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A manutenção da ordem pública como fundamento legitimador para decretaçao da prisão preventiva no Brasil

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

ANTONIO EDISON MACIEL BERDIAN NETTO

A MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA COMO FUNDAMENTO LEGITIMADOR PARA DECRETAÇAO DA PRISÃO PREVENTIVA NO BRASIL

Ijuí (RS) 2017

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ANTONIO EDISON MACIEL BERDIAN NETTO

A MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA COMO FUNDAMENTO LEGITIMADOR PARA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA NO BRASIL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DEJ- Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientadora: MSc. Patrícia Borges Moura

Ijuí (RS) 2017

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O presente trabalho de conclusão de curso fez uma análise acerca do instituto das medidas cautelares de coerção pessoal, com especial enfoque na prisão preventiva decretada sob o fundamento da garantia da ordem pública. Desta forma, o presente trabalho objetivou verificar se o argumento do risco à ordem social pode fundamentar legitimamente a manutenção da prisão preventiva, sem distorcer o real sentido da mesma enquanto medida cautelar que visa a proteger a persecução penal. Para abordar o tema de forma abrangente, foram analisados os princípios inerentes às medidas cautelares, os requisitos legais para aplicabilidade das mesmas na legislação pátria e, por fim, a questão específica da ordem pública, tanto na esfera teórica, quanto na seara prática, em consonância com as situações em que mais comumente é decretada a prisão preventiva pelo Judiciário sob tal fundamento. Para tanto, utilizou-se como metodologia de desenvolvimento do trabalho o método hipotético dedutivo, de revisão bibliográfica e jurisprudencial, organizado em dois capítulos. Concluiu-se que a decretação da prisão preventiva sob a ordem pública de fato parece se desvirtuar da essência das medidas cautelares, qual seja de tutela da persecução penal, servindo como meio genérico de segregação de acusados no contexto jurídico pátrio.

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The present work of conclusion of course made an analysis about the institute of the precautionary measures of personal coercion, with special focus on the preventive arrest decreed on the basis of the guarantee of the public order. In this way, the present work aimed to verify if the risk argument to the social order can legitimately justify the maintenance of preventive detention, without distorting the real sense of the same as a precautionary measure aimed at protecting criminal prosecution. In order to approach the subject comprehensively, the principles inherent in precautionary measures, the legal requirements for their applicability in national legislation, and, finally, the specific issue of public order, both in theory and practice, were analyzed. Consonant with the situations in which the preventive detention by the Judiciary is ordinarily decreed on such a basis. For this purpose, the hypothetical deductive, bibliographic review and jurisprudential method, organized in two chapters, was used as the methodology for the development of the work on canvas. It was concluded that the enactment of pretrial detention under public order de facto appears to detract from the essence of the precautionary measures, which is to protect the criminal prosecution, serving as a generic means of segregation of defendants in the legal context of the country.

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INTRODUÇÃO ... 5

1 A PRINCIPIOLOGIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DE COERÇÃO PESSOAL NO PROCESSO PENAL ... 7

1.1 Direito penal, controle social e estado democrático de direito ... 7

1.2 A instrumentalidade garantista no processo penal ... 14

1.3 Medidas cautelares de coerção pessoal:principiologia ... 16

1.4 Medidas alternativas à prisão preventiva após a publicação da Lei nº 12.403/11...24

2 A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA COMO FUNDAMENTO PARA O DECRETO E A MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA E OS FINS DO PROCESSO ... 32

2.1 Contextualizações da prisão preventiva na legislação brasileira ... 32

2.2 Pressupostos e fundamentos para o decreto da prisão preventiva ... 38

2.3 A garantia da ordem pública: uma contextualização histórica e política ... 43

2.4 A prisão preventiva sob o fundamento da ordem pública a partir da perspectiva da jurisprudência no Brasil: uma reflexão crítica...51

CONCLUSÃO ... 58

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresentará um estudo acerca da decretação da prisão preventiva sob o argumento da manutenção da ordem pública, figurando este como fundamento legitimador para a mesma. Este estudo é necessário ao passo que se verifica uma larga aplicação desta forma de medida cautelar no cotidiano do Judiciário, para manter segregados acusados sob o fundamento da manutenção da ordem social, sobrepesando, não raras as vezes, para tal decisão, fatores alheios ao processo em si, o que desfigura a aplicação de tal medida face à essência das medidas cautelares de coerção pessoal, que é justamente a proteção da persecução penal.

Como supracitado, a temática a ser enfrentada na presente pesquisa é de suma importância na esfera penal, pois que se propõe uma reflexão crítica acerca do uso quase que indiscriminado do instituto da prisão preventiva, em especial quando decretada sob o fundamento da manutenção da ordem pública, em desrespeito aos princípios da excepcionalidade e da proporcionalidade. Tal prática não só contribui consideravelmente para a superpopulação carcerária no país, para o crescimento dos índices de violência e de criminalidade, e faz com que sejam pouco aplicadas as medidas substitutivas.

Nesse contexto, a presente reflexão visa primeiramente a conceituar e expor o real sentido da decretação da prisão preventiva enquanto medida cautelar vista sob o aspecto singular desta, conjuntamente com o conceito genérico de medida cautelar em que esta se insere, enquanto espécie deste gênero.

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Exposto o tema enquanto teoria, como medida cautelar classificada doutrinariamente como instrumento destinado a proteger o processo, respeitando os princípios fundamentais do instituto em consonância com o processo penal e com a Constituição, passa-se a analisá-lo, num segundo momento, tecendo sua relação com a realidade prática do judiciário e verificando a validade da aplicação da prisão preventiva sob o fundamento da manutenção da ordem pública.

Além de expor acerca do que fora acima elencado, por fim, pretende-se adentrar na realidade das decisões judiciais mais recentes, para identificar possíveis distorções na aplicação do instituto, tanto no sentido de utilizá-lo de forma indevida no que tange à aplicação correta do direito processual penal, numa abordagem aos fins a que se destina, e que diferem dos fins da pena, quanto sob a violação do princípio da presunção da inocência, já que seu uso indiscriminado nos permite questionar se de fato somente é decretada quando está configurada uma real necessidade, do contrário, estar-se-ia antecipando uma punição, sem o devido processo legal.

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1 A PRINCIPIOLOGIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DE COERÇÃO PESSOAL NO PROCESSO PENAL

O Direito Penal pátrio, mais especificamente em sua esfera processual, prevê a possibilidade de aplicação de medidas cautelares de coerção pessoal que possibilitam a restrição da liberdade dos indivíduos antes que se tenha uma sanção definitiva. São hipóteses em que a constrição do suspeito ocorre no transcorrer do processo penal, não havendo, portanto, pena definitiva. Tais hipóteses existem em face da necessidade de restrição do indivíduo em determinados casos para garantia do normal transcorrer do processo penal, visando garantir o regular desenvolvimento dos atos processuais, inclusive para que ao final se tenham condições de produzir uma decisão capaz de se aproximar ao máximo possível da justiça real.

Em tese, a aplicação de uma medida restritiva de liberdade a um indivíduo sem uma pena definida pelo devido processo legal seria uma caso de ilegalidade, considerando-se os princípios inerentes ao processo penal, com especial enfoque no que tange a presunção de inocência. Apesar de tal concepção estar correta, há que se observar que em determinados casos se tem a real necessidade de restrição do suspeito para a proteção do próprio processo, eis que surgem as medidas cautelares de coerção pessoal. Estas, portanto, vem como medidas acauteladoras do processo, concedendo meios de proteção do mesmo para seu regular desenvolvimento.

Sendo as medidas cautelares de coerção pessoal ações que atingem o indivíduo de forma acentuada durante o processo, sua coexistência com as normas e princípios do processo penal pátrio dependem de ideias principiológicas próprias para o instituto. Assim, revela-se importante a correlação entre os princípios particulares ao processo penal com os princípios específicos das medidas cautelares para que este instituto se insira de forma harmônica no ordenamento pátrio, possibilitando a coexistência de ambos em prol da busca da justiça.

1.1 Direito penal, controle social e estado democrático de direito

Inicialmente, para tratar de forma específica as medidas cautelares de coerção pessoal dispostas no ordenamento jurídico vigente, relevante se compreender com antecedência a

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abrangência do direito penal em si, seu papel enquanto meio de controle social e também sua inclusão no Estado Democrático de Direito.

Tratando primeiramente acerca do Estado Democrático de Direito, imprescindível tratar as demais formas de estado que o precederam para que se compreenda sua origem. Basicamente, antes da instituição do Estado Democrático de Direto houveram dois grandes modelos de Estado, quais sejam sucessivamente o Estado Liberal de Direito e o Estado Social de Direito. Após a instituição destes dois modelos, por fim chegou-se ao atual modelo de Estado, o Estado Democrático de Direito, instituído no período pós- Segunda Guerra.

Para discorrer brevemente acerca da evolução do Estado de Direito ao longo do tempo serão utilizadas as palavras de Copetti (2000, p. 52) que diz:

A instituição do Estado de Direito, inobstante estar ligada conceitualmente ao pensamento germânico dos séculos XVII e XVIII, tem suas raízes em tempo muito anterior a estes. Num lapso temporal de mais ou menos mil anos, observa-se a construção de uma série de ideias que desaguaram na concepção única do Estado de Direito. Assim, temos na filosofia gregas as ideias de dike (processo), themis (direito) e nomos (lei); na antiguidade a ideia de uma constituição mista carregava consigo a pretensão de um poder regulado, moderado, em contraposição à tirania ilimitada; a ideia de vinculação do soberano às leis fundamentais do reino; as doutrinas de resistência contra tiranos e do contrato social; e, por fim, o pensamento medieval da liberdade no Direito, ou seja, a liberdade a partir de um determinado estatuto que conduziria à ideia de liberdade natural do homem.

No caso do Estado Liberal de direito, pode-se dizer com fundamento nas palavras de Copetti (2000, p. 54) que:

[...] surge uma concepção liberal de cidadania limitada a proteção dos direitos dos indivíduos, sem qualquer interferência do poder estatal na vida privada, ou seja, uma noção individualista de cidadania.

Em suma, no Estado Liberal de Direito buscou-se maior liberdade e autonomia para os indivíduos que antes viviam sob grandes restrições, características inerentes ao Estado Absolutista. Apesar de conceder maior liberdade, tal modelo de Estado se consolidou preponderantemente na esfera formal, visto que persistiram as desigualdades sociais. Assim, visando a redução das disparidades sociais e uma maior homogeneização de classes, eis que surge o anseio de uma nova organização do Estado, emergindo a concepção do Estado Social de Direito.

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Expondo esta transformação, cabível a exposição das palavras de Copetti (2000, p. 55) que discorre:

Transforma-se, assim, a concepção de cidadania, passando esta do plano civil e político para a esfera social, e a ordem jurídica transforma-se em instrumento de atingimento de metas sociais concretas, dentro de uma lógica distributivista de satisfação de direitos humanos sociais, igualitários, destinados a organizar a sociedade de forma mais justa. O Estado de Direito deixou, assim, de ser formal, neutro e individualista, para transformar-se em estado material de Direito, com a pretensão de realização da justiça social.

Superados os modelos de Estado supramencionados, no período pós – Segunda Guerra surge um novo modelo estatal, chamado de Estado Democrático de Direito. Este modelo surge em meio a mudanças sociais e a incidência de novos problemas sobre a sociedade daquela época. Neste período surgiu uma terceira geração de direitos humanos, quais sejam os direitos pós-materiais, englobando, segundo as palavras de Copetti (2000, p. 56) “[..] o ar, a água, todo o ecossistema global e outros interesses coletivos, difusos e transindividuais [...].”

Neste novo modelo inovou-se frente aos demais no que se refere à concessão de um ordenamento positivo, capaz de englobar não só o caráter formal contido Estado Liberal de Direito e o caráter material empregado no Estado Social de Direito, mas também a positivação do ordenamento jurídico, inclusive protegendo os direitos humanos de terceira geração como fora supracitado. Assim, como bem diz Copetti (2000, p. 57), “esses direitos fundamentais não são, se não, a forma jurídica positiva que os direitos naturais assumiram com sua garantia enquanto direitos subjetivos constantes nas Constituições Modernas.”

No Brasil, Capez (2011, p. 22) relata em sua obra que a Constituição Federal brasileira definiu o perfil político-constitucional do país como o de um Estado Democrático de Direito, expressando tal opção no art. 1°, caput, da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Esta opção, por óbvio reflete no direito penal pátrio, devendo este ser legítimo, democrático e obediente aos princípios constitucionais que o informam, passando o tipo penal a ser uma categoria aberta, cujo conteúdo deve ser preenchido em consonância com os princípios derivados deste perfil político-constitucional.

Na esfera conceitual, quanto ao Estado Democrático de Direito oportuno a exposição realizada por Capez (2011, p. 24) que asserva:

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Verifica-se o Estado Democrático de Direito não apenas pela proclamação formal da igualdade entre todos os homens, mas pela imposição de metas e deveres quanto a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; pela garantia do desenvolvimento nacional; pela erradicação da pobreza e da marginalização; pela redução das desigualdades sociais e regionais; pela promoção do bem comum; pelo combate ao preconceito de raça, cor, origem, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3°, I a IV); pelo pluralismo político e liberdade de expressão das ideias; pelo resgate da cidadania, pela afirmação do povo como fonte única do poder e pelo respeito inarredável da dignidade humana.

Nesta forma de organização do Estado percebe-se que não é suficiente a submissão de todos os indivíduos a mesma lei, ou seja, a igualdade meramente formal. Além disto, fica clara a necessidade das leis de carregar em sua essência conteúdo e adequação social, estabelecendo como infrações penais apenas os fatos que comprovadamente ameaçam bens jurídicos relevantes para a sociedade.

No tocante a esfera penal dentro do Estado Democrático de Direito, Capez (2011, p. 26) expõe:

É imperativo do Estado Democrático de Direito a investigação ontológica do tipo incriminador. Crime não é apenas aquilo que o legislador diz sê-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade.

Ainda correlacionando a esfera penal com o sistema de Estado adotado pelo Brasil, qual seja o Estado Democrático de Direito, segundo Capez (2011, p. 27) “os princípios constitucionais e as garantias individuais devem atuar como balizas para a correta interpretação e a justa aplicação das normas penais”. Eis aí a essência da relação entre o Direito Penal e o sistema de Estado adotado no Brasil.

Em que pese já tenham sido tratados acima os três modelos de Estado, finaliza-se a exposição correspondente aos mesmos utilizando as palavras de Copetti (2000, p. 56) que assim dispõe:

Estas três fases de constituição do Estado moderno, a partir da positivação dos direitos humanos, realçam a atuação de cada uma das funções estatais clássicas, para a sua realização. Assim, os direitos humanos de primeira geração destacaram a atuação legislativa; os de segunda, a atuação executiva; e os de terceira ou pós-materiais exigem uma atuação mais concreta do Poder Judiciário e do Ministério Público, um pela avocação da responsabilidade de conferir, via decisão, os direitos; o outro pela possibilidade de provocação do primeiro através das ações de natureza coletiva e writs constitucionais que estão à sua disposição.

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Tecidas as devidas considerações acerca do Estado de Direito, prossegue-se a presente exposição tratando do direito penal. Neste sentido, far-se-á uma abrangência genérica em torno da origem e dos fins do sistema penal, objetivando a posterior correlação do mesmo no tocante ao papel deste para o controle social.

Dando início a exposição sobre o Direito Penal, primeiramente há que se ter em mente que este é uma instituição jurídica. Genericamente, as instituições jurídicas se consolidam sob um ambiente de interação entre a dogmática e o direito positivo, numa relação que perpassa por ambos os lados, culminando com a produção de ideias e a construção das instituições jurídicas. Posto isto, aproveitando as palavras de Copetti (2000, p. 21), pode-se dizer que “historicamente, é desta relação entre dogmática e direito positivo que têm surgido as mais diversas instituições jurídicas, como „soluções‟ aos mais diversos conflitos de nossa sociedade.”

Sendo o Direito Penal uma instituição jurídica, pode-se alocar o que fora acima exposto a ideia de sua origem. Quanto ao Direito Penal Moderno, observa-se que este se desenvolveu com foco na busca de uma certeza e na precisão conceitual, como expõe Copetti (2000, p. 23).

Antes de adentrar na esfera do Direito Penal de forma aprofundada, oportuno se fazer uma breve conceituação do mesmo. Para isto, adota-se a sintética definição de Masson (2011, p. 3) que diz: “Direito Penal é o conjunto de princípios e leis destinados a combater o crime e a contravenção penal, mediante a imposição de sanção penal”. Assim, pode-se dizer que o Direito Penal pode ser definido como o conjunto de normas jurídicas capazes de regular a ação estatal no combate ao crime, através de medidas aplicadas aos criminosos.

Neste contexto, conceituando o Direito Penal, oportunas são as palavras de Capez (2011, p. 19) que diz:

O Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação.

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No Direito Penal definem-se as condutas e os fatos puníveis bem como as respectivas sanções. Observa-se, neste ramo do direito, como característica do mesmo, uma preocupação com a fixação de uma estrutura definida e rigorosamente delimitada. Importante referir que cabe exclusivamente ao Estado o direito de punir e, sendo assim, este figura como sujeito passivo nas relações jurídico-penais. É ramo do Direito Público.

Segundo Masson (2011, p. 5), o Direito Penal tem diversas características intrínsecas. Segundo este autor, pode-se dizer que o Direito Penal trata-se de uma ciência, cujas normas e regras estão sistematizadas por um rol de princípios que acabam compondo a dogmática jurídico-penal. É cultural ao passo que está incluído nas ciências do “dever ser”. É normativo por possuir como objeto o estudo o Direito positivo, neste caso, a lei penal. É valorativo quando estabelece sua própria escala de valores, valorizando hierarquicamente suas normas. É finalista ao proteger bens jurídicos fundamentais, atuando na esfera prática, não se atendo somente a aspectos teóricos. Sancionador, enquanto meio de proteção penal aos bens jurídicos disciplinados por outras áreas do direito. Constitutivo, mesmo que excepcionalmente, quando tutela interesses não regulados em outras áreas do direito e, por fim, fragmentário, uma vez que não tutela todos os valores ou interesses, se atendo aos mais relevantes para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.

Além das características do Direito Penal que acabam de ser acima referenciadas, outro aspecto relevante e inerente a este ramo do direito é sua função de instrumento de controle social. Discorrendo sobre este ítem, oportunas são as palavras de Masson (2011, p. 10) que diz:

Ao Direito Penal também é reservado o controle social ou a preservação da paz pública, compreendida como a ordem que deve existir em determinada coletividade. Dirige-se a todas as pessoas, embora nem todas elas se envolvam com a prática de infrações penais. Ao contrário, apenas a minoria envereda pelo caminho da criminalidade, seja por questões morais, seja pelo receio de aplicação da lei penal.

Em se tratando da relação do Direito Penal com fins de controle social, Capez (2011, p. 27) leciona:

O Direito Penal é muito mais do que um instrumento opressivo em defesa do aparelho estatal. Exerce uma função de ordenação dos contatos sociais, estimulando práticas positivas e refreando as perniciosas e, por essa razão. Não pode ser fruto de uma elucubração abstrata ou da necessidade de atender a momentâneos apelos demagógicos, mas, ao contrário, refletir, com método e ciência, o justo anseio social.

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Outro ponto relevante a ser destacado na essência do Direito Penal é sua função ético-social. Quanto a este aspecto, Capez (2011, p. 19) discorre que:

A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc., denominados bens jurídicos.

No Brasil, conforme Mirabete (2000, p. 42), o Direito Penal tem seu principio registrado junto aos costumes indígenas no período da colonização do Brasil. Neste período, as praticas penais utilizadas pelos que aqui habitavam estavam ligadas ao direito costumeiro, sendo aplicada a vingança privada, a vingança coletiva e o talião como meios de sanção. Na sequência, adentrando ao período colonial, tem-se a elaboração das ordenações, documentos que refletiam o direito penal dos tempos medievais. Nesta época, o crime confundia-se com a ideia de pecado e de ofensa moral. No que tange as penas, neste momento histórico estas visavam infundir o temor pelo castigo, permanecendo a aplicação da pena de morte.

Na sequência, proclamada a Independência, elaborou-se uma nova legislação penal, sendo criado o Código Criminal do Império. Este, por sua vez, trouxe caráter liberal, suscitando a individualização da pena, a existência de atenuantes, agravantes e, por fim, a fixação de um julgamento especial para os menores de 14 anos. No período subsequente ao Império, com a proclamação da República, elaborou-se o Código Penal. Neste novo dispositivo aboliu-se a pena de morte e instalou-se o regime penitenciário de caráter correcional, o que figurou como um avanço na legislação penal da época. Ante o insucesso desta legislação e após inúmeras leis criadas com a finalidade de suprir problemas do Código Penal vigente, em 1942 entrou em vigor um novo Código Penal, o qual ainda figura como nossa legislação penal fundamental. Caracterizou-se a nova lei por ser uma legislação eclética, onde foram aceitos postulados das escolas Clássica e Positiva, absorvendo essência e orientação liberal. Esta cronologia baseia-se no disposto por Mirabete (2000, p.43).

Para encerar a exposição histórica do Direito Penal no Brasil, observam-se as palavras de Mirabete (2000, p 43) que assim discorre:

Tentou-se a substituição do Código pelo Decreto-lei n 1.004, de 21 – 10 -1969. As críticas a esse novo estatuto, porém, foram tão acentuadas que foi ele modificado substancialmente pela Lei n 6.016, de 31 – 12 -73. Mesmo assim, após vários

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adiamentos da data em que passaria a viger, foi revogado pela Lei n 6.578, de 11 – 10 – 1978.

Tecidas as devidas considerações acerca do Direito Penal no do Estado Democrático de Direito, forma de organização do Estado adotada pelo Brasil, bem como expresso tal ramo do Direito em sua esfera conceitual e enquanto meio de controle social, finaliza-se o presente item reforçando a ligação entre estes três elementos. Assim, pode-se dizer que, em face da adoção do Estado Democrático de Direito, tem-se um Direito Penal que visa não somente à aplicação formal das normas, mas que carrega consigo a preocupação de que estas tutelem valores relevantes à sociedade, sendo, assim, capazes de satisfazer os anseios do povo bem como promover o controle social.

1.2 A instrumentalidade garantista no processo penal

Tratado o Direito Penal de forma particular e também feita sua contextualização em relação com o Estado Democrático de Direito, cuja opção política e jurídica foi feita pela Constituição Brasileira de 1988, passa-se agora a tratar do processo penal, não só enquanto meio a possibilitar a análise da concretização punitiva do Estado, mas principalmente a garantir a máxima eficácia aos direitos fundamentais, sobretudo do acusado. Eis aqui a denominada instrumentalidade garantista do processo penal (LOPES JR., 2014).

Assim, primeiramente há que se ter claro que o processo penal pátrio carrega consigo duas ideias principais. Por um lado, trata-se de instrumento viabilizador da aplicação das normas pelo Estado na sociedade, tendo-se, ao fim da persecução penal, a legitimidade para absolvição do indivíduo ou a aplicação da sanção penal, caso comprovada sua responsabilidade criminal. Por outro lado, além dessa característica, o caráter instrumental do processo penal carrega também uma função constitucional, inerente ao meio e a forma de Estado adotada pelo Brasil, devendo estar em harmonia com os preceitos do Estado Democrático de Direito.

Expostas sinteticamente estas duas perspectivas acerca do processo penal, importante tecer algumas considerações mais específicas sobre cada uma delas. Assim, inicialmente discorrer-se-á brevemente sobre a característica de instrumentalidade do processo. Para isto, tendo como parâmetro as palavras de Lopes Jr (2014, p. 33), primeiramente há que se ter clara a noção de que o processo é um instrumento, sendo tal característica indissociável da

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concepção de que é esta sua razão básica de existência. Seguindo esta ideia, qual seja, a do processo penal como instrumento, pode-se dizer que o Direito Penal, não sendo de coação direta, não há que se conceber a imposição da pena sem processo, revelando-se aí o caráter instrumental do processo penal, bem como sua significância. Para Tourinho Filho (2001, p. 13), “não se pode negar o caráter instrumental do Direito Processual, porquanto constitui ele um meio, o instrumento para fazer atuar o Direito Material.”

Ainda sobre este aspecto, oportunas as palavras de Lopes Jr (2014, p.33) quanto à instrumentalidade do processo penal quando:

[...] reside no fato de que a norma penal apresenta, quando comprada com outras normas jurídicas, a característica de que o preceito tem por conteúdo um determinado comportamento proibido ou imperativo e a sanção tem por destinatário aquele poder do Estado, que é chamado a aplicar a pena.

Contribuindo com o tema, tem-se também as palavras de Tourinho Filho (2001, p. 13) que e expõe:

No que concerne ao Direito Processual Penal propriamente, mais clara se apresenta tal instrumentalidade, uma vez que não sendo o Direito Penal de coação direta, e uma vez que o Estado autolimitou o seu jus puniendi, não se concebe aplicação de pena sem processo.

Elencada a perspectiva de instrumentalidade intrínseca ao processo penal, avança-se no tema discorrendo ligeiramente sobre sua função constitucional. Tal função, por sua vez, está ligada à ideia e aos preceitos vinculados ao modelo de Estado adotado pelo Brasil, o Estado Democrático de Direito, reconhecendo o processo penal como meio ou instrumento cuja finalidade também é servir à realização do projeto democrático.

Isto posto, cabíveis as palavras de Lopes Jr. (2014, p. 33), ao referir que:

Nesse viés insere-se a finalidade constitucional-garantidora da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais, em especial da liberdade individual. Ademais, a Constituição constitui, logo, necessariamente, orienta a instrumentalidade do processo penal.

Correlacionando estes dois aspectos e encerrando a abordagem acerca do presente tema, conclui-se a exposição referenciando as palavras de Lopes Jr (2014, p. 34) que diz:

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[...] a instrumentalidade do processo penal é o fundamento de sua existência, mas com uma especial característica: é um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais. É uma especial conotação do caráter instrumental e que só se manifesta no processo penal, pois se trata de instrumentalidade relacionada ao Direito Penal e à pena, mas, principalmente, um instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais. Está legitimado enquanto instrumento a serviço do projeto constitucional.

Diante disto, nota-se que o processo penal de fato traz consigo intrinsecamente a ideia de instrumento, sendo esta, portanto, indissociável a sua origem. Assim, observando-se o processo penal enquanto instrumento, verifica-se que o mesmo possibilita a real aplicação do direito penal, fazendo atuar o direito material, viabilizando a apuração e posterior aplicação de uma pena ao indivíduo. Além de instrumento, por fim evidenciou-se que o processo penal também possui uma função constitucional, ao passo que resguarda a eficácia dos direitos e garantias fundamentais, preceitos de suma importância para do Estado democrático de Direito.

Nesta linha, considerando as duas funções do processo penal acima expostas, quais sejam a instrumentalidade do mesmo e sua função constitucional, encerra-se a tratativa do tema relacionando o processo penal e suas funções com as medidas cautelares que visam tutelar o mesmo. Neste sentido, conclui-se que para que o processo cumpra sua finalidade há que se ter meios capazes de protegê-lo, surgindo assim as medidas cautelares. Estas, por sua vez, para serem aplicadas e possuírem validade devem observar uma série de princípios, os quais serão tratados na sequência. Ante o exposto, finda-se o tema da instrumentalidade garantista do processo penal e passa-se a tratativa acerca das medidas cautelares, se atendo primeiramente a principiologia própria das mesmas.

1.3 Medidas cautelares de coerção pessoal: principiologia

O questionamento levantado acerca da legitimidade do decreto da prisão preventiva com base no fundamento da manutenção da ordem pública é um tema que merece especial atenção na atual situação social, política e jurídica do país. Vive-se uma época em que a população se encontra extenuada frente aos problemas sociais, descrente nas instituições e nos poderes legitimados para dirimir as mazelas da sociedade, restando sedenta por medidas fundadas na imediaticidade, mesmo que se sobreponham a garantias constitucionais e violem direitos fundamentais, conquistados a “duras penas” ao longo da história da humanidade.

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Nesta realidade, a decretação da prisão preventiva sob a égide da manutenção da ordem pública passa a ser utilizada com maior frequência, servindo de argumento legal, plausível e genérico, capaz de justificar a prisão de um indivíduo antes que se tenha sequer a concretização de uma pena, no mais das vezes. Vislumbra-se aí uma verdadeira distorção da natureza cautelar de tal medida, haja vista que, na maioria das vezes, serve mais como pena antecipada e resposta social do que propriamente a proteger o processo, fundamento originário das medidas cautelares de coerção pessoal.

As medidas cautelares de coerção pessoal no processo penal pátrio, dentre as quais se insere a prisão preventiva, vêm consagradas na legislação com a finalidade de proteger o processo para que este transcorra de forma regular, produzindo meios para que, ao final da persecução penal, haja condições para a produção de decisões que se aproximem, ao máximo, daquilo que possa ter sido efetivamente apurado quanto à ocorrência ou não de infrações penais, sem que, no entanto, se perca de vista a instrumentalidade garantista do processo penal.

Posto o tema a ser tratado, qual seja, a análise crítica e reflexiva acerca da decretação da prisão preventiva sob o fundamento da manutenção da ordem pública, primeiramente, se deve abordar sua natureza enquanto medida cautelar de coerção pessoal. Neste sentido, seguindo a ideia de que “as medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e, como consequência, a eficaz aplicação do poder de penar” (LOPES JR., 2014, p. 571), preliminarmente, cabe uma breve exposição acerca da principiologia que o instituto carrega em sua essência.

Em se tratando de direito processual penal, nos moldes em que este se estrutura no sistema pátrio, tem-se a presunção de inocência como princípio fundamental a ser observado para regular aplicação de qualquer medida dentro do processo penal. Sua importância fica evidenciada ao ser um princípio expressamente registrado no art. 5°, inciso LVII, da Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988), sendo, portanto, garantia constitucional norteadora de todo sistema processual penal nacional. Trata-se de um princípio de singular relevância porque demonstra o grau de civilidade da sociedade, visto que vem como opção protetora do indivíduo, considerando-lhe inocente e resguardando sua integridade até que finde o processo penal.

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Neste sentido, tem-se e entendimento de Lopes Jr. (2014, p. 570):

É um princípio fundamental de civilidade, fruto de uma opção protetora de indivíduo, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos. Essa opção ideológica (pois eleição de valor), em se tratando de prisões cautelares, é da maior relevância, pois decorre da consciência de que o preço a ser pago pela prisão prematura e desnecessária de alguém inocente (pois ainda não existe sentença definitiva) é altíssimo, ainda mais no medieval sistema carcerário brasileiro.

Ainda, no âmbito introdutivo do tema referente à principiologia das medidas cautelares no processo penal, importante distinguir que, na seara processual, não há de se falar, como no processo civil, em fumus boni iuruis e periculum in mora, enquanto requisitos para o decreto de medidas cautelares. Em se tratando de processo penal, as medidas cautelares de coerção pessoal são aplicadas quando há concomitantemente fumus commissi delicti e

periculum libertatis.

Em se tratando de fumus commissi delicti, traz-se as palavras de Lopes Jr. (2014, p. 571), para quem:

No processo penal, o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação do alegado, mas sim de um fato aparentemente punível. Logo, o correto é afirmar que o requisito para decretação de uma prisão cautelar é a existência do fumus commissi delicti, enquanto probabilidade da ocorrência de um delito (e não de um direito), ou, mais especificamente, na sistemática do CPP, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.

Sinteticamente falando, este aspecto busca a demonstração da existência material de um fato, provavelmente delitivo, cumulada a indícios suficientes de autoria, para sustentar a aplicação da medida cautelar. Eis o fumus commissi delicti, ou seja, a configuração de pressupostos hábeis a possibilitar, objetivamente, um juízo de verossimilhança, de probabilidade acerca do alegado, de que houve um crime e de que há fortes indicativos de quem o tenha praticado. Sem a configuração desses pressupostos, em um caso concreto, não se justificaria uma medida tão drástica quanto a prisão preventiva, contra alguém que ainda está sob proteção do estado de inocência.

Quanto ao periculum libertatis, segundo requisito para aplicação de uma medida cautelar, como mencionado, visa evidenciar, enquanto fundamento, a necessidade de sua decretação. Tem-se nas palavras de Lopes Jr. (2014, p. 572) a compreensão de que:

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O risco no processo penal decorre da situação de liberdade do sujeito passivo. Basta afastar a conceituação puramente civilista para ver que o periculum in mora no processo penal assume o caráter de perigo ao normal desenvolvimento do processo (perigo de fuga, destruição da prova) em virtude do estado de liberdade do sujeito passivo.

Logo, o fundamento é um periculum libertatis, enquanto perigo que decorre do estado de liberdade do imputado.

A configuração do periculum libertatis pressupõe a demonstração, no caso concreto, de que o estado de liberdade do acusado ou investigado põe em risco a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. Circunstâncias que, nos termos do art. 312, do CPP (BRASIL, 1941), evidenciam ser necessária uma medida cautelar de coerção pessoal. Tratam-se, portanto, de verdadeiros fundamentos ao decreto de medidas dessa natureza, do contrário, não seriam cautelares.

Correlacionados os fundamentos legitimadores das medidas cautelares no âmbito do processo penal, passa-se propriamente à principiologia que norteia e sustenta a aplicação deste instituto. Antes de adentrar de forma específica em cada princípio, vale salientar que a observação principiológica é especialmente relevante neste instituto por ser justamente esta a base capaz de sustentar a possibilidade de aplicação de uma medida restritiva de liberdade a um indivíduo antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória. É nessa seara também que se abre a possibilidade de coexistência de uma prisão durante o transcorrer da persecução penal com o princípio da presunção de inocência, prisão aplicada em caráter excepcional, visto que ainda não se tem a confirmação da responsabilidade criminal.

Passando de fato à principiologia que abrange as medidas cautelares no processo penal, adentra-se a este meio tratando inicialmente do princípio da jurisdicionalidade e da motivação. Segundo este princípio, qualquer que seja a decisão proferida, cujo resultado almejado seja a decretação de uma medida cautelar de coerção pessoal, deve ser originada, obrigatoriamente, de uma decisão judicial. Porém, ressalta-se aqui que, para a validade da decisão proferida, não basta a mera existência de uma ordem judicial, visto que esta também deve ser fundamentada, para que o princípio supramencionado seja observado e a decisão seja revestida pelo mesmo. Em suma, “toda e qualquer prisão cautelar somente pode ser decretada por ordem judicial fundamentada” (LOPES JR., 2014, p. 571).

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Ainda, a respeito do princípio da jurisdicionalidade e motivação, destaca-se a sintética ideia de Lopes Jr. (2014, p. 574) que diz:

No Brasil, a jurisdicionalidade está consagrada no art.5° LXI, da CB, segundo o qual ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de crime militar.

Também discorrendo acerca do princípio da jurisdicionalidade, cita-se o pensamento proposto por Lima, (2006, p. 288) que diz:

Jurisdicionalidade, que significa que as medidas cautelares pessoais, tal qual as demais cautelares no processo penal só podem ser adotadas, em regra, pelo órgão judicial competente.

Dando continuidade à exposição dos princípios norteadores da temática, ressalta-se a importância da oportunidade do contraditório, antes de o juiz decidir acerca da imposição ou não de uma medida cautelar de coerção pessoal. Porém, nesse aspecto, embora de suma relevância para a esfera teórica do Direito Processual Penal, na prática, se tem notado pouca aplicação do mesmo no cotidiano da esfera judicial.

Confirmando a relevância do princípio para os estudiosos do direito processual penal, exemplificativamente pode ser citado o seguinte trecho da obra de Lopes Jr. (2014, p. 575) que diz:

Nossa sugestão sempre foi de que o detido fosse desde logo conduzido ao juiz que determinou a prisão, para que, após ouvi-lo (interrogatório), decida fundamentadamente se mantém ou não a prisão cautelar. Através de um ato simples como esse, o contraditório realmente teria sua eficácia de “direito à audiência” e. provavelmente, evitaria muitas prisões cautelares injustas e desnecessárias. Ou ainda, mesmo que a prisão se efetivasse, haveria um mínimo de humanidade no tratamento dispensado ao detido, na medida em que, ao menos, teria sido “ouvido pelo juiz”.

Neste contexto, inegável é a importância deste princípio enquanto forma de garantir um tratamento mais humano ao indivíduo sujeito à medida cautelar. Não obstante o fator psicológico de possibilitar que este tenha contato com a autoridade antes que esta lhe decrete a medida cautelar, importante se observar também que atentar ao contraditório seria proporcionar um momento para conhecimento da situação e defesa do indivíduo, concedendo-lhe a oportunidade de demonstrar a desnecessidade ou o não cabimento da medida.

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Além da aplicação do contraditório em momento anterior à aplicação da medida cautelar, igual relevância teria sua observação em casos de substituição, cumulação ou revogação destas, previstos no ordenamento jurídico pátrio, sob os mesmos fundamentos supramencionados.

Corroborando com esta ideia, Lopes Jr. (2014, p. 576) diz:

A suspeita de descumprimento de quaisquer das condições impostas nas medidas cautelares diversas, previstas no art. 319, exigirá, como regra, o contraditório prévio a substituição, cumulação ou mesmo revogação da medida.

Outro aspecto referente ao princípio do contraditório que merece atenção é a redação do art. 282, § 3°, do CPP (BRASIL, 1941), a qual apesar de um pouco imprecisa em sua terminologia demonstra avanços nos sentido de resguardar a perspectiva do contraditório no próprio texto legal. Exemplificativamente, eis a redação do dispositivo:

Art. 282. [..] [...]

§ 3° Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da media, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.

Outro princípio básico inerente às medidas cautelares de coerção pessoal a ser estudado é o da provisionalidade. Segundo este, primordial é a observação da presença concomitante do fummus commissi delicti e do periculum libertatis, para que se tenha a decretação e manutenção da prisão cautelar, carregando consigo sempre a ideia de que tal medida necessariamente terá caráter situacional. Ainda, nesta linha de raciocínio, uma vez inexistente ou suprimido um dos fundamentos supracitados, quais sejam o fummus commissi

delicti e o periculum libertatis,desaparece também a legitimidade da medida cautelar, fazendo

necessariamente com que esta seja extinta, eis a relevância que carrega o princípio da provisionalidade, expresso no art. 282, §§ 4º e 5° do CPP (BRASIL, 1941) com a seguinte redação:

Art. 282. [...] [...]

§ 4° No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a media, impor outra em cumulação, ou, em último caso decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único)

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§ 5º O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la se sobrevierem razões que as justifiquem.

Correlacionando teoria e legislação, cabível citar aqui as palavras de Lopes Jr. (2014, p. 577) que diz:

Portanto, a prisão preventiva ou quaisquer das medidas alternativas poderão ser revogadas ou substituídas, a qualquer tempo, no curso do processo ou não, desde que desapareçam os motivos que as legitimam, bem como poderão ser novamente decretadas, desde que surja a necessidade (periculum libertatis).

Não obstante os princípios citados, tem-se também a provisoriedade como princípio a ser considerado em se tratando de medidas cautelares. Este princípio está relacionado à duração das medidas cautelares, visto que possuem caráter temporário, já que visam tutelar uma situação fática pontual. Em que pese a existência de tal princípio seja reconhecida, atualmente tem-se um grave problema no que tange à indeterminação do tempo das medidas a serem aplicadas, ficando sua duração determinada enquanto perdurar o periculum libertatis.

Nota-se que houveram tentativas de regulamentar a questão dos prazos das medidas cautelares ao longo do tempo, reconhecendo o problema existente bem como confirmado a importância do princípio ora tratado. Embora se tenha realizado tentativas de estipular prazos para determinar o tempo das prisões cautelares, em nenhum momento se fixou legalmente um termo, à exceção da prisão temporária (prevista na Lei n.º 7.960/89), e tampouco sanções capazes de objetivarem o cumprimento deste principio, não havendo marco para determinar o ponto entre a segregação legal e ilegal do indivíduo submetido a medida cautelar. Eis aqui um grande problema.

Aproveita-se a oportunidade para expor a problemática segundo as palavras de Lopes Jr. (2014, p. 579) que diz:

O limite aos excessos somente ocorrerá quando houver prazo com sanção. Do contrário, os abusos continuarão.

Por fim, há que se lamentar a não inclusão do § 7º do art. 282, que instituía o dever de reexaminar a prisão preventiva decretada a cada 60 dias, ou em prazo menor, se a situação exigisse, para avaliar fundamentadamente e se persistiam os motivos que a ensejaram.

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Outro princípio consagrado no instituto jurídico ora estudado é o da excepcionalidade. Em se tratando de prisão preventiva enquanto medida cautelar, ao se observar o princípio da excepcionalidade, deve ser vista como último instrumento a ser utilizado, sendo cabível em caráter excepcional e somente quando inadequadas ou insuficientes as demais medidas cautelares, conforme a própria legislação processual penal prevê.

Legalmente, a expressão do referido principio se encontra no art. 282, § 6°, do CPP (BRASIL, 1941) que diz: Art. 282 [...], § 6° A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar. Registra-se que este dispositivo remete ao disposto no art. 319, do CPP (BRASIL, 1941), que vem a ser o artigo que discorre acerca das outras medidas cautelares.

Sintetizando o que acaba de ser acima exposto, toma-se como exemplo a redação de Lopes Jr. (2014, p. 579) que sustenta:

Neste terreno, excepcionalidade, necessidade e proporcionalidade devem caminhar juntas.

Ademais, a excepcionalidade deve ser lida em conjunto com a presunção de inocência, constituindo um princípio fundamental de civilidade, fazendo com que as prisões cautelares sejam (efetivamente) a última ratio do sistema, reservadas para os casos mais graves, tendo em vista o elevadíssimo custo que representam.

Atendo-se ainda ao princípio da excepcionalidade, oportuno referenciar as palavras de Lima, (2006, p. 288) que expõe:

Excepcionalidade, uma vez que só devem ser tais medidas adotadas quando indispensáveis e inexistirem outras medidas menos gravosas, o que, de certa forma, respalda a pertinência do poder geral de cautela no processo penal.

Realizadas as devidas considerações acerca de cada um dos princípios acima expostos no transcorrer do presente texto, para fechar o tema em torno da principiologia ligada às medidas cautelares tratar-se-á, por fim, do princípio dos princípios, como reporta Lopes Jr. (2014), qual seja o princípio da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade é considerado para as prisões cautelares como principal base para fundamentação e sustentação das mesmas em nosso ordenamento jurídico. Tal característica vem essencialmente da ideia de ponderação de interesses inserida em tal princípio, visto que está diretamente ligado a conceitos fundamentais atinentes às medidas

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cautelares, tais como adequação e necessidade destas frente ao caso concreto. Eis que se revela a proporcionalidade.

Outro ponto que revela a singularidade deste princípio e sua importância para as medidas cautelares é que serve como fundamento balizador para o julgamento do caso concreto e a respectiva medida a ser aplicada pelo juiz.

Esta noção encontra subsídio nas palavras expressas na obra de Lopes Jr. (2014, p. 581) que discorre:

O Princípio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto, pois deverá ponderar a gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida, sem perder de vista a densidade do fumus commissi delicti e do

periculum libertatis.

Acerca deste princípio, também merece destaque as palavras de Lima, (2006, p. 288) que diz:

Proporcionalidade, já que deve haver uma relação proporcional da medida cautelar pessoal com a finalidade do procedimento e gravidade dos fatos apurados, sendo que o juíz deve examinar o caso em concreto, ponderando a gravidade da medida com a finalidade que se pretende.

Feita a abordagem acerca do princípio da proporcionalidade, encerra-se aqui a exposição em torno da principiologia das medidas cautelares.

Por fim, há de se considerar que a legislação processual penal não prevê mais apenas as prisões cautelares, quais sejam, a prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva como únicas medidas cautelares de coerção pessoal, a assegurar a persecução penal, a aplicação da lei e a ordem pública. Há outras medidas, alternativas à prisão preventiva, porém menos drásticas para o direito à liberdade individual, que também se sujeitam à mencionada principiologia. É o que se verá a seguir.

1.4 Medidas alternativas à prisão preventiva após a publicação da Lei n° 12.403/11

Embora o foco central do presente trabalho seja discorrer acerca da decretação da prisão preventiva sob o fundamento da manutenção da ordem pública, impossível tratar o

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tema sem considerar a existência de medidas cautelares a ela alternativas. Assim, passa-se a expor tal possibilidade trazida ao ordenamento jurídico vigente pelas alterações produzidas pela publicação da Lei n° 12.403/11 (BRASIL, 2011).

Com o advento da Lei n° 12.403/2011 (BRASIL, 2011) verifica-se uma verdadeira inovação no que tange às medidas cautelares. Com esta, eis que emerge uma polimorfologia cautelar, visto que se abre possibilidade de serem impostas medidas cautelares diversas da prisão, e que estão previstas nos arts. 317, 319 e 320, do CPP (BRASIL, 1941), quebrando, com isso, o paradigma do binômio prisão/liberdade até então existente.

Brevemente, quanto à origem das medidas cautelares diversas, oportunas são as palavras de Oliveira (2012, p. 502) que diz:

As novas medidas cautelares pessoais no Brasil, como parece evidente, se espelham na legislação portuguesa, conforme se vê do art. 197 e seguintes do Código de Processo Penal de Portugal, lá tratadas como medidas de coacção, e que, a seu turno, se inspiram no Código de Processo Penal italiano e suas misure coercitive do

Codice di Procedura Penale italiano(art. 280 e seguintes).

Por se tratarem de possibilidades concedidas dentro do gênero das medidas cautelares, naturalmente exige-se também, nestes casos, a existência do fumus commissi delicti e do

periculum libertatis, não sendo concebível a aplicação e a imposição de tais medidas

cautelares alternativas à prisão ante a ausência de um ou de ambos os requisitos aqui mencionados. Quanto à utilização das medidas cautelares alternativas à prisão, Lopes Jr. (2014, p. 622) refere que “a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação.”

Importante referir que, com o advento da Lei n° 12.403/2011 (BRASIL, 2011), juntamente com as medidas cautelares alternativas à prisão, veio a possibilidade de tutela cautelar para uma nova gama de crimes. Assim, com a publicação da Lei n° 12.403/2011 (BRASIL, 2011), segundo Lopes Jr. (2014, p. 622) “[...] também terão cabimento nos crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos (situações em que o art. 313, I, veda a prisão preventiva), desde que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis.”

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As medidas cautelares diversas da prisão carregam consigo um caráter substitutivo, servindo como alternativas à aplicação da prisão preventiva. Tal caráter substitutivo tem grande significância porque concede à prisão cautelar a perspectiva de último instrumento a ser utilizado para acautelar o processo, sempre sobrepesando sua aplicabilidade em face da noção de necessidade, proporcionalidade e excepcionalidade da medida a ser aplicada frente ao caso concreto. Outro ponto importante é que, em que pese as medidas cautelares possam ser aplicadas nos casos de crimes cuja pena máxima seja igual ou inferior a 4 anos, é notório que sua aplicação significa sempre a restrição da liberdade do indivíduo, jamais sendo concebível a ideia de banalização das mesmas por este motivo.

Outro ponto singular atinente a questão é a inaplicabilidade das medidas cautelares diversas da prisão no caso dos crimes culposos. Tal posição se adota em face da necessária vinculação da aplicação da medida é o sopesamento da mesma diante da proporcionalidade da medida aplicada frente ao caso concreto a qual se deseja tutelar.

Segundo Lopes Jr. (2014, p. 623), o limite da pena está diretamente vinculado aos princípios da excepcionalidade e proporcionalidade, princípios estes que norteiam a aplicação de toda e qualquer medida cautelar. Além disto, importante expor que as medidas cautelares diversas da prisão também são regidas pelos princípios gerais das medidas cautelares, quais sejam: jurisdicionalidade e motivação; contraditório; provisionalidade; provisoriedade; excepcionalidade e proporcionalidade.

Tecidas as necessárias considerações iniciais e genéricas acerca das medidas cautelares diversas da prisão, bem como dos princípios que as norteiam, passa-se agora a tratar sinteticamente sobre cada uma das possibilidades previstas nos incisos do art. 319 do CPP (BRASIL, 1941).

Assim, inicia-se a exposição com a possibilidade prevista no inciso I, do art. 319 do CPP (BRASIL, 1941), qual seja: o comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades. Quanto a esta, primeiramente cabível mencionar que, no que tange a periodicidade desta medida, não há nenhum parâmetro fixado legalmente para aplicação de tal medida. Assim, aplica-se a mesma caso a caso, de acordo com os preceitos da necessidade e da proporcionalidade particulares a cada situação. Neste sentido, segundo Oliveira (2012, p. 502): “caberá ao juiz aferir da

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periodicidade do comparecimento, segundo sejam as condições do agente e a gravidade dos fatos, pressuposto de adequação de toda medida cautelar (art. 282, II, CPP)”

Ainda, sobre esta medida, nas palavras de Lopes Jr. (2014, p. 624) “permite, a um só tempo, o controle da vida cotidiana e também certificar-se do paradeiro do imputado, servindo como instrumento para tutela da eficácia da aplicação da lei penal.”

Superada a medida cautelar prevista no inciso I do art. 319 do CPP (BRASIL, 1941), passa-se à próxima medida disposta no inciso II do mesmo dispositivo legal, qual seja: proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações.

Quanto a esta, Oliveira (2012, p. 504) ventila uma possibilidade alternativa de aplicação da medida quando diz:

[...] impende observar que a medida poderá também evitar a perturbação ou acirramento de ânimos entre as pessoas dos locais em que deva ser proibido o acesso ou a frequência, mesmo que não se tenha receio da reiteração criminosa [...]

Esta medida, por sua vez, possui visivelmente em sua essência um caráter prevalentemente preventivo. Em sendo assim, trata-se de medida que deve ser usada de forma prudente, pois não pode constituir uma pena de banimento, como expõe Lopes Jr. (2014, p. 626).

Um dos problemas da medida supracitada é a eficácia da mesma quando verificada as reais condições de fiscalização do Estado ao aplicá-la. Além disto, outro problema é tratado por Lopes Jr. (2014, p. 626) que diz:

[...] a medida nasce com um defeito genético: sua discutível cautelaridade e, portanto, constitucionalidade. Não se vislumbra tutela do processo ou de seu objeto, aproximando-se da problemática prisão preventiva para garantia da ordem pública, dado seu caráter de prevenção especial manifesto.

Seguindo a ordem disposta no art. 319 do CPP (BRASIL, 1941), em seu inciso III, tem-se mais uma hipótese de medida cautelar disposta legalmente com a seguinte redação: proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas

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ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante. Primeiramente, em possuindo esta medida cautelar diversa da prisão um real e específico objeto de tutela, no caso uma pessoa relacionada ao fato, notória é sua legitimidade em conformidade com a essência das medidas cautelares. Segundo Oliveira (2012, p. 504), “[...] aqui, o núcleo central das preocupações parece ser a vítima ou seus familiares, evitando-se contatos prejudiciais a todos os envolvidos, e, por isso mesmo, a reiteração de novos conflitos”. Neste sentido, de forma coerente com o real sentido das cautelares, vislumbra-se neste dispositivo legal uma medida que cumpre seu papel de cautelaridade do processo ao passo que protege um meio de prova.

Outra medida cautelar diversa a prisão é a proibição de ausentar-se da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução. Esta possibilidade se encontra prevista legalmente no inciso IV, do art. 319 do CPP (BRASIL, 1941). Sob uma análise superficial, tal medida aparenta ser dotada de um caráter cautelar evidente, visto que serve objetivamente para a tutela da prova e, consequentemente, à própria eficácia da lei penal, no tocante ao risco de fuga.

Embora se tenha tal impressão, na realidade, a medida acabou por restringir a tutela na esfera probatória e, sendo assim, uma vez colhida a prova desaparece, a situação fática capaz de legitimar a manutenção da medida. Quanto à crítica em torno desta medida, toma-se como referência as palavras de Lopes Jr. (2014, p. 627) que asserva:

Também não andou bem o legislador em incluir a “conveniência” da investigação ou instrução, na medida em que abre um amplo espaço para o exercício impróprio da discricionariedade judicial. Melhor seria manter a redação original, que exigia a “necessidade” e não mera conveniência.

Incorre ainda no erro de se inserir na perspectiva de obrigar o réu a estar disponível para servir de “objeto de prova”. Vai na contramão do direito de não produzir prova contra si mesmo (privilege against self-incrimination) e da tendência em reconhecer-se o “direito de não ir”, inerente ao réu em processos penais democráticos, que não mais veem como “objeto de prova”, mas sim sujeito processual.

Outra possibilidade fixada pelo legislador ao tratar as medidas cautelares alternativas à prisão é a disposta no inciso V, do art.319 do CPP (BRASIL, 1941). Este dispositivo prevê a seguinte medida: recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o acusado tenha residência e trabalho fixos. Trata-se, assim, de medida substanciada no senso de autodisciplina e responsabilidade subjetiva do imputado.

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A respeito, Lopes Jr. (2014, p. 627) expõe:

É uma medida cautelar que pode servir a diferentes fins, desde minorar o risco de fuga (ainda que com pouca eficácia), tutela da prova (já que o imputado ficará nos limites trabalho-domicílio) e até mesmo escopos metacautelares (e, por isso, censuráveis), como prevenção especial e geral.

Seguindo o rol das cautelares elencadas no art. 319 do CPP (BRASIL, 1941), o inciso VI deste dispositivo propõe: suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. Aqui, trata-se de situações na esfera dos crimes econômicos e quanto aos praticados por servidor público no exercício de sua função. Nas palavras de Oliveira (2012, p. 507): “[...] a finalidade seria o impedimento da utilização de tais circunstancias (serviço público e atividade econômica e financeira) para a reiteração de infrações penais”. Esta medida, por sua vez, traz consigo a questionável ideia de tutela do risco de reiteração. É questionável ao passo que se trata de possibilidade que se encontra disposta em nosso ordenamento jurídico como medida cautelar e, por isso, obedece aos preceitos e princípios atinentes a estas, sendo discutível sua aplicabilidade quando visa a impedir crimes futuros.

Analisando criticamente esta medida, Lopes Jr. (2014, p. 628) diz que:

É medida extremamente gravosa e que deverá ser utilizada com suma prudência, sendo inclusive de discutível constitucionalidade. Não se tutela o processo ou seu objeto, aproximando-se tal medida a uma (ilegal) antecipação da função de prevenção especial da pena.

Outra medida passível de aplicação segundo o ordenamento jurídico vigente é a internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração. Esta possibilidade está abarcada no inciso VII, do art. 319 do CPP (BRASIL, 1941) e figura como uma inovação no modelo atual, visto que acaba por propor uma espécie de medida de segurança cautelar.

Sobre esta media, Oliveira (2012, p. 508) diz:

A internação provisória do inimputável ou do semi-imputável dependerá, primeiro, da existênciade indícios concretos de autoria e materialidade em crimes de natureza violenta ou cometidos mediante grave ameaça, e, segundo, do risco concreto de reiteração criminosa, tudo isso a ser aferido por meio de prova pericial [...].

(31)

Para aplicação de tal medida exige-se cumulativamente a presença de crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, inimputabilidade demonstrada por perícia e risco de reiteração criminosa. Segundo Lopes Jr. (2014, p. 629), tal medida tem problemas quanto à ausência de limitação de sua duração, quanto a questão pericial sob o aspecto subjetivo de avaliação do individuo no que tange a condição psicológica deste ao longo do tempo, quanto à estigmatização do mesmo perante a sociedade em virtude da aplicação da medida bem como a questão do risco de reiteração, já que não há como se ter certeza das condutas futuras do individuo.

Dando sequência ao tema, tem-se a oitava possibilidade de medida cautelar alternativa a prisão. Trata-se do inciso VIII, do art. 319 do CPP (BRASIL, 1941) que expõe: fiança, nas infrações que admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada a ordem judicial.

Definindo tal medida, podem-se citar as palavras de Oliveira (2012, p. 508) que diz:

Trata-se de medida de cunho patrimonial, na qual se exige a prestação de dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública ou hipoteca em primeira inscrição (art. 330, CPP), com objetivo de assegurar o comparecimento do acusado aos atos do processo, a evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de injustificada resistência à ordem judicial (art. 319, VIII, CPP).

Apesar da previsão legal existente, tal qual referiu-se acima, importante se analisar alguns pontos quanto a esta. Neste sentido, Oliveira (2012, p. 508) levanta um oportuno questionamento acerca do requisito da resistência injustificada à ordem judicial, baseando-se na inconsistência do mesmo por ser um termo vago, impreciso. Para este autor, tal previsão legal remeteria aos casos de descumprimento de outra medida cautelar. Por fim, o mesmo autor salienta que o manejo de tal medida deve ser feito com cautela, tendo em vista que não é concebível sua aplicação de forma banalizada, devendo sempre se ater aos demais fundamentos que legitimam a aplicação de qualquer medida cautelar no ordenamento jurídico pátrio.

Encerrando as possibilidades elencadas no art. 319 do CPP (BRASIL, 1941), tem-se a monitoração eletrônica. Tal medida se encontra prevista no inciso IX do dispositivo legal que acaba de ser citado, tratando-se da última medida cautelar diversa a ser aqui exposta. No

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tocante a esta, Lopes Jr. (2014, p. 631) refere que a possibilidade de vigilância constante acaba por tutelar a questão do risco de fuga e da pratica de novas infrações. Ainda, na visão deste autor, outra finalidade desta medida é viabilizar e dar eficácia as demais medidas diversas quando aplicadas concomitantemente. Em sendo uma medida de grande controle do individuo, necessário se fazer a ressalva de que sua aplicação deve ser sempre sobrepesada frente a real necessidade do caso fático. Além do mais, relevante ressaltar a questão da estigmatização social do individuo que faz uso do equipamento de monitoramento, figurando como mais um item a ser observado no momento da aplicação da medida perante o caso concreto.

Quanto a este último fator suscitado, importantes as considerações acerca do tema trazidas por Oliveira (2012, p. 511) que diz:

A questão mais grave, contudo, se refere aos limites do respeito à dignidade da pessoa humana.

Com efeito, a colocação de aparelhos eletrônicos junto ao corpo da pessoa constitui, por si só, inevitável constrangimento, na medida em que sinaliza, à evidencia, tratar-se de alguém sob permanente monitoramento. Por isso, a adesão e concordância do monitoramento é fundamental.

Encerrada a dissertação em torno das medidas cautelares diversas da prisão de forma pontual acerca de cada uma das possibilidades previstas em nosso ordenamento jurídico vigente no Brasil, faz-se o fechamento do tema reiterando a ideia de que, em se tratando todas de medidas cautelares, deve-se ater sua aplicabilidade em consonância aos princípios gerais do Processo Penal pátrio bem como a principiologia específica do sistema cautelar vigente no país. Disso decorre a legitimidade da aplicação de tais possibilidades concedidas na esfera penal pelo sistema de normas vigente.

Referências

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