do Trabalho, respectivamente. Sou muito grata tanto pela autonomia e confiança depositadas em mim, como pelo acolhimento, preocupação, dicas, feedbacks... Tudo isso propiciou grande aprendizado e enriquecimento profissional. Vocês são dois grandes exemplos de profissionais na área da docência.

Aos professores que compuseram a banca examinadora desta dissertação, e que gentilmente aceitaram participar deste momento tão importante para mim. À profa. Acácia dos Santos, profa. Maiana Nunes, prof. Rodolfo Ambiel, profa. Suzana Tolfo, profa. Marina Oliveira e prof.

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Aos professores do PPGP da UFSC, e em especial a todos aqueles com os quais tive aula, que propiciaram grandes aprendizados (Andrea Steil, Iúri Luna, Maiana Nunes, Marucia Bardagi, Narbal Silva, Suzana Tolfo); vocês têm meu respeito e admiração.

Ao diretor do Departamento de Administração Escolar (DAE/UFSC), César Trindade Neves, que se disponibilizou a organizar e repassar a lista de endereços de e-mail de universitários cotistas da UFSC. Sua ajuda foi imprescíndível para que eu conseguisse contatar o público-alvo da pesquisa.

Ao chefe de expediente do PPGP, Gileade Braga, e à secretaria do PPGP Silvana Frigotto, ambos profissionais muito disponíveis para ajudar nos impasses administrativos da rotina acadêmica na pós-graduação.

À Anne Junkes, amiga há mais de dez anos, que está sempre disponível para uma boa conversa, e para lembrar que a vida pode ser mais leve e descontraída.

Às estimadas amigas (e anjos da guarda) que tive a sorte de conhecer no percurso da graduação em Psicologia na UFSC, Denise Silvestrin, Tarsia Paula e Viviane Monteiro, e que são sempre tão pacientes, parceiras e respeitosas.

Ao querido amigo Carlos Campos, que está sempre disponível para ajudar no que for possível e para conversar sobre os percalços da vida acadêmica – e dar boas risadas dos mesmos; por que não?

À Daniela Ariño, parceira de viagem em congressos de psicologia, e que sempre estendeu a mão quando eu me enrolava com a formatação de algum trabalho ou com qualquer questão de estatística.

À queridíssima Ivana Corrêa, que muito me apoiou psicologicamente durante todo esse percurso na pós-graduação, e por me auxiliar a acreditar em meu potencial acadêmico-profissional.

Às colegas do grupo de pesquisa, Amanda Vieira, Roberta Simon, Emily de Farias, Daniela Clivatti Lousi Cardozo e Gabriela Remor, pelo apoio mútuo e pelo clima amistoso.

À voluntária Emily de Farias, que foi meu braço direito no processo final de transcrição das entrevistas, na categorização de “infinitas” páginas de conteúdo, e organização de tabelas e figuras para compor esta dissertação. Sem o auxílio da garota dos cabelos azuis, esse processo final teria sido quase impossível. Além disso, mesmo diante de um trabalho tão cansativo, Emily estava sempre com alto astral e disposta a ajudar no que fosse necessário.

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dissertação.

Aos discentes cotistas que fizeram parte deste estudo, e que disponibilizaram seu tempo, por vezes já restrito, para compartilhar suas perspectivas a respeito da qualidade das suas vivências acadêmicas. Sem o auxílio de vocês, esta pesquisa seria totalmente inviável.

Ao CNPq, pelo auxílio financeiro concedido para a realização desta pesquisa.

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Florianópolis, 2019. Dissertação de Mestrado em Psicologia – Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientadora: Profª. Drª. Maiana Farias Oliveira Nunes. Data da defesa: 15/03/2019.

RESUMO

Os poucos estudos na área de orientação e desenvolvimento de carreira que versam sobre as vivências acadêmicas de universitários cotistas seguem tradicionalmente uma natureza quantitativa e comparativa (cotistas versus não cotistas), demonstrando haver algumas peculiaridades entre esses grupos. Assim, esta dissertação (com abordagem qualitativa) objetivou compreender a qualidade das vivências acadêmicas percebida por estudantes cotistas da UFSC, com a finalidade de explorar possíveis especificidades referentes às experiências formativas de um público historicamente menos tradicional a ingressar no ensino superior brasileiro. Realizou-se um estudo de casos múltiplos, no qual foram entrevistados dez discentes cotistas da instituição, com idades entre 18 e 28 anos, oriundos de três áreas (humanas, saúde, tecnológica). Os dados foram transcritos e submetidos à análise de conteúdo de Bardin (2016). As seis categorias amplas de análise foram definidas a priori, com base no quadro teórico das vivências e integração acadêmica. Quanto à categoria “pessoal”, identificou-se prejuízos no bem-estar físico e psicológico percebido, em decorrência da conjuntura dos estudos-curso, de dificuldades financeiras, assim como da conciliação dos estudo-trabalho. Referente à categoria “interpessoal”, observou-se alguns limitadores da integração social, tais como a alta carga horária despendida na rotina de estudos (e a autocobrança acadêmica elevada). Quanto à categoria “estudo”, identificou-se a percepção de dificuldades iniciais na graduação, devido à falta de uma base escolar anterior consistente, à baixa cobrança pedagógica e ao baixo nível de comprometimento individual. No que tange à categoria “institucional”, verificou-se principalmente um processo de “inclusão excludente”, pois uma parcela dos estudantes cotistas não tem as mesmas oportunidades de inserção em experiências extracurriculares/extraclasse na área de formação. Quanto à categoria “intenção de abandono”, verificou-se que a identificação com a profissão e o envolvimento em atividades extracurriculares exercem forte

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superior como possibilidade de melhoria de condições de vida (individual e familiar) e de ascensão social. Adicionalmente, quanto aos projetos profissionais, há uma alta probabilidade de sequência na área acadêmica (após o término da graduação), tanto para aumentar chances de se inserir no mercado de trabalho, como para ter maior retorno e estabilidade financeira. Discute-se a importância de que sejam articuladas políticas públicas voltadas não apenas para o acesso às IES federais no Brasil, mas também que possibilitem a permanência adequada dos cotistas, no que se refere a vários aspectos, tais como à necessidade de ampliação de recursos financeiros voltados a estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, à ampliação e sistematização de apoio pedagógico, etc. Também seria de suma importância o desenvolvimento de serviços voltados para o desenvolvimento de carreira desses discentes, de modo fornecer mais elementos que favoreçam a satisfação e formação de identidade acadêmico-profissional, assim como a empregabilidade dos mesmos após a conclusão do ensino superior.

Palavras-chave: ações afirmativas; vivências acadêmicas; estudantes universitários; desenvolvimento de carreira.

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Florianópolis, 2019. Dissertation (Master in Psychology) – Postgraduate Program in Psychology. Universidade Federal de Santa Catarina.

ABSTRACT

The few studies in the area of career orientation and development about the academic experiences of quota holder university students traditionally follow a quantitative and comparative nature (quote holders versus other students), showing that there are some peculiarities among these groups. Therefore, this dissertation (with qualitative approach) aimed at understanding the quality of the academic experiences perceived by quote holder students of UFSC, with the purpose of exploring feasible specificities related to the formative experiences of a historically less traditional public to enter the Brazilian higher education. A multiple case study was performed, in which ten quote holder students of the institution were interviewed, aged between 18 and 28 years, from three areas (humanities, health, technological). The data were transcribed and submitted to the content analysis of Bardin (2016). The six wide analysis categories were defined a priori, based on the theoretical board of the experiences and academic integration. Regarding the category “personal”, it was possible to identify damage in the perceived physical and psychological well-being, due to the conjuncture of the studies-course, financial difficulties, as well as the conciliation between study and work. Regarding the “interpersonal” category, some restrictors of the social integration were observed, such as the high load expended in the study routine (and the high academic self-demand). Regarding the category “study”, the perception of initial difficulties in the graduation were identified due to the lack of a consistent previous educational basis, to the low pedagogical demand and to the low level of individual commitment. In relation to the category “institutional”, it was mainly verified a process of “excluding inclusion”, since one portion of the quote holder students does not have the same insertion opportunities in extracurricular experiences in the area of study. About the category “abandonment intention”, it was verified that the identification with the profession and the involvement in extracurricular activities exert a strong influence in order to avoid the course abandonment intention. Finally, regarding the category “career”, it was observed the relative belief in the higher education as a possibility of improving the individual and familiar living conditions. Furthermore, in relation to the professional projects,

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to have a bigger return and financial stability. There is a discussion about the importance of articulating public policies focused not only on the access to federal HEIs in Brazil, but also to enable the proper stay of the quote holders in relation to several aspects, such as the need of expanding financial resources to students in socioeconomic vulnerable situation, to the expansion and systematization of pedagogical support, etc. It would also be extremely important the development of services focused on the development of these students’ career, in order to give more elements that favor the satisfaction and formation of academic-professional identity, as well as their employability after the conclusion of the higher education. Keywords: affirmative actions; academic experiences; university students; career development.

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Figura 1. Agrupamento das dimensões do construto vivências acadêmicas (QVA-r, EIES, EAVA, EAJES). Figura elaborada pela autora, em conjunto com a voluntária em iniciação científica – Emily de Farias. ... 77 Figura 2. Síntese sobre as informações sociodemográficas gerais dos discentes cotistas que participaram da pesquisa. Elaborada pela autora. ... 98 Figura 3. Subcategorias identificadas na categoria Pessoal das vivências acadêmicas. Elaborada pela voluntária em iniciação científica – Emily de Farias. ... 101 Figura 4. Identificação das unidades de sentido referentes à categoria Pessoal das vivências acadêmicas. Elaborada pela autora. ... 103 Figura 5. Subcategorias identificadas na categoria Interpessoal das vivências acadêmicas. Elaborada pela voluntária em iniciação científica – Emily de Farias. ... 121 Figura 6. Identificação das unidades de sentido referentes à categoria Interpessoal das vivências acadêmicas. Elaborada pela autora. ... 123 Figura 7. Subcategorias identificadas na categoria Carreira das vivências acadêmicas. Elaborada pela voluntária em iniciação científica – Emily de Farias. ... 132 Figura 8. Identificação das unidades de sentido referentes à categoria Carreira das vivências acadêmicas. Elaborada pela autora. ... 135 Figura 9. Síntese dos aspectos percebidos como influenciadores no processo de escolha pelo atual curso. Elaborada pela autora. ... 147 Figura 10. Subcategorias identificadas na categoria Intenção de Abandono das vivências acadêmicas. Elaborada pela voluntária em iniciação científica – Emily de Farias. ... 157 Figura 11. Identificação das unidades de sentido referentes à categoria Intenção de Abandono das vivências acadêmicas. Elaborada pela autora. ... 159 Figura 12. Subcategorias identificadas na categoria Estudo das vivências acadêmicas. Elaborada pela voluntária em iniciação científica – Emily de Farias. ... 164

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Figura 14. Identificação das unidades de sentido referentes à categoria Institucional das vivências acadêmicas. Elaborada pela voluntária em iniciação científica: Emily de Farias. ... 177 Figura 15. Identificação das unidades de sentido referentes à categoria Institucional das vivências acadêmicas. Elaborada pela autora. ... 182

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Tabela 1 ... 71 Tabela 2 ... 78

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APA – American Psychological Association CCA – Centro de Ciências Agrárias

CCB – Centro de Ciências Biológicas CCE – Centro de Comunicação e Expressão CCS – Centro de Ciências da Saúde

CDS – Centro de Desportos

CED – Centro de Ciências da Educação

CEPSH – Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos CFH – Centro de Filosofia e Ciências Humanas

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CSE – Centro Socioeconômico CTC – Centro Tecnológico EAD – Educação a Distância

EAJES – Escala de Ajustamento ao Ensino Superior EAVA – Escala de Avaliação da Vida Acadêmica EIES – Escala de Integração ao Ensino Superior

Enade – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes Fies – Fundo de Financiamento Estudantil

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES – Instituição de Ensino Superior

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ProUni – Universidade Para todos

Reuni – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais QVA – Questionário de Vivências Acadêmicas

QVA-r – Questionário de Vivências Acadêmicas Reduzido SAAD – Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidades SAPSI – Serviço de Atenção Psicológica

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

Unesco – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura

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APRESENTAÇÃO ... 23

1. INTRODUÇÃO ... 27

1.1. MOVIMENTO DE EXPANSÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO ... 27

1.2. ORIGEM, DEFINIÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR ... 29

1.3. PANORAMA GERAL DAS PESQUISAS SOBRE UNIVERSITÁRIOS COTISTAS NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO BRASILEIRO ... 34

1.4. CARACTERIZAÇÃO DO CONSTRUTO VIVÊNCIAS ACADÊMICAS E PANORAMA GERAL DAS PESQUISAS ... 46

1.5. DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVOS DO ESTUDO ... 64

2. MÉTODO ... 67

2.1. CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO, DA UFSC E DO SISTEMA DE COTAS DA INSTITUIÇÃO ... 67

2.2. PARTICIPANTES ... 72

2.3. INSTRUMENTOS ... 75

2.4. PROCEDIMENTOS E CONSIDERAÇÕES ÉTICAS ... 81

2.5. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS ... 84

3. RESULTADOS ... 85

3.1. BREVE DESCRIÇÃO DA HISTÓRIA DE CADA UNIVERSITÁRIO COTISTA QUE FEZ PARTE DO ESTUDO ... 86

3.2. ANÁLISE DE CONTEÚDO TEMÁTICA ... 99

4. DISCUSSÃO ... 201

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 239

REFERÊNCIAS ... 247

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APRESENTAÇÃO

Esta pesquisa objetivou compreender a qualidade das vivências acadêmicas percebida por estudantes cotistas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O interesse por este tema originou-se no contexto da significativa ampliação das vagas destinadas a esses discentes, a partir da aprovação da Lei 12.711 de 2012, aliado à escassez de estudos de carreira com os beneficiários desse sistema de inclusão. Houve ainda a influência da própria trajetória acadêmica da pesquisadora, que se inseriu inicialmente na UFSC como graduanda em psicologia por meio do sistema de cotas para estudantes oriundos de escolas públicas, assim como realizou estágio profissionalizante em um serviço vinculado à Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidades (SAAD) na UFSC, o que fez com que identificasse a necessidade de desenvolvimento mais sistemático de pesquisas de diagnóstico e de intervenção voltadas às possíveis especificidades acadêmicas enfrentadas por esses diferentes subgrupos de discentes em seus processos formativos. Tais experiências suscitaram, assim, a procura por pesquisas relacionadas à temática e o desenvolvimento de reflexões pessoais sobre a necessidade de investigar cientificamente a qualidade das vivências acadêmicas e a construção dos projetos profissionais de estudantes cotistas. Tinha-se como intuito fornecer subsídios para o desenvolvimento de serviços universitários que pudessem auxiliar na prevenção de obstáculos quanto à qualidade da trajetória formativa de sujeitos em maior vulnerabilidade acadêmica, e que pudessem favorecer a integração ao ensino superior e a permanência com qualidade no mesmo.

Por meio da consulta a literatura geral sobre ações afirmativas no ensino superior federal brasileiro, verificou-se que grande parte das pesquisas empíricas realizadas com o público universitário cotista versa sobre três linhas principais: 1) estudos comparativos entre universitários cotistas e não cotistas, especialmente no que se refere ao desempenho acadêmico e às taxas de evasão; 2) estudos sobre as representações sociais e a avaliação das ações afirmativas no ensino superior; 3) estudos gerais sobre as trajetórias dos universitários cotistas. De modo geral, as pesquisas sobre rendimento acadêmico têm demonstrado coeficientes de rendimento semelhantes, mas em áreas exatas assim como em cursos de maior prestígio social, os cotistas tendem a apresentar coeficientes mais baixos (Cardoso, 2008; Mendes Junior, 2014; Peixoto, Ribeiro, Bastos, & Ramalho, 2016; Velloso, 2009). Os estudos sobre evasão têm identificado que as taxas de evasão são semelhantes entre cotistas e não cotistas; algumas pesquisas, contudo, apontam que os cotistas evadem em menor

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porcentagem (Campos, Machado, Miranda, & Costa, 2017; Mendes Junior, 2014). As publicações sobre as representações sociais de diferentes grupos referentes às cotas raciais e sociais, por sua vez, apontam que há um número maior de pessoas com posicionamento contrário à adoção dessas políticas, especialmente em se tratando das cotas para negros(as) (Camino, Tavares, Torres, Álvaro, & Garrido, 2014; Marques & Santos, 2015; Naiff, Naiff, & Louback, 2013). Por último, as pesquisas gerais sobre as trajetórias de universitários cotistas indicam que uma parcela desse público já foi alvo de estigmatização no interior da comunidade acadêmica, referente às questões étnico-raciais, socioeconômicas e à crença relativamente partilhada de menor capacidade de sucesso formativo desses sujeitos (Barros, 2009; Bello, 2013; Mayorga & Souza, 2012; Neves, Faro, & Schmitz, 2016; Passos, 2015; Ribeiro, Peixoto, & Bastos, 2017; Santos, 2013; Valentim, 2012).

Embora as descobertas desse conjunto de estudos tragam um significativo avanço à problemática referente às ações afirmativas no ensino superior brasileiro, são raros os estudos, especialmente em psicologia de modo geral e em orientação e desenvolvimento de carreira de modo mais específico, que avaliam mais consistentemente o construto das vivências acadêmicas (forma como os estudantes experenciam o cotidiano universitário – ver Almeida, Soares & Ferreira, 2001) e outras questões de carreira desses discentes. Os poucos estudos em psicologia que versam sobre as vivências acadêmicas de cotistas seguem tradicionalmente uma natureza quantitativa e comparativa (cotistas versus não cotistas), demonstrando haver diferenças em relação a aspectos interpessoais, pessoais, institucionais e acadêmicos entre esses grupos (Oliveira, 2015; Santos, 2013; Sousa, Bardagi, & Nunes, 2013). Desse modo, no atual momento a realização de um estudo que busque explorar mais qualitativamente essas peculiaridades referentes às experiências formativas dos estudantes cotistas configura-se como uma alternativa com potencial contribuição para o desenvolvimento das pesquisas sobre o fenômeno complexo e multideterminado das vivências acadêmicas, pois permite explorar de modo mais minucioso as possíveis singularidades do fenômeno para um público historicamente menos tradicional a ingressar no ensino superior brasileiro. Adicionalmente, uma vez passado mais de dez anos da implementação do sistema de cotas nas universidades federais brasileiras, faz-se relevante uma pesquisa que busque compreender como são as experiências acadêmicas nos dias atuais desses estudantes, e se os obstáculos identificados em estudos iniciais ainda persistem.

Esta dissertação, formatada sob as normas da American Psychological Association (APA), 6ª edição (2012), apresenta cinco

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capítulos principais (Introdução; Método; Resultados; Discussão; Considerações Finais), além das Referências e dos Anexos. No primeiro capítulo, referente a introdução teórica, são discutidos os seguintes tópicos: a) movimento de expansão e democratização do ensino superior brasileiro; b) origem, definição e implementação de políticas de ações afirmativas no ensino superior; c) panorama geral das pesquisas sobre universitários cotistas no ensino superior público brasileiro; d) caracterização do construto vivências acadêmicas e panorama geral das pesquisas sobre o tema; e) delimitação do problema de pesquisa e dos objetivos do estudo. Posteriormente, no capítulo referente ao método do estudo, são apresentados os seguintes tópicos: a) caracterização do estudo, da UFSC e do sistema de cotas da instituição; b) participantes; c) instrumentos; d) procedimentos e considerações éticas; e) delineamento de análise dos dados. O terceiro capítulo engloba os resultados encontrados por meio da realização do estudo de casos múltiplos junto aos dez universitários cotistas que participaram da pesquisa. O quarto capítulo é voltado à discussão, cujo foco foi articular os resultados encontrados nesta dissertação com a literatura científica da área de pesquisa. O quinto capítulo refere-se às considerações finais, na qual se buscou ressaltar os principais elementos identificados pelo estudo, assim como suas limitações e sugestões para futuras pesquisas. Por fim, são apresentadas as referências utilizadas para a elaboração deste estudo e os anexos.

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1. INTRODUÇÃO

1.1. MOVIMENTO DE EXPANSÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO

Historicamente as instituições de ensino superior (IES) se configuram como espaços que refletem, em maior ou menor grau, as desigualdades econômicas, políticas e sociais presentes na sociedade. Todavia, o ensino superior contemporâneo, em escala mundial, passa progressivamente por significativos processos de mudança, dentre os quais se destaca a ampliação do seu acesso (Mancebo, Vale, & Martins, 2015; Mont'Alvão Neto, 2014; Schofer & Meyer, 2005; Trow, 1972, 2007). Tal fenômeno teve início a partir da segunda metade do século XX, ou mais especificamente após o término da segunda guerra mundial (Martins, 2006; Schofer & Meyer, 2005; Trow, 1972, 2007), ainda que com intensidade variável entre países com diferentes graus de desenvolvimento econômico e social.

Informações divulgadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2015) demonstram que a porcentagem de brasileiros com idades entre 25 e 64 anos que concluíram o ensino superior está ainda muito abaixo da média de outros países, mesmo em comparação com diversos territórios latino-americanos. Apesar disso, existem pesquisas nacionais que revelam um movimento nos últimos anos de diminuição dessa disparidade com o cenário internacional. Os recentes dados do censo divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2018), por exemplo, indicam o vasto crescimento no número de matrículas nesse nível de ensino no Brasil, que passou de 4.626.740, em 2005, para 8.286.663, em 2017 – um aumento de mais de 75%; ainda que essa expansão seja parcialmente problemática, por não ser, necessariamente, acompanhada pela oferta de uma formação de nível superior com qualidade.

No que tange a essa significativa expansão atual em nível nacional, deve-se atentar para a influência de variáveis macroeconômicas e sociopolíticas em um cenário de intensa globalização. Nessa esteira, orientações internacionais, tais como aquelas elaboradas pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e pela OCDE, têm respaldado a reforma no sistema universitário brasileiro, cujas práticas exprimem o movimento de internacionalização, empreendedorismo, empréstimos, concessão de bolsas parciais ou integrais de estudos, maior diversificação estrutural e

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social, etc. Como consequência desse background, estudos apontam para o crescimento significativo da participação do setor privado nacional (Mancebo et al., 2015; Martins, 2006; McCowan, 2007), com o intuito de absorver o excesso de demanda formativa (McCowan, 2007), bem como para o intenso processo de diferenciação institucional (Prates, 2007), no qual, em contraposição às tradicionais universidades, surgem novas instituições (ex: institutos de educação técnica ou tecnológica em nível superior) e novos cursos e modalidades de ensino de graduação (ex: Educação a Distância – EaD).

Ademais, outras mudanças sociais, políticas e demográficas ocorridas nas últimas décadas criaram condições indireta e diretamente favoráveis para a inserção de um maior número de discentes no ensino superior brasileiro. Indiretamente, podem-se citar elementos como o aumento da concentração populacional urbana, a maior cobertura nos níveis escolares fundamental e médio (Silva & Hasenbalg, 2000), assim como a ampliação do período de desenvolvimento denominado juventude, acompanhado do adiamento do ingresso no mercado de trabalho (Schwartzman, 2005), etc. Já mais diretamente, é razoável mencionar questões como a superexigência de qualificação profissional decorrente das transformações peculiares à nova ordem laboral (Magalhães & Bendassolli, 2013), as aspirações de mobilidade social por meio do sistema educacional e as pressões por direitos sociais de grupos historicamente excluídos desse nível de ensino (Martins, 2006; Trow, 2007), de modo que esses últimos aspectos suscitaram não apenas o aumento da população jovem com possibilidades de ingressar no ensino superior, como também o desenvolvimento de um conjunto de políticas públicas e programas sociais de incentivo à ampliação de vagas e acesso de sujeitos historicamente excluídos das universidades, especialmente estudantes de escolas públicas, oriundos de camadas populares, com deficiência, negros e indígenas.

Somados esses diferentes tópicos, tem-se como resultado no âmago da reforma universitária nacional o decrescimento nos últimos tempos de um modelo de ensino superior altamente “elitizado”, voltado para uma restrita clientela dotada de capital econômico, cultural e social, de modo a possibilitar a emergência de um sistema de ensino relativamente ampliado, inclusivo e democrático (Martins, 2006; Prates, 2007; Prates & Barbosa, 2015). Para efeitos deste estudo, parte-se do princípio de que o movimento de democratização do ensino superior requisita que estudantes de escolas públicas, oriundos de camadas populares, com deficiência, negros e indígenas tenham condições equitativas de acesso e permanência nas universidades.

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A implementação de dispositivos tais como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni)1, o Programa Universidade para Todos (ProUni)2, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)3 e o sistema de cotas nas universidades públicas ao longo dos últimos anos reforçam a consolidação de um modelo de ensino superior nacional que caminha paulatinamente para um rumo menos excludente e mais democratizado. Considerando que este estudo se concentra especificamente nas trajetórias acadêmicas de estudantes universitários cotistas de uma instituição de ensino superior (IES) federal, realizar-se-á a seguir uma breve contextualização acerca das políticas de ações afirmativas, especialmente com foco nas cotas universitárias, visando descrever as circunstâncias que levaram a sua implementação nas universidades públicas brasileiras.

1.2. ORIGEM, DEFINIÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR

Embora esta seção não intente expor exaustivamente o enredo referente à gênese das ações afirmativas, inicialmente faz-se importante situar o surgimento das políticas sociais de apoio e de promoção de determinados grupos socialmente fragilizados como resultante da transição entre duas diferentes concepções sobre os princípios que

1 Criado na forma de Decreto nº 6.096, em 24 de abril de 2007, visa oferecer condições para ampliar o acesso e a permanência de estudantes no ensino superior federal. Desse modo, as ações do referido programa contemplam o aumento de vagas nos cursos de graduação, a ampliação da oferta de cursos noturnos, a flexibilização de currículos, a promoção de políticas de inclusão e assistência estudantil, etc.

2 Criado na forma de Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005, visa à concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação em instituições de ensino superior privadas, sendo direcionado a estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas integrais, com renda familiar per capita máxima de três salários mínimos.

3 Criado na forma de Lei nº 10.260, em 12 de julho de 2001, visa à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação. Nesse programa, os estudantes somente começam a pagar o saldo devedor um ano e meio após o término do curso de graduação, que poderá ser parcelado em até três vezes o período financiado da duração regular do curso.

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circunscrevem a definição de igualdade. A primeira, oriunda do Estado Liberal, adveio de experiências revolucionárias da França e dos Estados Unidos a partir do final do século XVIII, e carregava consigo uma noção de igualdade “formal”, “estática”, “abstrata” e “genérica”, na qual “todos são vistos como iguais perante a lei” (Bello, 2005; Piovesan, 2005). Tal formulação começou a ser questionada nas últimas décadas, especialmente por ser pouco sensível às desigualdades fáticas existentes (Gomes & Silva, 2001).

A segunda formulação, própria do Estado Social de Direito, emergiu mais contemporaneamente e traz consigo o conceito de igualdade “material” ou “substancial” e “dinâmica” (Bello, 2005; Piovesan, 2005), a qual atenta para a situação concreta e específica de cada indivíduo e grupo na sociedade (Gomes & Silva, 2001), de modo a buscar promover o ideal de justiça social – na perspectiva de redistribuição e reconhecimento de identidades (Fraser, 2001). Nessa perspectiva, verifica-se uma preocupação geral com a transformação da sociedade mediante o manejo do ideal de igualdade, principalmente por meio da adoção de políticas públicas, com o propósito de se impulsionar a efetivação dos direitos fundamentais de grupos sociais discriminados (Bello, 2005).

No âmago dessa última formulação, necessariamente são devidamente ponderadas e avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade, de sorte que as situações desiguais sejam tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade (Gomes & Silva, 2001). Partindo desse princípio, os juristas Joaquim Benedito Barbosa Gomes e Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva (2001) apresentam a seguinte definição dessas políticas:

As ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade [...] Trata-se, em suma, de um mecanismo sociojurídico destinado a viabilizar

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primordialmente a harmonia e a paz social, que são seriamente perturbadas quando um grupo social expressivo se vê à margem do processo produtivo e dos benefícios do progresso, bem como a robustecer o próprio desenvolvimento econômico do país, na medida em que a universalização do acesso à educação e ao mercado de trabalho tem como consequência inexorável o crescimento macroeconômico, a ampliação generalizada dos negócios, numa palavra, o crescimento do país como um todo (Gomes & Silva, 2001, pp. 90-91). Em síntese, as políticas de ações afirmativas constituem um conjunto de estratégias de inclusão social e de combate às discriminações estruturais presentes na sociedade, tendo como finalidade a promoção da efetiva igualdade material ou substancial. Ainda, no que se refere a outros objetivos intrínsecos a essas políticas, para além da concretização da igualdade de oportunidades de acesso a espaços fundamentais como a educação e o trabalho, Gomes e Silva (2001) chamam a atenção para os seguintes aspectos: a) promoção de transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica, aptas a subtrair do imaginário coletivo a ideia de supremacia e de subordinação de uma raça, gênero ou classe social em relação à outra; b) promoção de uma maior representatividade dos grupos sociais discriminados nos mais diversos domínios de atividade pública e privada, estimulando maior diversidade e pluralidade social; c) eliminação de efeitos persistentes (psicológicos, culturais e comportamentais) da discriminação do passado, que tendem a se perpetuar por meio de uma discriminação estrutural; d) criação das chamadas personalidades emblemáticas, na qual os representantes de grupos sociais discriminados que alcançam posições de prestígio e poder servem de exemplos de mobilidade social ascendente aos demais membros pertencentes àquele grupo.

O público-alvo das políticas de ações afirmativas pode variar de acordo com a historicidade e diferenças socioeconômicas de cada país, mas inclui geralmente pessoas de baixo status socioeconômico, grupos étnico-raciais discriminados, assim como mulheres e pessoas com deficiência. Já quanto às áreas contempladas, destaca-se, principalmente, o mercado de trabalho, a representação política e o sistema educacional, com destaque para o ensino superior (Moehlecke, 2002). Ainda, dentre as diferentes formas de adoção das ações afirmativas, as políticas de cotas são as que possuem maior visibilidade, cujo mecanismo fundamental é a

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reserva de um número ou percentual a ser ocupado em um contexto específico por um grupo definido.

As políticas de ações afirmativas têm sido introduzidas nas últimas décadas em uma série de países, visando romper com a cristalização de desigualdades estruturais. Foi em 1947, na Índia, o primeiro registro de introdução dessa prática, na qual foram adotados dispositivos que asseguravam reserva de vagas (cotas) para membros de grupo de castas historicamente discriminadas naquele território (exemplo: dalits ou intocáveis) nas legislaturas, no emprego público e no ensino superior (Feres Jr & Daflon, 2015). Os Estados Unidos também apresentam uma experiência emblemática no que diz respeito à adoção e ao impacto das ações afirmativas. A emergência dessas políticas no referido país iniciou em 1961, com o então presidente, John Fitzgerald Kennedy, visando combater principalmente a segregação racial e reivindicar a extensão dos direitos civis à população negra, sendo oficializada a partir da Lei dos Direitos Civis, em 1964, no mandato de Lyndon Johnson. Contudo, aquilo que foi chamado de ações afirmativas pelos referidos presidentes dos Estados Unidos teve, em um primeiro momento, um caráter de fiscalização e punição das práticas de discriminação racial existentes no mercado de trabalho, sem a incorporação de práticas voltadas à efetiva inclusão da população negra a sociedade estadunidense.

Já em 1965, com base em Silva e Elias Jr. (2013), o então presidente Lyndon Johnson publicou a Ordem Executiva nº 11.246, que além da reafirmar a necessidade de penalização das atitudes relacionadas à discriminação racial, introduziu o estabelecimento de medidas mais efetivas em favor dos membros de grupos étnico-raciais discriminados, por meio de recrutamento, contratação, níveis salariais e benefícios indiretos, com a finalidade de corrigir as iniquidades decorrentes de discriminações presentes ou passadas. Posteriormente, essas políticas foram ampliadas a diferentes setores, tais como o ensino superior, e estendidas a outros grupos étnico-raciais. A Universidade da Califórnia, por exemplo, ainda na década de 1960, foi uma das primeiras, no território estadunidense, a estabelecer programas que expandiram consideravelmente a presença de estudantes negros em seus campi. Com base em Oliven (2007), em 1994 foram amplamente noticiados os dados sobre o aumento do percentual de grupos discriminados que passaram a representar cerca de 21% dos universitários ingressantes. Contudo, em 1995 os administradores da instituição votaram pela descontinuidade dessa política de inclusão. Tal movimento abriu caminho para uma série de discussões e tensionamentos a respeito da constitucionalidade das políticas de ações afirmativas de cunho étnico-racial no ensino superior

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dos Estados Unidos. Com base em Heringer (2018), posteriormente ao ocorrido na Universidade da Califórnia, em 1995, vários estados do país em questão realizaram plebiscitos, suprimindo formalmente as políticas de ação afirmativa, especialmente aquelas de cunho étnico-racial. Ou seja, esse dispositivo vem perdendo espaço no atual cenário dos Estados Unidos.

Ainda assim, o poder irradiador e propulsor que o debate sobre a necessidade de desenvolvimento de políticas de ações afirmativas para grupos historicamente marginalizados ganhou a partir da década de 1960 com a experiência dos Estados Unidos foi visível. Como efeito, diversas outras regiões do mundo começaram a se apropriar das políticas de ações afirmativas. Atualmente, há um vasto número de países na África, América, Ásia, Europa e Oceania que fazem uso dessas diferentes práticas em diferentes setores, tais como África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Canadá, China, Peru, Rússia, entre outros. Um dos países que implementou mais recentemente políticas de ações afirmativas foi o Brasil. Embora a Lei n. 8.213, de 1991, tenha apontado para a obrigatoriedade da contratação de pessoas com deficiência em organizações privadas, o debate sobre a necessidade de implementação dessas políticas apenas ganhou maior repercussão social em 2001, com a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban, na África do Sul (Silva & Elias Jr., 2013), ocasião na qual o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou uma Declaração se comprometendo a criar políticas de ações afirmativas que visassem favorecer grupos historicamente discriminados. Na sequência, o governo federal decidiu iniciar um movimento de composição de alguns dos seus quadros funcionais com base na noção de inclusão de pessoas desses grupos.

Já no que se refere especificamente às políticas de ações afirmativas voltadas ao ensino superior nacional, segundo McCowan (2007), o que se tem observado na realidade brasileira é que, historicamente, enquanto as instituições de prestígio no ensino fundamental e médio estão localizadas no setor privado, o inverso ocorre no ensino superior, sendo que a maior parte das melhores universidades do país é pública – em nível federal ou estadual. Nessa direção, ainda com base no mesmo autor, por um longo período o acesso a esse nível de escolaridade no país foi relativamente restrito aos indivíduos de níveis socioeconômicos mais elevados, sendo o ingresso nas IES federais e estaduais determinado por exames de acesso (vestibulares) altamente competitivos, de modo a excluir estudantes que não frequentaram um ensino médio de alta qualidade ou cursos preparatórios para o concurso

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vestibular – ambos geralmente particulares. Visando diminuir essa disparidade de oportunidades de acesso ao ensino superior, há algumas décadas iniciaram-se alguns tensionamentos sociais que culminaram na elaboração de políticas que buscam atender tal demanda.

Embora o debate referente à adoção do sistema de cotas nas universidades nacionais exista desde a década de 1990, foi somente em 2003 aprovada a primeira lei nesse cenário. A lei Estadual nº 4151 que estabeleceu cotas para estudantes negros, pardos e oriundos de escolas públicas nas universidades públicas do Rio de Janeiro, a saber, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, constituiu um primeiro exemplo para a disseminação de medidas semelhantes em universidades públicas do país nos anos subsequentes. Segundo Feres Jr e Daflon (2015) ao longo dos anos subsequentes, leis estaduais e resoluções de conselhos universitários disseminaram medidas similares em universidades estaduais por todo o país, ao passo que programas federais, como o Reuni, proporcionaram incentivos para que as instituições federais de nível superior adotassem essas políticas.

Mais recentemente, com a aprovação de Lei nº 12.711, em 2012, fez-se obrigatória a destinação de no mínimo 50% das vagas, por curso e turno, para estudantes egressos de escolas públicas, assim divididas: a) 25% destinada aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita; b) 25% aos estudantes oriundos de famílias com renda superior a 1,5 salário-mínimo per capita. Além disso, dentro de cada uma dessas duas categorias, há as cotas étnico-raciais, que precisam ser distribuídas proporcionalmente à população negra, parda e indígena existente no estado onde está instalada cada instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Finalmente, a Lei nº 13.409, instituída em 2016, inclui nessas subcotas os estudantes com deficiência. O foco desta dissertação está em estudantes cotistas brancos/pardos/negros, oriundos de escolas públicas, com renda familiar inferior/igual/superior a 1,5 salário mínimo per capita.

1.3. PANORAMA GERAL DAS PESQUISAS SOBRE

UNIVERSITÁRIOS COTISTAS NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO BRASILEIRO

Há uma ampla gama de publicações nacionais e internacionais referente às políticas de ações afirmativas nos mais variados países e setores, tendo como um dos contextos principais de aplicação o ensino

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superior. Com relação à mídia, Ferreiras e Mattos (2007), por exemplo, realizaram uma revisão de artigos e matérias publicadas pela imprensa escrita, e identificaram que uma parcela significativa das discussões versa sobre argumentos contrários ou favoráveis à adoção dessas práticas sob os seguintes prismas: ético-jurídico (questões sobre os princípios de igualdade e justiça social), étnico (dificuldade de classificação racial), político-assistencial (políticas universalistas – voltadas ao contexto da educação de modo geral – versus políticas específicas – voltadas ao contexto da educação de grupos/contextos específicos), ideológico (questão do mérito pessoal), pedagógico (possíveis dificuldades de aprendizagem, qualidade do ensino e integração do aluno cotista) e das relações raciais (modificação na percepção racial e relações intergrupais).

Já no que diz respeito às produções científicas desenvolvidas, sobretudo na área da Educação, assim como na Jurídica e Sociológica, parte significativa possui cunho teórico e abarca uma discussão majoritariamente política sobre esses dispositivos de promoção a grupos de estudantes socialmente marginalizados. Nessa perspectiva, Silva (2012), por exemplo, teve como objetivo mapear e discutir os principais temas de dissertações que trataram de ações afirmativas no ensino superior brasileiro no período entre 2001 e 2011. Foram incluídas e analisadas ao total 22 dissertações e os resultados indicaram quatro temáticas principais, sendo as duas primeiras temáticas de natureza mais teórica, a saber: 1) ações afirmativas e a democratização do acesso – incluindo subtemas como desigualdade social e educacional, efeitos do racismo na educação, princípios e estratégias de inclusão de pessoas com deficiência; 2) contexto histórico, político, econômico e educacional das ações afirmativas – incluindo subtemas como argumentos de justificação das ações afirmativas (justiça social, reparação e diversidade), aspectos jurídicos das ações afirmativas, mídia e discurso sobre ações afirmativas e processo de debate e aprovação das cotas no ensino superior.

Ainda com base no mesmo estudo, Silva (2012) identificou outras duas temáticas no conjunto das dissertações analisadas que abrangem discussões de natureza mais empírica: 1) comparações entre cotistas e não cotistas – incluindo subtemas como desempenho no vestibular, rendimento acadêmico e evasão do curso; 2) trajetória de vida familiar, profissional e acadêmica – incluindo subtemas como construção da identidade, desigualdade racial e educacional e programas de permanência voltados aos cotistas. Com base no estudo bibliográfico realizado por Silva (2012), bem como na própria consulta a literatura geral sobre ações afirmativas no ensino superior federal brasileiro, efetuada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)

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e na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), utilizando combinações duas a duas entre, de um lado, as palavras-chave “ações afirmativas”, “cotas” e, de outro lado, as palavras-chave “ensino superior”, “universidade”, com opção de busca no período de 2003 – ano no qual a primeira lei sobre cotas no ensino superior brasileiro foi aprovada – a 2017, as pesquisas empíricas existentes sobre as ações afirmativas no ensino superior público brasileiro parecem seguir três linhas principais, a saber: 1) estudos quantitativos comparativos entre universitários cotistas e não cotistas, especificamente no âmbito do rendimento acadêmico e da evasão do ensino superior; 2) estudos sobre as representações sociais aliadas à avaliação das ações afirmativas no ensino superior; 3) estudos gerais sobre as trajetórias dos universitários cotistas. Essas três vertentes de estudos empíricos serão descritas em maior profundidade a seguir.

A primeira delas foca na comparação entre os grupos de alunos cotistas e não cotistas, particularmente no que diz respeito ao rendimento/desempenho acadêmico e às taxas de evasão, normalmente com resultados contraditórios. O estudo de Queiroz, Miranda, Tavares e Freitas (2015), por exemplo, junto a 2.418 alunos ingressantes nas 78 opções de cursos de graduação ofertadas pela Universidade Federal de Uberlândia indicou a inexistência de diferenças estatísticas significativas nos coeficientes de rendimento (medidos por meio do histórico escolar) entre estudantes cotistas e não cotistas. De forma semelhante, Cardoso (2008) e Velloso (2009) constataram que embora nos cursos de maior prestígio a tendência tenha sido de notas maiores entre os alunos não cotistas, de forma geral, o desempenho dos alunos cotistas foi similar, e em alguns cursos até superior em relação aos não cotistas, tendo como subsídio principal o histórico escolar, contrariando previsões de críticos do sistema de cotas, no sentido de que este provocaria uma queda no padrão acadêmico da universidade.

Há outros estudos, contudo, que evidenciam justamente o contrário. Peixoto, Ribeiro, Bastos e Ramalho (2016) compararam o desempenho de 26.175 alunos cotistas e não cotistas da Universidade Federal da Bahia, com base no histórico escolar dos mesmos. Os resultados gerais indicaram o melhor desempenho de não cotistas, sendo que quando separados por áreas de formação, os cotistas apresentaram desempenho mais elevado apenas em cursos das áreas de artes e humanidades de média e baixa concorrência. De forma semelhante, Mendes Junior (2014), ao analisar o histórico escolar de graduandos, apontou a existência de um rendimento, em média, inferior entre cotistas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, especialmente em cursos com alta dificuldade relativa – a dificuldade relativa do curso seria

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avaliada por meio do coeficiente de rendimento médio de todos os estudantes de cada curso em um dado período (Mendes Junior, 2014). A incongruência entre os diferentes estudos demonstra a necessidade de um olhar mais atento sobre essa problemática, além da possível necessidade de intervir em eventuais disparidades. Uma melhor análise considerando-se as diferenças entre as áreas de formação e o tipo de avaliação de desempenho de alunos também parece importante nessa linha de investigação. Ao considerar que no caso dos estudos mencionados, o principal elemento-base para análise comparativa do rendimento acadêmico foi o histórico escolar dos discentes, é necessário ter algumas ressalvas, atentando para alguns fatores que podem limitar esses resultados como, por exemplo, disciplinas que reprovam por tradição (como no caso de algumas engenharias), professores que utilizam diferentes métodos de avaliação, entre outros. Mesmo os estudos comparativos sobre rendimento acadêmico baseados no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) também estão suscetíveis a intervenientes, tais como os grupos selecionados para a avaliação, boicotes de estudantes, etc.

No que tange aos estudos sobre evasão universitária, Campos, Machado, Miranda e Costa (2017) em pesquisa junto a estudantes ingressantes na área de negócios e ciências contábeis concluíram não haver diferenças estatísticas significativas entre as taxas de evasão desses discentes por meio de ampla concorrência e de cotas, sugerindo que as ações afirmativas, por si só, não afetam significativamente as taxas de evasão. Cardoso (2008), por sua vez, identificou que a taxa de abandono dos cotistas é inferior a dos alunos não cotistas. Além disso, a mesma autora constatou que cotistas que trabalhavam e estavam indecisos sobre a escolha do curso, no momento da inscrição, evadiram em maior proporção que os cotistas que não trabalhavam ou estavam mais fortemente decididos quanto à escolha do curso. Nessa mesma direção, a pesquisa de Mendes Junior (2014) indicou também a ocorrência de menores taxas de evasão durante o primeiro ano e ao restante do curso entre cotistas, em contraste aos não cotistas, sugerindo que esses discentes atribuíram um alto valor ao ingresso no ensino superior e/ou ao curso escolhido. Nesse ponto é possível conjecturar que, para uma parcela dos universitários cotistas, a possibilidade de ascensão social e de melhoria de condições de vida pode ser um elemento que influencie nos menores índices de evasão. É possível pressupor também que os motivos que levam à evasão universitária, podem variar, em algum grau, entre cotistas e não cotistas. As dificuldades financeiras para a manutenção no ensino superior e/ou dificuldades na conciliação estudo-trabalho é,

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provavelmente, uma realidade vivenciada por um número mais recorrente de discentes que ingressam pelo sistema de cotas nas universidades.

A segunda linha principal de investigação empírica sobre essa temática diz respeito à compreensão das representações sociais de diferentes grupos sobre as cotas raciais e sociais, bem como à avaliação do apoio ou rejeição ao sistema de ações afirmativas no ensino superior. Camino, Tavares, Torres, Álvaro e Garrido (2014) em uma pesquisa com 105 discentes da Universidade Federal da Paraíba, que responderam individualmente por escrito a uma pergunta sobre a implantação de cotas raciais nas universidades públicas, detectaram que os universitários compartilharam uma forte oposição às cotas raciais – voltadas para discentes negros. Os argumentos utilizados para a oposição às cotas raciais envolveram aspectos como a inexistência de diferenças intelectuais entre negros e brancos, assim como a ideia de que as desigualdades sociais entre esses dois grupos seriam especialmente resultantes do preconceito contra pessoas de menor status socioeconômico e que, em consequência disso, as cotas deveriam ser de cunho socioeconômico. Outros argumentos contrários a adoção das cotas raciais analisadas no estudo de Camino et al. (2014) foram a preocupação com a qualidade do ensino, ao passo que o sistema de cotas poderia reduzir o nível intelectual das universidades, assim como a noção de que o correto seria investir na melhoria do ensino fundamental e médio. Marques e Santos (2015) entrevistaram 14 universitários da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Uberlândia e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e também verificaram que os sujeitos desfavoráveis às cotas étnico-raciais demonstram por outro lado aceitação das cotas de cunho socioeconômico.

O artigo de Naiff, Naiff e Louback (2013) buscou identificar e comparar as representações sociais acerca do sistema de cotas raciais no Rio de Janeiro a partir do relato de 51 alunos cotistas e 50 alunos não cotistas de duas universidades públicas. Os principais resultados indicam diferenças importantes nas representações sociais entre os grupos na forma como se posicionam em relação às cotas raciais. Segundo os autores, os alunos cotistas representaram as cotas de forma positiva, através de um discurso estruturado ao redor da ideia difundida pelos defensores da política, como uma oportunidade de reparação a uma história social de racismo na qual a população negra e parda foi submetida no país, de modo a propiciar uma possibilidade de justiça e igualdade. Os alunos não cotistas por sua vez, expressaram uma representação negativa das cotas raciais, estruturada ao redor da ideia de o processo ser na sua

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essência injusto e acabar criando ou acirrando sentimentos preconceituosos relacionados à temática racial.

Ainda nessa mesma vertente, Silva e Silva (2012) analisaram as representações sociais em um grupo focal de sete estudantes (dois cotistas e cinco não cotistas) universitários da Universidade Federal da Bahia sobre o sistema de reserva de vagas com base em critérios raciais e socioeconômicos nas universidades. Os resultados indicam que houve uma tendência em conceber os estudantes cotistas de forma estereotipada. Nesse sentido, os beneficiários dessa política foram representados pelos demais estudantes que fizeram parte do estudo como detentores das seguintes dificuldades: a) pessoais: relativas à inviabilidade de o aluno conciliar trabalho e estudo, o que impediria o bom acompanhamento do curso; b) financeiras: não apenas para obter materiais indispensáveis na rotina acadêmica, como livros e xerox, mas também de ordem familiar, não tendo acesso a necessidades básicas de subsistência/alimentação; c) cognitivas: sendo considerados menos preparados intelectualmente para acompanhar o curso que aqueles que entraram pelo sistema tradicional, ao passo que, parece não haver um preparo por parte dos alunos e professores para lidar com esse "desnível" percebido, decorrente de um déficit na formação básica dos egressos de escolas públicas; d) psicológicas: devido ao quadro de tantas dificuldades de cunho socioeconômico, acadêmico, e de conciliação estudo-trabalho, houve a associação dos cotistas a pessoas que vivenciam sofrimento psíquico elevado.

A tese de Guasti (2014) também utilizou entrevistas semiestruturadas junto a universitários cotistas e não cotistas para compreender as representações sociais sobre as cotas universitárias e sobre os cotistas. Os principais resultados indicam que os estudantes cotistas significam o sistema de cotas em torno de aspectos positivos relacionados a oportunidades e a uma grande expectativa de futuro profissional. Os resultados também apontaram que o sentimento de pertença ao grupo de estudantes universitários se concretiza mais em relação às atividades que realizam como estudantes (ex: pesquisa, extensão), dos espaços que utilizam, da sensação de terem um compromisso social como estudantes universitários e com o fato de estarem adquirindo conhecimento científico, do que ao fato de pertencer ao grupo beneficiário das ações afirmativas. Já na percepção dos estudantes não cotistas entrevistados, os cotistas não teriam a mesma capacidade de concluir o ensino superior com sucesso, quer seja pelo rendimento acadêmico, pela dificuldade financeira ou por estar ocupando a vaga de alguém que fez mais pontos no vestibular (Guasti, 2014),

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havendo inclusive alguns casos específicos de segregação e preconceito velado nessas relações intergrupais, segundo relato dos cotistas que fizeram parte da pesquisa.

Por último, Pinho (2006) realizou entrevistas semiestruturadas com 20 professores dos cursos de graduação em direito e geologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com o intuito de identificar as representações sociais dos mesmos em relação aos universitários cotistas. Os principais resultados indicaram que os entrevistados se dividiam em três grupos de atitudes: a) grupo que valorizava a igualdade, demonstrando atitude solidária; b) grupo desinteressado sobre o tema; c) grupo que valorizava a excelência do ensino, fazendo as adaptações que consideravam possíveis. Houve indícios de que o primeiro grupo ancorava sua representação sobre o aluno cotista na concepção de desigualdade e pobreza; e que o terceiro grupo, na concepção de ensino de excelência. Além disso, os docentes da pesquisa relataram atitudes de solidariedade e auxílio na trajetória acadêmica dos cotistas, apesar de todos terem apresentado algum tipo de ressalva quanto ao sistema de cotas, além de baixas expectativas sobre os alunos desse grupo.

Em síntese, os estudos sobre representações sociais a respeito dos alunos cotistas demonstram que há um número maior de pessoas com posicionamento contrário à adoção dessas políticas, especialmente em se tratando das cotas étnico-raciais. De modo geral, as pesquisas demonstram que os indivíduos tendem a serem relativamente mais favoráveis às cotas socioeconômicas, especialmente levando em consideração os argumentos de desigualdades quanto à renda e à qualidade do ensino público fundamental e médio no país. Além disso, há algumas evidências de uma visão estereotipada e preconceituosa acerca desse grupo de estudantes, sendo apontadas, em alguns casos, baixas expectativas quanto ao processo formativo dos cotistas no ensino superior e alguns casos mais extremos de segregação e de outras atitudes discriminatórias. Tudo isso poderia se configurar como um antecedente para possíveis dificuldades nos relacionamentos interpessoais entre esses diferentes grupos. A soma desses diversos aspectos traz à tona a suposição de que pode haver reflexos negativos na qualidade das trajetórias acadêmicas de universitários cotistas, havendo, por conseguinte, a necessidade de desenvolvimento de pesquisas que deem relevância à voz dos próprios cotistas.

Nessa direção, tem havido nos últimos anos um crescimento razoável de publicações referentes à terceira linha principal de investigação empírica sobre essa temática, que possui como foco nas trajetórias de vida desses universitários, sobretudo nas áreas da pedagogia

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e da sociologia e com concentração maior a partir de 2012, ano no qual foi aprovada a Lei 12.711. A seguir, buscar-se-á realizar uma breve descrição desses estudos.

Grande parte das pesquisas empíricas com foco nos discentes cotistas é atravessada por questões raciais, construção identitária e obstáculos diversos vivenciados nas suas trajetórias acadêmicas. O estudo de Weller e Silveira (2008) descreveu experiências vividas por três jovens universitárias negras que ingressaram pelo sistema de cotas na Universidade de Brasília nos cursos de engenharia (mecânica e redes) e ciências sociais. O relato de uma das discentes demonstrou a ocorrência de conflitos em uma das disciplinas da graduação em ciências sociais, envolvendo um discurso, por parte do professor responsável pela aula, de negação da existência do racismo na sociedade brasileira, como também de subestimação de movimentos sociais, que ao longo das últimas décadas vêm denunciando a discriminação de mulheres, negros e homossexuais em distintos contextos. Tais resultados sugerem a possibilidade de haver uma resistência de alguns professores na manutenção das cotas no ensino superior, além de possíveis tensionamentos na díade docente-cotista.

Em outro sentido, Bittar e Almeida (2006), em entrevista com os alunos negros cotistas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, constatou que os mesmos compreendiam o sistema de cotas como um direito, mas que para além da inserção no ensino superior, a permanência nos cursos depende de ações efetivas, por parte da universidade, como bolsas de estudo e apoio pedagógico. Barros (2009), por sua vez, realizou um estudo junto a 11 universitários cotistas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e, dentre os resultados, verificou por meio dos relatos dos discentes a existência de uma trajetória permeada por dificuldades socioeconômicas, problemas familiares, além de problemas estruturais nas escolas. Dentre as dificuldades de permanência relatadas por esses estudantes estavam as dificuldades financeiras, a alta carga de leituras e a necessidade de manter uma jornada dupla de trabalho e estudo. A pesquisa também demonstrou que os cotistas vivenciaram situações pontuais de discriminação por parte de alguns professores e colegas de curso. Ainda assim, avaliaram as cotas como ações positivas que os auxiliariam a ascender socialmente a partir da qualificação profissional.

De modo semelhante, Valentim (2012) avaliou a percepção de egressos cotistas sobre sua trajetória na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Participaram das entrevistas 16 indivíduos egressos negros, provenientes de cursos diversos. Os resultados revelam o não reconhecimento desses como universitários “legítimos” por parte da

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comunidade universitária, na percepção dos entrevistados. Além disso, a figura do cotista esteve associada ao fenótipo negro, o que fez com que esse grupo fosse sempre identificado como cotista e carregasse o estigma de aluno “desacreditado”. Os resultados também indicam que a permanência na universidade e a conclusão do curso foram viabilizadas pelo apoio institucional da universidade através de bolsas estudantis e de duas importantes estratégias: a condição de estudante trabalhador e o pertencimento a diferentes redes de apoio (Valentim, 2012).

Mayorga e Souza (2012) avaliaram aspectos das trajetórias de estudantes negros e de camadas populares na Universidade Federal de Minas Gerais e dentre os principais resultados verificou-se uma preocupação muitas vezes excessiva com o rendimento acadêmico por parte dos próprios estudantes cotistas, como uma estratégia de busca de reconhecimento nesse espaço. Tal resultado já havia sido encontrado também na pesquisa de Nery e Costa (2009). A análise das verbalizações dos universitários que fizeram parte do estudo permitiu identificar também que para as famílias dos cotistas, o estudo era o modo pelo qual poderia ocorrer algum tipo de mobilidade social. Assim, os pais dos alunos incentivavam seus filhos nas questões escolares, seja por meio da busca por escolas de relativa melhor qualidade, do incentivo direto às atividades escolares ou do apoio emocional, ao acreditarem que esses jovens se desenvolveriam por meio do conhecimento.

Em alguns relatos da pesquisa de Mayorga e Souza (2012) também percebeu-se o choque cultural produzido após a entrada no ensino superior. Nesse sentido, fica claro que o ambiente universitário é constituído por lógicas, pessoas e padrões diferentes das referências que esses estudantes trazem em sua trajetória (Mayorga & Souza, 2012). A imersão na produção acadêmica pela participação em projetos de pesquisa e de extensão é também outro obstáculo no curso da graduação segundo as autoras, pois o perfil exigido nas seleções de bolsas não condiz, muitas vezes, com a formação prévia desses estudantes em relação à formação extracurricular, conhecimento de línguas e informática. Essa condição mostra que os estudantes negros e de baixo status socioeconômico que cursam o nível superior têm, em certa medida, impedida a inserção em atividades extracurriculares, o que resume muitas vezes a sua permanência na universidade à sala de aula.

Ainda com base na pesquisa de Mayorga e Souza (2012), muitos desses estudantes acabam procurando como forma de socialização a inserção em grupos políticos, temáticos ou de estudos que agregam alunos de perfil semelhante. A própria entrada em programas de ação afirmativa na universidade surge como uma importante rede de apoio entre pares, na

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