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Os discursos sobre moral e civismo da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947-1963) a partir de alguns livros didáticos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CAMPUS REITOR JOÃO DAVID FERREIRA LIMA PROGRAMA DE PÓS

Os discursos sobre moral e civismo Adolescentes e Adultos (1947

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CAMPUS REITOR JOÃO DAVID FERREIRA LIMA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Rosana da Silva Cuba

Os discursos sobre moral e civismo da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947-1963) a partir de alguns livros didáticos

FLORIANÓPOLIS 2019

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CAMPUS REITOR JOÃO DAVID FERREIRA LIMA

GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

da Campanha de Educação de 1963) a partir de alguns livros didáticos

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Rosana da Silva Cuba

Os discursos sobre moral e civismo da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947-1963) a partir de alguns livros didáticos

Tese submetido(a) ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de doutor(a) em Educação

Orientador(a): Prof. Dra. Maria das Dores Daros

Florianópolis 2019

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Rosana da Silva Cuba

Os discursos sobre moral e civismo da Campanha de Educação de Adultos (1947-1963) a partir de alguns livros didáticos

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.(a) Dr(a) Maria das Dores Daros (orientadora) Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Dr Norberto Dallabrida Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Dr(a) Ione Ribeiro Valle Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Dr(a) Leziany Silveira Daniel Universidade Federal do Paraná

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de doutor(a) em Educação.

Prof. Dr.(a) Andrea Brandão Lapa Coordenador(a) do Programa

Prof. Dr.(a) Maria das Dores Daros Orientador(a)

Florianópolis, 15 de agosto de 2019. Assinado de forma digital por Maria das Dores Daros:15493733900

Dados: 2019.09.18 08:57:08 -03'00'

Digitally signed by Andrea Brandao Lapa:41672941172

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Este trabalho é dedicado a Renata e Leonardo, que me inspiram a enfrentar as pedras no caminho.

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AGRADECIMENTOS

O horizonte político e social que se descortinara no início da jornada do doutorado – ano de 2015 - era mais alvissareiro do que este que se impõe ao meu olhar no presente momento. A despeito do tempo sem sol que se deve enfrentar, é com muita alegria que vejo findar um ciclo que foi de muito aprendizado e amadurecimento.

Agradeço à Universidade Federal de Santa Catarina, mais diretamente ao PPGE: Programa de Pós-Graduação em Educação pelos esforços constantes para que pudéssemos gerar saberes. Agradeço ao IFC – Instituto Federal Catarinense -, pela possibilidade de afastamento do trabalho docência por certo tempo.

Agradeço à orientação de Maria das Dores Daros e os seus questionamentos que me levaram a tomar caminhos mais assertivos. Estendo esses agradecimentos aos professores Norberto Dallabrida, Leziany Silveira Daniel e Ione Ribeiro Valle pelas observações precisas no instante da qualificação.

Agradeço à minha família e aos amigos, que com as suas especificidades foram bem mais numerosos do que eu pensei que poderia contar nessa jornada. Se não foi possível que estivéssemos juntos boa parte desse tempo, ainda assim recebi apoio e compreensão de todos, alguns de mais longe: os Sociáveis. Àqueles com os quais mais de perto compartilhei projetos, aos que ofertaram casa e colo nas tantas idas e vindas a Florianópolis e, por fim, com quem também aprendi: Humberto, Maria Gisele, Diego, Raquel, Andréia, Ana Paula, Hernandez, Maria Clara, Luana, Flávia, Luciana, Helen, Milton, Juliana, Kainara, Heloá, Roberta, André, Stela e Gabriel.

Agradeço também ao Sergio, que acompanhou o processo de conclusão – ou de surto - carinhosamente.

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RESUMO

Inserida no campo da Sociologia, da História e com uma passagem pela Linguística, na linha de Sociologia e História da Educação, a presente pesquisa explorou os discursos acerca da moral e do civismo impressos nos livros didáticos da Coleção Educar, série Moral e Civismo, distribuídos na Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA). Cuja vigência foi de 1947 a 1963 no Brasil. O objetivo principal foi a identificação discursiva dos modos de vida e comportamento sedimentados nesses textos, sendo que a hipótese inicial apontava para a necessidade da constituição de sujeitos modernos que já atravessava os debates educacionais desde o início do século XX. Ao analisar os discursos sobre moral e civismo preconizados pela CEAA, também abordamos a ordem social modernizadora na qual estavam inseridos o Brasil e os demais países da América Latina, todos apoiados por diversos Organismos Internacionais. A pesquisa, de abordagem qualitativa, contempla o estudo bibliográfico e documental. A metodologia utilizada foi a análise crítica do discurso (ACD), de Norman Fairclough, de modo a examinar os livros numa perspectiva tríplice, abarcando o discurso em sua dimensão textual, discursiva e como prática social. Além do referencial teórico de Norman Fairclough (2001; 2003; 2012), contamos com as contribuições teóricas de Emile Durkheim, por meio dos conceitos de moral e moral cívica. Ainda, para a compreensão da posição de Renato Sêneca Fleury (1895 – 1980) – intelectual paulista, escritor dos livros didáticos analisados – no campo educacional brasileiro, principalmente a partir de sua trajetória e de algumas de suas obras e relações tecidas com outros intelectuais como Lourenço Filho (coordenador da CEAA em seus primeiros anos), recorreu-se a alguns dos conceitos de Pierre Bourdieu. Foram tomados como fonte de pesquisa os livros Voto e Democracia; Direitos e Deveres do Cidadão Brasileiro; Como é bom trabalhar e O Espôso, a espôsa, os filhos, todos com data de publicação do ano de 1962. Os discursos foram analisados a partir da ACD de Norman Fairclough, de modo a abranger a compreensão da ordem discursiva, as análises interacional, interdiscursiva e lingüística presente em cada uma das obras. Os livros didáticos analisados aqui são emissários de mensagens explícitas e implícitas que têm por objetivo a consolidação de uma moral cívica assentada em sistemas de crenças e costumes já existentes: o cidadão – ou o “homem de Estado” - diria Durkheim (2002) deveria fazer de sua conduta enraizada solo fecundo para crescer em direção à democracia liberal da “pátria” brasileira que dependia da compreensão e da participação de seus “filhos” nos processos políticos e sociais decisórios e/ou constitutivos como as eleições e a arrecadação de impostos, respectivamente. O horizonte perseguido continha, portanto, mudanças: especialmente no que tange à sobreposição dos interesses do Estado sobre os interesses pessoais, que era condição essencial para guiar a conduta dos indivíduos, e permanências: a atuação das mulheres reservada ao espaço doméstico e o discurso religioso, embora essas não compusessem os discursos de modo absoluto.

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ABSTRACT

Inserted in the field of Sociology, History and with a background in Linguistics, in the line of Sociology and History of Education, this research explored the discourses about morality and civism printed in the textbooks of the Educar Collection, Moral and Civism series, distributed in the Adolescent and Adult Education Campaign (CEAA). Whose term was from 1947 to 1963 in Brazil. The main objective was the discursive identification of the ways of life and behavior sedimented in these texts, and the initial hypothesis pointed to the necessity of the constitution of modern subjects that already crossed the educational debates since the beginning of the twentieth century. By analyzing the discourses on morality and civism advocated by the CEAA, we also approached the modernizing social order in which Brazil and the other Latin American countries were inserted, all supported by various International Organizations.

The research, with qualitative approach, includes the bibliographic and documentary study. The methodology used was Norman Fairclough's Critical Discourse Analysis (ACD), in order to examine books in a three fold perspective, embracing discourse in its textual, discursive and social practice. In addition to Norman Fairclough's (2001; 2003; 2012) theoretical framework, werely on Emile Durkheim's theoretical contributions through the concepts of moral and civic morality. And also to understand the position of Renato Seneca Fleury (1895 - 1980), São Paulo intellectual, writer of the textbooks analyzed - in the Brazilian educational field, mainly from his career and some of hisworks and relationships woven with other intellectuals such as Lourenço Filho (coordinator of CEAA in his early years), resorted to some of Pierre Bourdieu's concepts. As a source of research, some books were used: Voto e Democracia; Direitos e Deveres do Cidadão Brasileiro; Como é bom trabalhar e O Espôso, a espôsa, os filhos, all of them with publication date of the year 1962. The speeches were analyzed from Norman Fairclough's ACD, in order to comprehend of the discursive order, the interactional, interdiscursive and linguistic analyzes present in each of the works. The textbooks analyzed here are emissaries of explicit and implicit messages that aim to consolidate a civic morality based on existing belief systems and customs: the citizen - or the "statesman" - wouldsay Durkheim (2002) should do of its rooted conduct fertile soil to grow towards the liberal democracy of the Brazilian "homeland" that depended on the understanding and participation of its "children" in the decision-making and / or constitutive political and social processes such as elections and tax collection, respectively. The persecuted horizon contained, therefore, changes: especially regarding the overlapping of state interests over personal interests, which was na essential condition to guide the conduct of individuals, and permanences: the performance of women reserved for the domestic space and religious discourse, although these did not make up the discourses at all. Key words: Moral; Civic morality; Textbooks.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Matrículas gerais e efetivas dos anos anteriores e depois da Campanha .. 86 Figura 2 – Aprovações nos anos anteriores e depois da Campanha ... 87 Figura 3 – Capa dos livros Voto e Democracia e Direitos e Deveres do Cidadão

Brasileiro ... 139

Figura 4 – Folha de rosto dos livros Voto e Democracia e Direitos e Deveres do

Cidadão Brasileiro ... 140

Figura 5 – Segunda folha interna de cada um dos livros ... 140 Figura 6 – Concepção tridimensional do discurso ... 180 Figura 7 – Esquema tridimensional ampliado: a ordem social e o discurso dos livros de FLEURY (1962) ... 181 Figura 8 – Capa dos livros Como é bom trabalhar! e O espôso, a espôsa, os filhos .... 185 Figura 9 – Folha de rosto dos livros Como é bom trabalhar! e O espôso, a espôsa, os

filhos ... 186

Figura 10 – Segunda folha interna de cada um dos livros ... 186 Figura 11 – Trajetória de Renato Sêneca Fleury ... 249

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Livros pós-escolares da Coleção Educar , da CEAA ... 18

Quadro 2 – Demais livros – outras coleções e/ou guias pós-escolares da CEAA ... 19

Quadro 3 – Percurso de sentidos de Voto e Democracia ... 167

Quadro 4 – Percurso de sentidos de Direitos e Deveres do Cidadão Brasileiro ... 167

Quadro 5 – Percurso de sentidos de Como é bom trabalhar! ... 210

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABE Associação Brasileira de Educação

ACD Análise Crítica do Discurso

AID Agência para o Desenvolvimento Internacional ARSS Actes de la Recherchee en Sciences Sociales

CAASCI Campanha de Alfabetização e Assistência Social de Cachoeiro de Itapemirim

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CBAR Comissão Brasileira Americana de Educação das Populações Rurais CEAA Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CNER Campanha Nacional de Educação Rural

CNI Confederação Nacional da Indústria CONALFA Comitê Nacional de Alfabetización

CREFAL Centro Regional de Educação Fundamental para a América Latina DIP Departamento de Imprensa e Propaganda

DNP Departamento Nacional de Propaganda EUA Estados Unidos da América

GPFESC Grupo de Pesquisa Ensino e Formação de Educadores em Santa Catarina FLACSO Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais

FMI Fundo Monetário Internacional

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICA Administração para a Cooperação Internacional

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LAE Liga Alfabetizadora de Enseñanza del Litoral

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MMM Moderno, Modernidade, Modernização

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OEA Organização dos Estados Americanos

OIs Organismos Internacionais

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OREALC Oficina Regional de Educación para América Latina y el Caribe PIAEA Programa Intensivo de Alfabetización y Educación de Adultos

PRONAMA Programa Nacional de Movilización por la Alfabetización del Perú RBEP Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

SEP Secretaria de Educação Pública SHE Sociologia e História da Educação SIRENA Sistema Radioeducativo Nacional UFES Universidade Federal do Espírito Santo UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. UNESP Universidade Estadual Paulista

UNP Unión Nacional de Periodistas USP Universidade de São Paulo

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SUMARIO

1 INTRODUÇÃO: A CEAA ... 15

2 APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS ... 27

A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO EOS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE.30 Os conceito centrais para a análise: moral e moral cívica ... 36

3 A MODERNIZAÇÃO BRASILEIRA E A CEAA ... 69

AS CAMPANHAS DE ALFABETIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA E O PAPEL DA UNESCO ... 91

4 RENATO SÊNECA FLEURY ... 105

TRAJETÓRIA DE RENATO SÊNECA FLEURY: COMO SE DEU O PERTENCIMENTO À ÁREA DA EDUCAÇÃO ... 117

FLEURY, A RELAÇÃO COM A EDITORA MELHORAMENTOS E A MISSÃO DE ESCREVER ... 127

5. O DISCURSO CÍVICO MORAL NOS LIVROS VOTO E DEMOCRACIA E DIREITOS E DEVERES DO CIDADÃO BRASILEIRO ... 136

A ORDEM DO DISCURSO ... 142

A análise interacional ... 150

A análise interdiscursiva ... 156

A análise lingüística ... 165

A PRÁTICA DISCURSIVA E A ORDEM SOCIAL... 171

6. O DISCURSO CÍVICO MORAL NOS LIVROS COMO É BOM TRABALHAR! E O ESPÔSO, A ESPÔSA, OS FILHOS ... 184

A ORDEM DO DISCURSO ... 188

A análise interacional ... 197

A análise interdiscursiva ... 201

A análise lingüística ... 209

A PRÁTICA DISCURSIVA E A ORDEM SOCIAL... 216

7 CONCLUSÃO ... 223

REFERÊNCIAS ... 229

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1INTRODUÇÃO

A formulação da questão de pesquisa dessa tese teve início no ano de 2015, ao ingressar no doutorado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), onde pude participar de reuniões do GPEFESC1 (Grupo de Pesquisa Ensino e Formação

de Educadores em Santa Catarina), grupo de pesquisa vinculado à linha de pesquisa na qual fui aprovada: SHE – Sociologia e História da Educação – e, ainda, ao projeto MMM: Moderno, modernidade, modernização: a educação nos projetos de Brasil – séc. XIX e XX2. A partir de então, fui impulsionada a buscar um problema de

estudo que estivesse relacionado à(s) juventude(s) e que dialogasse com o momento histórico dos anos 40 e 50, quando os projetos de educação do Estado brasileiro estavam inscritos na grande teia da modernização.

As leituras e discussões propiciadas pelo GPEFESC apresentaram-me à CEAA – Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos -, em vigor de 1947 a 1963, de iniciativa do Ministério da Educação e Saúde e que funcionava num esquema de cooperação entre União, Estados, Territórios e Municípios. Os Estados e Territórios deveriam providenciar a inscrição do maior número possível de alunos, recrutar docentes, supervisionar o ensino e instalar as salas de aula necessárias. O chamado para adolescentes e adultos era realizado através de jornais impressos e estações de rádio, além da utilização de cartazes nos municípios brasileiros. A Campanha previa a alfabetização de adolescentes e adultos em três meses, o curso primário inteiro em dois períodos de sete meses e passou por três fases (COSTA, 2012), sendo que em sua fase inicial - de 1947 a 1950 - é destacada por suas dimensões positivas, como por exemplo, o número elevado de matrículas3 e a

1 O GPEFESC tem página na internet: https://gpefesc.wordpress.com/ Acesso em 05 jan. 2017.

2 O projeto MMM envolve um conjunto de pesquisadores de onze universidades brasileiras, com trabalhos que

discutem as temáticas dos processos modernizadores no Brasil e o lugar da educação e da intelectualidade, além de outras especificidades e recortes mais regionais.

3Segundo documento oficial do Ministério da Educação e Saúde, de 1950, a média anual de matrículas efetivas

em cursos de alfabetização, antes da Campanha, era de 110 mil alunos. Depois da Campanha passou a ser de mais de meio milhão de alunos (BRASIL, 1950, p. 4).

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direção de Lourenço Filho4. Em sua segunda fase, de 1951 a 1954, são criados Centros de Iniciação Profissional (Paiva, 1983), principalmente nas áreas urbanas em diversos estados, em parceira com entidades públicas e/ou privadas (COSTA, 2012) e também surge um “braço”: a Campanha Nacional de Educação Rural, que vai tornar-se um movimento separado. A terceira e última fase, no final dos anos 50 e início de 60, ocorreu simultaneamente aos debates sobre a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). As experiências de escolas radiofônicas, cujo sistema era denominado SIRENA (Sistema Radioeducativo Nacional) foram anexadas à CEAA a partir de 1957.

Em relatório de 1949, a Campanha é definida, pelo próprio governo brasileiro, como uma “série de operações de guerra”, ou, em sentido translato, “conjunto de esforços agressivo, para um fim determinado” (BRASIL, 1949, p.7). Dentre o conjunto das estratégias se preconiza a “máxima descentralização de execução, como coordenação dos esforços mediante convênios interadministrativos” (BRASIL, 1949, p. 7). Com relação às táticas adotadas, por sua vez, se inclui a “farta distribuição de material impresso (guias de leitura, textos, jornais murais, livros “que fale por si”) (BRASIL, 1949, p. 7). É possível, portanto, notar que a realização de tal Campanha compreende uma organização complexa, num entrelaçamento de esforços que compreende o analfabetismo como o inimigo a ser combatido com todas as armas possíveis e conjugadas.

A Campanha contou com cerca de ¼ dos recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário5 em seu início, em 1947 (BRASIL, 1950, p. 4) e o caráter formativo não se resumia à alfabetização, mas, mais do que isso, estava preocupado em formar sujeitos “completos”, dotados de valores morais, cívicos e, enfim, de capacidade para participar da vida social de então, como comprova a conclusão de discurso proferido por Lourenço Filho em palestra realizada a convite do Centro de Professores Noturnos do Rio de Janeiro, cujo tema era a educação de adultos:

Organizar a educação de adultos, por onde quer que se torne necessária, será recuperar valores sociais quase perdidos, pela oferta de novas

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Costa (2012, p. 46) apresenta, também, os assistentes de Lourenço Filho que contribuíram para planejar e viabilizar a realização da CEAA: Noemy Silveira Rudolfer (catedrática de Psicologia Educacional da Universidade de São Paulo); Dulcie Kanitz Viana (técnica de Educação, com exercício no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos); Helena Mandroni (antiga professora da seção de Prática de Ensino no Instituto de Educação do Distrito Federal); Orminda Isabel (ex-diretora da mesma Seção).

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oportunidades; será concorrer para maior compreensão cívica e social; será, enfim, reforçar, por tôdas as formas, a estrutura da vida nacional. É ela, enfim, obra de organização social, de revigoramento econômico e fundamentação democrática, necessária e urgente (LOURENÇO FILHO, 1945, p. 185).

Para além do alcance da CEAA, que se constituía como mais uma Campanha em um país que contava, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com mais da metade da população adulta analfabeta: 56,8%6 (1940), me chamou a atenção os materiais distribuídos aos adolescentes e adultos, compostos por livros didáticos que foram denominados “pós-escolares”, em Relatório do Serviço de Educação de Adultos para o exercício de 1950 (COSTA, 2012). A função de tais materiais seria “(...) servir nas lições de educação moral e cívica” (BRASIL, 1948, p. 32 apud COSTA, 2012, p. 38).

Costa7 (2012), autora de tese de doutorado sobre a CEAA, realizou um

levantamento dos livros disponíveis atualmente na Biblioteca da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e constatou a presença das seguintes obras, explicitadas a seguir. Já que o objetivo desta tese compreende a análise das obras da Coleção Educar, série Moral e Civismo, em destaque, apresento-as em destaque. Na avaliação da autora tais livros têm temáticas variadas, contudo, podem ser percebidos como “(...) propostas de moldagem social, dotadas de claro sentido normativo.” (COSTA, 2012, p. 39).

6A estatística pode ser acessada em documento do IBGE, disponível em:

<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv37312.pdf> Acesso em 03 dez 2017.

7 A autora analisa, detidamente, os livros Juca Fubá visita uma cidade e Mulheres Exemplares, além de outros

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18 Quadro 1. Livros pós - escolares da Coleção Educar, da CEAA

Coleção

Educar, série Ficção Educar, série Moral Coleção

e Civismo Coleção Educar, série História Coleção Educar, série Teatro Juca-Pirama (Coleção Educar n. 5, v. 2, Série Ficção). Autor: Lúcio Cardoso Voto e democracia (Coleção Educar n. 6, v. 1, Série Moral e Civismo) Autor: Renato Sêneca Fleury, 1962. Ilustrações de Fernando Pieruccetti. Mulheres exemplares (Coleção Educar n. 2, v. 1, Série História Autora: Guiomar Reis Damazio Carta a Margarida (Coleção Educar n. 10, v. 3, Série Teatro) Autor: Zuleika Mello Juca Fubá visita

uma cidade (Coleção Educar n. 12, v. 3, Série Ficção) Autor: Fernando Pieruccetti Direitos e deveres do cidadão brasileiro (Coleção Educar n. 7, v. 2, Série Moral e Civismo) Autor: Renato Sêneca Fleury, 1962. Ilustrações de Fernando Pieruccetti. O hipnotizador de serpentes (Coleção Educar n. 14, v. 4, Série Ficção) Autor: Fernando Pieruccetti Como é bom trabalhar (Coleção Educar n. 8, v. 3, Série Moral e Civismo) Autor: Renato Sêneca Fleury, 1962. Ilustrações de Fernando Pieruccetti. Duas histórias do velho Deca (Coleção Educar n. 1, Série Ficção) Autora: Hermé de Castro Mallet O esposo, a esposa, os filhos (Coleção Educar n. 15, v. 4, Série Moral e Civismo) Autor: Renato Sêneca Fleury, 1962. Ilustrações de Fernando Pieruccetti.

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19 Quadro 2. Demais livros – outras coleções e/ou guias – pós-escolares da CEAA

Coleção Brasil, n. 17, v. 6, Série Moral e Civismo: O álcool sepulta uma vida Autor: Renato Sêneca Fleury

Maranduba: narrativas de histórias do Brasil (Paula C. Barros, 3. ed., 1956); Caderno de Aritmética (1960) produzido pela professora Fany Malin, com a supervisão do professor França Campos

Alfabeto da saúde (1960), sem identificação de autoria

Guia de alimentação (1960), organizado pelo Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil para a Campanha de Educação de Jovens e Adultos

Guia de Leitura (1962) produzido pela professora Alaíde Lisboa de Oliveira Deca: o pescador vitorioso (1957)

Autora: Dulcie Kanitz Vicente Viana et al.

Guia de linguagem para o sexo feminino (organizado pela professora Dulcie Kanitz Vicente Vianna, Ministério da Educação e Cultura,1960)

Guia de linguagem para o sexo masculino (organizado pela professora Dulcie Kanitz Vicente Vianna, Ministério da Educação e Cultura,1960)

Fonte: COSTA, 2012, p. 38

Portanto, foi com a descoberta desta empiria – os livros didáticos, especificamente aqueles referentes à Coleção Educar, Série Moral e Civismo – que começou a ser gestada a questão de pesquisa: quais discursos sobre a moral e o civismo estavam presentes na formação de jovens e adultos a partir de alguns dos livros pós-escolares que eram distribuídos a esses estudantes em seu processo de alfabetização na CEAA (Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos).

Com relação à denominação dos livros, optei por chamá-los de livros didáticos e, doravante, assim irei me referir a eles. Embora o nome de pós-escolares seja da própria Campanha, as características que os compõem são equivalentes às dos livros didáticos. No que se refere à conceituação dos livros, Choppin (2004; 2009) e Bittencourt (2011) sublinham a importância da definição dos livros/objetos de estudo a serem analisados. Choppin (2004) destaca que a maioria dos pesquisadores se omite em definir o seu objeto e, ainda, aponta a múltipla caracterização própria dos livros didáticos, destacando as seguintes funções:

1. Função referencial, também chamada de curricular ou programática, desde que existam programas de ensino: o livro didático é então apenas a fiel tradução do programa ou, quando exerce o livre jogo da concorrência, uma de suas possíveis interpretações. Mas, em todo o caso, ele constitui o

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suporte privilegiado dos conteúdos educativos, o depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações.

2. Função instrumental: o livro didático põe em prática métodos de aprendizagem, propõe exercícios ou atividades que, segundo o contexto, visam a facilitar a memorização dos conhecimentos, favorecer a aquisição de competências disciplinares ou transversais, a apropriação de habilidades, de métodos de análise ou de resolução de problemas, etc. 3. Função ideológica e cultural: [...] Instrumento privilegiado de construção de identidade, geralmente ele é reconhecido, assim como a moeda e a bandeira, como um símbolo de soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante papel político. [...]

4. Função documental: acredita-se que o livro didático pode fornecer, sem que sua leitura seja dirigida, um conjunto de documentos, textuais ou icônicos, cuja observação ou confrontação podem vir a desenvolver o espírito crítico do aluno. (CHOPPIN, 2004, p. 553)

Nessa direção, os livros didáticos estudados apresentam ainda as seguintes especificidades: deveriam servir nas lições de educação moral e cívica (conforme citado anteriormente), as histórias contadas revestem-se de aspectos lúdicos e, portanto, remetem à literatura de lazer e, por fim, não eram distribuídos a todos os estudantes. Tais livros didáticos, portanto, ao revestirem-se de uma natureza múltipla podem ser definidos como livros didáticos de modo a contemplar uma tríplice tomada: são livros “prêmio” (CHOPPIN, 2004, p.553), sendo entregues apenas aos alunos de maior adiantamento, são também livros de reforço das noções de moral e civismo e, por fim, literatura de lazer, uma vez que apresentam pequenas histórias da vida cotidiana.

Circe Bittencourt (2004) salienta que os livros didáticos definem-se, também, por serem destinados aos estudantes, sendo que esta característica fica mais clara a partir da segunda metade do século XIX. O professor deixa de ser a figura central e, então, a sua concepção é realizada considerando-se o aluno.

Após ler os trabalhos de Medina (2012) e Oliveira e Souza (2000) sobre livros de leitura pensei se poderia conceituar os livros de Fleury do mesmo modo (como livros de leitura). Segundo as autoras os livros de leitura são aqueles que têm por objetivo principal aprimorar a leitura e tratar de outros conteúdos, inclusive de cunho moral e, majoritariamente, são utilizados em sala de aula, em momentos reservados para isso. “Utilizado nos momentos finais da alfabetização e durante o aprendizado da leitura corrente os livros de leitura podiam ser classificados em manuscritos e impressos” (MEDINA, 2012, p. 70). Oliveira e Souza acrescentam:

As séries graduadas de leitura compõem-se de três, quatro e até cinco livros (primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto livros de leitura), nos quais

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estão distribuídos todos os conhecimentos a serem ensinados desde o primeiro até o último ano da escola primária. Cada livro equivale a um ano letivo (OLIVEIRA e SOUZA, 2000, p. 27).

Diante das especificidades mencionadas – e que não correspondem a características dos livros aqui analisados – concluí por conceituá-los de livros didáticos. Também Bittencourt (2004) afirma que os livros de leitura e os livros de lições de coisas são uma espécie de “novo gênero” de livros didáticos. Por fim, Medina (2012, p. 242) também afirma que os livros de leitura estiveram presentes “(...) nas escolas do fim do século XIX até o fim da primeira metade do século XX”. Então, os livros da CEAA escritos por Fleury, embora tenham algumas similaridades com os livros de leitura – como o reforço de leitura e abordagem de temas de bom comportamento - na verdade, guardam mais diferenças com tal denominação.

Não obtive os dados acerca do tamanho da tiragem da Coleção Educar, série Moral e Civismo, da qual os livros fazem parte, em documentos e relatórios acerca da CEAA. Acredito que a Coleção não tenha tido tiragens astronômicas, visto que os livros não tinham como objetivo atingir a todos os alunos. Choppin (2004) chama a atenção para o fato de que é muito comum, nas pesquisas sobre livros didáticos, que os pesquisadores se debrucem sobre edições com maior tiragem, o que ocasiona uma repetição de algumas análises em detrimento de outras não menos importantes. Isto é, o autor atenta para a necessidade de situar as obras pesquisadas no mercado editorial e em seu contexto histórico social, contudo, afirma que o critério de elevado número de exemplares não deveria ser o único condicionante para a realização das pesquisas.

A seguir, no capítulo 2, apresento os aportes teórico-metodológicos nos quais me apoio: a Análise Crítica do Discurso (ACD) é a orientação metodológica deste trabalho, sob a perspectiva de Fairclough (2001; 2003; 2012), conjugada a conceitos de Bourdieu (2002; 2004a; 2004b), especificamente os de campo, intelectual e trajetória, para compreender quem foi Renato Sêneca Fleury e a sua atuação no campo educacional. Na perspectiva da ACD, todo discurso “tem três camadas ou dimensões: é texto, falado ou escrito, é uma interação entre pessoas e é ação social” (CALDAS-COULTHARD; SCLIAR-CABRAL, 2008, p. 31). Esta perspectiva de análise também procura evidenciar as relações de poder que

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condicionam os discursos (CALDAS-COULTHARD; SCLIAR-CABRAL, 2008, p. 28). Nesta chave de leitura, queremos “escutar os mortos com os olhos” (CHARTIER, 2010, p. 7, evocando versos literários) de modo a perscrutar os discursos que apresentam uma autoridade afirmada (CHARTIER, 2010) e, ao mesmo tempo, trazem inscritos em seus interstícios modos de pensar e viver o mundo já sedimentados no tecido social. É importante destacar que Fairclough (2001) considera que na relação entre discurso e sociedade – incluindo aí estruturas e instituições – não há uma primazia, a priori, de um dos pólos. A partir de sua perspectiva – ACD – o discurso não é “(...) mero reflexo de uma realidade social mais profunda” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 92), tampouco “(...) representado idealizadamente como fonte do social” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 92). O discurso é prática social e nesse sentido se nutre – em alguma medida – da ordem social vigente e, ao mesmo tempo, age sobre essa ordem social, seja provocando mudanças, perpetuando processos ou reestruturando relações sociais e lutas de poder.

Desse modo, concebo os livros didáticos analisados como textos que preconizam modos de vida e de conduta adequadas aos adolescentes e adultos, mas que simultaneamente, são feitos de uma determinada ordem social, incluindo aí aspectos morais e discursivos já materializados. É importante ressaltar que tal concepção não implica, uma imposição vertical realizada pelo Estado, tendo os livros por veículo discursivo. Nessa perspectiva – a partir de Fairclough (2001)-, os livros não são compreendidos de modo mecânico, como a “servirem de agulha a muita linha ordinária” (retomando a imagem apresentada por Machado de Assis no conto

Um Apólogo), mas numa vista tríplice: são a linha (texto discursivo), a agulha

(interação entre mundos) e o tecido, inscritos e dispostos no mundo social.

Mais do que textos cuja decodificação reforçaria a leitura, há a tessitura de práticas sociais, encorajando condutas morais: a formação de uma família, o cumprimento da lei e dos deveres estabelecidos e desencorajando o ócio, dentre outras escolhas. Desenham-se, nos textos, o ideal republicano constituído por um Estado que garante direitos como a participação política (livros Voto e Democracia e

Direitos e Deveres do Cidadão Brasileiro) e que, conjuntamente, preconiza a

importância do trabalho como um dever social (livro Como é bom trabalhar!) e aconselha que se cumpra um modelo de organização familiar (O espôso, a espôsa,

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os filhos), valores que começam a ganhar centralidade desde a modernidade. A tese

de Costa (2012), já mencionada aqui, é de que os esforços da Campanha foram parte de um processo civilizador em curso no Brasil desde a proclamação da República. Concordo com a autora no que se refere à compreensão da Campanha a partir de uma perspectiva de uma duração mais longa, isto é, é resultado de um processo que não se inicia e termina por si só. O que se objetiva, a partir dessa tese é trazer à tona os discursos acerca da moral e do civismo que dão sustentação a esse processo civilizador em curso. Como já destaquei, os livros, em seus discursos podem explicitar, ao mesmo tempo, minúcias acerca da moral e do civismo que eram desejados ao passo que também eram feitos de elementos já presentes nessa mesma sociedade. Nesse processo discursivo, a moral e o civismo instituídos e a moral e o civismo preconizados nos livros retroalimentam-se num processo tencionado – e normatizado - pelos debates educacionais e pelo projeto de modernização do Estado colocado em curso.

No capítulo seguinte apresento os conceitos de moral e civismo que irão guiar as análises discursivas dos livros. Inicialmente, é possível afirmar que ideias acerca da moral e do civismo são apresentadas, nesses livros didáticos da CEAA, indissociavelmente e, como se deduz a partir da influência do positivismo8, como fundamentais para a paz social. Assim, optei por calibrar o olhar para os textos a partir dos conceitos de moral (DURKHEIM, 2012) e de moral cívica (DURKHEIM, 2002). O conceito de moral perpassa toda a obra de E. Durkheim e pode ser apresentado, inicialmente, como um conjunto de regras e de normas de conduta, não sendo compreendido simplesmente como “(...) uma coleção de hábitos” (DURKHEIM, 1999, p. XLVII). Discuto o conceito a partir de diversas obras do autor, porém, com ênfase em A educação moral.

8 Aqui o positivismo é compreendido como a corrente filosófica que influenciou, sobremaneira, a Sociologia e a

sociedade brasileira: data de novembro de 1890 a inclusão da disciplina intitulada Sociologia e Moral no ensino secundário e nas escolas normais, por iniciativa de Benjamin Constant, que ocupava o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos (NEUHOLD, 2013). Nesse momento histórico, Augusto Comte e demais autores positivistas objetivavam empreender uma organização da sociedade que correspondesse a uma física social: a ciência teria o papel de garantir essa organização racional das sociedades, de modo que, segundo o lema positivista: o amor viria por princípio, a ordem por base e, por fim, o progresso.

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A opção feita por mim, ao escolher o conceito de moral cívica - e não civismo - se deve à abrangência do conceito de moral cívica, que é maior, bem como ao propósito de buscar uma referência na/da própria Sociologia e que era, inclusive, predominante no momento histórico de produção dos livros didáticos a serem analisados. O conceito de civismo é bastante polissêmico e utilizado, algumas das vezes, de modo errôneo – se tivermos como ponto de partida o próprio E. Durkheim -, sendo muitas vezes confundido com patriotismo. O patriotismo – “(...) o conjunto das idéias e dos sentimentos que ligam o indivíduo a um Estado determinado” (DURKHEIM, 2002, p. 102) está incluído na moral cívica, contudo ela não se encerra com ele. A moral cívica, mais abrangente, pode ser definida, de modo geral, como um conjunto de regras estabelecidas na sociedade política, sendo o Estado o responsável, por excelência, em “(...) chamar, progressivamente o indivíduo à existência moral” (DURKHEIM, 2002, p. 97).

Em item posterior – capítulo 3 - faço uma análise da CEAA de modo mais amplo, de modo a compreender a rede de práticas (FAIRCLOUGH, 2012) no qual os discursos sobre moral e moral cívica estão inseridos. Em proposta de análise da ACD, Fairclough (2012) identifica essa rede de práticas sociais como um primeiro obstáculo a ser enfrentado na pesquisa acerca dos discursos. Embora pareça amplificar o trabalho, esse movimento é fundamental para reconhecer as relações de poder e as práticas discursivas que são mobilizadas na sociedade e, mais especificamente, nos debates educacionais. Inserida em um projeto de modernização brasileira, a CEAA guardava relações com as Campanhas que ocorriam na América Latina, sendo que os OIs (Organismos Internacionais), principalmente a UNESCO (Organização de Educação, Ciência e Cultura das Nações Unidas) estão atuando em diversas frentes, de modo a propiciar condições para que os países atendessem ao direito de educação a todos, sem distinções. A educação era concebida como a condição essencial para a melhoria de vida dos povos e a garantia de paz entre as nações, num mundo ainda atordoado pelos efeitos da Segunda Guerra Mundial. Esse espírito esteve presente em diversos eventos internacionais da área da Educação promovidos pela UNESCO em conjunto com os governos de muitos dos países latinos. Na base de todo o clima político da época estava presente a teoria da modernização, segundo a qual o desenvolvimento dos países obedeceria a determinadas etapas e, portanto, bastava seguir as

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fórmulas preconizadas pelos OIs (Organismos Internacionais). Segundo Souza (2017), é a teoria da modernização que embasa as análises do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional) até a presente data e sustenta muitas das explicações acerca da desigualdade entre os países.

No Capítulo 4 apresento Renato Sêneca Fleury, autor dos livros analisados. Nesse capítulo utilizo a perspectiva teórica de conceitos de Bourdieu (2002; 2004b), especialmente no que re refere à compreensão da trajetória do intelectual Renato Sêneca Fleury, de modo a contemplar esse agente e a sua atuação numa perspectiva abrangente, como propõe Vieira (2011). Busco considerar a estrutura da rede de intelectuais do campo educacional naquele momento histórico em que a força da palavra escrita era a principal gestora das relações objetivas. Uma biografia não pode se reduzir a sucessões de fatos, mas, ao contrário, deve-se ser capaz de explicar as “bifurcações da árvore” (BOURDIEU, 2002, p. 292) e o que os diversos galhos mortos, bem como aqueles nos quais se investiu e se frutificaram, representam na vida de um autor. Pode-se dizer que a compreensão da trajetória de Fleury e as suas estratégias de atuação ajudam a compor os resultados, posto que a Análise Crítica do Discurso considera como uma de suas premissas a compreensão das relações de poder em que os autores de discursos estão inseridos e a sua posição social. Assim, é fundamental conhecer como se dava a atuação de Fleury nos debates da área da Educação naquele período e, mais ainda, o seu quinhão de participação em revistas e editoras, visto que “(...) para a década de trinta, o escrito e a ciência gozam de uma inusitada credibilidade política” (DIAZ-SOLER, 2010, p. 14). De modo preliminar pode-se dizer que se trata de um autor imbuído de sólida formação escolar aliada à produção de uma vasta bibliografia e portador de capital social.

Nos capítulos 5 e 6 apresento a análise dos discursos sobre moral e moral cívica presentes nos livros a partir da ACD (Análise Crítica do Discurso), com o autor N. Fairclough (2001; 2003; 2012), seguindo a ordem de publicação dos livros: embora as obras estejam todas demarcadas com o ano de 1962, os dois primeiros volumes são: Voto e Democracia e Direitos e Deveres do Cidadão Brasileiro (I e II, respectivamente), seguidos dos volumes III - Como é bom trabalhar! – e IV: O

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espôso, a espôsa, os filhos9. O recorte dos capítulos se deve mais à organização da escrita e à pormenorização de alguns dados e excertos dos livros, que ficaria demasiado extenso em capítulo único. As noções e representações discursivas sobre moral e a moral cívica estão associadas ou completamente imbrincadas – observação feita também por Vieira (2008a, p. 45) em tese de doutorado sobre o civismo em toda a história republicana brasileira: “A formação cívica do cidadão esteve sempre acompanhada pela questão da moral”. O gênero textual, de modo geral, dos livros é organizado de forma um tanto distinta: Voto e Democracia e

Direitos e Deveres do Cidadão Brasileiro podem ser classificados – de acordo com

Fairclough (2001; 2003)- como narrativas conversacionais, cujos personagens principais – respectivamente, um professor e um velho que já viajou muito pelo Brasil – conduzem a estória de modo a conduzir a passagem de um não-saber a um saber dos demais personagens e, consequentemente, dos leitores. Por sua vez, os livros

Como é bom trabalhar! e O espôso, a espôsa, os filhos apresentam um mosaico de

narrações mais curtas cujas referências variam de Jesus Cristo a Machado de Assis, de modo a afirmar e reafirmar a importância e a necessidade da ordem no seio familiar e a persistência no trabalho para a estabilidade social. Com o objetivo de mostrar os discursos e as maneiras pelas quais são inscritos nos textos, os capítulos organizam-se em subitens de modo a contemplar a análise da ordem discursiva, a análise interacional, análise interdiscursiva, análise lingüística e, por fim, a relação entre a prática discursiva da moral cívica e a ordem social. Esta estrutura de análise é proposta por Fairclough (2012), para quem a ACD “(...) estará inevitavelmente envolvida em debates e controvérsias sociais quando enfatizar certas características da vida social como problema” (FAIRCLOUGH, 2012, p. 312). Desse modo, estão combinados procedimentos da área da Lingüística associados à Sociologia, a partir dos marcos teóricos da moral e da moral cívica (DURKHEIM, 2002; 2012) nas análises discursivas dos livros.

9 Quando trato dos livros farei referência a eles do seguinte modo: Voto e Democracia (FLEURY, 1962a);

Direitos e Deveres do Cidadão Brasileiro (FLEURY, 1962b); Como é bom trabalhar (FLEURY, 1962c); O esposo, a esposa e os filhos (FLEURY, 1962d).

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2APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS PARA A COMPREENSÃO E ANÁLISE DISCURSIVA DA MORAL E MORAL CÍVICA IMPRESSA NOS LIVROS DA CEAA

O campo das pesquisas sobre os livros didáticos constituiu-se recentemente, sendo que, segundo Choppin (2004), cerca de ¾ da produção científica mundial tem menos de 20 anos e 45% menos de dez anos. Trata-se de uma área cujo interesse tem crescido fortemente, segundo o autor, graças à percepção do peso dos livros didáticos para as editoras, além de outros fatores, como demandas sociais e, ainda, debates recentes sobre o papel dos livros diante das novas mídias e tecnologias de comunicação, dentre outras situações.

Bittencourt (2011), em análise sobre as pesquisas acerca dos livros didáticos de História, no Brasil, também demarca o campo dos estudos dos livros didáticos, no Brasil, como recente: nos anos 80 tais pesquisas ganham terreno na Academia, sendo que é a partir do século XXI que é possível perceber um avanço no que se refere a uma ampliação das perspectivas, para além da já tradicional identificação e denúncia de discursos ideológicos presentes nos livros didáticos. A autora ressalta as relações que são tecidas, por exemplo, com a história da leitura e as práticas de leitura, sustentando que “os signos alinhados pela mão humana não significam nada por eles mesmos” (MARTIN, 1988, p. 465 apud BITTENCOURT, 2011, p. 503). Desse modo, os livros são articulados a outras fontes e autores como Chartier, que evidencia o livro não simplesmente como um “espelho” da realidade, mas como um objeto que materializa outros processos sociais. Nessa direção, a autora destaca o quanto as pesquisas mais recentes têm ganhado rigor no que concerne aos procedimentos metodológicos e, ainda, formando bancos de dados e estabelecendo redes entre diversas instituições, de modo a disponibilizar e organizar obras didáticas da área da História.

Sobre os estudos de manuais escolares, Rocha e Somoza (2012), em apresentação de dossiê, destacam a crescente atenção que os livros escolares têm recebido:

Dispositivo fundamental no projeto de difusão da escolarização em massa que acompanhou a constituição dos Estados Nacionais, recurso educativo mais presente e mais cotidianamente utilizado nas salas de aula dos vários cantos do mundo, o livro escolar vem se configurando em objeto de

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interesse de equipes de pesquisadores de vários países (ROCHA; SOMOZA, 2012, p. 31).

Ao avaliarem o quanto se avançou na área de estudos de livros didáticos, mais precisamente no que concerne às metodologias dessa área de estudos, as autoras lamentam a predominância de estudos centrados exclusivamente na análise textual:

(...) a análise do conteúdo textual continua prevalecendo sobre a análise iconográfica, sendo ainda escassos os estudos que abordam ambas as perspectivas de maneira integrada e sistemática. Cabe destacar também que, ao privilegiar a análise de conteúdos, a maioria das investigações permanece centrada no momento da emissão da mensagem ou do discurso presente nos livros, sem avançar sobre o momento da recepção. Assim, permanecem na penumbra os processos de decodificação, interpretação, contestação e apropriação que os alunos realizam, assim como as ações de mediação e transformação dos conteúdos originais que os educadores e as próprias instituições escolares produzem, seja de maneira intencional ou contingente (ROCHA e SOMOZA, 2012, p. 24).

Apesar de sinalizar para tais lacunas as autoras também reconhecem as dificuldades de se estabelecer procedimentos de pesquisa que dêem conta de transitar pela memória, nos interstícios entre o vivido e o lembrado. Exemplo de pesquisa que busca perscrutar o hiato entre os livros utilizados e a memória é a de Fernandes (2004), que verificou como professores e alunos interagiram com livros didáticos no período compreendido entre 1940 e 1970. A partir de entrevistas, a autora buscou analisar se havia lembranças dos livros estudados e a possibilidade de dimensionar o valor simbólico e material do livro para essas pessoas. Como resultado, a autora destaca que, quanto maior o nível de escolaridade, mais lembranças e informações acerca dos livros foram levantadas pelos entrevistados, inclusive nomes de autores, além de métodos de ensino e como eram – ou não – utilizados.

Carlota Boto (2004), ao investigar a produção didática de um intelectual português – Francisco Júlio Caldas Aulete - do século XIX, destaca que a cartilha10,

“(...) como primeiro livro do aluno, é o seu passaporte para a cultura das letras” (BOTO, 2004, p. 509). A autora destaca o conteúdo civilizatório desses livros didáticos, cujos relatos compeliam os estudantes a “(...) comportamentos sociais que a escola valorizava: o asseio, a obediência, a disciplina, a polidez, o esforço e a

10 A autora recupera a origem da palavra cartilha – que vem de “cartinha” – e posteriormente define as cartilhas,

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perseverança” (BOTO, 2004, p. 508). Além de preconizar comportamentos, as cartilhas “contavam um país às crianças” e, mais do que isso, estavam inscritas em um projeto de nação em que as escolas – a partir, também, das cartilhas – iriam “(...) auxiliar o país a se reerguer, pela trilha do conhecimento” (BOTO, 2004, p. 509).

Para finalizar esse breve panorama sobre as pesquisas sobre livros didáticos, é preciso destacar, por fim, um apontamento feito por Choppin (2004): refere-se à divisão das pesquisas em duas grandes categorias: há aquelas que analisam a empiria – o livro didático – como fonte de informações de algo exterior a eles. Por exemplo, a investigação sobre a “(...) representação da ideologia colonial...” (CHOPPIN, 2004, p. 554) e, assim, se faz muito mais uma investigação acerca de uma temática do que acerca do livro, mais especificamente. Esse é o caso, por exemplo, de algumas pesquisas recentes, cujo referencial metodológico tem sido a ACD. Pinhão e Martins (2012) investigaram o discurso sobre saúde e ambiente em coleção didática da disciplina de Ciências denominada Projeto Ariribá e destinada a estudantes do ensino fundamental, sendo a mais distribuída no ano de 2008 no Brasil. É interessante observar que as autoras destacam que a metodologia da ACD permitiu perceber que, para além da relação com o Estado – que pode, a partir de instâncias de controle, balizar ou homogeneizar o que é publicado – há uma grande variedade de discursos que permeiam os textos dos livros e, sendo assim, é possível, inclusive, que se subvertam recomendações oficiais (PINHÃO e MARTINS, 2012). A tese de doutorado de Ariovaldo Lopes Pereira (2007) também segue caminho semelhante ao pesquisar as representações de gênero em livros didáticos de língua estrangeira a partir da teoria e metodologia da ACD. Todavia, o diferencial dessa pesquisa é que, além do corpus textual e imagético presente nas seis coleções de livros didáticos de língua inglesa destinados ao Ensino Fundamental e publicados no Brasil, o pesquisador fez observação e registro de aulas e entrevistas com estudantes e educadores que participaram das aulas. Procedimento semelhante – o da investigação de uma temática a partir da ACD em livros e/ou publicações – também foi realizado por Mônica Teresinha Marçal (2017) em tese de doutorado intitulada Discursos sobre crianças e infância em revistas pedagógicas

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Catarina. Em busca de teses de doutorado no portal CAPES11, vinculadas inicialmente à grande área de conhecimento das Ciências Humanas e simultaneamente à área de conhecimento e de concentração da Educação foram encontrados oito trabalhos, sendo que sete deles se referem a pesquisas em que houve a eleição de uma temática e a partir dessa escolha se buscou analisar documentos, textos referentes a políticas públicas e/ou debates políticos. Sinaliza- se, assim, que nessa categoria de pesquisas à qual Choppin (2004) se refere: investigações de determinados temas e a sua presença em livros e documentos, há um movimento de escolha de referencial teórico-metodológico para a ACD, a ser explanada, mais especificamente, no próximo item desse capítulo.

Uma segunda categoria de pesquisa, na classificação de Choppin, por sua vez, refere-se àquelas pesquisas que “negligenciam” os conteúdos e investigam como o livro foi “(...) concebido, produzido, distribuído, utilizado e ‘recebido’...” (CHOPPIN, 2004, p. 554) num esforço de centralizar a investigação no “objeto” livro, propriamente dito. O autor relativiza tal polarização dizendo que, muitas das vezes, as pesquisas dialogam com os dois pontos de vista.

A investigação realizada na presente tese aproxima-se da primeira opção, na medida em que objetiva debruçar-se em torno dos discursos acerca da moral e do civismo presentes nos livros sem que tenha sido possível definir o seu alcance em produção, distribuição e recepção.

A ACD (Análise Crítica do Discurso) e os procedimentos de análise

A Análise Crítica do Discurso, orientação teórico-metodológica desde trabalho, sob a perspectiva de Fairclough (2001), de certo modo, tangencia afirmativamente outro apontamento feito por Choppin (2004): qual seria a real influência de um livro para a conduta das pessoas? Tendo como preocupação relacionar os processos de produção textual com a prática social, a análise crítica do

11Trata-se de portal virtual ligado ao MEC (Ministério da Educação), onde são disponibilizados trabalhos de

pesquisa – dissertações e teses de universidades públicas -, dentre muitas outras publicações científicas e

inclusive, internacionais. O portal pode ser acessado em: <

https://www.periodicos.capes.gov.br/?option=com_pcontent&view=pcontent&alias=missao-

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discurso considera que os discursos e as práticas sociais configuram-se reciprocamente.

Fairclough (2012) afirma ter reservas quanto ao conceito de método – se compreendido como uma espécie de ferramenta da qual se lança mão e depois se descarta – e classifica a ACD como “(...) muito mais uma teoria que um método, ou melhor, uma perspectiva teórica sobre a língua”... (FAIRCLOUGH, 2012, p.307). Ainda complementa destacando que as análises da ACD incluem incursões mais abrangentes nos processos sociais e, sendo assim, essa teoria pode e deve engajar-se com outras teorias e métodos, de modo a tecer estudos mais completos entre linguagem e vida social. O autor também destaca que “(..) a análise do discurso é uma atividade multidisciplinar...” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 102) e, desse modo, a Sociologia ou outras áreas como a Psicologia ou a Política podem e/ou devem estar articuladas.

Nesse sentido, posto que a Análise Crítica do Discurso considera como uma de suas premissas o caráter multidisciplinar, além da necessidade de compreensão das relações de poder em que os autores de discursos estão inseridos, para compor esses resultados busquei conjugar os conceitos de Bourdieu, a saber: campo (2004a), intelectual (2004b) e trajetória (2002). Pierre Bourdieu (1930-2002), sociólogo e filósofo francês, tem uma obra extensa – acerca dos mecanismos de reprodução das desigualdades sociais, dentre outras temáticas – que é referência para a Sociologia. Os conceitos de Bourdieu são operacionalizados no capítulo seguinte da presente tese e têm como objetivo elucidar a biografia de Fleury, observando concomitante a sua vida pessoal e o campo intelectual e editorial no qual ele atuava, de modo a compreender:

(...) o sentido e o valor social dos acontecimentos biográficos, entendidos como colocações e deslocamentos nesse espaço ou, mais precisamente, nos estados sucessivos da estrutura das diferentes espécies de capital... (BOURDIEU, 2002, p.292).

É o próprio Fairclough (2012) quem adverte que uma posição – e os discursos veiculados, consequentemente – são “exercidos” de acordo com a própria identidade, sendo que a identidade também contribui para que se atinja uma determinada posição, num processo dinâmico. Também Fairclough (2012) recorre a

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Bourdieu e ao conceito de campo12 e seus estudos acerca do papel dos discursos para legitimar o neoliberalismo contemporâneo: “Como mostra Bourdieu, os discursos neoliberais são uma parte significativa dos recursos empregados na busca da concretização do projeto neoliberal” (FAIRCLOUGH, 2012, p. 315). Desse modo, a ACD não propõe a uma análise monolítica, mas, ao contrário, busca associar uma perspectiva que era inicialmente restrita à área da Linguística a outras áreas, como a Sociologia e, então, se pode obter uma compreensão mais ampla acerca dos processos sociais e discursivos.

Quando me refiro aos discursos, entendo discurso como “(...) o uso de linguagem como forma de prática social” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91), isto é, maneiras diversas de se representar a vida social. Sendo assim, identificar um discurso não significa descobrir um “aerólito miraculoso” (PÊCHEUX, 2015, p. 56) externo à sociedade e ao tempo, mas, ao contrário, algo inscrito nas complexas redes de memória e de sociedade e, simultaneamente, estruturador, reestruturador e/ou desestruturador dessas mesmas redes. Buscarei, portanto, através da leitura e análise dos livros didáticos da CEAA, identificar as concepções impressas e as tomadas de posições do produtor dos textos – Renato Sêneca Fleury - envolvendo moral e moral cívica.

Os estudos na área do discurso inovam ao conceberem a história, bem como outras ciências como “(...) uma disciplina de interpretação e não uma física de tipo novo” (PÊCHEUX, 2015, p.42). Nesse novo paradigma científico a linguagem não se constitui como um veículo para se investigar uma questão de pesquisa, mas, ao contrário, ela mesma é vista como uma questão de pesquisa, na medida em que também estrutura – ao mesmo tempo em que é estruturada, replicaria Fairclough (2001) - a materialidade social. Pêcheux (2015) cita como exemplo a eleição do presidente Francois Miterrand, na França, em maio de 1981, quando diversos canais de televisão e veículos de comunicação apresentaram o seguinte enunciado: “Ganhamos” (On a gagné, em francês). Apesar de parecer algo banal, tal enunciado contribui para fundir a todos numa lógica unívoca porque há um apagamento do agente (PÊCHEUX, 2015, p. 24).

12Fairclough se refere a campo como equivalente a esferas da vida social: “Novas relações estruturais estão

sendo estabelecidas entre domínios da vida social, redes de práticas ou, utilizando os termos de Bourdieu (1979) campos” (FAIRCLOUGH, 2012, p. 314).

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É mais recentemente – a partir dos anos 80 - que as abordagens da área da análise do discurso vêm ganhando uma vertente mais crítica, para a além da descrição, como inicialmente propunha a área da Linguística. É sob essa perspectiva mais crítica que se identificam os estudos de N. Fairclough (Inglaterra) - com trabalhos que abordam as relações entre linguagem e poder - e Pêcheux (França) com estudos sobre linguagem e ideologia. Bebendo em fontes como Foucault, Bourdieu, Gramsci, dentre outros, Fairclough (2001) defende a orientação – na verdade definida por ele como “(...) perspectiva teórica sobre a língua” (FAIRCLOUGH, 2012, p. 307), como já mencionei - da Análise Crítica do Discurso a partir de uma ótica multidisciplinar. É importante ressaltar que, embora reconheça as contribuições de Pêcheux, Fairclough considera que as análises de texto realizadas até então por aquele eram de algum modo insatisfatórias, pois os objetos de análise eram contemplados pelas partes: orações, por exemplo, e não pela análise dos textos completos. Além disso, a proposta de Fairclough (2001) é não deixar de contemplar “(...) as dimensões interpessoais que dizem respeito às relações sociais e às identidades sociais” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 55).

A escolha da metodologia da ACD para realizar a análise dos livros didáticos se justifica na medida em que trabalho com documentos – no caso, livros – que, lembrando Le Goff (2003, p. 536) podem ser considerados como “(...) produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que detinham o poder” e que, nesse sentido, possuem um sentido normativo ao prescrever modos de se comportar e de agir que seriam apropriados a adolescentes e adultos alfabetizados e convictos de seus papéis sociais de cidadãos e, ao mesmo tempo trazem consigo diversos elementos já inscritos no tecido social. Como documentos dotados de uma determinada prática discursiva – conjugando texto, intertextualidade e prática política – é que os livros serão analisados, considerando-os não como mero reflexo do social, mas, antes, como constituídos, constituintes e construtores de uma realidade social. Segundo Caldas-Coulthard e Scliar Cabral (2008, p. 32):

A abordagem metodológica da ACD, de acordo com Faiclough (1995) tem também três dimensões: a descrição do texto, a interpretação e a explicação de como as duas primeiras dimensões estão inseridas na ação social.

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É, portanto, a partir desse mote que se estrutura a tese: a descrição do texto enunciado nos livros didáticos da Coleção Educar, série Moral e Civismo, a sua interpretação a partir das categorias trazidas por eles e a conjugação dessa empiria documental às ações políticas e sociais ocorridas naquele tempo histórico.

De modo a explicitar melhor como a análise será realizada, acredito ser necessário transcrever uma citação um pouco mais longa de Fairclough (2012), mas justificável, na medida em que o autor propõe a apresentar, de modo esquemático – com as reservas que já sinalizei no presente texto – uma estrutura analítica da ACD. O autor salienta que se apoiou em seus próprios estudos em conjunto com outro autor (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999) e em Roy Bhaskar (1986). O trecho, composto de uma espécie de passo a passo enumera os procedimentos a serem realizados:

1. Dar ênfase em um problema social que tenha um aspecto semiótico. 2.Identificar obstáculos para que esse problema seja resolvido, pela análise:

a.Da rede de práticas na qual está inserido.

b.Das relações de semiose com outros elementos dentro das práticas particulares em questão.

o discurso (a semiose em si):

I. Estrutura analítica: a ordem de discurso; II.Análise interacional;

III.Análise interdiscursiva;

IV.Análise lingüística e semiótica;

3. Considerar se a ordem social (a rede de práticas) em algum sentido é um problema ou não;

4. Identificar maneiras possíveis de superar os obstáculos;

5. Refletir criticamente sobre a análise (1-4) (FAIRCLOUGH, 2012, p. 311- 312).

Essa pesquisa busca realizar esse exercício de análise, embora não tenha sido possível fazê-lo de modo tão linear. A seguir, faço, também, um esquema que explicita os procedimentos aplicados à presente pesquisa de uma forma correspondente ao que propõe Fairclough (2012).

1.O problema social de aspecto semiótico13 é a questão de pesquisa: os

discursos sobre moral e moral cívica veiculados nos livros didáticos de autoria de Fleury e destinados a adolescentes e adultos, alunos da CEAA (Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos) em vigor de 1947 a 1963.

13 A semiótica se refere à teoria geral dos signos, compreendendo a produção de significados dos signos na vida

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35

2.a. Os discursos acerca da moral e do civismo estão inseridos nas redes de práticas que visavam à modernização do Brasil desde o início da República e, ainda, são uma ressonância de projetos internacionais encampados por OIs (Organismos Internacionais) e equivalente a práticas outras em diversos países da América Latina, que tinham em comum elevados índices de analfabetismo em seus territórios.

b. A prática particular em questão é a CEAA, campanha de alfabetização iniciada ao final dos anos 40 e que é a primeira a atender de modo tão massivo a população brasileira, além de destinar-se aos adolescentes (aqueles cuja idade varia entre 15 e 18 anos).

c. I. a ordem do discurso se refere aos modos como se constrói o sentido de um texto ou uma prática social (FAIRCLOUGH, 2012). Sendo assim, é preciso perscrutar quais maneiras de construir sentido são dominantes nos livros da série Moral e Civismo. As representações acerca da moral e do civismo preconizados atendem a direções de que ordem?

II. a análise interacional diz respeito à interação que é estabelecida entre os interlocutores dos textos (no caso, os livros). “(...) Embora os interlocutores estejam distantes no tempo e no espaço” (FAIRCLOUGH, 2012, p. 313), o texto escrito é uma interação e aqui se objetiva mostrar como ela ocorre. O aspecto interacional é fundamental para verificar que recursos o autor utiliza para persuadir os leitores e provocar efeitos de identificação que os faça aderir ao discurso prescrito. Também apresento considerações acerca da interação entre os personagens, visto que essas relações podem atravessar os leitores.

III. a análise interdiscursiva diz respeito à articulação de diferentes gêneros discursivos e estilos nos livros. Nos livros da CEAA, por exemplo, são trazidas à tona fábulas, parábolas bíblicas, biografias... A questão aqui é: Como se dá essa mistura e qual o efeito que ela produz?

IV. a análise lingüística refere-se aos recursos da semântica utilizados para delinear e dar forma ao discurso. Com relação à análise das imagens, presentes de forma esporádica nos livros e de autoria de Fernando Pieruccetti, faço a ressalva de que não as analiso, sendo priorizado somente o texto. Nesse item –

Referências

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