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O Sacramento da Eucaristia

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Academic year: 2021

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O Sacramento da Eucaristia

Introdução

1. Tríade vocabular

N o âmbito das relações humanas, Eucaristia caracteriza o gesto de "reconhecimento", "gratidão", "acção de graças"(cf. Sab 18,2; R o m 16,4). N o âmbito religioso descreve o acto de agradecimento a Deus: "e tudo o que fizerdes p o r palavras ou p o r obras, fazei-o em n o m e do Senhor Jesus, dando p o r ele graças ("eucharistountes") a Deus Pai"(Col 3,17).

A "acção de graças" anda associada à "benedictio"("eulogia"), celebração das maravilhas de Deus, e à "anámnesis"(memorial). C o m efeito, ao render graças, o h o m e m bendiz a Deus p o r algum beneficio recebido das suas mãos, acontecimento que é recordado. A tríade inseparável: eucharistia — eulogía — anámnesis, foi aplicada desde o início à celebração eucarística.

2. Vocabulário jesuano e cristão

Esta tríade aparece nas perícopas da multiplicação dos pães e da última ceia de Jesus. "Eulogía" e "eucharistia" são usados indiferentemente. N a primeira multiplicação dos pães, João usa " e u c h a -ristia" e os sinópticos usam "eulogia". N a segunda, Mateus usa "eucharistia"(Mt 15,36) e Marcos usa "eucharistia" para o pão e "eulogia" para os peixes (Mc 8,6-7). D e igual m o d o , na última ceia os narradores usam-nas indiferentemente. Mateus, "acção de graças"

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sobre o cálice e " b ê n ç ã o " sobre o pão (Mt 26,26-27); Paulo usa "acção de graças" sobre o pão ( I C o r 11,24) e " b ê n ç ã o " referente ao cálice ( I C o r 10,16). " A n á m n e s i s " é usada p o r Paulo ( I C o r 11,24.25) e Lucas (Lc 22,19, referente ao pão).

N o uso cristão prevalece o vocábulo "eucharistia" para designar a fracção do pão, m a n t e n d o - s e implícito o significado de "eulogía" e de "anámnesis".

I — A n a m n e s e Pascal d o Crucificado

Eucaristia significa, pois, u m a "acção de graças anamnéstica". Isto é, acção de graças p o r u m a intervenção graciosa de Deus: o a c o n t e c i m e n t o da salvação. R e n d e n d o graças recorda-se, actualiza--se, revive-se esse a c o n t e c i m e n t o , p o r isso se diz que a eucaristia é a " a n a m n e s e " do a c o n t e c i m e n t o da salvação. A c o n t e c i m e n t o este q u e é a pessoa do C r u c i f i c a d o — a pessoa de Jesus e o seu destino c o m o C r u c i f i c a d o . Daí dizermos q u e a eucaristia é a anamnese do C r u c i f i c a d o . Essa celebração anamnéstica apresenta-se sob a forma exterior de b a n q u e t e . Q u e espécie de banquete?

1.1. Última Ceia de Jesus

1.1.1. Ceia pascal?

a) O problema

As narrações da última ceia de Jesus (Mc 14,2225; M t 2 6 , 2 6 -- 2 9 ; Lc 2 2 , 1 9 -- 2 0 ; I C o r 1 1 , 2 3 -- 2 6 ) f a l a m -- n o s de u m b a n q u e t e pascal: " B e m sabeis q u e de aqui a dias é a páscoa, e o filho do h o m e m será e n t r e g u e para ser c r u c i f i c a d o " ( M t 26,2 e par.). D u r a n -te a ceia pascal, q u e Jesus mandara preparar (Mt 26,17-19), é p o r Ele instituída a eucaristia (Mc 1 4 , 1 2 - 1 6 e par.). Assim, para os sinópticos e para Paulo, a celebração eucarística da c o m u n i d a d e cristã t e m carácter pascal. N o evangelho de J o ã o , p o r é m , apesar da insinuação d o capítulo VI ("e a páscoa dos j u d e u s estava p r ó x i m a " : J o 6,4), a última ceia de Jesus não parece ter carácter pascal, visto q u e o dia de Páscoa cai, não n o dia seguinte, mas dois dias depois, n o sábado (Jo 18,28; 19,14.31).

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b) Tese da história comparada das religiões

Será possível h a r m o n i z a r as duas tradições?

A harmonização revestiu-se de especial importância s o b r e t u d o a partir do m o m e n t o e m q u e a História C o m p a r a d a das Religiões utilizou a discordância c o m o a r g u m e n t o c o n t r a a instituição da Eucaristia p o r Cristo. A eucaristia cristã, s e g u n d o ela, teria a sua origem, não na páscoa judaica, mas nos mistérios pagãos. O cristia-nismo helenista, responsável pela sua i n t r o d u ç ã o , t e n t o u legitimá-la e m C r i s t o e mais e s p e c i f i c a m e n t e na sua ú l t i m a ceia, à qual atribuíra carácter pascal. O E v a n g e l h o de J o ã o , p o r é m , d e s p r e o c u -padamente, faculta-nos u m a reminiscência das circunstâncias his-tóricas que p e r m i t e d e s m o n t a r a construção d o g m á t i c o - m i t i z a n t e da tradição sinóptica.

c) Tentativas de harmonização

E m resposta à tese da História C o m p a r a d a das R e l i g i õ e s f o r -m a -m - s e algu-mas tentativas de har-monização:

• S e g u n d o a tese tradicional a tradição sinóptica está correcta. J o ã o está errado.

• S e g u n d o outros, as duas tradições estão parcialmente c o r -rectas. C o m e f e i t o , p r e v e n d o os a c o n t e c i m e n t o s , Jesus antecipara a ceia pascal.

• Para outros, não há contradição, p o r q u e naquele ano, e m virtude de a páscoa cair e m dia de Sábado, o abate dos cordeiros foi antecipado de u m dia. Jesus, seguindo os fari-seus, teria realizado a ceia pascal nessa m e s m a tarde, ao passo q u e os saduceus a teriam deixado para o dia seguinte.

N e n h u m a das citadas tentativas de harmonização m e r e c e crédito; n e m a via da harmonização p r o m e t e qualquer saída para a questão.

d) Tese de A.JAUBERT, La date de la Cène, 1957, propõe outro calendário, ao longo de toda a semana.

e) Opinião de JOACHIM JEREMIAS, Die Abendmahlsworte Jesu, 1967 4.Auf.:

1) R e j e i t a todas as tentativas de h a r m o n i z a ç ã o c o m o insatis-fatórias.

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2) Interroga-se sobre o Q u i d d u s h , a H a b d h u r a e as refeições essénicas:

• Quiddush — b ê n ç ã o do cálice c o m q u e se inicia o sábado.

Trata-se de u m a b ê n ç ã o q u e o chefe de família pronunciava sobre o cálice de v i n h o n o início do sábado (ao aparecerem as primeiras estrelas e depois de acesa a luz e m casa). E n t ã o b e b e o chefe de família e a seguir os presentes. Q u a n d o a refeição de sexta-feira se prolongava pelo t e m p o de sábado, o Q u i d d u s h celebrava-se n o f i m da refeição. J.Jeremias não e n c o n t r a qualquer m o t i v o para caracterizar a última ceia de Jesus c o m o u m quiddush.

• Habdhura = r e u n i ã o de amigos. Seriam refeições corporativas

c o m s e n t i d o s a g r a d o . P a r a J . J e r e m i a s a ú n i c a c o m tais características deveria ser a ceia pascal. As q u e se realizavam p o r ocasião de noivados, casamentos, circuncisões e funerais n ã o t i n h a m carácter sacro.

• Refeições essénicas. J.Jeremias o p õ e - s e à o p i n i ã o de K u h n ,

s e g u n d o o qual as refeições quotidianas da c o m u n i d a d e do Q u m r â n t e r i a m i n f l u e n c i a d o a e u c a r i s t i a c r i s t ã . N ã o explicam o b i n ó m i o p ã o - v i n h o , n e m as circunstâncias de se celebrar à n o i t e . A l é m disso, p a r t i c i p a v a m na eucaristia h o m e n s e mulheres; a eucaristia celebrava-se na casa de u m a família; n ã o é seguro q u e os essénios tomassem v i n h o à r e f e i ç ã o (o v o c á b u l o tirosh é d e m a s i a d o g e n é r i c o ) . Para J . J e r e m i a s n ã o e x i s t e m v e s t í g i o s q u m r â n i c o s , q u e r nas narrações da última ceia de Jesus, q u e r na celebração cristã da eucaristia.

3) J o a c h i m J e r e m i a s t a m b é m n ã o e n c o n t r a q u a l q u e r dado a s t r o n ó m i c o decisivo. C o m efeito, n ã o é possível determinar c o m segurança o dia exacto da m o r t e de Jesus: o dia 15 de N i z a n caiu à sexta-feira n o ano 31 (27 de Abril) e ao sábado n o ano 30 (7 de Abril) e n o ano 33 (3 de Abril). E m qual deles m o r r e u Jesus? O s anos 28, 29 e 32 estão fora de discussão, p o r q u e e m n e n h u m deles o dia 15 de N i z a n caiu à sexta o u sábado. P o r t a n t o , a astronomia n ã o ajuda a dirimir a questão entre J o ã o e os sinópticos.

4) Todavia, J o a c h i m Jeremias identifica 14 indícios favoráveis ao c o n t e x t o pascal da última ceia de Jesus:

• Em Jerusalém: O s sinópticos e J o ã o situam a última ceia de

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tardes a Betânia, o n d e estava h o s p e d a d o . P o r q u e razão, aquele dia, t o m o u a ceia e m Jerusalém apesar da m u l t i d ã o que ali se acotovelava (cerca de 100.000)? Tal circunstância t o r n a - s e c o m p r e e n s í v e l t r a t a n d o - s e de u m a ceia pascal: " Q u e m c o m e r o cordeiro fora da cidade recebe 40 c h i c o -tadas" (Siphre N u m . 69).

Local: A facilidade e m conseguir o local para a ceia (Mc

14,13-15 e par.) denota u m a circunstância especial. Parece q u e era uso j e r u s a l e m i t a n o ceder o local pela cabeça do cordeiro. Trata-se, c o m certeza, de u m indício precário.

Hora nocturna: O s diversos t e s t e m u n h o s (excepto o de Lucas:

" q u a n d o c h e g o u a hora, pôs-se à mesa", 22,14) r e c o r d a m esta circunstância ( I C o r 11,23; J o 13,30; M c 14,17; M t 26,20). Pois b e m , na Palestina do t e m p o de Jesus havia u m a refeição a m e i o da m a n h ã (entre as 10 e as 11 horas) e outra a m e i o da tarde (mesmo n o Q u m r â n ) , q u e , sendo festiva, p o r vezes, se prolongava pela n o i t e fora. N ã o parece q u e Jesus tivesse o c o s t u m e de t o m a r refeições de noite. P o r ocasião da multiplicação dos pães, ao cair da noite, sublinha--se q u e j á havia passado a h o r a da refeição (Mt 14,15). P o r é m , a ceia pascal, essa, é celebrada de noite: "a Páscoa só de n o i t e p o d e ser c o m i d a " (Zebh. V,8). A h o r a n o c t u r n a é, pois, u m indício i m p o r t a n t e .

Jesus e os Doze: Esta refeição é reservada ao g r u p o mais

í n t i m o dos D o z e (Mc 14,17 e par.), q u a n d o Jesus n ã o c o s t u m a v a s e l e c c i o n a r os seus c o n v i v a s . E t o d a v i a u m a circunstância compreensível n u m a celebração pascal, para a qual se requeria u m g r u p o de pelo m e n o s 10 pessoas.

Reclinados: Era sentado q u e o j u d e u t o m a v a a sua refeição

q u o t i d i a n a . R e c l i n a d o só e m g r a n d e s f e s t i v i d a d e s . Esta posição era obrigatória, m e s m o para os pobres, durante a ceia pascal, e m sinal de liberdade.

Pureza levítica: S e g u n d o J o ã o (13,10), a última refeição é

t o m a d a e m pureza levítica, aliás exigida aos leigos na n o i t e de páscoa (e só para este b a n q u e t e ) .

Fracção do pão: D e acordo c o m o rito pascal, Jesus parte o

pão n o decorrer da refeição (Mc 14,22; M t 26,26), e não ao princípio c o m o era costume nas refeições normais.

O vinho (Mc 14,25 e par.): E n t r e os j u d e u s o v i n h o só fazia parte da e m e n t a dos dias festivos: circuncisão, n o i v a d o , casamento e d u r a n t e os sete dias de luto; Páscoa, T a b e r

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-náculos e P e n t e c o s t e s ; para iniciar e t e r m i n a r o dia de sábado. Para além destas ocasiões, era usado c o m o medicina. N a ceia pascal não podia faltar (quatro cálices), m e s m o que fosse necessário recorrer à caixa dos pobres.

• Vinho tinto: N a c e i a pascal u s a v a - s e v i n h o t i n h o . O

simbolismo v i n h o / s a n g u e sugere a presença de v i n h o tinto.

• Judas vai às compras: Alguns discípulos p e n s a m que Judas saiu

às c o m p r a s (Jo 13,29), i n t e r p r e t a n d o assim a palavra de Jesus: " o q u e tens a fazer fá-lo depressa"(Jo 13,27). Tal i n t e r p r e t a ç ã o é c o m p r e e n s í v e l n u m a n o i t e de páscoa, na qual era lícito fazer compras. Se n ã o fosse o dia 14 de Nizan, que necessidade havia de ir fazer compras de noite?

• Judas foi dar esmolas: O u t r o s j u l g a r a m q u e ele tinha ido dar

esmolas (Jo 13,29), s e g u n d o o c o s t u m e pascal de ajudar os pobres a celebrar a páscoa (as taças de vinho!). E m n e n h u m a outra n o i t e havia o costume de dar esmolas.

• O cântido "hallel": A última ceia de Jesus termina c o m u m

cântico de l o u v o r (Mc 14,26; M t 26,30). O cântico hallel é parte integrante da ceia pascal (e só da celebração pascal).

• Pernoitamento no monte das Oliveiras: E m vez de regressar a

Betânia, c o m o nos dias anteriores, Jesus resolve passar a n o i t e n o m o n t e das Oliveiras. Tal circunstância só se explica e m n o i t e de páscoa, na qual havia o preceito de pernoitar e m J e r u s a l é m . A g r a n d e a f l u ê n c i a de p e r e g r i n o s fizera alargar o círculo da cidade q u e ia até B e t h - p h a g e , não até Betânia.

• "Berakha" sobre o pão e o vinho: J e s u s , ao e x p l i c a r o

s i m b o l i s m o d o p ã o e do v i n h o , r e f e r e - o s à sua m o r t e . Trata-se de u m indício i m p o r t a n t e p o r nele se reflectir a " b e r a k h a " q u e o chefe de família p r o n u n c i a v a sobre o pão e o v i n h o . E m resposta à p e r g u n t a de u m a criança sobre o s i g n i f i c a d o da f e s t a , o c h e f e d e f a m í l i a e x p l i c a v a o significado do rito (Ex 12,26-27; 13,8) e dos alimentos: cor-deiro, pão ázimo, ervas amargas e os cálices (os 4 cálices do Faraó, 4 expressões da salvação, 4 cálices da imolação de Israel). O s e n t i d o m e s s i â n i c o - e s c a t o l ó g i c o d o p ã o e do v i n h o f o r a m referidos p o r Jesus à sua pessoa e destino.

Conclusão: Estes indícios m e r a m e n t e ocasionais, considerados g l o b a l m e n t e , l e v a m J o a c h i m J e r e m i a s a decidir-se e m favor do carácter pascal da última ceia de Jesus. C o m p l e m e n t a r m e n t e o autor

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refuta 11 objecções c o m o demasiado débeis para p ô r e m causa a conclusão anterior.

C o r r o b o r a a tese de J J e r e m i a s a c o n j e c t u r a , bastante verosímil, de que J o ã o poderia ter deslocado o dia de páscoa para o sábado c o m o f i m de fazer coincidir a m o r t e de Cristo, o C o r d e i r o de Deus, c o m a imolação dos cordeiros n o t e m p l o .

1.1.2. Páscoa judaica

A d m i t i n d o q u e a última ceia de Jesus foi u m a ceia pascal, de acordo c o m a tradição sinóptica, o sentido t e o l ó g i c o da páscoa judaica tornase relevante para a c o m p r e e n s ã o daquela e c o n s e

-q u e n t e m e n t e da eucaristia cristã.

A páscoa j u d a i c a nasce d o c r u z a m e n t o de duas festas da Primavera: a dos povos nómadas (o cordeiro) e a dos p o v o s seden-tários (os pães ázimos). R e f l e c t e m - s e nela duas épocas sucessivas da história do p o v o de Israel.

C o m o p o v o n ó m a d a , dedicado à pastorícia, celebra a festa da Primavera ( = n o v o ciclo da fecundidade) c o m o sacrifício de u m cordeiro da colheita anterior ( u m ano de idade), sem defeito, e m "acção de graças" e c o m o " p e n h o r " de boa f e c u n d i d a d e para o rebanho. O sangue era derramado diante da tenda, para afugentar os espíritos malignos. O s ossos não eram quebrados, para significar o vigor físico e para i m p e t r a r força para o c o m b a t e c o n t r a os inimigos.

C o m o p o v o sedentário, dado à agricultura, adopta os costumes dos povos agrícolas, celebrando a festa da Primavera c o m os pães ázimos. Iniciava-se, assim, o ciclo do f e r m e n t o n o v o , conservado de dia para dia, até à P r i m a v e r a s e g u i n t e , c o m o q u e a i n d i c a r a perenidade do alimento dado p o r Deus.

Sobre esta base cultural c o m u m , o p o v o de Israel m o d e l a a sua festa da páscoa c o m o "eucharistia-eulogía-anámnesis" da libertação da escravatura egípcia. A festa da Primavera adquire o carácter de "acção de graças", "acto de l o u v o r " e " m e m o r i a l " da acção liber-tadora de Deus: "tereis este dia sempre na m e m ó r i a e celebrá-lo-eis ao l o n g o das vossas gerações c o m culto e t e r n o " ( E x 12,24). Este c u l t o , ao m e s m o t e m p o q u e r e c o r d a o passado, a c t u a l i z a - o e p r o j e c t a - o n o f u t u r o messiânico:

• D i m e n s ã o anamnéstica: E m cada páscoa o p o v o recua e m espírito aos t e m p o s do E g i p t o e do Sinai para reviver a escravidão, simbolizada nas ervas amargas, e a libertação de

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D e u s , iniciada c o m o Ê x o d o e c o n t i n u a d a ao l o n g o da história.

* D i m e n s ã o presente: ao recordar a obra libertadora de Deus ao l o n g o da h i s t ó r i a , a c e l e b r a ç ã o da páscoa p r e t e n d e t a m b é m assegurar a presença libertadora de D e u s n o m o -m e n t o presente. A o -m e s -m o t e -m p o q u e se expressa a fide-lidade à história, exprime-se t a m b é m a fidefide-lidade de D e u s e do P o v o ã Aliança. A Páscoa é, c o m efeito, u m a actua-lização da Aliança sinaítica n o sangue c o m q u e Moisés aspergiu o p o v o .

* D i m e n s ã o escatológica: A libertação d o passado e do p r e -sente e n c a m i n h a - s e para a grande libertação messiânica, que a páscoa celebra antecipadamente. A celebração pascal é p r é -a n ú n c i o e p e n h o r d-a pásco-a esc-atológic-a, d o b -a n q u e t e messiânico e da nova aliança q u e os profetas anunciaram.

1.1.3. Estrutura da ceia pascal no tempo de Jesus (enquadramento das palavras de Jesus sobre o pão e o cálice)

S e g u n d o J o a c h i m Jeremias (op.cit.) a celebração pascal cons-tava, ao t e m p o de Jesus, de:

* Aperitivos:

• Q u i d d u s h ( = 1 ° cálice)

• Aperitivos: salada, ervas amargas e compota; • O s alimentos são trazidos para a mesa; • O 2o cálice é preparado.

* Liturgia pascal:

• H a g g a d a pascal, a c a r g o d o c h e f e de família ( e m aramaico);

• Ia parte do cântico Hallel (em hebraico);

• T o m a - s e o 2o cálice. * Refeição:

• B ê n ç ã o dos pães ázimos;

• T o m a - s e o c o r d e i r o , o p ã o , as e r v a s a m a r g a s , a c o m p o t a e o v i n h o ; • O r a ç ã o sobre o 3o cálice. * Final: • E n c h e - s e o 4o cálice; • C a n t a - s e a 2a parte do Hallel; • B ê n ç ã o d o 4o cálice.

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As palavras de Jesus sobre o pão c o i n c i d e m c o m a b ê n ç ã o da mesa n o início da refeição principal e as palavras sobre o cálice c o m a bênção do ú l t i m o cálice: "Jesus a p r o v e i t o u a oração inicial e final do b a n q u e t e pascal para p r o p o r o n o v o significado do p ã o e do v i n h o " (J.Jeremias, op. cit., 81).

1.1.4. Novo significado da ceia pascal

As observações de M a r c o s - M a t e u s ( " d u r a n t e a refeição) e de P a u l o - L u c a s ( " d e p o i s de c e a r " ) , r e f e r e n t e s ao p ã o e ao cálice r e s p e c t i v a m e n t e , l e v a m à c o n c l u s ã o d e q u e J e s u s u t i l i z o u a " b e r a k h a " sobre os pães ázimos e sobre o ú l t i m o cálice para lhes conferir o valor de dons messiânicos.

A última páscoa de Jesus adquire o significado de c o n s u m a ç ã o plena. Sem deixar de recordar toda a história da salvação, refere-se essencialmente ao seu p o n t o culminante: o a c o n t e c i m e n t o salvífico na pessoa de Jesus Cristo. Aquela última ceia adquire o carácter de páscoa escatológica, da qual cada páscoa era a sua c e l e b r a ç ã o profética.

A última ceia pascal de Jesus serve de p o n t e entre a páscoa judaica e a eucaristia cristã. Aquela recorda a história salvadora de Israel, bifocalizada n o p r i m e i r o a c t o l i b e r t a d o r de D e u s e n o advento do Messias; a eucaristia celebra este m o m e n t o culminante, q u e t u d o recapitula; é a a n a m n e s e d o a c o n t e c i m e n t o de Jesus Cristo, do mistério de Cristo, que, s e g u n d o Paulo, abrange toda a história da salvação desde o p l a n o s e c r e t o de D e u s até à sua realização plena n o Crucificado-Ressuscitado.

E n t r e a páscoa j u d a i c a e a eucaristia cristã n ã o há r u p t u r a , c o m o não há r u p t u r a entre a história de Israel e o mistério de Cristo. Tal c o m o o mistério de Cristo abrange toda a história da salvação, assim t a m b é m a eucaristia engloba a páscoa judaica, à qual c o n f e r e a p l e n i t u d e de sentido, e n q u a n t o b a n q u e t e messiânico, n o v a páscoa, n o v a aliança. N a Eucaristia, n ã o há r u p t u r a , há novidade e a novidade é a plenitude.

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1.2. Eucaristia cristã

1.2.1. Raízes históricas

A — História das narrações a) Quadro sinóptico M c 14,22-25; M t 2 6 , 2 6 - 2 9 ; Lc 2 2 , 1 9 - 2 0 ; I C o r 11,23-26 M A R C O S 14 (22) D u r a n t e a r e f e i ç ã o , Jesus t o m o u o p ã o e, d e p o i s de o b e n z e r , p a r t i u - o e d e u - l h o , dizendo: " t o m a i , i s t o é o m e u c o r p o ( l á b e t e , t o ü t ó e s t i n t ò s ô m á m o u ) . (23) E m s e g u i d a , t o m o u o cálice, deu graças e a p r e s e n t o u -lho, e todos dele b e b e r a m .

(24) E disse-lhes: "Este é o m e u s a n g u e da aliança, q u e será d e r -r a m a d o p o -r m u i t o s " ( t o ü t ó e s t i n t ò ' a i m á m o u t ò t ê s d i a t h é k e s t ò e k c h u n n ó m e n o n ' u p è r p o l l õ n ) . L U C A S 22 (19) T o m o u e m seguida o pão e d e p o i s d e t e r d a d o g r a ç a s (eucharistésas) p a r t i u o e d e u -lho d i z e n d o : " i s t o é o m e u c o r p o q u e é dado p o r vós (tò ' u p e r ' u m ô n d i d ó m e n o n ) fazei isto e m m e m ó r i a de m i m " . M A T E U S 26 (26) D u r a n t e a refeição, Jesus t o m o u o pão, b e n z e u o ( e u l o -g é s a s ) , p a r t i u - o e o d e u aos d i s c í p u l o s , d i z e n d o : " t o m a i e comei, i s t o é o m e u c o r p o " .

(27) T o m o u depois o cálice, rendeu graças (eucharistésas) e d e u -- l h o dizendo: "bebei dele todos,

(28) p o r q u e e s t e é m e u s a n g u e da n o v a a l i a n ç a , d e r -r a m a d o p o -r m u i t o s h o m e n s e m r e m i s s ã o d o s p e c a d o s " . P A U L O : 1 C o r .11 (23) O S e n h o r Jesus na n o i t e e m q u e foi traído t o m o u o pão

(24) e depois de ter rendido gra-ças

(eucharistésas) partiu-o e disse:

"isto é o m e u corpo que será e n -t r e g u e p o r vós; fazei is-to e m

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(20) D o m e s m o m o d o t o m o u t a m b é m o c á l i c e , d e p o i s d e cear, dizendo: " e s t e c á l i c e é a

nova aliança e m meu

san-gue, que é derramado por

vós" (toûto tò potérion 'e

kainè diathéke en tô 'aímati

m o u , tò ' u p è r ' u m ô n

ekchunnómenon).

m e m ó r i a de m i m " ( t o ú t o poieíte eis tèn e m è n anámnesin). (25) D o m e s m o m o d o , depois de haver ceado, t o m o u t a m b é m o cálice, dizendo: "este cálice é a nova aliança n o m e u sangue; fazei isto todas as vezes q u e o b e b e r d e s , e m m e m ó r i a d e m i m " .

(26) Assim, todas as vezes q u e comerdes deste pão e beberdes deste cálice lembrais a m o r t e d o S e n h o r até q u e v e n h a " .

b) Dupla tradição

Estas narrações a g r u p a m - s e e m duas tradições: a a n t i o q u e n a (Paulo e Lucas) e a jerusalemitana (Marcos e Mateus).

A simples existência de duas tradições sugere q u e as fórmulas de cada u m a delas é a resultante de compromissos litúrgicos. A priori, n e n h u m a delas p o d e ser t o m a d a c o m o "ipsissima v e r b a Jesu". A circunstância de Paulo nos oferecer o mais antigo

teste-m u n h o escrito, t a teste-m b é teste-m n ã o d i r i teste-m e a q u e s t ã o a f a v o r da sua tradição. Dois grandes especialistas na matéria, J o a c h i m Jeremias e J o h a n n e s Betz, divergem.

J.Jeremias inclina-se pela m a i o r a n t i g u i d a d e da tradição de Marcos, e m virtude dos hebraísmos e da cristologia aí presentes. Paulo, para este autor, j á apresenta u m a certa helenização ('uper

'umõn e m vez de peri pollôn).

J.Betz, pelo contrário, à luz da história da redacção, considera mais antiga a tradição antioquena. C o m efeito, a f ó r m u l a paulina reflecte m e l h o r as circunstâncias históricas da última ceia ("depois da ceia"). N a fórmula de Marcos a estilização litúrgica quase as apagou (já n e m a estrutura da ceia pascal transparece). O desgaste litúrgico torna-se palpável n o paralelismo entre a palavra sobre o pão e sobre o cálice: "isto é o m e u c o r p o " — "este é o m e u san-gue da aliança". Pelo contrário a f ó r m u l a de P a u l o e de Lucas é m e n o s polida ("este cálice é a nova aliança n o m e u sangue"), e mais consentânea c o m o c o n t e x t o pascal da última ceia, na qual não

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se falava de v i n h o o u de sangue, mas de cálices. A l é m do mais, a f ó r m u l a a n t i o q u e n a n ã o é deduzível da fórmula marquina, e n q u a n t o esta se explica pela tendência e m paralelizar os dois elementos: p ã o / v i n h o ( c o r p o / s a n g u e ) .

P o r tais razões, J . B e t z considera a f ó r m u l a a n t i o q u e n a mais antiga, apesar da helenização — aliás exigida pelos destinatários helenistas — p a t e n t e n o 'upèr 'umõn, e m vez do perí pollõn. A sua reconstrução, a partir de Paulo e de Lucas, seria:

" O S e n h o r Jesus na n o i t e e m q u e foi entregue t o m o u o pão, a b e n ç o o u - o , p a r t i u - o e deu-lhes c o m as palavras: 'Isto é o m e u c o r p o , q u e será dado p o r vós. Fazei isto e m m e m ó r i a de m i m ' . D e igual m o d o , depois da ceia, o cálice c o m as palavras: 'Este cálice é a N o v a Aliança n o m e u sangue, q u e será derramado p o r vós. Fazei isto e m m e m ó r i a de m i m " .

c) Tradição comum

J.Betz situa esta fórmula pelos anos quarenta. N ã o acha possível recuar mais n o t e m p o . N o entanto, os elementos c o m u n s às duas tradições (particularmente a teologia do Servo de Javé) a p o n t a m para u m a fórmula c o m u m , mais antiga, impossível de reconstituir, mas da qual deveriam fazer parte os seguintes elementos:

* U m c o n t e x t o de refeição; * Presença de p ã o e de v i n h o ; * R e l a c i o n a m e n t o e n t r e p ã o / v i n h o , c o r p o / s a n g u e e m o r t e reparadora; * Instituição da N o v a Aliança; * R e f e r ê n c i a ao b a n q u e t e do R e i n o de Deus; * O r d e m de repetir (anamnese).

d) Ipsissima verba Jesu?

E m r e s u m o , as narrações actuais apontariam, segundo J.Betz, para u m a f ó r m u l a antiga baseada nas palavras usadas p o r Jesus

(ipsissima verba Jesu) na celebração da sua última páscoa. Nesta, Jesus

ter-se-ia apresentado c o m o N o v o Moisés a sigilar a N o v a Aliança c o m o sangue. O sangue q u e Ele p r ó p r i o vai derramar. Desta forma a ú l t i m a ceia de Jesus apareceria e m p e r f e i t o paralelismo c o m a última ceia dos j u d e u s na escravidão; tal c o m o eles na vigília do Ê x o d o , Jesus, c o m os seus, celebra antecipadamente a libertação q u e está p a r a a c o n t e c e r . O n o v o P o v o d e D e u s , c o m o o

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antigo, servir-se-á do rito de despedida para celebrar a g r a n d e libertação.

B — História da tradição

Mas, a eucaristia cristã r e m o n t a r á , de facto, a u m gesto de Jesus ou será u m a simples interpretação da Igreja, posta na boca de Jesus? Q u a l é o veredicto da história das tradições cristológicas?

a) A eucaristia à luz do Servo de Javé

A referência ao Servo de Javé nas fórmulas eucarísticas levanta problemas e m relação à f o r m a ç ã o destas e à o r i g e m da eucaristia. C o m efeito, na hipótese de a interpretação da m o r t e de Cristo à luz da figura do Servo de Javé ter sido adoptada pela segunda geração da c o m u n i d a d e cristã, será lícito colocar aquelas fórmulas na boca do Jesus histórico e atribuir-lhe a instituição da eucaristia?

aa) Do Filho do Homem ao Servo de Javé (F.Hahn)

Jesus não se anunciava a si p r ó p r i o . Inserido na c o r r e n t e a p o -calíptica, c o m o J o ã o Baptista, Jesus anunciava simplesmente a vinda do Filho do H o m e m , sem n u n c a c o m ele se identificar. A p r e -sentava-se c o m o profeta e n ã o c o m o r e d e n t o r ( n e m s e g u n d o a figura do Servo de Javé).

A c o m u n i d a d e primitiva é q u e o identificará c o m o Filho do H o m e m v e n t u r o . Ele, crucificado e arrebatado aos céus, à semelhança de Elias, é esperado a t o d o o m o m e n t o para julgar os vivos e os mortos, na qualidade de Filho do H o m e m — c r ê e m os protocristãos, interpretanto, nesse sentido, as suas palavras. A expectativa i m i n e n t e da Parusia constituía o cerne da fé da c o m u n i d a d e primitiva.

O p r o t e l a m e n t o da Parusia leva os cristãos à elaboração de u m a nova c o n c e p ç ã o cristológica, s e g u n d o a qual Jesus, l o g o após a morte, sentado à direita de Deus, i n a u g u r o u o seu reinado espiritual através do envio do Espírito Santo. A cruz passa a ser interpretada à luz da figura do Servo de Javé, o qual, s e g u n d o as profecias, carrega sobre si os pecados do m u n d o e r e d i m e os h o m e n s pelo s o f r i m e n t o e pela m o r t e "peri pollõrí'.

C o n s e q u e n t e m e n t e , s e g u n d o a presente hipótese, as fórmulas eucarísticas, alicerçadas na interpretação da cruz à luz da figura do Servo de Javé, não r e m o n t a r i a m ao Jesus histórico. Seriam m u i t o

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mais recentes; r e m o n t a r i a m , sim, à c o m u n i d a d e cristã da segunda geração. Esta, c o m efeito, sob o influxo da cristologia do Servo de Javé e dos mistérios pagãos teria transformado o b a n q u e t e f ú n e b r e e m ceia pascal e esta e m anamnese do Crucificado-Ressuscitado. O Jesus histórico é q u e nada t e m a ver c o m a eucaristia.

bb) Da ressurreição à morte do Servo de Javé

Será tão tardia a descoberta da figura prototípica do Servo de Javé? N ã o a terá Jesus referido à sua pessoa e destino, na pregação

o u , pelo m e n o s , na última ceia?

A c o r r e n t e crítica m e n c i o n a d a acima, da qual Ferdinand H a h n é u m e l e m e n t o d e s t a c a d o , p a r t e de p r e s s u p o s t o s i n a c e i t á v e i s , particularmente, ao reduzir a ressurreição de Cristo à vaga ideia de u m " a r r e b a t a m e n t o " ao céu, s e g u n d o o esquema das lendas de E n o q u e e de Elias.

Para a c o m u n i d a d e primitiva Jesus n ã o fora arrebatado n u m carro de f o g o . Para ela a ressurreição do Crucificado-, m o r t o e sepultado, é u m a experiência pneumática incontestável, p o r q u e assente n o p r ó p r i o t e s t e m u n h o do Espírito do Ressuscitado. Cristo vive. Eis o n ú c l e o da fé e do q u e r i g m a e o p o n t o de partida para a reflexão teológica.

T u d o aquilo q u e parecia destituído de sentido faz parte dos insondáveis desígnios de D e u s . O c r u c i f i c a d o n ã o é, pois, u m maldito. Ele é o Messias, q u e D e u s faz sentar-se à sua direita (Sal 110,1), na qualidade de "Kyrios", " C h r i s t o s " e ' " U i o s " . D a e x p e -riência da ressurreição forma-se a primeira cristologia segundo o m o d e l o da messionologia régia.

Tal cristologia vai, p o r é m , de e n c o n t r o a u m escolho: c o m o p o d e u m c r u c i f i c a d o ser o " u n g i d o " ? H á q u e justificar aquela m o r t e .

E a ressurreição q u e lança a primeira luz sobre a m o r t e de Jesus. Se Ele vive, a sua crucifixão não foi a m o r t e de u m maldito. Pelo contrário, a c o n t e c e u de a c o r d o c o m os imperscrutáveis d e -sígnios de D e u s : " P o r v e n t u r a n ã o era necessário q u e Cristo sofresse estas coisas e assim entrasse na sua glória?"(Lc 24,26). Mas qual o significado c o n c r e t o da sua m o r t e ? E a figura do Servo de Javé que a fornece.

R . S c h n a c k e n b u r g (cf. M S , 3 / 1 ) crê q u e os a p ó s t o l o s , i l u -m i n a d o s pelo Espírito, descobrira-m o significado soteriológico da m o r t e de Jesus na alusão ao Servo de Javé q u e ele p r ó p r i o fizera n o

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decorrer da última Ceia. S c h n a c k e n b u r g , p o r é m , dá p o r pressu-posto aquilo que carece de demonstração, isto é, q u e é originária a referência à teologia do Servo nas narrações da última ceia.

W . P a n n e n b e r g , p o r seu lado, julga q u e a c o m u n i d a d e des-cobriu o significado da m o r t e de Cristo através da leitura do A n t i g o T e s t a m e n t o : " E c o m e ç a n d o p o r M o i s é s , p e r c o r r e n d o t o d o s os profetas, explicava-lhes o q u e dele se achava d i t o e m todas as Escrituras"(Lc 24,27). A c o m u n i d a d e lê, pois, as Escrituras à luz dos novos a c o n t e c i m e n t o s à busca de sentido para os mesmos. E assim que os cânticos do Servo de Javé se apresentam c o m o predições exactas de t u d o o q u e acabara de acontecer: afinal, Jesus m o r r e r a c o m o Servo de D e u s peri pollôn, s e g u n d o as Escrituras.

Portanto, a interpretação da m o r t e de Cristo, à luz da figura do Servo de Javé, é corolário da ressurreição (descobrese a sua c o e -rência interna e parte-se à procura do seu significado) e segue-se-- l h e imediatamente, apenas a leitura da c o m u n i d a d e incide sobre o Dêutero-Isaías, lido à luz da experiência da ressurreição.

A opinião de P a n n e n b e r g e n c o n t r a c o n f i r m a ç ã o e m antigos vestígios da cristologia do Servo de Javé:

Act 4,30: dià toü onómatos toü 'agíou paidós sou Iesoü ( " e m n o m e do teu santo servo Jesus").

Act 6 , 2 6 - 4 0 . A partir de u m a passagem d o Servo de Javé, Filipe anuncia Jesus Cristo ao e u n u c o etíope.

Fil 2,6-11: "aniquilou-se a si m e s m o , assumindo a c o n d i ç ã o de

servo e assemelhando-se aos h o m e n s (...), h u m i l h o u - s e a si

m e s m o , t o r n a n d o - s e o b e d i e n t e até à m o r t e , e m o r t e na cruz".

As palavras exactas "ipsissima verba J e s u " q u e Cristo p r o n u n -c i o u na ú l t i m a -ceia n ã o -c h e g a r a m até nós. N ã o -c o n s e g u i m o s reconstituí-las. Pelo m e n o s através da crítica literária das fórmulas eucarísticas n ã o c o n s e g u i m o s lá c h e g a r c o m c e r t e z a a b s o l u t a . Todavia, a associação da cristologia do Servo de Javé à eucaristia, e m b o r a não seja fácil de atribuir ao Jesus histórico, t a m b é m não parece tão recente c o m o j u l g a m F . H a h n e outros.

P o d e m o s , pois, concluir q u e a m o r t e de Cristo e a eucaristia desde m u i t o cedo (primeira c o m u n i d a d e cristã) f o r a m interpretadas à luz da figura do Servo de Javé. D e o n d e se segue q u e a estrutura teológica das fórmulas eucarísticas r e m o n t a , de facto, à c o m u n i d a d e dos apóstolos.

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N o entanto, o hiato entre a c o m u n i d a d e cristã dos apóstolos e o Jesus histórico não constituirá u m p r o b l e m a insolúvel? A eucaris-tia não será m e s m o obra interpretativa da comunidade?

b) Ultima ceia de Jesus e eucaristia cristã

O p r o b l e m a e n u n c i a d o seria insolúvel, se a teologia do Servo de J a v é fosse p a r t e e s t r u t u r a l da eucaristia; se, p o r e x e m p l o , estivesse na sua o r i g e m .

T e n h a m o s presente q u e a tipologia do Servo de Javé e m rela-ção à m o r t e de Cristo d e s e m p e n h o u u m papel m e r a m e n t e inter-p r e t a t i v o e, e m v i r t u d e d o n e x o í n t i m o e n t r e a eucaristia e o a c o n t e c i m e n t o salvador e m Jesus Cristo, deu entrada nas fórmulas eucarísticas. D e o n d e se segue q u e a eucaristia não vai buscar a sua legitimação a essa interpretação específica do a c o n t e c i m e n t o central da salvação.

A justificação da eucaristia está n o n e x o q u e Jesus estabeleceu entre a sua última ceia pascal e os a c o n t e c i m e n t o s à volta da sua pessoa, i n d e p e n d e n t e m e n t e das interpretações e linguagens que a c o m u n i d a d e vier a adoptar.

A luz da verosimilhança histórica estabelecida a n t e r i o r m e n t e p o d e m o s dizer q u e a eucaristia cristã é o memorial da última ceia de Jesus, celebrado pela c o m u n i d a d e e m obediência ao preceito do S e n h o r .

Pois b e m , nessa última ceia e na qualidade de Messias, Jesus celebra c o m os D o z e a ceia pascal messiânica: a páscoa messiânica. N a qual culmina a páscoa judaica, tal c o m o na sua pessoa e destino culmina toda a história da salvação. Cristo é a plenitude da história da salvação, o n o v o a c o n t e c i m e n t o pascal; n ' E l e realiza-se a nova, a última, a definitiva libertação.

Jesus faz da eucaristia pascal a anamnese deste a c o n t e c i m e n t o libertador ( i n d e p e n d e n t e m e n t e das linguagens, images e tipologias q u e viessem a ser descobertas e adoptadas para o i n t e r p r e t a r e veicular). A eucaristia é essencialmente, e sem mais, a anamnese do a c o n t e c i m e n t o s u p r e m o da salvação.

A cristologia do Servo de Javé nada de essencial lhe acrescenta, c o m o nada acrescenta à m o r t e de Cristo; apenas a interpreta (nada p o u c o , pois, dessa f o r m a , foi desvendado, para as mentes de então, o significado soteriológico da mesma).

P o r c o n s e g u i n t e , a eucaristia cristã n ã o é u m corolário da cristologia do Servo de Javé, n e m a sua origem d e p e n d e da

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apli-cação da tipologia do Servo ao Crucificado. O n e x o anamnéstico entre a eucaristia e o C r u c i f i c a d o é anterior ao m o m e n t o i n t e r p r e -tativo, m e s m o anterior ao a c o n t e c i m e n t o histórico. E e m virtude da anterioridade daquele n e x o q u e a interpretação sacrificial da m o r t e de Cristo levará, inevitavelmente, à interpretação sacrificial da sua celebração anamnéstica, a eucaristia.

• * *

N u m a palavra, a cristologia do Servo de Javé diz q u e a história da salvação atingiu a sua p l e n i t u d e n o Crucificado, e a teologia da eucaristia conclui, de seguida, que, sendo o C r u c i f i c a d o a p l e n i t u d e da história da salvação, a eucaristia é a anamnese do Crucificado, e n q u a n t o anamnese da p l e n i t u d e da história. C o m tal reflexão a c o m u n i d a d e nada modifica, nada cria, só c o m p r e e n d e c o m mais p r o f u n d i d a d e o sentido do a c o n t e c i m e n t o de Cristo e o significado da celebração eucarística.

• • •

E m conclusão, m e s m o q u e Cristo não tivesse explicado o seu destino e o significado da eucaristia à luz da tipologia do servo de Javé — o q u e ainda n ã o está cabalmente d e m o n s t r a d o — nada se poderia concluir contra a g e n u i n i d a d e da eucaristia, desde q u e se admita q u e ela é o m e m o r i a l da última ceia de Jesus e esta é a plenitude da ceia pascal judaica.

1.2.2. Compreensão sacrificial da eucaristia

D a e x p o s i ç ã o a n t e r i o r c o n c l u i - s e q u e Jesus, ao c o n f e r i r à páscoa judaica o sentido de plenitude, instituiu a eucaristia cristã c o m o anamnese do m o m e n t o c u l m i n a n t e da obra da r e d e n ç ã o p o r Ele levada a b o m t e r m o na cruz.

A referência central da eucaristia ao C r u c i f i c a d o (ao c o r p o martirizado, ao sangue d e r r a m a d o e aos i n s t r u m e n t o s de m o r t e ) levaram, d e s d e m u i t o c e d o , a u m a c o m p r e e n s ã o sacrificial da mesma. Usa-se até a categoria de sacrifício expiatório para definir a sua n a t u r e z a t e o l ó g i c a . E m q u e m e d i d a e e m q u e s e n t i d o a eucaristia é sacrifício?

A resposta v e m - n o s dos próprios textos neotestamentários sobre a instituição da eucaristia.

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A) Linguagem sacrificial das fórmulas

Diversos são os elementos q u e a p o n t a m para u m a m o r t e c o m -preendida c o m o sacrifício, e para u m a eucaristia anamnese do sacri-fício da C r u z , isto é, sacrisacri-fício ela m e s m a (o santo sacrisacri-fício da missa). O s e l e m e n t o s sacrificiais das fórmulas eucarísticas são os seguintes:

a) sôma ... 'aíma

• Vocábulos sacrificiais?

Sôma não é u m v o c á b u l o cultual-sacrificial, c o m o 'aíma o é. O

b i n ó m i o sacrificial é sárx-'aíma (assim j á aparece n o cap. VI de S . J o ã o ) . O r i g i n a r i a m e n t e , p o r é m , n e m o s e g u n d o t e r m o das narrações da última ceia p u n h a o acento e m 'aíma, mas e m kainè

diathéke. O b i n ó m i o era, pois, f o r m a d o p o r u m par vocabular nada

sacrificial: sôma — kainè diathéke.

• Significado de SÔMA:

Sôma, v o c á b u l o característico da antropologia hebraica, significa

o c o r p o vivente. A q u i , nas fórmulas eucarísticas, refere-se à pessoa integral de Jesus, q u e se dá e m oblação a D e u s pelos h o m e n s . P o r t a n t o , ao dizermos "isto é o m e u c o r p o " , não nos referimos ao c o r p o martirizado ou exangue de Jesus, mas à pessoa de Cristo. N o t e - s e q u e a deslocação de 'aíma para o centro, não levou à substituição de sôma p o r sárx, de o n d e se conclui q u e tal deslocação n ã o o b e d e c e u ao i n t e n t o de i n t r o d u z i r o carácter sacrificial-cultual. Explica-se c o m o resultado da paralelização litúrgica e da analogia c o m o t e x t o da primeira aliança ("sangue da aliança").

• Significado de 'AÎMA:

'Aíma significa " d e r r a m a r o sangue", o acto de dar a vida, visto

que, s e g u n d o a mentalidade hebraica, n o sangue está a vida, exclu-sivamente p e r t e n c e n t e a Deus. N e n h u m a outra oblação lhe é mais agradável do q u e a oblação do sangue, o c e n t r o da festa do Kippur.

P o r t a n t o , 'aíma, vocábulo sacrificial, está mais ligado à ideia de sacrifício de l o u v o r do q u e à de sacrifício expiatório ou à ideia de

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sofrimento. O sangue d e r r a m a d o p o r m u i t o s significa "a vida dada p o r m u i t o s " .

Em conclusão, estes d o i s v o c á b u l o s , u s a d o s nas f ó r m u l a s

eucarísticas, p õ e m e m relevo a oblação q u e Jesus fez de si p r ó p r i o a D e u s pelos h o m e n s . Ele d e u a sua pessoa, a sua vida. D e p e r si n ã o nos dão a ideia de u m sacrifício c r u e n t o , e n q u a n t o c r u e n t o ; n ã o é a crueldade ou o s o f r i m e n t o q u e eles acentuam.

b) "O sangue da aliança"

Lc. 22,20: touto tò potérion 'e kainè diathéke en tô 'aímatí mou

(estin en tô emô 'aímati, I C o r 11,25).

M c 14,24: toútó estin tò 'aîma mou tês diathékes Ex 24,8 (LXX): tò 'aîma tês diathékes

• A fórmula mais antiga é a de Paulo-Lucas, a qual diz: este

cálice ê a nova aliança no meu sangue. A f ó r m u l a de M a r c o s

pressupõe o uso litúrgico t e n d e n t e ao perfeito paralelismo c o m a palavra sobre o pão e, além disso, o influxo da e x -pressão do Ê x o d o acerca da aliança ("o sangue da aliança"). • A fórmula de Paulo-Lucas faz ver c o m o o t e m a f u n d a m e n t a l

era inicialmente o da " n o v a aliança"(Jer 31,31). Jesus Cristo teria, pois, sublinhado que na sua pessoa era selada a nova aliança, q u e aquele cálice simbolizava.

C o m o é q u e na f ó r m u l a eucarística se r e l a c i o n o u a " N o v a Aliança", ou m e l h o r , o "cálice da N o v a Aliança" c o m o sangue?

N ã o foi, c o m certeza, a partir da leitura de Jeremias. T e r á sido e m virtude do paralelismo da Antiga Aliança? Essa, de facto, fala do "sangue da aliança". Mas este sangue é o das vítimas imoladas e m sacrifício de oblação, c o m o qual Moisés asperge o p o v o . N u n c a se ouvira dizer q u e o sangue de u m justiçado pudesse ser considerado sangue de u m a vítima imolada e m sacrifício de oblação. Só as profecias do Servo de Javé apresentam o martírio do Servo c o m o sacrifício e x p i a t ó r i o , e m c o n e x ã o c o m a aliança nele. T r a t a - s e , todavia, de u m discurso metafórico, figurado, q u e evita qualquer referência ao sangue.

• P e r a n t e este p a n o r a m a a f ó r m u l a eucarística só se c o m -p r e e n d e c o m o convergência de três factores: a) a celebração pascal c o m o e l e m e n t o da N o v a Aliança, realizada n o a c o n -t e c i m e n -t o messiânico, represen-tada pelo cálice da aliança; b)

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a teologia do Servo de Javé c o m o pensamento do sacrifício expiatório e da aliança; c) o paralelismo com a antiga aliança n o sangue ( " s a n g u e da aliança"); d) simetria dos dois elementos o u m u n d o s da fórmula.

• * •

Ora então, a teologia do Servo de Javé faz da morte de Cristo u m sacrifício expiatório e da eucaristia a anamnese do sacrifício da cruz. Deste m o d o entram em contacto o "cálice da Nova Aliança" c o m o "sacrifício da c r u z " , fazendo recordar o ê x o d o c o m a referência ao "sangue da aliança". Descoberta: a nova aliança é de igual m o d o u m a "aliança n o sangue", ou melhor, dirá Marcos citando o Ê x o d o , o sangue de Cristo é o "sangue da aliança" e o cálice simboliza-o: "este é o m e u sangue da aliança".

• * *

E m conclusão, as expressões "aliança no sangue" ou "sangue da aliança" pressupõem uma concepção sacrificial do Crucificado e da E u c a r i s t i a , sua a n a m n e s e . T o d a v i a a a c e n t u a ç ã o do carácter sacrificial através da referência ao sangue não provém da teologia do Servo de Javé, mas da cadeia de associações gerada pelo recurso a essa teologia. Segundo crê J.Betz, o tema central e primordial era o da aliança e não o do sangue. Jesus apresenta-se na última ceia c o m o novo Moisés a estabelecer a N o v a Aliança. Essa aliança é associada à cruz pela teologia do Servo de Javé e ao sangue pelo paralelismo da primeira aliança. A primeira fórmula (antioquena) conserva n o centro o motivo da aliança. Só a evolução litúrgica e a preponderância da figura do Servo fizeram do sangue o motivo principal, inculcando assim a ideia cultual-sacrificial.

c) didómenon (Lc) ... ekchunnómenon (Mc.Mt.Lc.)

(pão = " q u e se dá") (cálice = " q u e se infunde")

Particípios passivos presentes que acentuam o aspecto obla-cional da m o r t e de Cristo. Trata-se da oblação da vida, nos termos dos cânticos do Servo de Javé, sem, porém, colocar o acento no sofrimento c o m o o fizera o Deutero-Isaías.

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d) peri pollôtt (Mt.; Mc/ 'uper/) ... 'uper 'umôn (ÍCor. Lc)

(pão) (pão; Lc.: cálice)

S e m e l h a n t e precisão c o n f e r e à oblação o sentido expiatório acentuado pelos cânticos do Servo: "ele p r ó p r i o d e u a sua vida .... t o m a n d o sobre si os pecados de m u i t o s h o m e n s " ( I s 53,12). " O Senhor fazia recair sobre ele o castigo das faltas de todos nós"(Is 53,6).

P o r t a n t o a m o r t e de Cristo é u m sacrifício expiatório ( " n o lugar d e " , " p o r " ) peri pollôn; aspecto ainda mais a c e n t u a d o p o r M t . ao p o r m e n o r i z a r : " p o r m u i t o s h o m e n s e m r e m i s s ã o dos pecados".

e) Sacrifício e sofrimento

1. Adopção da tipologia do Servo d e j a v é . Para quê? Sentido!

O m o t i v o central dos textos do Deutero-Isaías sobre o Servo é o significado positivo do s o f r i m e n t o , da dor, da "vida sem sentido". N o capítulo 53 lemos:

"desprezado ... escória da humanidade

h o m e m das dores, experimentado nos sofrimentos ... amaldiçoado...

... castigado por nossos crimes e esmagado por nossas iniquidades; o castigo que nos salva pesou sobre ele fomos curados graças a seus padecimentos.

... o Senhor fez recair sobre ele o castigo das faltas de todos nós.

... foi suprimido da terra dos vivos m o r t o pelo pecado do meu povo.

... aprouve ao Senhor esmagá-lo sob o sofrimento;

... /ele ofereceu/ a sua vida em sacrifício expiatório ... deu a sua vida

e deixou-se colocar entre os criminosos

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O Deutero-Isaías descobre o significado do s o f r i m e n t o e do martírio do seu p e r s o n a g e m (personificação do profeta) na ideia de sacrifício e x p i a t ó r i o . N e s t a transposição deixa cair os elementos cultuais, c a r n e e s a n g u e , e i n t r o d u z u m e l e m e n t o n o v o (não existente nos sacrifícios cultuais), o s o f r i m e n t o da vítima. A cate-goria de sacrifício expiatório fica subordinada exclusivamente ao tema: sentido do s o f r i m e n t o e da m o r t e .

O "escândalo da cruz". T e r - s e - á recorrido à tipologia do Servo de Javé para dar significado à paixão e m o r t e de Jesus?

A história das tradições cristológicas, antes m e n c i o n a d a , diz-nos q u e tal recurso foi feito, não c o m esse fim, mas para enquadrar a m o r t e (na cruz) nos planos de D e u s a respeito do Messias. Fez-se para legitimar a messianidade do Crucificado.

2. O texto e o contexto das narrativas da eucaristia t a m b é m não a c e n t u a m m i n i m a m e n t e n t e a ideia de paixão ou de s o f r i m e n t o , n e m a l u d e m à n o ç ã o de pena, de castigo o u de satisfação. A chave interpretativa é a ressurreição e a glorificação do Crucificado c o m o S e n h o r , Cristo e Filho de Deus. J o ã o desloca o tema da exaltação para o gesto da elevação da cruz.

• O c o n t e x t o da ceia pascal situa-nos n u m b a n q u e t e fraterno de "eucaristia", " e u l o g i a " e " a n a m n e s e " . P o r t a n t o , no â m b i t o de u m sacrifício cultual, n o qual se o f e r e c e m e c o n s o -m e -m dons divinos, representados nos ali-mentos.

• O s vocábulos " c o r p o " , "cálice", " n o v a aliança", "sangue", neste c o n t e x t o , falam-nos da pessoa e da vida de Jesus, q u e ele oferece a D e u s e m oblação pelos h o m e n s .

• * *

A eucaristia arranca do c u l t o pascal j u d a i c o para o qual o sacrifício n ã o consistia na d o r das vítimas. O s o f r i m e n t o da vítima n ã o tinha valor algum. Valor tinha a oblação da carne (holocausto) e p r i n c i p a l m e n t e a oblação do sangue, pois n o sangue estava o mistério da vida. C o m a oblação do sangue restitui-se a D e u s a vida (o sopro) q u e d'Ele havia saído, q u e só a ele p e r t e n c e e que a ele regressa (por isso era p r o i b i d o t o m a r o sangue). Desse m o d o r e c o n h e c i a - s e q u e D e u s era o autor e senhor da vida; e tributava-se-lhe o m a i o r holocausto.

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Segundo a mentalidade cultual judaica, a c o n c e p ç ã o de sacri-fício nada t e m a ver c o m a ideia de dor, de p e n a o u de sofrimento; mas só c o m a n o ç ã o da vida.

O r a b e m , a eucaristia, a ceia pascal, é u m b a n q u e t e sacrificial, cujos dons são soma e 'aíma, referidos ao a c o n t e c i m e n t o salvífico e m Cristo. Será a dor, o s o f r i m e n t o , a pena q u e se q u e r acentuar? Pois, sem dúvida alguma, o c o r p o exangue e o sangue d e r r a m a d o são sinais da crueldade do a c o n t e c i m e n t o .

Todavia, m e s m o n o inciso de M a t e u s ("por m u i t o s h o m e n s para a remissão dos pecados"), não são feitas alusões ao s o f r i m e n t o de Cristo. Até nos e l e m e n t o s soma e 'aíma n ã o e n c o n t r a m o s o carácter cultual-sacrificial b e m expresso (o par sacrificial é sarx e

'aíma, c o m o está p a t e n t e n o cap. VI de João). • * •

A própria aplicação das categorias sacrificiais ao Servo de Javé, p o r t a n t o ao martírio de u m a pessoa, fez-se apenas m e t a f o r i c a m e n t e e, p o r isso, i m p r o p r i a m e n t e , e e v i d e n t e m e n t e e m f u n ç ã o de u m p e n s a m e n t o b e m d e t e r m i n a d o . Q u e se p r e t e n d e u r e a l ç a r o u explicar c o m semelhante aplicação? O p r o b l e m a a resolver era o seguinte: qual o sentido da vida soferente, culminada n o martírio, de certos profetas, n o m e a d a m e n t e de J e r e m i a s , os quais c o m o p r é m i o da sua dedicação ao p o v o e à causa de D e u s r e c e b e m maus tratos e a morte?

Resposta: o martírio na vida e na m o r t e do profeta é de grande significado. E u m sacrifício e x p i a t ó r i o . P o r t a n t o , d e s l o c a - s e a atenção do sacrifíciooblação cultual para o s o f r i m e n t o , q u e p r e c i -sava de explicação e de sentido. R i g o r o s a m e n t e , ao martírio d o Servo não deveríamos c h a m a r sacrifício, p o r não ser cultual.

N ã o se t e m i g u a l m e n t e na d e v i d a l i n h a de c o n t a q u e a aplicação da profecia do Servo a Jesus procurava explicação para u m problema b e m d e t e r m i n a d o , o qual não contemplava os sofrimentos de Cristo. Pretendia-se simplesmente dar sentido à m o r t e de Cristo, q u e se apresentava c o m o escândalo e l o u c u r a : c o m o é q u e o crucificado p o d e ser o Messias, q u a n d o "está escrito: maldito t o d o aquele q u e é suspenso n o m a d e i r o " ( G a l 3,13; cf. D t 21,23)?

A resposta e n c o n t r a d a na figura do Servo foi: na m o r t e , Jesus c o n s u m o u a sua obra r e d e n t o r a na qualidade de Servo. Messias segundo a profecia do Servo.

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• * *

B) A anamnese do Crucificado

As fórmulas eucarísticas apresentam a consumação da vida de Jesus na cruz c o m o u m sacrifício ("por muitos h o m e n s e m remissão dos pecados", precisa Mateus). E m q u e medida e e m que sentido a m o r t e de Jesus é u m sacrifício? A resposta exigirá a distinção entre o a c o n t e c i m e n t o da m o r t e e as suas circunstâncias.

a) O acontecimento

1. Os dados

O s dados recolhidos ao l o n g o da presente análise p õ e m e m p r i m e i r o plano, não as circunstâncias cruentas da m o r t e de Jesus, mas o seu gesto interior:

• A ceia pascal coloca-nos perante u m N o v o Moisés, liber-tador do seu p o v o , p o n d o e m relevo a atitude da pessoa de Jesus e n ã o os trabalhos q u e teve de suportar.

• As expressões " c o r p o " , "cálice", " n o v a aliança" e "sangue" referem-se, n ã o aos despojos de u m a vítima sacrificada pela m o r t e , n e m ao seu s o f r i m e n t o , mas à pessoa q u e activa-m e n t e se deu e q u e de si d e u o activa-mais precioso, a vida.

• P o r t a n t o as narrativas da última ceia estão centradas n o a c o n t e c e r da salvação ao l o n g o de t o d a a história q u e culmina p l e n a m e n t e n o a c o n t e c i m e n t o de Jesus crucificado e exaltado à direita de Deus. E m q u e consiste este acon-tecimento?

2. N a t u r e z a do a c o n t e c i m e n t o

O h i n o da c a r t a aos F i l i p e n s e s (Fil 2 , 6 - 1 2 ) f a l a - n o s de obediência até à m o r t e e m o r t e de cruz. A carta aos H e b r e u s (Heb. 4,15) diz-nos q u e Jesus Cristo e x p e r i m e n t o u todas as condições da existência h u m a n a , m e n o s o pecado. Para o evangelho de João, Jesus, Filho de D e u s , viveu e m perfeita união filial c o m o Pai e

fraterna c o m os h o m e n s seus irmãos.

N e s t a perspectiva, a e x p e r i ê n c i a da m o r t e foi u m acto de s u p r e m o a m o r de Jesus ao Pai e aos irmãos. A m o r firme, indes-trutível. A oblação da sua própria vida. A c o m u n h ã o agápica de

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Jesus c o m o Pai e c o m os irmãos c u s t o u - l h e a vida, isto é, foi total, absoluta c o m o só a p o d e m o s imaginar n u m h o m e m possuído pelo Espírito do p r ó p r i o Filho U n i g é n i t o de D e u s . P o r t a n t o , a m o r t e foi para Jesus a consumação da sua vida e m perfeita união filial c o m Deus e fraternal c o m os irmãos. A consumação da vida h u m a n a do Filho de D e u s e do Filho do h o m e m . Através dela Jesus e n t r o u na plenitude da união agápica c o m o Pai e c o m os irmãos.

3. Sacrifício de oblação

O Crucificado é o p o n t o culminante da história da salvação; todavia, o seu valor salvífico não d e p e n d e das circunstâncias ou do g é n e r o da sua m o r t e , mas da sua atitude existencial p e r a n t e si mesmo, perante Deus, os h o m e n s e o m u n d o . O Crucificado é o Filho de D e u s q u e vive a filiação divina até às últimas c o n s e -quências, sem desfalecer n e m vacilar. A cruz (sofrimento) é apenas o sinal e x t e r n o da sua atitude interna. A m o r t e só e m sentido figurado é u m scarifício, pois, e m sentido p r ó p r i o , é a consumação da vida c o m o Filho de Deus.

Essa aconsumação traduz-se n u m a união agápica inquebrantável c o m Deus e c o m os h o m e n s , pois a vida s e g u n d o o espírito é u m a vida e m c o m u m , e m c o m u n i d a d e e para a c o m u n i d a d e . C o m a morte, a união filial c o m D e u s e fraternal c o m os h o m e n s atingiu a plenitude. A ressurreição significa a c o n s u m a ç ã o plena da u n i ã o filial c o m Deus e consumação da união fraternal c o m os h o m e n s . Esta ú l t i m a e f e c t i v a - s e c o m o regresso d o C r u c i f i c a d o à sua c o m u n i d a d e , sob a f o r m a de pneuma 'uiothesias, gerando, assim, a c o m u n i d a d e n o Espírito. O Crucificado c o m o p l e n i t u d e da história da salvação é efectivação plena da união p n e u m á t i c o - a g á p i c a . Nisto consiste a desalienação da pessoa, a m o r t e ao c o r p o do pecado, a remissão dos pecados.

P o r t a n t o Jesus consuma o seu sacrifício e n q u a n t o realiza p l e n a -m e n t e a união c o -m D e u s e c o -m os h o -m e n s . Nesta perspectiva não temos a ideia de pena, de castigo, de j u s t o p r e ç o , etc.. O q u e t e -mos é u m a pessoa e m relação de união total; u m sacrifício-oblação. U m a i m a g e m simbólica adequada é a do S u m o Sacerdote n o dia do Kippur, utilizada pela carta aos H e b r e u s ( e p h a p a x - a c o n t e c i m e n t o : gesto p e r e n e de oferecer o sangue).

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b) As coordenadas circunstanciais

1. A m b i g u i d a d e das circunstâncias históricas

As circunstâncias históricas da oblação de Jesus C r i s t o são ambíguas. Significam "escândalo" para os j u d e u s , " l o u c u r a " para os romanos, "sabedoria de D e u s " para os crentes. T u d o d e p e n d e dos critérios de interpretação.

2. Interpretação das circunstâncias

O s protocristãos interpretaram-nas à luz da ressurreição e das profecias, elas t a m b é m lidas à luz da ressurreição.

3. Significado das circunstâncias

Q u a l o significado da paixão e da m o r t e violenta?

Pena? Castigo? P r e ç o satisfatório pelos pecados dos homens? A luz de q u a n t o f i c o u dito, a m o r t e de Cristo n ã o é u m castigo pelos pecados, mas a vitória definitiva sobre o pecado, a vitória gloriosa sobre a alienação. Aos olhos do m u n d o , Jesus é u m h u m i l h a d o , u m aniquilado, u m fracassado, mas aos olhos de Deus e dos crentes Ele é o " e x a l t a d o " ( c o m o é visto p o r J o ã o na cruz e c o m o Ele p r ó p r i o se vê: " n ã o choreis p o r m i m . . . " ) . O que para o m u n d o é escândalo e loucura é para D e u s sabedoria e vitória. O q u e para os carrascos é m o r t e , para D e u s e para os crentes é ressurreição, é vida gloriosa.

A m o r t e de Jesus só é m o r t e para a alienação.

D a m o r t e e do s o f r i m e n t o não nasce a vida; a vida nasce da vida.

O s o f r i m e n t o de Jesus não gerou a "filiação divina", c o m o a d o r do parto n ã o gera a criança. N o e n t a n t o a vida da mãe e da criança é posta à prova, manifestando-se mais forte que a dor e a m o r t e . C o m o n a s c i m e n t o a vida celebra a vitória! A d o r é t e s t e m u n h a da vitória da vida. Assim, na cruz, a filiação divina de Jesus, e m vez de s u c u m b i r sob o peso do s o f r i m e n t o , v e n c e e celebra a vitória para si e para nós. O s o f r i m e n t o dá t e s t e m u n h o da p r o f u n d i d a d e da união filial de Jesus ao Pai e do seu a m o r fraternal para c o m os h o m e n s seus irmãos.

A esta luz, a m o r t e de Cristo deve ser c o m p r e e n d i d a c o m o oblação-doação suprema a D e u s e aos h o m e n s . A oblação da vida

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física t o r n a - s e s í m b o l o s e n s í v e l da sua o b l a ç ã o a g á p i c a . As circunstâncias cruentas da sua m o r t e , vistas à luz da figura do servo de Javé e do paralelismo c o m o "sangue da aliança", p o d e m levar-- n o s a exprimir este símbolo e m l i n g u a g e m sacrificial, a qual, apesar de certa capacidade expressiva, será sempre inadequada para e x p r i -m i r a oblação de Cristo, q u e ao nível agápico transcende absoluta-m e n t e as categorias sacrificiais, na absoluta-m e s absoluta-m a absoluta-m e d i d a e absoluta-m q u e o a absoluta-m o r e x c e d e o f o r m a l i s m o ritual, f r i o , da o b l a ç ã o de d o n s , m e s m o q u a n d o estes são soma (sárx) — 'aíma.

A m o r t e de Cristo é mais do q u e u m sacrifício, é o mistério do amor. A cruz é o símbolo mais cru e radical do a m o r , ou da união agápica c o m Deus.

c) A Eucaristia como sacrifício

A eucaristia é a anamnese do a c o n t e c i m e n t o da salvação e m Jesus Cristo. P o r conseguinte será a anamnese d o sacrifício da cruz

na medida e n o sentido e m q u e aquela é considerada de sacrifício. A reflexão anterior, p o r é m , faz-nos ver c o m o n o centro do mistério da cruz t e m o s a pessoa de Jesus. T e m o s o Crucificado, na sua dimensão mais íntima, mais espiritual ou relacional c o m D e u s e c o m o p r ó x i m o . P o r tal razão a f o r m a mais correcta de expressar a d i m e n s ã o sacrificial da eucaristia consiste e m falar dela c o m o "anammese do crucificado". Pois a p l e n i t u d e da salvação está n o crucificado, do qual a eucaristia é a anamnese. C o n s e q u e n t e m e n t e a eucaristia é a anamnese da m o r t e de Cristo, c o m o p l e n i t u d e da salvação, isto é, c o m o sacrifício de Cristo.

1.2.3. Natureza sacramental da eucaristia

A — "Mistério de Deus" e eucaristia a) Recapitulação e nexo

A eucaristia foi caracterizada c o m o a " a n a m n e s e pascal d o crucificado" o u , p o r outras palavras, c o m o a " a n a m n e s e do a c o n t e -c i m e n t o de C r i s t o " o u ainda -c o m o " a n a m n e s e d o mistério de Cristo". Se preferimos a primeira expressão foi para sublinhar as circunstâncias históricas desse a c o n t e c i m e n t o e m i s t é r i o : C r u z -Ressurreição, n u m c o n t e x t o pascal.

Depois de termos aquilatado da índole, alcance e limites da interpretação sacrificial da m o r t e de Jesus Cristo e da celebração

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eucarística, v a m o s tecer algumas considerações sobre a natureza sacramental da eucaristia à luz da n o ç ã o paulina de mistério e dos elementos colhidos até agora.

b) Conceitos

P r e s s u p o m o s a n o ç ã o de m i s t é r i o / s a c r a m e n t o s e g u n d o a teologia bíblica, patrística e c o n t e m p o r â n e a , exposta e m Eclesiologia e n o capítulo sobre a n o ç ã o de sacramento. Vamos, p o r é m , precisar a n o ç ã o de anamnese à luz da teologia judaico-cristã (distinguir entre "judaico-cristão" e " j u d e o - c r i s t ã o " ) .

A n a m n e s e não significa só (nem essencialmente) uma evocação c o m e m o r a t i v a (cultual) de pessoas ou de a c o n t e c i m e n t o s passados.

A celebração pascal dos j u d e u s recordava u m a c o n t e c i m e n t o passado, q u e se projectava pelos t e m p o s fora; q u e se actualizava e m cada m o m e n t o da história do p o v o . O j u d e u , o n d e quer q u e se encontrasse, sentia-se libertado do Egipto j u n t a m e n t e c o m os seus antepassados e via nessa libertação a f o n t e de todas as libertações, d u m m o d o particular da libertação messiânica.

A Páscoa, c o m efeito, celebra a libertação passada, actual e f u t u r a do i n d i v í d u o e da c o m u n i d a d e .

Pois b e m , nesta linha, a eucaristia c o m o anamnese pascal do c r u c i f i c a d o , a l é m de c o m e m o r a r u m a c o n t e c i m e n t o h i s t ó r i c o passado, celebra u m a c o n t e c i m e n t o p e r m a n e n t e m e n t e actual, u m

ephápax-acontecimento q u e se torna tangível e experienciável nela e

na c o m u n i d a d e . Este ephápax significa p e r e n i d a d e total e efectiva. O Crucificado existe c o m o realidade acessível e m cada m o m e n t o da história. (Este o p o n t o de partida para a c o m p r e e n s ã o da presença real de Cristo na eucaristia).

O q u e é q u e , e f e c t i v a m e n t e , se t o r n a p r e s e n t e ( a n a m n e s -ticamente) na eucaristia?

c) O Mistério de Cristo

A resposta é b e m simples: o Mistério de Cristo. Tal resposta, p o r é m , afasta i m e d i a t a m e n t e q u a l q u e r c o m p r e e n s ã o estática da eucaristia. N ã o se trata, c o m efeito, de presencializar magicamente u m o b j e c t o ( n e m e c t o p l a s m a t i c a m e n t e , c o m o d i r i a a parapsicologia), o qual ficaria ao alcance da manipulação h u m a n a .

A eucaristia é o a c o n t e c i m e n t o da salvação e m toda a sua extensão e plenitude, c u j o m o m e n t o culminante e p e r e n e é acção

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d o C r u c i f i c a d o G l o r i f i c a d o na q u a l i d a d e de " E s p í r i t o v i v i f i -c a n t e " ( " P n e u m a z o o p o i o n " , I C o r 15,45). Esta " v i d a " gera u m a nova h u m a n i d a d e , a "Ekklesia t o u T h e o u " , q u e é o " S o m a t o u C h r i s t o u " , o " P l e r o m a t o u C h r i s t o u " , o " M y s t e r i o n t o u T h e o u " ( " t o u C h r i s t o u " ) . E m última análise, o a c o n t e c i m e n t o total da salvação c o n d e n s a s e na C o m u n i d a d e , e n t e n d i d a c o m o c o -m u n h ã o efectiva entre os ir-mãos " e -m C r i s t o " e, " e -m C r i s t o " Filho U n i g é n i t o de Deus, c o m o Pai.

P o r t a n t o , o a c o n t e c i m e n t o q u e se c o m e m o r a a n a m n e s t i c a m e n t e na Eucaristia e nela se realiza efectivamente é o Cristo q u e gera a C o m u n h ã o , o Cristo elo de c o m u n h ã o , o Cristo c o m u n h ã o filial e f r a t e r n a . N e s t e p l a n o , a eucaristia é o m i s t é r i o / s a c r a m e n t o da c o m u n h ã o ; celebra e realiza a c o m u n h ã o , a Igreja; auto-celebra-se e auto-realiza-se c o m o c o m u n h ã o eclesial.

I n v e r t e n d o a perspectiva, diríamos q u e a eucaristia c e l e b r a -realiza a c o m u n h ã o eclesial d a n d o expressão sensível à c o m u n h ã o pneumática estabelecida entre os crentes e Cristo e, n o seu Espírito de Filiação, c o m o Pai e, dessa f o r m a , c o m e m o r a a n a m n e s t i c a m e n t e todos os m o m e n t o s da história da salvação, de u m m o d o m u i t o particular o a c o n t e c i m e n t o c u l m i n a n t e : a pessoa, o destino e a oblação de Jesus Cristo (incarnação, vida, m o r t e , ressurreição e geração da Igreja).

A esta totalidade refere-se Santo A g o s t i n h o q u a n d o afirma q u e a eucaristia celebra o Christus totus. A g o s t i n h o serve-se d o tríplice significado da expressão " C o r p u s C h r i s t i " para o explicar. C o m efeito, o "Christus t o t u s " engloba:

• O Corpus Christi terreno, crucificado e ressuscitado; • O Corpus Christi eclesial;

• O Corpus Christi eucarístico.

O " C h r i s t u s t o t u s " é c e l e b r a d o na E u c a r i s t i a , na m e d i d a e m q u e o " C o r p u s C h r i s t i e u c h a r i s t i c u m " dá c o r p o sensível ao " C o r p u s C h r i s t i m y s t i c u m " e ao " C o r p u s C h r i s t i crucis et gloriae".

E m conclusão, na eucaristia não está e m questão, só e principalmente, a repetição dos gestos de Jesus na última ceia e a r e p r e -sentação-reprodução da cena do calvário, através da transformação do pão n o c o r p o martirizado e do v i n h o n o sangue derramado; mas, a u m nível mais f u n d o , o a c o n t e c i m e n t o da salvação e m toda a sua totalidade h i s t ó r i c o p n e u m á t i c a , a q u e se r e f e r e m as e x -pressões paulinas de "Mistério de D e u s " — "Mistério de C r i s t o " .

Referências

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