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Esteatose hepática em crianças e adolescentes com fibrose cística

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

AMANDA OLIVA GOBATO

ESTEATOSE HEPÁTICA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM FIBROSE CÍSTICA

CAMPINAS 2019

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ESTEATOSE HEPÁTICA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM FIBROSE CÍSTICA

Tese apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Ciências, na área de Saúde da Criança e do Adolescente.

ORIENTADOR: DR GABRIEL HESSEL

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA AMANDA OLIVA GOBATO, E ORIENTADO PELO PROF. DR. GABRIEL HESSEL

CAMPINAS 2019

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ORIENTADOR: PROF. DR. GABRIEL HESSEL

MEMBROS:

1. PROF. DR. GABRIEL HESSEL

2. PROF. DR. Roberto Teixeira Mendes

3. PROF. DRA. Maria Angela Bellomo Brandão

4. PROFA. DRA. Vânia Aparecida Leandro Merhi

5. PROFA. DRA. Margareth Lopes Galvão Saron

Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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À Deus e a Nossa Senhora de Aparecida que sempre estiveram por perto em todos os momentos de minha vida.

Ao meu marido Eder, por me acompanhar e acreditar sempre em mim e incentivar a não desistir nos momentos difíceis.

À minha família: meus pais Wilson e Maria Helena, meus irmãos Andre e Angela, pessoas muito especiais em minha vida que sempre me apoiaram.

Ao meu orientador Dr. Gabriel Hessel, pela grande oportunidade de aprendizado, por sua paciência, incentivo, orientação e amizade, que desde o início me afortunou pacientemente com seus conhecimentos e sua sabedoria.

À Ana Carolina, nutricionista e “estatística” que sempre esteve disposta a me ajudar e contribuiu grandemente na realização deste trabalho.

Aos profissionais do Ambulatório de Fibrose Cística (técnicos, enfermeiros, residentes, docentes): agradeço pelas orientações e conhecimentos que dividiram comigo, e por acreditarem no meu trabalho.

Ao Junior do Laboratório de Gastroenterologia Pediátrica, por me ajudar na centrifugação da amostra sempre paciente e atencioso

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelo apoio financeiro a esta pesquisa.

Aos voluntários e seus responsáveis, porque sem eles nada seria possível. A todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho.

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Introdução: A fibrose cística (FC), é uma doença genética autossômica recessiva caracterizada pela disfunção do gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR). É considerada uma doença potencialmente letal e multissistêmica pois afeta glândulas sudoríparas, pâncreas, pulmões, fígado, intestino e ductos de Wolff. Recentemente, tem-se dado maior atenção ao acometimento hepático na fibrose cística (FC), pois é a terceira principal causa de morte, após insuficiência respiratória e complicações relacionadas ao transplante pulmonar.

Objetivos: Determinar a prevalência de esteatose hepática (EH) em crianças e adolescentes com FC e associar com o estado nutricional. Associar a EH e o estado nutricional com o perfil metabólico em crianças e adolescentes com fibrose cística.

Métodos: Estudo transversal em crianças e adolescentes com diagnóstico de FC. Foram aferidos o peso e altura para o cálculo do IMC/idade e classificação do estado nutricional segundo os pontos de corte da OMS e do Consenso Internacional de FC. A circunferência do braço (CB), a dobra cutânea triciptal (DCT) e a circunferência muscular do braço (CMB) foram empregadas para avaliação da composição corporal. A ultrassonografia abdominal foi realizada para o diagnóstico de EH. O perfil metabólico foi avaliado por meio dos níveis das aminotransferases, perfil lipídico, triglicérides, glicemia de jejum e insulina basal para o cálculo do índice de HOMA. Os testes estatísticos empregados foram o teste t de Student, Mann-Whitney, Qui-quadrado e Anova, com nível de significância de 5%.

Resultados: Dos 50 pacientes avaliados, com idades entre 2 e 19 anos incompletos (12,28±4,96), 18 (36%) apresentaram EH (Grupo A) e 32 (64%) sem EH (Grupo B). Para as médias de idade (Grupo A = 13,3±5,0 anos e Grupo B = 11,7±5,0 anos), IMC (Grupo A = 18,0±4,1 e Grupo B = 15,7±3,8) e DCT (Grupo A = 8,4mm±3,5 e Grupo B = 7,0mm±2,5), não houve diferença significativa entre os grupos. A média da CB e da CMB diferiram significativamente entre os grupos, sendo mais elevada no grupo com EH com valor de p respectivos de 0,047 e 0,043. Os pacientes do grupo A apresentou média mais elevada da aspartato aminotransferase (AST) (p = 0,034) e 61,1% desse grupo apresentaram níveis elevados de fosfatase alcalina (FALC) (p = 0,012). Nesse mesmo grupo, a média do colesterol total e do HDL apresentaram-se diminuídos (p = 0,029 e 0,018 respectivamente). A associação entre a classificação do estado nutricional e o perfil metabólico não foi significativa.

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indicaram maior reserva de massa muscular nos pacientes com EH. A EH e o perfil metabólico em pacientes com FC não foi associada com o estado nutricional. A EH mostrou-se associada com elevação da FALC e da AST. No grupo com EH, os pacientes apremostrou-sentaram média do HDL-colesterol e do colesterol total mais baixa.

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Introduction: Cystic fibrosis (CF), is an autosomal recessive genetic disorder characterized by the dysfunction of the cystic fibrosis transmembrane conductance regulator gene (CFTR). It is considered a potentially lethal and multisystemic disease because it affects sweat glands, pancreas, lungs, liver, intestine and Wolff's ducts. Recently, attention has been paid to hepatic involvement in cystic fibrosis (CF), since it is the third leading cause of death after respiratory failure and complications related to lung transplant.

Objectives: To determine the prevalence of hepatic steatosis (HS) in children and adolescents with CF and to associate it with the nutritional status. To associate HS and the nutritional status with the metabolic profile in children and adolescents with cystic fibrosis.

Methods: Cross-sectional study in children and adolescents with CF diagnosis. Weight and height were checked for the calculation of BMI/age and classification of the nutritional status classified according to the cut-off points of the WHO and the International Consensus of CF. Arm circumference (AC), triceps skinfold (TSF) and arm muscle circumference (AMC) were used to evaluate body composition. Abdominal ultrasonography was performed for the diagnosis of HS. The metabolic profile was assessed by aminotransferase activity, lipid profile, triglycerides, fasting glycemia and basal insulin for calculating the HOMA index. The statistical tests used were the Student's t-test, Mann-Whitney, Chi-square and Anova, with a significance level of 5%.

Results: Of the 50 patients evaluated, between the ages of 2 and 19 y.o. (incomplete) (12.28 ± 4.96), 18 (36%) presented HS (Group A) and 32 (64%) without HS. For the mean age (Group A = 13.3 ± 5.0 years and Group B = 11.7 ± 5.0 years), BMI (Group A = 18.0 ± 4.1 and Group B = 15.7 ± 3 , 8) and TSF (Group A = 8.4mm ± 3.5 and Group B = 7.0mm ± 2.5), there was no significant difference between the groups. Mean AC and AMC differed significantly between the groups, being higher in the group with HS with a respective p value of 0.047 and 0.043. Patients in group A presented a higher mean aspartate aminotransferase (AST) (p 0.034) and 61.1% of this group had elevated levels of alkaline phosphatase (ALP) (p 0.012). In this same group, mean total cholesterol and HDL were decreased (p = 0.029 and 0.018, respectively. The association between nutritional status classification and metabolic profile was not significant.

Conclusion: The frequency of HS is high in patients with CF and is not related to malnutrition according to the parameters of BMI, TSF and AMC. AC and AMC values

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ALP and AST. In the HS group, the patients presented lower mean HDL-cholesterol and total cholesterol.

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Introdução...11 Objetivos...20 Métodos...21 Resultados...26 Capítulo 1...26 Capítulo 2...43 Discussão geral...60 Conclusão...62 Referências...63 Apêndices...72 Anexos...75

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1. INTRODUÇÃO

A fibrose cística (FC), também conhecida como mucoviscidose, é uma doença genética autossômica recessiva caracterizada pela disfunção do gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR)1 que está localizado no braço longo do cromossomo 7.2 A proteína CFTR, transporta cloro através das membranas celulares, interferindo também no transporte de sódio e de água consequentemente. A não eliminação de cloro do meio intracelular leva à retenção de sódio e água, resultando em secreções espessas, que favorecem a obstrução das vias exócrinas.3

A ausência ou o mau funcionamento da CFTR na membrana apical de células epiteliais das vias aéreas, pâncreas, glândulas salivares e sudoríparas, intestino e aparelho reprodutor, faz com que haja um desequilíbrio eletroquímico com consequente alteração no transporte de água e aumento da viscosidade das secreções mucosas levando à obstrução de ductos e canalículos glandulares.4

Cada indivíduo herda um gene CFTR do pai e da mãe, chamados de genes alelos CFTR. Quando uma mutação é encontrada em um alelo, o indivíduo é chamado de portador da FC. Na doença autossômica recessiva, os pais são portadores do gene, mas não têm sintomas. Nessa situação, a probabilidade, em cada gravidez, é de 25% ter um filho com doença, 50% ser portador e 25% ser saudável.5

De acordo com Cystic Fibrosis Mutation database6 até o momento foram

descritas mais de 2000 mutações responsáveis pela doença. A mutação F508del é a mais frequente das mutações encontradas na população mundial.7 Essas mutações são distribuídas em seis classes (Tabela 1) de acordo com a ausência da proteína CFTR e/ou alterações qualitativas e quantitativas na proteína. A classe I apresenta os fenótipos mais graves da doença.

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Tabela 1 – Classes de mutações do gene CFTR e seu efeito na proteina CFTR Classes de

mutações

Efeito na proteína CFTR Exemplo de

mutações

I Defeito na síntese proteica G542X

1717-1G W1282X II Defeito no tráfego até a membrana ou

processamento anormal

N1303K F508del N1303K A561E

III Defeito na regulação proteica G551D

S549R G1349D

IV Redução na condutância R117H

R334W R347P

V Redução na síntese A455E

3272-26A>G 3849+10kbC>T

VI Redução da estabilidase proteica c.120del23

rF508del Q1412X Adaptado: Culling e Ogle, 2010; Amaral, 2015.8,9

A FC é considerada uma doença potencialmente letal e multissistêmica pois afeta glândulas sudoríparas, pâncreas, pulmões, fígado, intestino e ductos de Wolff.10 A

fisiopatogenia ocorre inicialmente com a mutação do gene da FC, seguindo com defeito no transporte iônico, diminuição na secreção de fluidos, aumento na concentração de macromoléculas e tubulopatia obstrutiva.11

A incidência é de aproximadamente 1 em cada 3.000 nascidos vivos, sendo mais comum na raça branca.1 Estima-se que haja entre 70.000 e 100.000 pessoas com FC em todo o mundo.12 De acordo com a publicação de 2014 da European Cystic Fibrosis Society,13 há 35.582 pacientes com FC em toda Europa. Já os dados do Cystic Fibrosis Foundation,14 publicação de 2015, informa que estão registrados 28.983 indivíduos com FC nos Estados Unidos da América.

O Registro Brasileiro de Fibrose Cística (2014)15 contém dados demográficos, de diagnóstico e tratamento de pacientes com FC do Brasil. Estima-se que a incidência de FC seja de 1 a cada 10 mil nascidos vivos. Há registrados 3.511 pacientes até 2014, sendo 52,8% do sexo masculino. Do total de pacientes, 75,4% são menores de 18 anos, com média de 11,5

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anos de idade. A idade média do óbito é de 19,8 anos, 46 pacientes morreram no ano 2014, sendo a principal causa de origem respiratória. Em relação a distribuição dos pacientes segundo o local de nascimento, 48% são nascidos na região Sudeste, com 27,2% (n=956), somente no Estado de São Paulo.

Nos últimos anos com os avanços no diagnóstico e tratamento, houve um aumento da sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes com FC. O Brasil dispõe de um programa para a triagem neonatal da doença e de centros de referência distribuídos pelos estados para o seguimento desses indivíduos. Tem-se observado um aumento de pacientes adultos com FC, tanto pelo maior número de diagnósticos, como pelo aumento da expectativa de vida com os novos tratamentos.16

Inicialmente, a hipótese do diagnóstico é realizada pela triagem neonatal que se baseia na quantificação dos níveis de tripsinogênio imunorreativo em duas dosagens, sendo a segunda feita em até 30 dias de vida. Com duas dosagens positivas, o teste do suor é realizado para a confirmação ou exclusão da doença. O diagnóstico da FC é confirmado quando a concentração de cloretos é superior a 60mEq/l, em dois exames realizados em dias diferentes. Uma alternativa para o diagnóstico é a identificação de duas mutações relacionadas à FC e os testes de função da proteína.17

No Brasil, a triagem neonatal foi responsável por cerca de 70% dos novos diagnósticos, com média de idade de 1,19 anos. E menos de 50% dos pacientes tem resultados de investigação genética.15 Farrell et al (2017),18 sugere um roteiro diagnóstico para FC:

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Figura 1 – Roteiro para o diagnóstico da fibrose cística. Adaptado FARRELL et al (2017).18

Manifestações clínicas na fibrose cística

As manifestações clínicas, respiratórias, gastrointestinais e nutricionais na FC podem apresentar grande variabilidade de acordo com o tempo da doença e do paciente. Segundo O`Sullivan e Freedman (2009),1 os sinais e sintomas podem variar entre os pacientes nas diferentes fases da vida:

• Características gerais: história familiar de FC, suor salgado, clubbing de dedos das mãos e dos pés, tosse com produção de escarro, Pseudomonas aeruginosa nas secreções das vias aéreas, alcalose metabólica hipoclorêmica;

• Neonatal: íleo meconial, icterícia prolongada, calcificação abdominal ou escrotal, atresia intestinal;

• Primeira infância: infiltrados persistentes na radiografia de tórax, déficit de crescimento, hipoproteinemia com anasarca, diarréia crônica, distensão abdominal, colestase,

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pneumonia por Staphylococcus aureus, hipertensão intracranial idiopática (deficiência de vitamina A), anemia hemolítica (deficiência de vitamina E);

• Infância: pansinusite crônica ou polipose nasal, esteatorréia, prolapso retal, síndrome da obstrução intestinal retal, pancreatite idiopática recorrente ou crônica, doença hepática;

• Adolescência e idade adulta: aspergilose broncopulmonar alérgica, pansinusite crônica ou polipose nasal, bronquiectasias, hemoptise, pancreatite idiopática recorrente, hipertensão portal, atraso da puberdade e azospermia secundária à ausência de canais deferentes.

A insuficiência pulmonar é responsável por 65% das mortes relacionadas à FC.14 O defeito da CFTR nas células epiteliais e glândulas submucosas das vias aéreas leva ao comprometimento crônico do trato respiratório, caracterizado por obstrução das vias aéreas e infecções nos pulmões de início precoce. Essas infecções contribuem para a morbidade dos pacientes e são agravadas pela intensa resposta inflamatória do hospedeiro.5 Normalmente, os bebês com FC são colonizados por Haemophilus influenzae ou Staphylococcus aureus, ou ambos. Em pouco tempo, Pseudomonas aeruginosa se torna o organismo predominante nas vias aéreas,19 como consequência, observa-se a evolução progressiva para a doença pulmonar

crônica.

A insuficiência pancreática é causada pela obstrução dos canalículos pancreáticos por secreções espessadas, impedindo a liberação das enzimas. Com o tempo, o pâncreas sofre autólise com a substituição do corpo do pâncreas por gordura, podendo assim desenvolver intolerância aos carboidratos, resistência à insulina e possivelmente diabetes mellitus.20,21

Os sintomas gastrointestinais, em sua maioria, são secundários à insuficiência pancreática causando má digestão, esteatorreia, deficiência de vitaminas lipossolúveis e desnutrição.1 Com a introdução da terapia de reposição de enzimas pancreáticas, a desnutrição apresenta melhor controle, no entanto, a ingestão calórica adequada e a suplementação das deficiências de vitaminas lipossolúveis continuam a ser importante para o controle da doença.22

Esteatose hepática na fibrose cística

O comprometimento hepático e das vias biliares é conhecido desde 1938, época da primeira descrição da FC por Doroth Andersen,23 mas só recentemente tem-se dado maior atenção ao acometimento hepático na FC, sendo a hepatopatia considerada a terceira causa de

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morte nos pacientes com FC, após insuficiência respiratória e complicações relacionadas ao transplante pulmonar.14

As manifestações descritas do comprometimento hepático na FC são: aumento das enzimas hepáticas, hepatomegalia, esteatose hepática (EH), colestase neonatal, cirrose biliar focal e cirrose multilobular. A prevalência da doença hepática na FC é controversa, pois não há critérios bem definidos do envolvimento hepático, sendo a esteatose hepática citada nas casuísticas com uma frequência de 20% a 60%.24 No Registro Brasileiro de Fibrose Cística,15 dos 2571 pacientes atendidos em 2014, 226 (8,8%) apresentaram evidências de acometimento hepático.

A EH é caracterizada pelo acúmulo de lipídeos no fígado, que atinge de 5 a 10% do peso total do órgão. A fisiopatologia do desenvolvimento da EH está associada aos distúrbios metabólicos: aumento na mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo; aumento na síntese hepática de ácidos graxos; aumento na produção de triglicérides e aprisionamento de triglicérides no fígado.25

Não se conhece o mecanismo exato da doença hepática na FC. Sabe-se que a alteração primária envolve um defeito genético da proteína CFTR das células epiteliais biliares que leva a produção de secreção biliar espessa, evoluindo com obstrução ductal biliar, e progredindo para o desenvolvimento de fibrose e cirrose biliar.5,26 No sistema hepatobiliar, o

CFTR é expresso em colangiócitos intra e extra-hepáticos, incluindo a vesícula biliar, mas não nos hepatócitos.27

A ultrassonografia do abdômen é o método de imagem mais empregado para identificar a EH devido ao seu custo relativamente baixo, não ser invasivo, de fácil aplicabilidade e disponível na maioria dos serviços. A sensibilidade do método é de 89% e a especificidade de 93%.28

A avaliação bioquímica para identificar lesão e alteração da função hepática deve ser realizada anualmente nos pacientes e consta dos seguintes exames: aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), gama glutamiltransferase (GGT) e fosfatase alcalina (FALC). Os exames indicadores de colestase (GGT e FALC) costumam estar mais frequentemente elevados do que as aminotransferases. As enzimas hepáticas, por si só, são inespecíficas e pouco sensíveis. Em torno de 20% a 30% dos pacientes com FC apresentarão alteração em um desses exames na evolução da doença.29

É importante monitorar a função hepática como parte do tratamento da doença. A hepatopatia relacionada a FC deve ser considerada se pelo menos duas das seguintes variáveis

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estiverem presentes: exames físico anormal (hepatomegalia), transaminases persistentemente alteradas ou ultrassonografia patológica.30 De acordo com a Cystic Fibrosis Foundation,14 quando há suspeita de hepatopatia, os valores das enzimas hepáticas estão elevados em 1,5 vezes o limite superior do valor de normalidade em pelo menos 2 ocasiões dentro de um período de 6 meses. A investigação pode ser complementada pela dosagem da bilirrubina total e direta, proteínas total, albumina, tempo de protrombina, colesterol e frações, glicose e hemograma completo para os casos de esplenomegalia.31

Estado nutricional na fibrose cística

Os problemas nutricionais do paciente fibrocístico são multifatoriais e estão relacionados com a progressão da doença. Fatores interdependentes como deterioração da função pulmonar, anorexia, vômitos, insuficiência pancreática e complicações intestinais são responsáveis pelo aumento dos requerimentos energéticos diários e diminuição da ingestão alimentar associado à má digestão de nutrientes.32 A desnutrição pode piorar a função pulmonar, prejudicar o crescimento, interferir na qualidade de vida e reduzir a expectativa de vida.33

Vários fatores limitam a ingestão alimentar dos pacientes com FC. A anorexia, muitas vezes associada ao uso de antibióticos, pode interferir na quantidade e no tipo de alimento ingerido. Além disso, o aumento da produção de muco, que depois é engolido contribui para a redução do apetite e aumento da saciedade.34 O refluxo gastroesofágico, que

pode ser acompanhado de vômitos pós-prandiais, também é uma complicação comum. A constipação e a síndrome obstrutiva intestinal causam sintomas que variam de inchaço a dor abdominal.35

Os pacientes com FC, muitas vezes não conseguem ingerir as calorias suficientes para suprir as necessidades metabólicas. As questões emocionais causadas pelo estresse e tratamento da doença, podem contribuir para o consumo insuficiente de energia,36 associados às infecções pulmonares, distúrbios gastrointestinais como refluxo gastroesofágico e constipação, e os efeitos colaterais de medicamentos também pode diminuir o apetite e interferir na ingestão alimentar.36-38

Pacientes com FC apresentam maior gasto de energia em repouso. A doença pulmonar aumenta a demanda de energia através de vários mecanismos. O ciclo contínuo de inflamação crônica, colonização bacteriana e infecção recorrente causa um estado

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hipermetabólico sistêmico com a produção de citocinas pró-inflamatórias, fator de necrose tumoral, interleucina (IL) -1 e IL-6, que aumentam o gasto energético.39

A importância do estado nutricional em indivíduos com FC sobre o impacto na função pulmonar e na sobrevida foram bem estabelecidos.40-42 Um estudo em 2003 com 1000 pacientes com idades entre 3 e 5 anos, identificou que crianças com peso menor que o percentil 5 com 3 anos, apresentaram função pulmonar significativamente menor aos 6 anos de idade em comparação com aquelas com peso para idade maior que o percentil 75 aos 3 anos.43 Em um outro estudo em 2013 com 3000 crianças e adolescentes com FC, os autores seguiram os pacientes do nascimento até 18 anos de idade, e demonstraram que o percentil para idade adequado aos 4 anos está associado com melhor crescimento estatural, melhora da função pulmonar, diminuição das complicações da FC e aumento na expectativa de vida até os 18 anos de idade.44

Outra causa de déficit de energia está relacionado à má absorção, que por vezes é resultado da má digestão devido à produção insuficiente de enzimas pancreática.38 O déficit de energia pode ser agravado e associado a alterações metabólicas como: infecções intestinais, resistência à insulina45 e insuficiência hepática.30,46 O aumento do gasto energético está

associado com insuficiência pancreática,36 insuficiência pulmonar e infecções associadas.46-48

Por fim, a diabetes mellitus relacionada à FC contribui para a perda de energia através da glicosuria.49

Para lactentes e crianças com FC, o estado nutricional é considerado adequado, quando o crescimento/idade é semelhante ao de crianças que não possuem FC.50 Para

adolescentes e adultos, apenas o IMC não define o estado nutricional, uma vez que podem apresentam peso adequado, mas com aumento de gordura corporal e diminuição de massa muscular. Assim, as futuras diretrizes nutricionais para FC precisam adequar a classificação do IMC considerando a massa muscular.46

A Cystic Fibrosis Foundation(2015)14 estabeleceu como objetivo nas diretrizes nutricionais que pacientes de 2 a 19 anos com FC devem apresentar IMC igual ou superior ao percentil 50. De acordo com o Registro Brasileiro de Fibrose Cística (2014),15 a média do percentil do IMC dos pacientes em acompanhamento é de 21,3 (IMC abaixo do percentil 50). Segundo o Consensus Report on Nutrition for Pediatric Patients With Cystic Fibrosis,22 são sugeridos outros pontos de corte para classificação do estado nutricional de crianças e adolescentes, sendo considerados eutróficos percentil >25.

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A ingestão calórica adequada é essencial, especialmente naqueles com insuficiência pancreática. A recomendação da ingestão calórica em indivíduos com FC varia de 110% a 120% da ingestão média estimada, dos quais 35% a 40% são de lipídeos.22 Os estudos mostram que a maioria dos pacientes não consegue ingerir o consumo adequado de energia diária.51-54

O objetivo do cuidado nutricional na FC é controlar a má absorção, fornecer energia, macro e micronutrientes suficientes para promover o crescimento adequado, a manutenção do peso ideal e prevenir as deficiências nutricionais.55 Aqueles que são diagnosticados por meio de programas de rastreamento do recém-nascido se beneficiam de uma intervenção precoce, que está associada a resultados positivos no estado nutricional.56 Uma intervenção nutricional adequada e precoce na FC é capaz de manter um bom estado nutricional do paciente e de minimizar o efeito do ciclo vicioso desnutrição – infecção, o que promove melhora ou a estabilização do quadro pulmonar e a retomada do crescimento estatural.57

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2. OBJETIVOS

Objetivo geral

Estudo da esteatose hepática em crianças e adolescentes com fibrose cística

Objetivos específicos

Capítulo 1: “Prevalência de esteatose hepática em crianças e adolescentes com fibrose cística e associação com o estado nutricional”

Determinar a prevalência de esteatose hepática, avaliada por ultrassonografia abdominal, em crianças e adolescentes com fibrose cística e associar com o estado nutricional.

Capítulo 2: “Perfil metabólico glicêmico, lipídico e hepático de crianças e adolescentes com fibrose cística e sua associação com a esteatose hepática e o estado nutricional”

Associar a esteatose hepática e o estado nutricional com o perfil metabólico em crianças e adolescentes com fibrose cística.

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3. MÉTODOS

Aspectos éticos da pesquisa

O estudo obedeceu às recomendações para pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos de acordo com a Resolução nº466 de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) /SP, sob CAAE 24400213.4.0000.5404 (ANEXO 1).

Os pais ou responsáveis dos pacientes envolvidos na pesquisa foram informados sobre os objetivos e métodos de avaliação, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE 1).

Delineamento do estudo, local e população

Estudo transversal com 50 crianças e adolescentes de 2 a 19 anos de idade incompletos, de ambos os sexos, com diagnóstico de FC estabelecido por duas dosagens de sódio e cloro no suor acima de 60mEq/l, atendidos no Ambulatório de Fibrose Cística do Hospital de Clinicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Em relação ao método de seleção dos participantes para o estudo, trata-se de amostra por conveniência, em que os 85 pacientes atendidos no ano de 2016 foram convidados a participar, e apenas 50 participaram seguindo os critérios de inclusão e exclusão. Os pacientes foram divididos em 2 grupos: Grupo A – pacientes com FC e EH. Grupo B - pacientes com FC e sem EH.

Critérios de inclusão e exclusão

Critérios de inclusão: 1 - pacientes atendidos no ano de 2016 no Ambulatório de Fibrose Cística do Hospital de Clinicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e cujos responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 2 – faixa etária de 2 a 19 anos de idade incompletos. 3 – diagnóstico de FC estabelecido por duas dosagens de sódio e cloro no suor acima de 60mEq/l

Critérios de exclusão: pacientes em uso de medicamentos hepatotóxicos com elevação das aminotransferases, dislipidemia grave ou com outras hepatopatias que poderiam cursar com a EH.

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Aplicou-se uma ficha de avaliação (APÊNDICE 2) nos pacientes, constando informações sobre: Dados Pessoais, Avaliação Antropométrica, Uso de Medicamentos, Exames Laboratoriais e Ultrassonográficos.

Coleta de dados

Os pais ou responsáveis juntamente com o paciente foram convidados para a pesquisa quando compareciam ao Ambulatório de Fibrose Cística para consulta de rotina. Em reunião individual, eles obtiveram esclarecimentos sobre os objetivos e forma de condução da pesquisa. Os interessados assinaram o TCLE (APÊNDICE 1) e foram encaminhados para coleta de sangue e avaliação antropométrica.

Indicadores bioquímicos

A análise laboratorial dos exames bioquímicos foi realizada pelo Laboratório de Patologia Clínica do Hospital de Clínicas da UNICAMP, onde foram coletadas amostras de sangue por punção venosa periférica pela manhã após jejum de 12 horas. A mensuração da atividade da AST e ALT foi efetuada por método cinético U.V; para a FALC e GGT foi empregado o método cinético colorimétrico. Os valores das enzimas hepáticas foram disponibilizados pelo laboratório e utilizados como referência.

Tabela 2 – Valores de referência para enzimas hepáticas

Sexo GGT (U/L) FALC (U/L) AST (U/L) ALT (U/L)

Masculino 1 a 12 anos: 3 a 22 13 a 18 anos: 2 a 24 1 a 3 anos: 104 a 354 4 a 6 anos: 93 a 309 7 a 9 anos: 86 a 315 10 a 12 anos: 42 a 362 13 a 15 anos: 74 a 390 16 a 18 anos: 52 a 171 15 – 60 13 – 45 Feminino 1 a 12 anos: 4 a 22 13 a 18 anos: 4 a 24 1 a 3 anos: 108 a 317 4 a 6 anos: 96 a 297 7 a 9 anos: 69 a 325 10 a 12 anos: 51 a 332 13 a 15 anos: 50 a 162 16 a 18 anos: 47 a 119 15 – 60 13 - 45

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A análise da glicemia de jejum e do perfil lipídico foi realizada por método enzimático colorimétrico, com valores de referência de 70 a 99mg/dL para glicemia normal, 100 a 125mg/dL para intolerância à glicose e ≥126 para diabetes mellitus.58 O perfil lipídico foi considerado alterado quando os seguintes valores foram obtidos: colesterol total (CT) ≥150 mg/dL, LDL-colesterol ≥100 mg/dL, HDL-colesterol <45 mg/dL e triglicérides (TG) ≥100mg/dL.59

A dosagem da insulina basal foi realizada por método de quimioluminescência, com valor de referência de 3,2 a 16,3 uUI/mL.

Para análise das enzimas hepáticas, glicemia de jejum e perfil lipídico foi utilizado kit de reagentes do Laboratório Roche Diagnostics®. Para a insulina basal foi utilizado kit de regentes do Laboratório Siemens Healthcare Diagnostics®.

Resistência à insulina

O diagnóstico de resistência à insulina (RI) foi determinado pelo índice de Homeostasis Model Assessment for Insulin Resistance (HOMA-IR), que é o produto da insulina de jejum (mUI/mL) e da glicemia de jejum (mmol/L) dividido por 22,5. A RI foi definida quando os valores se situavam acima de 3,16.60

Insuficiência pancreática

Em relação à insuficiência pancreática, consideraram-se como presente os pacientes em uso de enzimas pancreáticas e/ou com esteatorréia.

Ultrassonografia abdominal

O exame ultrassonográfico foi realizado no Gastrocentro da UNICAMP, utilizando aparelho Toshiba®, Power Vision 6000, através de transdutores setorial de 3,75 MHz e linear de 5 MHz por 2 examinadores experientes em ultrassonografia abdominal pediátrica. O paciente permaneceu em posição supina para avaliação do fígado após jejum de 12 horas. O diagnóstico de EH foi considerado em caso de contraste hepatorrenal moderado ou intenso e/ou diferença ≥7 no histograma da relação do lobo direito do fígado/córtex do rim direito.61

(24)

Avaliação do estado nutricional

O valor do Índice de Massa Corporal (IMC) consiste no resultado do peso em kg dividido pela estatura em metros ao quadrado. A classificação do estado nutricional foi determinada de acordo com as curvas de crescimento da Organização Mundial da Saúde. Foram considerados desnutridos os pacientes com Percentil <3, eutróficos, os pacientes com Percentil ≥ 3 e <85 e excesso de peso Percentil ≥85.62,63

E pelo Consensus Report on Nutrition for Pediatric Patients With Cystic Fibrosis,22 foram classificados como desnutridos quando apresentavam percentil <10, em risco nutricional percentil ≥10 a 25, e eutróficos percentil >25.

As técnicas antropométricas para aferir peso, altura, circunferência do braço (CB) e dobra cutânea triciptal (DCT) foram as recomendadas por Lohman (1988).64 Utilizou-se compasso de dobras cutâneas Lange para aferição da DCT e fita métrica Sanny para CB.

Para a medida do peso, o paciente permaneceu ereto, usando roupas leves, sem sapatos, com os pés juntos e os braços estendidos ao longo do corpo no centro da balança de plataforma digital, marca Filizola®, com capacidade máxima de 150kg e com precisão de leitura de 100g. A estatura foi aferida em centímetros, com precisão de 0,1cm, utilizando-se estadiômetro vertical de madeira.65

A circunferência do braço (CB) representa a soma das camadas constituídas pelos tecidos ósseo, muscular e gorduroso desse membro. É uma medida complementar, mas pode ser usada isoladamente como instrumento de triagem ou para diagnosticar o estado nutricional da criança. A medida foi aferida no braço direito, que permaneceu relaxado e flexionado em direção ao tórax, formando um ângulo de 90º. Marcou-se o ponto médio entre o acrômio e o olecrano. Posteriormente, o paciente estendeu o braço ao longo do corpo, com a palma da mão voltada para a coxa. Com auxílio da fita métrica, contornou-se o braço no ponto marcado, de forma ajustada, evitando compressão da pele ou folga.65

As dobras cutâneas são utilizadas para aferir a adiposidade, baseando-se em dois princípios: a dobra mede as duas camadas de pele juntamente com a gordura subcutânea de um ponto específico; aproximadamente metade do conteúdo de gordura corporal localiza-se nos depósitos adiposos subcutâneos, relacionando-se diretamente com a gordura total. A DCT foi tomada com o polegar e o indicador da mão esquerda, aproximadamente 1,0 cm acima do ponto médio do braço direito, em posição de repouso, sendo a leitura realizada cerca de dois segundos após a aplicação do compasso.65

(25)

Com os valores obtidos da DCT e a CB foi calculada a circunferência muscular do braço (CMB) e a porcentagem de adequação de acordo com as seguintes fórmulas: CMB = CB – (0,314 x DCT) e % de adequação da DCT e CMB = (CMB ou DCT / Percentil 50 x 100) e foram classificados, de acordo com a CMB e DCT, como desnutridos, os valores ≤90%, eutróficos ≥90,1 a ≤ 110% e como excesso de peso somente para os valores de DCT ≥110,1%.66

Análise estatística

Os dados foram analisados no software IBM SPSS versão 20.0. Realizou-se o Teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a distribuição das variáveis quantitativas na curva de Gauss. A análise descritiva das variáveis contínuas compreendeu o cálculo das médias e seus respectivos desvios-padrão para as variáveis com distribuição normal e o cálculo da mediana e percentis 25 e 75 para as variáveis que não aderiram ao teste de normalidade. As variáveis categóricas foram expressas em valores percentuais. Utilizou-se teste t de Student para comparar a media das variáveis com distribuição normal segundo presença de EH; para as variáveis sem distribuição normal utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Para comparação entre três grupos, foi utilizado teste Anova. Utilizou-se teste do Qui-quadrado para investigar a associação entre EH e as variáveis categorizadas. Como algumas variáveis possuíam mais do que duas categorias, a verificação de associação local entre categorias foi analisada calculando-se os resíduos ajustados. Valores de resíduos ajustados maiores que 1,96 indicaram a presença de associação estatística significante entre as duas categorias. O nível de significância adotado foi de 5%.67

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4. RESULTADOS

CAPÍTULO 1

Prevalência de esteatose hepática em crianças e adolescentes com fibrose cística e associação com o estado nutricional

Prevalence of hepatic steatosis among children and adolescents with cystic fibrosis and its association with nutritional status

Amanda Oliva Gobato: Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

Ana Carolina Junqueira Vasques: Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

Antonio Fernando Ribeiro: Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil Roberto Massao Yamada: Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil Gabriel Hessel: Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

Autor correspondente Amanda Oliva Gobato

Estrada do Jequitibá, 1750, Condomínio Moinho de Vento, casa 117, Veneza, Valinhos – SP, Brasil. CEP: 13284-610.

Fone: 55 (19) 988678774

E-mail: nutricionista.amanda@hotmail.com

Declaração de conflito de interesse: nada a declarar

Fonte de financiamento: Este projeto teve o auxílio de bolsa de estudos CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil)

Este artigo foi enviado para a Revista Paulista de Pediatria e aceito para publicação. Será publicado em 2019, volume 19, issue 4.

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Resumo

Objetivo: Determinar a prevalência de esteatose hepática (EH) em crianças e adolescentes com fibrose cística (FC) e associar com o estado nutricional.

Métodos: Estudo transversal com crianças e adolescentes com diagnóstico de FC. Foram aferidos o peso e altura para o cálculo do IMC e classificação do estado nutricional. A circunferência do braço (CB), a dobra cutânea tricipital (DCT) e a circunferência muscular do braço (CMB) foram empregadas para avaliação da composição corporal. A ultrassonografia abdominal foi realizada para o diagnóstico de EH. Os testes estatísticos empregados foram o teste t de Student, Mann-Whitney e Qui-quadrado, com nível de significância de 5%.

Resultados: Dos 50 pacientes avaliados, 18 (36%) apresentaram EH (Grupo A) e 32 (64%) sem EH (Grupo B). Para as médias de idade (Grupo A - 13,3±5,0 anos e Grupo B - 11,7±5,0 anos), IMC (Grupo A 18,0±4,1 e Grupo B 15,7±3,8) e DCT (Grupo A - 8,4mm±3,5 e Grupo B - 7,0mm±2,5), não houve diferença significativa entre os grupos. A média da CB e da CMB diferiram significativamente entre os grupos, sendo mais elevada no grupo com EH com valor de p respectivos de 0,047 e 0,043.

Conclusões: É alta a frequência de EH em pacientes com FC e não está relacionada com a desnutrição segundo os parametros de IMC, DCT e CMB. Os valores de CB e CMB indicaram maior reserva de massa muscular nos pacientes com EH.

Palavras-chave: Fibrose cística, esteatose hepática, desnutrição, estado nutricional, criança, adolescente

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Abstract

Objective: To determine the prevalence of hepatic steatosis (HS) in children and adolescents with cystic fibrosis (CF) and associate it with nutritional status.

Methods: Cross-sectional study with children and adolescents with CF diagnosis. Weight and height were used to calculate the Body Mass Index (BMI) and subsequent classification of the nutritional status. The midarm circumference (MAC), triceps skinfold thickness (TSF) and midarm muscle circumference (MAMC) were used to evaluate body composition. Abdominal ultrasonography was performed for diagnosis of HS.The statistical tests used were Student's t test, Mann-Whitney test and Chi-square test with significance level of 5%.

Results: 50 patients with CF were evaluated, 18 (36%) were diagnosed with HS (Group A) and 32 (64%) without HS (Group B). The mean age of group A was 13,2±4,9 years and group B was 11,7±4,9; for BMI the value for group A was 18,0±4,1 and group B was 15,7±3,8; the TSF of group A was 8,4±3,5mm and group B was 7,0±2,5mm and for these variables there was no significant difference between the groups. The mean of MAC and MAMC differed significantly between the groups, being higher in the HS group with values of 0,047 and 0,043.

Conclusions: The frequency of HS in patients with CF is high and it is not related to malnutrition according to the parameters of BMI, TSF and MAMC. The values of MAC and MAMC indicated a greater reserve of muscle mass in patients with HS.

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Introdução

Recentemente, tem se dado maior atenção ao acometimento hepático na fibrose cística (FC), pois é a terceira principal causa de morte, após insuficiência respiratória e complicações relacionadas ao transplante pulmonar.1 A FC é a doença genética potencialmente letal mais comum na raça branca com incidência de aproximadamente 1 em cada 3.000 nascidos vivos.2 É uma doença multissistêmica que afeta glândulas sudoríparas, pâncreas, pulmões, fígado, intestino e ductos de Wolff.3 O diagnóstico da FC é realizado pelo teste do suor, confirmado quando a concentração de cloretos é superior a 60mEq/l, em dois exames realizados em dias diferentes.4

Há vários motivos que dificultam saber a real prevalência da doença hepática na FC: Não há uma definição universalmente aceita de critérios de diagnóstico de doença hepática na FC; a maioria dos pacientes é assintomática e faltam testes não invasivos altamente sensíveis e específicos. O termo doença hepática na FC é inespecífico e tem sido utilizado em vários estudos para descrever um amplo espectro de doenças hepatobiliares, incluindo: colestase neonatal, elevação de enzimas hepáticas, anormalidades de imagem como heterogeneidade do parênquima hepático encontrada durante a ultrassonografia, hipertensão portal, insuficiência hepática, anormalidades histológicas como fibrose, cirrose e esteatose hepática (EH).5 O desenvolvimento de cirrose e hipertensão portal ocorre em 5 a 8% dos

pacientes e, na maioria dos casos, inicia-se na primeira década de vida.6

A EH é citada nas casuísticas com uma frequência de 20% a 60%.7 Embora a

etiopatogênese na maioria dos pacientes seja desconhecida, ela tem sido associada com deficiências nutricionais específicas, alteração no metabolismo de fosfolipídeo8 e desnutrição.9 A deficiência de ácidos graxos essenciais tem sido descrita em pacientes com fibrose cística e insuficiência pancreática10 e estudos experimentais em ratos relacionaram essa deficiência com EH.11 De acordo com o grupo de consenso das doenças hepatobiliares da fibrose cística, quando a esteatose ocorre em pacientes sem desnutrição, é importante investigar a possibilidade de diabetes mellitus.12 Por outro lado, a fisiopatologia da desnutrição na EH é pouco conhecida. Van Zutphen e cols (2016)13 induziram desnutrição grave em ratos e mostraram que os mecanismos principais que conduzem à EH são a perda do peroxissoma e disfunção mitocondrial. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi determinar a prevalência de EH avaliada por ultrassonografia abdominal em crianças e adolescentes com FC e associar com o estado nutricional.

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Método

Realizou-se um estudo transversal com 50 crianças e adolescentes de 2 a 19 anos de idade incompletos, de ambos os sexos, com diagnóstico de FC estabelecido por duas dosagens de sódio e cloro no suor acima de 60mEq/l.

Os critérios de inclusão foram: pacientes atendidos no ano de 2016 no Ambulatório de Fibrose Cística do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e cujos responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de exclusão foram: pacientes em uso de medicamentos hepatotóxicos com elevação das aminotransferases, dislipidemia grave ou com outras hepatopatias que podem cursar com a EH (infecções virais por hepatites B, C, deficiência de alfa-1-antitripsina e doença de Wilson).

As técnicas antropométricas para aferir o peso, a altura, a circunferência do braço (CB) e a dobra cutânea triciptal (DCT) foram as recomendadas por Lohman. Utilizou-se um compasso de dobras cutâneas Lange para aferição da DCT e uma fita métrica Sanny para a CB. Calculou-se o IMC/idade pelo índice de Quetelet (IMC=peso/estatura2) e foram

classificados de acordo com as curvas de crescimento da Organização Mundial de Saúde.14

Foram considerados desnutridos os pacientes com Percentil < 3, eutróficos os pacientes com Percentil ≥ 3 e < 85 e com excesso de peso Percentil ≥ 85.

Com os valores obtidos da DCT e da CB foi calculada a circunferência muscular do braço (CMB): CMB = CB – (0,314 x DCT) e a % de adequação (CMB ou DCT / Percentil 50 x 100). Foram classificados como desnutridos os valores ≤ 90% e eutróficos > 90. Foram considerados com excesso de gordura corporal os valores >110% somente para DCT.15

A ultrassonografia do abdômen é o método de imagem mais empregado para identificar a EH devido ao seu custo relativamente baixo, não ser invasivo, de fácil aplicabilidade e disponível na maioria dos serviços. A sensibilidade do método é de 89% e a especificidade de 93%.16 Realizou-se o exame ultrassonográfico por meio de aparelho Toshiba, Power Vision 6000, através de transdutores setorial de 3,75MHz e linear de 5MHz por 2 examinadores experientes em ultrassonografia abdominal pediátrica. O paciente permaneceu em posição supina para avaliação do fígado após jejum de 12 horas. O diagnóstico de EH foi considerado em caso de contraste hepatorrenal moderado ou intenso e/ou diferença ≥7 no histograma da relação do lobo direito do fígado/córtex do rim direito17 como mostrado um exemplo na figura 1.

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Figura 1. Ultrassonografia do fígado de paciente com esteatose hepática. O contraste hepatorrenal é moderado e a diferença do histograma do lobo direito hepático/cortex renal é de 19,5.

Em relação à insuficiência pancreática, considerou-se como presente nos pacientes em uso de enzimas pancreáticas e/ou com esteatorréia. Para o diabetes melittus foram considerados como presente de acordo com a classificação da Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Fibrose Cística.18

Em relação ao método de seleção dos participantes para o estudo, trata-se de amostra por conveniência, em que os 85 pacientes atendidos no ano de 2016 foram convidados a participar, e apenas 50 participaram seguindo os critérios de inclusão e exclusão. Os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com o resultado do ultrassom: Grupo A: pacientes com FC e EH e Grupo B: pacientes com FC e sem EH.

Os dados foram analisados no software IBM SPSS versão 20.0. Realizou-se o Teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a distribuição das variáveis quantitativas na curva de Gauss. A análise descritiva das variáveis contínuas compreendeu o cálculo das médias e seus respectivos desvios-padrão para as variáveis com distribuição normal e o cálculo da mediana e percentis 25 e 75 para as variáveis que não aderiram ao teste de normalidade. As variáveis categóricas foram expressas em valores percentuais. Utilizou-se o teste t de Student para comparar as variáveis com distribuição normal segundo presença de EH; para as

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variáveis sem distribuição normal utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Utilizou-se teste do Qui-quadrado para investigar a associação entre EH e indicadores antropométricos categorizados. Como algumas variáveis possuíam mais do que duas categorias, a verificação de associação local entre categorias foi analisada calculando-se os resíduos ajustados. Valores de resíduos ajustados maiores que 1,96 indicaram a presença de associação estatística significante entre as duas categorias.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp - Campinas/SP, CAAE 24400213.4.0000.5404.

Resultados

Foram avaliados 50 pacientes procedentes do Ambulatório de Fibrose Cística do Hospital de Clínicas da UNICAMP, sendo 23 (46%) do sexo feminino e 27 (54%) masculino, com idades entre 2 e 19 anos incompletos (12,2±4,9), sendo 4 crianças e 14 adolescentes no Grupo A, 13 crianças e 19 adolescentes no Grupo B, considerando a classificação da faixa etária para crianças com idade < 10 anos.

Desses pacientes, 18 (36%) foram diagnosticados pela ultrassonografia abdominal com EH (Grupo A) e 32 (64%) diagnosticados sem EH (Grupo B). Na avaliação da associação entre EH e estado nutricional, as variáveis IMC e DCT não diferiram significativamente entre os grupos, não apresentando associação entre EH e desnutrição. A CB e a CMB diferiram significativamente entre os grupos, sendo mais elevada no grupo com EH, indicando maior reserva de massa muscular (Tabela 1 e Figura 2).

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Tabela 1 – Estado nutricional, insuficiência pancreática e presença de diabetes mellitus em pacientes fibrocísticos com e sem esteatose hepática

IMC – índice de massa corporal, CB – circunferência do braço, CMB – circunferência muscular do braço, DCT – dobra cutânea triciptal, DP – desvio padrão, cm – centímetro, mm – milímetro.

Teste Qui-quadrado para variáveis categóricas. Teste t para variáveis contínuas

* p<0,05 Esteatose Hepática Presente (n=18) Ausente (n=32) P Total

Idade (anos) média e DP 13,2±4,9 11,7±4,9 0,291 12,2±4,9

Gênero Feminino (%) 8 (44,4) 15 (46,9) 0,869 23 (46) Masculino (%) 10 (55,6) 17 (53,1) 27 (54) IMC (média e DP) 18,0±4,1 15,7±3,8 0,058 16,6±4,0 Classificação IMC Desnutrição (%) 3 (16,7) 10 (31,2) 0,165 13 (26) Eutrofia (%) 15 (83,3) 19 (59,4) 34 (68) Excesso de peso (%) 0 3 (9,4) 3 (6) CB (cm) média e DP 20,3±6,8 16,5±4,5 0,047* 17,9±5,7 DCT (mm) média e DP 8,4±3,5 7,0±2,5 0,134 7,5±2,9 Classificação DCT Desnutrição (%) 13 (72,2) 26 (81,2) 0,071 39 (78) Eutrofia (%) 1 (5,6) 5 (15,6) 6 (12) Excesso de peso (%) 4 (22,2) 1 (3,1) 5 (10) CMB (mm) média e DP 177,7±61,1 143,3±41,1 0,043* 155,7±51,4 Classificação CMB Desnutrição (%) 9 (50) 26 (81,2) 0,021* 35 (70) Eutrofia (%) 9 (50) 6 (18,8) 15 (30) Insuficiência pancreática Presente (%) 18 (100) 30 (93,8) 0,279 48 (96) Ausente (%) 0 2 (6,2) 2 (4)

Diabetes Mellito Presente (%) 3 (16,7) 4 (12,5) 0,684 7 (14)

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A 0 20 40 60 80 100 EH presente EH ausente % d e p a c ie n te s

IMC Desnutrição IMC Eutrofia IMC Excesso de peso

p = 0,165 B C 0 20 40 60 80 100 EH presente EH ausente % d e p a c ie n te s

DCT Desnutrição DCT Eutrofia DCT Excesso de peso

p = 0,071 D 0 20 40 60 80 100 EH presente EH ausente % d e p a c ie n te s CMB Desnutrição CMB Eutrofia p = 0,021

Figura 2: A - Classificação do estado nutricional pelo IMC segundo presença/ausência de esteatose hepática. B - Distribuição dos percentis de IMC em box plot dos pacientes com e sem EH. C e D - Associação da DCT e CMB segundo presença/ausência de EH. CMB – circunferência muscular do braço, DCT – dobra cutânea triciptal, IMC – índice de massa corporal, N – número.

Do total de pacientes avaliados, 48 (96%) apresentaram insuficiência pancreática e 7 (14%) diabetes mellitus, e não apresentaram associação significativa com a presença ou ausência de EH. Os dados mostram que a média do IMC do grupo com EH (18,0±4,1) é maior quando comparado com o grupo sem EH (15,7±3,8), mas sem diferença estatística significativa, sendo que 15/18 pacientes (83,3%) com EH são eutróficos (Tabela 1). Quando comparada a média do Percentil do IMC, o grupo com EH manteve-se mais elevado (Percentil

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39,05) em relação ao grupo sem EH (Percentil 27,28), mas sem diferença estatística significativa (Tabela 2).

Tabela 2 – Caracterização da amostra de acordo com o Percentil do IMC, segundo presença/ausência de EH

DP – desvio padrão, IMC – índice de massa corporal, P – percentil. *Teste de Mann-Whitney

Discussão

Há um amplo espectro de acometimento hepático na FC incluindo a EH sendo a desnutrição uma das causas implicadas. No presente trabalho, observou-se alta frequência de EH mas não foi relacionada com a desnutrição. Não se conhece o mecanismo exato da doença hepática na FC. Sabe-se que a alteração primária envolve um defeito genético da proteína Cystic Fibrosis Transmembrane Condutance Regulator (CFTR) das células epiteliais biliares que leva a produção de secreção biliar espessa, evoluindo com obstrução ductal biliar, e progredindo para o desenvolvimento de fibrose e cirrose biliar.19 No sistema hepatobiliar, o CFTR é expresso em colangiócitos intra e extra-hepáticos, incluindo a vesícula biliar, mas não nos hepatócitos.5 Por outro lado, a fisiopatologia do desenvolvimento da EH está associada aos distúrbios metabólicos: aumento na mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo; aumento na síntese hepática de ácidos graxos; aumento na produção de triglicérides e aprisionamento de triglicérides no fígado.20

As causas da EH secundária à FC ainda não foram totalmente elucidadas. A patogênese pode estar relacionada à desnutrição, deficiências de ácidos graxos essenciais, carnitina, colina, estresse oxidativo e resistência à insulina, e não somente a um gene CFTR.21 Nessas circunstâncias, avaliar a deficiência de acidos graxos essenciais e carnitina se faz necessario, considerando que a deficiência desses nutrientes pode levar a EH por diminuição

Esteatose Hepática Presente (n = 18) Ausente (n = 32) P* Total

Percentil de IMC para idade

Mediana (p25-p75) 38 (15-75) 15 (1-50) 0,175 20 (1-50) Média±DP 39,0±32,1 27,2±30,1 31,5±30,7

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do metabolismo de gorduras. Essa condição não parece evoluir para cirrose, contudo essa afirmação pode ser modificada com novas pesquisas tendo em vista que, em adultos, já esta comprovado que a esteatohepatite não alcoólica pode evoluir para cirrose.

Quando avaliada a relação da EH com o IMC/I, 16,7% dos pacientes apresentaram desnutrição, mas sem associação significativa com o grupo sem EH, uma vez que 31,2% dos pacientes sem EH estavam desnutridos. A DCT demonstrou depleção do tecido adiposo em ambos os grupos, mas sem diferença estatística. Diferentemente da CB e CMB, que apresentaram diferença significativa entre os grupos, demonstrando que na presença de EH o paciente mantém melhor reserva de massa muscular e consequentemente maior CB. A análise isolada da CB não permite afirmar que há aumento de massa magra, porém, analisando-se os baixos valores de DCT, pode-se concluir que os valores de CB refletem maiores reservas musculares no presente estudo. Esse resultado deve ser confirmado com ampliação da casuística e outros métodos que avaliem a massa muscular.

Na casuística apresentada, 13/50 pacientes (26%) apresentaram desnutrição quando classificados pelo IMC/idade, independentemente da EH. Quando avaliada a média do percentil, esta se apresentou abaixo do recomendado (Percentil 31,52). A Cystic Fibrosis Foundation (2015)1 estabeleceu como objetivo nas diretrizes nutricionais que crianças de 2 a

19 anos devem apresentar IMC igual ou superior ao percentil 50.

De acordo com a publicação de 2014 da European Cystic Fibrosis Society (2014)22 que obtém registros epidemiológicos de 35.582 pacientes com FC de toda Europa,

quase metade das crianças e adultos com FC foram considerados eutróficos. Do total de pacientes acompanhados, 3.981(11,1%) apresentaram EH. Dados semelhantes são encontradas no Cystic Fibrosis Foundation,1 que obtém registrados 28.983 indivíduos com FC, sendo 49,3% até 18 anos, onde percentis médios de IMC/idade em crianças com FC aumentaram de 40,3 em 2010 para 54,2 em 2015. Em 2015, dos pacientes tratados, 0,5%desenvolveram EH e 2,3% cirrose hepática até 18 anos. Essas informações foram obtidas por inquérito e destoam de toda literatura sobre a frequência de EH em pacientes com FC.

O Registro Brasileiro de Fibrose Cística,23 coordenado pelo Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística, contém dados demográficos de diagnóstico e tratamento desses pacientes. Com 3.511 pacientes registrados até 2014, 75% são menores de 18 anos, com média de 11,5 anos. Em relação ao estado nutricional, os dados mostram que os pacientes estão em situação nutricional inadequada, com media do percentil do IMC de 21,3 (IMC

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abaixo do percentil 50). Dos pacientes avaliados, 8,8% apresentaram algum acometimento hepático, sendo 1% cirrose e 0,04% precisaram do transplante hepático no ano 2014.

Estudo realizado no Rio Grande do Sul com 82 pacientes com idades entre 7 meses e 16 anos, mostrou que 26,8% apresentavam-se desnutridos, utilizaram como ponto de corte IMC < Percentil 10 para desnutridos.24 Outro estudo com 85 pacientes, com média de idade 11,2±3,2, observou a prevalência de pacientes desnutridos de 22,3%, considerando o IMC abaixo do percentil 25 como ponto de corte.25

Para avaliação do estado nutricional no presente estudo, foram utilizados os padrões propostos pela OMS, outros estudos utilizaram as recomendações dos consensos internacionais de FC, tornando divergente a comparação dos estudos, uma vez que há uma redução no número de indivíduos considerados eutróficos e um aumento dos casos de desnutrição. Este fato foi identificado em outro estudo.26 Há estudos relacionando doença hepática e estado nutricional, mas considerando vários espectros de acometimento hepático desde elevação de enzimas hepáticas até cirrose. Nesses estudos, não foi observada associação entre doença hepática e estado nutricional.27,28 Como exceção, há apenas um estudo recente de

Ayoub et al (2018),29 que estudaram os fatores de risco para EH em pacientes adultos com

fibrose cística. Contudo, não foi possível a comparação dos resultados por se tratar de pacientes com diferença importante de faixa etária (mediana de 29 anos) e também porque os autores encontraram associação da EH com sobrepeso e concluíram que a EH em pacientes adultos com FC compartilha semelhanças com a doença hepática gordurosa não alcoólica.

A desnutrição é multifatorial na FC, incluindo a ingestão alimentar deficiente, a necessidade diária energética aumentada e associada à má digestão de nutrientes. Aqueles que são diagnosticados por meio de programas de rastreamento do recém-nascido se beneficiam de uma intervenção precoce, que está associada a resultados positivos no estado nutricional.30 Uma intervenção precoce na FC é capaz de manter um bom estado nutricional do paciente e minimizar o efeito do ciclo vicioso desnutrição – infecção. É importante manter o controle das complicações secundárias da FC, pois estão associadas ao aumento da morbidade e mortalidade, que afeta diretamente a saúde e a qualidade de vida do paciente.

Uma das limitações desse estudo foi a falta de avaliação da composição corporal por meio da bioimpedância elétrica para melhor interpretação dos resultados das medidas antropométricas que relacionaram maior reserva de massa magra no grupo com EH; outra limitação foi a inexistência de um inquérito alimentar que poderia identificar alimentação desbalanceada e uso de suplementos alimentares que poderiam interferir no estado

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nutricional. Uma outra limitação foi o número reduzido de pacientes que participou da pesquisa, e que foram selecionados por amostra de conveniência.

Em conclusão, é alta a frequência de EH em pacientes com fibrose cística e não está relacionada com a desnutrição segundo os parametros de IMC, DCT e CMB. Os valores de CB e CMB indicaram maior reserva de massa muscular nos pacientes com EH.

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CAPÍTULO 2

Perfil metabólico glicêmico, lipídico e hepático de crianças e adolescentes com fibrose cística e sua associação com a esteatose hepática e o estado nutricional

Glycemic, lipid and hepatic metabolic profile of children and adolescents with cystic fibrosis and its association with hepatic steatosis and nutritional status

Amanda Oliva Gobato: Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

Ana Carolina Junqueira Vasques: Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

Antonio Fernando Ribeiro: Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil Roberto Massao Yamada: Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil Gabriel Hessel: Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

Autor correspondente Amanda Oliva Gobato

Estrada do Jequitibá, 1750, Condomínio Moinho de Vento, casa 117, Veneza, Valinhos – SP, Brasil. CEP: 13284-610.

Fone: 55 (19) 988678774

E-mail: nutricionista.amanda@hotmail.com

Declaração de conflito de interesse: nada a declarar

Fonte de financiamento: Este projeto teve o auxílio de bolsa de estudos CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil)

Referências

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