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Estudo fenomenológico do corpo no projeto praia sem barreiras em Recife-PE

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA. ANA ZÉLIA ALVES VIEIRA BELO. ESTUDO FENOMENOLÓGICO DO CORPO NO PROJETO PRAIA SEM BARREIRAS EM RECIFE-PE. NATAL-RN 2015.

(2) ANA ZÉLIA ALVES VIEIRA BELO. ESTUDO FENOMENOLÓGICO DO CORPO NO PROJETO PRAIA SEM BARREIRAS EM RECIFE-PE. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na linha de pesquisa Estudos Sócio filosóficos sobre s Corpo e o Movimento Humano, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação Física. Orientadora: Professora Dra. Maria Isabel Brandão de Souza Mendes. NATAL-RN 2015.

(3) Catalogação da publicação na fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede Belo, Ana Zélia Alves Vieira Estudo fenomenológico do corpo no Projeto Praia Sem Barreiras em Recife-PE/ Ana Zélia Alves Vieira. Natal, RN, 2015. Orientadora: Dra. Maria Isabel Brandão de Souza Mendes Dissertação (Mestrado)  Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Educação Física. 1. Deficientes  Brasil  Condições sociais. 2. Projeto Praia Sem Barreiras. I. Mendes, Maria Isabel Brandão de Souza. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Educação Física. I. Título..

(4) ANA ZÉLIA ALVES VIEIRA BELO. ESTUDO FENOMENOLÓGICO DO CORPO NO PROJETO PRAIA SEM BARREIRAS EM RECIFE-PE. Dissertação apresentada e defendida em 26 de fevereiro de 2015. Banca examinadora:. Dra. Maria Isabel Brandão de Souza Mendes Orientadora- UFRN. Dra. Roberta Cortez Gaio (Titular Externa). Dra. Terezinha Petrúcia da Nóbrega (Titular Interna). Dra. Rosie Marie Nascimento de Medeiros (Suplente Interna). Dr. Ricardo de Figueiredo Lucena (Suplente Externo).

(5) Dedico este estudo a minha família, em especial a minha mãe Zélia Alves Vieira Belo e a minha tia (titia) Ilda Luna..

(6) AGRADECIMENTOS Muitos são os agradecimentos, mas especialmente pela minha crença, quero agradecer primeiramente a Deus ter-me concedido este momento de aprendizado. A minha professora orientadora, Maria Isabel Brandão de Souza Mendes, meu agradecimento na aceitação e atenção na orientação deste trabalho. Aos professores do Programa da Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em especial a Terezinha Petrúcia da Nóbrega, Rosie Marie, e demais professores do programa que me ajudaram a compreender com novos olhares a questão da pessoa com deficiência pela fenomenologia. Agradeço imensamente aos participantes da pesquisa que, no decorrer do estudo, são referenciados por nome fictício. À professora Roberta Gaio, que sempre me incentivou na minha formação para que este sonho pudesse tornar-se realidade. Obrigada pelo carinho e ajuda de sempre no que foi preciso. Agradeço a Mosana Cavalcanti a sua prontidão em ajudar sempre com sua experiência na construção do Projeto Praia Sem Barreiras. À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em especial ao Programa da Pós-Graduação do Departamento de Educação Física. Aos colegas e funcionários do Programa da Pós-Graduação, em particular, aos que conviveram mais de perto na nossa linha de pesquisa e ao funcionário Raphael, secretário do programa pela sua atenção em sempre nos ajudar. Aos meus familiares, que sempre acreditaram no meu sonho e me apoiaram nas ausências e idas a Natal em busca do conhecimento. Aos meus amigos e amigas de sempre, e todas as pessoas que conviveram comigo nesta trajetória acadêmica..

(7) RESUMO Esta pesquisa caracteriza-se como um estudo fenomenológico do corpo no Projeto Praia Sem Barreiras em Recife-PE. O objetivo da pesquisa é compreender a percepção que as pessoas com deficiência têm do próprio corpo e de sua experiência no referido Projeto, no sentido de identificar possibilidades de conhecimento sobre o fenômeno investigado e sobre a vivência do projeto. A fenomenologia como método de pesquisa permitiu descrever, interpretar e compreender os relatos de dez participantes do Projeto. Os relatos foram obtidos por meio de entrevista semiestruturada que foram realizadas na praia, na tenda do Projeto durante os fins de semana. O principal referencial teórico utilizado na pesquisa encontra-se em Merleau-Ponty. A compreensão dos relatos aponta-nos para significados polissêmicos a respeito do corpo, a saber: a percepção de corpo como movimento; padrão social em transformação; saúde e cuidado de si; felicidade ou forma de vida. Encontramos ainda uma percepção do corpo associada à tradicional concepção do corpo máquina. Na compreensão das possibilidades e perspectivas relacionadas com a percepção do corpo ao participar do Projeto relataram as percepções que tiveram, tais como sentir a areia nos pés; o medo de entrar na água e também a satisfação de superá-lo; o sabor da água salgada na boca; o movimento de agarrar-se à cadeira anfíbia como uma nova situação; o fato de conhecer outras pessoas e poder fazer amizades; a satisfação de sair do calçadão e poder ver o mar de perto, entre outras. Com base na compreensão dos relatos, percebeu-se uma experiência vivida contemplada de sentimentos e emoções em relação ao corpo e à superação de limites não apenas físico, mas também subjetivos, existenciais e sociais. Assim, a partir da abordagem fenomenológica, pode-se concluir que este estudo apresenta novos olhares em relação às abordagens tradicionais sobre o corpo e a pessoa com deficiência, a percepção, a sensibilidade e a criação de possibilidades de escuta dos sujeitos que vivem uma dada condição humana e existencial, no sentido de investir em descobertas e ampliar a percepção do corpo e da sensibilidade para além dos padrões dominantes de corpo e aptidão física. Cada corpo é singular e essa percepção é compreendida como horizonte existencial e como horizonte epistemológico no campo da Educação Física, como uma das perspectivas de escuta da experiência vida que investe no corpo e em suas sensações como forma de ser e de estar no mundo com os outros. Palavras-chave: Corpo. Deficiência Física. Fenomenologia. Projeto Praia Sem Barreiras..

(8) 8. ABSTRACT This research is characterized as a phenomenological study of the body in Praias Sem Barreiras Project in Recife. The purpose of the research is to understand the perception that people with disabilities have the own body and your experience in that project, to identify possibilities of knowledge about the phenomenon under investigation and on the experience of the project. Phenomenology as a research method allowed to describe, interpret and understand the reports of ten participants of the Project. The reports were obtained through semi-structured interviews that were held on the beach, in the tent of the Project during the weekends. The main theoretical framework used in the research is in Merleau-Ponty. Understanding the reports points us to polysemic meanings about the body, namely: the perception of body and movement; social changing pattern; health and self care; happiness or life form. We also found a perception of the body associated with the traditional design of the machine body. To comprehend the possibilities and perspectives related to the perception of the body to participate in the project reported the perceptions they had, such as feel the sand on the feet; fear of entering the water and also the satisfaction to overcome it; the taste of salt water in the mouth; the motion cling to the amphibious chair as a new situation; the fact meet other people and be able to make friends; the satisfaction of leaving the sidewalk and to see the sea near, among others. Based on the understanding of the reports, it was realized a lived experience contemplated feelings and emotions in relation to the body and overcoming limits not only physical but also subjective, existential and social. Thus, from the phenomenological approach, it can be concluded that this study presents new looks over traditional approaches to the body and the disabled person, perception, sensitivity and the creation of listening possibilities of living a given subject human and existential condition, to invest in discoveries and increase body awareness and sensitivity in addition to the dominant patterns of body and physical fitness. Each body is unique and this perception is understood as existential horizon and as an epistemological horizon in the field of Physical Education, as one of the listening experience life prospects of investing in the body and its sensations as a way of being and being in the world with others. Keywords: Body. Physical Disability. Phenomenology. Praia sem Barreiras Project..

(9) LISTA DE FOTOGRAFIAS. Fotografia 1 . Arena do Projeto Praia Sem Barreiras...................................... Fotografia 2 . Participante do Projeto e monitores.......................................... 23. Fotografia 3 . Arena do Projeto vista do alto................................................... 27. Fotografia 4 . Rampa de acesso à esteira....................................................... 27. Fotografia 5 . Esteira de acesso...................................................................... 28. Fotografia 6 . Cadeira Anfíbia.......................................................................... 29. Fotografia 7 . Cadeira Anfíbia lateral............................................................... 29. Fotografia 8 . Participante do Projeto e monitores.......................................... 54. Fotografia 9 . Participante do Projeto e monitores.......................................... 54. Fotografia 10 . Participante do Projeto na Cadeira Anfíbia no mar................... 23. 67.

(10) LISTA DE IMAGENS. Imagem 1 . Mapa do Projeto Praia Sem Barreiras........................................... 26. Imagem 2 . Stephanie do filme Ferrugem e osso............................................. 59. Imagem 3 . Stephanie boiando no mar............................................................. 60. Imagem 4 . Stephanie boiando no mar............................................................. 60. Imagem 5 . Stephanie deitada por cima de Ali................................................. 63.

(11) LISTA DE GRÁFICOS. Gráfico 1 . Percentual do público usuário na Praia de Boa Viagem em 2013.................................................................................................. 34. Gráfico 2 . Percentual do público usuário na Praia de Boa Viagem em 2014.................................................................................................. 34. Gráfico 3 . Fluxo quantitativo no Projeto Praia Sem Barreiras em 2013, Recife-PE.......................................................................................... Gráfico 4 . Quantitativo de público usuário em 2014 na Praia de Boa Viagem.............................................................................................. Gráfico 5 . 35. Fluxo quantitativo mensal em 2013 no Projeto Praia Sem Barreiras, Praia de Boa Viagem....................................................... Gráfico 6 . 35. 36. Fluxo quantitativo mensal em 2014 no Projeto Praia Sem Barreiras, Praia de Boa Viagem....................................................... 36. Gráfico 7 . População com deficiência no Brasil em 2010............................... 37. Gráfico 8 . População com pelo menos uma deficiência por região do Brasil em 2010............................................................................................ 38. Gráfico 9 . Porcentagem da população com deficiência no Brasil................ 39.

(12) LISTA DE SIGLAS. ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas. BIREME. Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde. CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. EMPETUR Empresa de Turismo de Pernambuco IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. LILACS. Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde. MEDLINE. Medical Literature Analysis and Retrieval System Online. NBR. Norma Brasileira. SCIELO. Scientific Electronic Library Online. UNICAMP. Universidade Estadual de Campinas.

(13) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 11. CAPÍTULO 1 − O PROJETO PRAIA SEM BARREIRAS E SEUS PARTICIPANTES............................................................................................... 23. 1.1. CONHECENDO O PROJETO PRAIA SEM BARREIRAS........................ 24. 1.2. PARTICIPANTES DO PROJETO PRAIA SEM BARREIRAS E SUA PERCEPÇÃO DE CORPO....................................................................... 39. CAPÍTULO 2 − O CORPO E SUAS (RE)CRIAÇÕES NO PROJETO PRAIA SEM BARREIRAS.............................................................................................. 54. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 80. REFERÊNCIAS.................................................................................................. ..... 84. APÊNDICE A − Perguntas das entrevistas........................................................ 87. APÊNDICE B − Transcrição das entrevistas das pessoas com deficiência física usuárias do Projeto Praia Sem Barreiras Recife-PE..... 88. ANEXO A − Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética da UFRN............... 109. ANEXO B − Termo de Consentimento Livre e Esclarecido................................ 110. ANEXO C − Termo de Autorização para Gravação de Voz............................... 112. ANEXO D − Termo de Confidencialidade.......................................................... 113. ANEXO E − Termo de Autorização para Uso de Imagens................................. 114.

(14) 11. INTRODUÇÃO. A pesquisa Estudo fenomenológico do corpo no Projeto Praia Sem Barreiras em Recife-PE nasceu da inquietação sentida, ao longo dos anos atuando entre pessoas com deficiência, ao fazer interrogações a respeito de como as pessoas com deficiência física se percebem, sentem-se com um corpo com alguma deficiência, e como profissional poder compreendê-las para também promover práticas corporais que levassem a outro olhar sobre o corpo. Nesse sentido, inicia-se o trabalho situando este estudo no contexto da história pessoal e profissional por meio da descrição de momentos que contribuíram para dar sustentação e motivação para a pesquisa aqui desenvolvida. As motivações para a pesquisa partem do envolvimento pessoal ao longo do processo de formação em Licenciatura Plena em Educação Física, realizada na Universidade Federal de Pernambuco, concluída em 1996. Um despertar inicialmente advindo das reflexões tecidas durante a realização da disciplina Educação Física Adaptada, que naquele momento chamou a atenção pelo conhecimento desafiador e ainda pouco trabalhado em nossa área. Pouco tempo depois, a Universidade ofereceu um minicurso sobre pessoas com deficiência, o que então possibilitou a primeira aproximação com a temática para além da disciplina. Nesse momento, por meio do diálogo com os autores sobre a temática, foram muitas as descobertas e reflexões acerca das pessoas com deficiência e da intervenção do professor de Educação Física entre esse público, apontando os saberes fundamentais e imprescindíveis para uma prática humana e inclusiva. Esses elementos revelaram-se um fator motivacional e decisivo na escolha.

(15) 12. da área de atuação até os dias atuais: a Educação Física Adaptada e as pessoas com deficiência. A escolha pela área teve sua materialização inicial quando, ao término da graduação, ministrava aulas em uma escola com atendimento no modelo de ensino inclusivo, tendo, assim, a oportunidade de aproximação com vários tipos de deficiência. Essa prática foi vivenciada por um período de nove anos, quando, em paralelo, participava no projeto semanal de recreação e lazer em uma associação de pessoas com deficiência durante quatro anos, um compromisso desafiador e cercado também de medo e insegurança pela ausência de parâmetros para transformar e mobilizar o pouco conhecimento da temática na prática pedagógica. A cada aula ministrada na escola ou a cada encontro da associação, manifestava-se uma satisfação gratificante e significante em atender essas pessoas marginalizadas, esquecidas e ignoradas na sociedade; ao mesmo tempo, elas davam indicativos de que era necessário estudar e conhecer esse mundo das diferenças de uma forma mais aprofundada. Portanto, foi ao adentrar o universo das pessoas com deficiência que se depararam os limites do conhecimento epistêmico e metodológico para atuar com essas pessoas com deficiência. Essas e outras lacunas referentes às intervenções entre as pessoas com deficiência deram incentivo à busca de um conhecimento mais específico sobre a área, o que foi decisivo para cursar a Especialização em Atividade Motora Adaptada, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considerada uma instituição de referência nessa temática. Após o período de um ano e meio de muitas vivências e novos conhecimentos, deu-se o retorno a Recife para assumir a disciplina de Educação.

(16) 13. Física e Esporte Adaptado em duas Instituições de Ensino Superior, começando, assim, a prática de pesquisa acerca da temática. Como pesquisadora, o primeiro passo foi entender como se processava a formação profissional na Educação Física para o atendimento das pessoas com deficiência na prática pedagógica, sendo esse o objetivo da monografia da Especialização. Esta pesquisa realizou-se em cinco instituições de Ensino Superior que tinham o curso de Licenciatura em Educação Física em Recife. Várias inquietações surgiram durante a vida profissional, dentre elas, o desejo de entender como durante uma formação com diversas disciplinas em quatro anos, apenas uma daria conta dessa abordagem; e se essa única disciplina abordava a relação entre pessoa com deficiência, inclusão e esporte adaptado. Outros questionamentos abordados no estudo anterior: Como era colocado durante a formação o conhecimento sobre quem são as pessoas com deficiência? Qual o modelo de atendimento às pessoas com deficiência adotado na disciplina de Educação Física Adaptada? A questão da inclusão das pessoas com deficiência estava sendo considerada na Educação Física? Enfim, concluiu-se o estudo na especialização, e outras questões começaram a despertar a curiosidade para pesquisar. A primeira curiosidade surgiu após anos de vivência com atuação entre pessoas deficientes, e perceber quanto era marcante na vivência prática com elas ouvir o que não podiam fazer, o que não conseguiam seus diversos limites, e poucas vezes ouvia suas possibilidades, suas potencialidades, suas emoções e sentimentos em realizar uma prática corporal. Era um aspecto que chamava a atenção durante.

(17) 14. as práticas uma vez que a fala de negação delas era maior que o conhecimento sobre seu corpo. Já a segunda curiosidade, foi em relação ao profissional de Educação Física. Ele deixa de ter uma dimensão de sua importante atuação no atendimento às pessoas com deficiência, ficando limitado em suas atividades, na maioria das vezes, reproduzindo movimentos, não enxergando seu papel enquanto educação em um mundo traçado pela diversidade humana. Algumas vezes não consegue visualizar o significado de corpo que essas pessoas com deficiência possuem e, a partir daí, criar práticas adaptadas que possam favorecer essa inclusão na sociedade por meio de suas potencialidades. Seria a falta do conhecimento sobre as pessoas com deficiência? Ou falta um entendimento sobre corpo, sensações, possibilidades? Primeiramente, os profissionais da Educação Física precisam olhar esse corpo a partir das possibilidades, dos sentidos e ir buscar o que realmente é corpo? Sendo a compreensão de corpo o elemento de base nas discussões acerca das pessoas com deficiência, apresentam-se alguns conceitos, destacando inicialmente o de Merleau-Ponty, que leva a se entender que o corpo precisa ser percebido, sentido:. O corpo é nosso meio geral de ter um mundo. Ora ele se limita aos gestos necessários à conservação da vida e, correlativamente, põe em torno de nós um mundo biológico; ora brincando com seus primeiros gestos e passando de seu sentindo próprio a um sentido figurado, ele manifesta através deles um novo núcleo de significação [...]. (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 203).. Ainda refletindo sobre corpo, encontram-se nas palavras de Nóbrega (2010, p. 47): “O corpo não é coisa, nem ideia, o corpo é movimento, gesto, linguagem, sensibilidade, desejo, historicidade e expressão criadora.”.

(18) 15. As definições acima descritas remetem à necessidade de ampliar o entendimento sobre o corpo para além de um corpo biológico, de padrões de limites, para assim enxergar as possibilidades de ser corpo com potencialidades. Quando esse corpo apresenta uma deficiência, como se percebe? O olhar será para a deficiência? Para a falta do membro? Para a cadeira de rodas? Para a bengala? Para a comunicação pelas mãos? Ou esse olhar é para a pessoa, para o sujeito, independentemente da sua diferença física? De acordo com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2009, alínea a): “[...] a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.” Nesse sentido é preciso eliminar essas barreiras nas atitudes para que os limites não impeçam as pessoas com deficiência de participarem das práticas corporais nem de serem aceitos na sociedade em razão da deficiência que apresentam no corpo. É um exercício processual que também precisa ser feito no momento de atendê-los nos diversos locais da Educação Física, ampliar o olhar para as possibilidades de adaptar as diversas atividades propostas em que todos pudessem se perceber participando à sua maneira. Muitas vezes não conseguia visualizar essas possibilidades nesses corpos com deficiência, mas hoje a percepção é de que seria pela limitação do entendimento aprofundado do que seria corpo, sensações, adaptações, enfim, conhecimento relevante para o atendimento..

(19) 16. Em 1999, poucos eram os locais de atendimento e acolhimento às pessoas com deficiência, mas houve oportunidade de participar de momentos nos acampamentos de lazer que a Associação dos Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência de Funcionários do Banco do Brasil (APABB) promovia nas férias no núcleo de São Paulo momentos como esses, porque ainda não existia em Recife. Era uma grande oportunidade para maior envolvimento nessa prática adaptada com pessoas que tinham alguma deficiência. Aos poucos vão surgindo oportunidades para atender essa diversidade humana como possibilidade de participação igualitária nos diversos segmentos sociais, trabalho, transporte, educação, esporte e lazer. Por muito tempo, esses corpos foram esquecidos, marginalizados, excluídos ao longo da história, não encontravam espaço na sociedade, inclusive no esporte e no lazer. Com o passar do tempo, esses corpos com deficiência vão conquistando seu espaço e buscando oportunidades de se sentirem incluídos, respeitados, lembrados e atendidos na sociedade. No estado de Pernambuco, criou-se um espaço em 2013 para atender as pessoas com deficiência física e mobilidade reduzida, chamado de Projeto Praia Sem Barreiras, uma iniciativa da Secretaria de Turismo e Governo do Estado e parceria com uma instituição privada de Ensino Superior. Esse projeto tem como objetivo possibilitar às pessoas com deficiência o banho de mar e atividades esportivas e recreativas na praia. Atualmente esse projeto já se realiza na cidade do Rio de Janeiro e em seis praias em Pernambuco: Fernando de Noronha, Boa Viagem, Porto de Galinhas, Candeias, Tamandaré e Maria Farinha. O projeto oferece um espaço com acessibilidade e um atendimento feito por estudantes de diversas graduações, dentre elas, Educação Física, Fisioterapia,.

(20) 17. Turismo e Enfermagem, coordenado por uma profissional de Educação Física. São oferecidas as atividades do banho assistido em uma cadeira de rodas adaptada (cadeira anfíbia), voleibol sentado, banho em piscinas de plástico e um espaço de socialização entre as pessoas com deficiência, familiares e amigos. Os espaços acessíveis começam a surgir, mas ainda são poucos os estudos, as pesquisas, os relatos sobre o atendimento a esses corpos nas diversas práticas corporais. Desse modo, as inquietações sobre pessoas com deficiência, corpo, possibilidades, limites, sensações, acabaram transformando-se no questionamento da problemática do estudo. Diante do surgimento de um espaço, o Projeto Praia Sem Barreiras, para atender pessoas com deficiência física na cidade de Recife-PE lança-se a seguinte questão de estudo: Como esses corpos com deficiência física se percebem ao participar do Projeto Praia Sem Barreiras? Diante desse questionamento, o objetivo da pesquisa foi compreender a percepção que as pessoas com deficiência têm do próprio corpo e de sua experiência no referido Projeto, no sentido de identificar possibilidades de conhecimento sobre o fenômeno investigado e sobre a vivência do projeto. Este estudo tem como eixo norteador a abordagem fenomenológica do corpo e a partir dela compreender o corpo da pessoa com deficiência física, tendo como lugar de experiência esse projeto. É um estudo que apresentará a abordagem fenomenológica como um método para compreender os sentimentos dessas pessoas, a maneira de se perceberem, sua subjetividade diante do mundo. Afinal, cada pessoa possui a própria percepção de mundo, sua história, sua relação com as outras pessoas. Espera-se que esta pesquisa possa corroborar para uma reflexão e possa ainda contribuir para melhor entendimento de corpo das pessoas com deficiência por.

(21) 18. meio da fenomenologia. Em razão da escassez do material desta temática, justificase em trazer evidência da compreensão de corpo e sua relação no mundo das pessoas com deficiência física no desenvolvimento de práticas corporais, descrevendo sua experiência e, no caso deste estudo, as sensações vividas no corpo, na água do mar, na areia, na praia. Realizou-se um levantamento do estado da arte sobre a temática, realizado na disciplina de Epistemologia e quase nada se encontrou em diversos bancos de dados pesquisados. O fichamento baseou-se nas palavras-chave: Corpo, Deficiência e Deficiência física. Realizou-se um levantamento nos bancos de dados on-line: Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Scientific Electronic Library Online (Scielo), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), Google Acadêmico, Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme)  sigla da denominação original Biblioteca Regional de Medicina  e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs). Encontrou-se diversos artigos sobre corpo, corporeidade, deficiência, inclusão, trabalho e outros temas. Porém, relacionado com a temática deficiência física e fenomenologia, encontrou-se apenas dois artigos no banco de dados Scielo.1 Em relação ao estado da arte, o primeiro artigo na área da Psicologia trata da questão do corpo sob o olhar dos filósofos Sartre e Merleau-Ponty compreendendo a deficiência física. Já o segundo artigo, fruto da Fisioterapia, busca compreender as. 1. SILVEIRA, A. L et al. Corporeidade e existência: notas de uma perspectiva fenomenológica sobre a condição da pessoa com deficiência física. Revista da Abordagem Gestáltica, v. 18, n. 1, p. 30-36, jan./jun. 2012. OLIVA, D. R. S. D; PORTELLA, M. R. Percepções do ser adulto sobre o evento da deficiência física: um estudo fenomenológico. Fisi Senectus, Unochapecó, ano 1, n. 1, p. 35-42, jan./jan. 2013..

(22) 19. percepções dos indivíduos adultos com deficiência física adquirida sobre o ser deficiente e o processo de viver e envelhecer na cidade de Passo Fundo no Rio Grande do Sul. Outra questão justificando o estudo é a contribuição que a temática abordada trará à área da Educação Física, uma vez que ainda poucas são as pesquisas sobre o tema, e esta pesquisa deixará uma contribuição para a área após a investigação. Os poucos estudos sobre a temática Pessoa com Deficiência e Corpo apresentam fortemente uma abordagem médica, um modelo médico, e não um olhar e entendimento ao modelo social. Esse último é o adotado para leituras e estudo a fim de compreender a pessoa com deficiência. O estudo ainda se justifica por ser uma abordagem fenomenológica na questão da deficiência física e Educação Física, e não ter sido encontrada nenhuma pesquisa nos bancos de dados pesquisados sobre a temática. Nesse sentido, o trabalho se inicia com base na experiência e tenta-se, paralelamente, alcançar a essência do envolvimento e atendimento entre as pessoas com deficiência. Como aspecto metodológico, optou-se pela atitude fenomenológica que interpreta experiências no desvelar o fenômeno compreendendo seu sentido vivido e em movimento. A fenomenologia nesse sentido “busca as essências, sendo que essas não se encontram no mundo à parte [...] As essências encontram-se na existência” (NÓBREGA, 2009, p. 60). Não se trata de um entendimento de essência pela metafísica como algo formal, mas segundo Merleau-Ponty (1994, p. 1), a fenomenologia: “É a tentativa de uma descrição direta da nossa experiência.” Na fenomenologia, podem-se utilizar os temas: o mundo vivido, a intencionalidade, a descrição e a redução. De acordo com Mendes (2003, p.18):.

(23) 20. O mundo vivido é o mundo percebido, a intencionalidade refere-se às escolhas que são feitas diante de um acontecimento, no momento que é vivido, a descrição está relacionada aos relatos do espaço e do tempo vividos e a redução, suspendemos nossos pré-conceitos para olharmos o fenômeno por outros ângulos e percebermos outros sentidos.. A fenomenologia é um método que propõe descrever o fenômeno considerando os aspectos emocionais, culturais, sociais do sujeito que vivencia. Cada pessoa tem suas percepções distintas de acordo com as experiências, as vivências e as emoções. Percebida como um método mais adequado de estudo para investigar o mundo vivido, a fenomenologia mostra-se mais pertinente para uma pesquisa com questões humanas, não excluindo o valor das pesquisas estatísticas, mas somando novas perspectivas e ampliando as possibilidades do conhecimento. Portanto, Nóbrega (2010 p. 38), afirma: “O método fenomenológico é, antes de tudo, a atitude de envolvimento com o mundo da experiência vivida, com intuito de compreendê-la.” É importante ressaltar que, de acordo com a consideração do mundo vivido como construção do conhecimento, destaca-se a redução como uma atitude fenomenológica em busca de descrever novos significados que nortearão o estudo. De acordo com Merleau-Ponty (1994, p.10): “É preciso compreender a redução como admiração diante do mundo. [...] O maior ensinamento da redução é a impossibilidade de uma redução completa.” Ou seja, tentar compreender o fenômeno para além do olhar rotineiro, mas identificar outros sentidos. O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ANEXO A)..

(24) 21. Nesta pesquisa, busca-se na atitude fenomenológica descrever as falas das entrevistas com dez sujeitos com deficiência física, voluntários, conforme o ANEXO B, que serão apresentados no decorrer do texto com nome fictício por uma questão ética. Os sujeitos são os participantes do Projeto Praia Sem Barreiras na Boa Viagem em Recife-PE. As conversas realizaram-se em momentos descontraídos e informais, mesmo seguindo todas as exigências do Comitê de Ética em relação à documentação para autorização da gravação do áudio da conversa (ANEXO C). Obtiveram-se os dados  guardando-se sigilo conforme o Termo de Confidencialidade (ANEXO D)  no período de fevereiro a março, aos sábados e domingos. As conversas ocorreram seguindo algumas questões que deram sustentação à problemática e ao objetivo do estudo (APÊNDICE A). Para a exibição das imagens, obedeceu-se ao Termo de Autorização para Uso de Imagens (ANEXO E) O principal referencial teórico utilizado na pesquisa para a interlocução foi Merleau-Ponty (1994, 2004) por seus estudos na fenomenologia existencial com ênfase no estudo sobre o corpo. Também se utilizou para a construção teórica, a autora Nóbrega (2008, 2009), uma estudiosa da Educação Física que vem fazendo seus estudos e comentando a fenomenologia e o corpo baseado em Merleau-Ponty. Todavia, outros autores também contribuíram com a interpretação referencial, dentre os quais, destacam-se: Schilder (1980), Courtine (2008), e com o olhar na Educação Física e pessoas com deficiência, as autoras, Gaio (2006) e Porto (2005). A dissertação está organizada em dois capítulos: no primeiro capítulo, O Projeto Praia Sem Barreiras e seus participantes, discute-se a apresentação do local de realização da pesquisa, ou seja, o Projeto Praia Sem Barreiras em Recife- PE, desde seu planejamento até a execução, como é organizado, seus participantes e a.

(25) 22. identificação da pesquisadora com essas pessoas. Ainda neste capítulo, aprofundam-se as discussões teóricas sobre a percepção de corpo de cada participante do estudo. No segundo capítulo, aborda-se O corpo e suas (re)criações no Projeto Praia Sem Barreiras, descrevendo uma redefinição dessas características. Nesse capítulo, dá-se atenção à motricidade dando sentido à existência desses corpos frequentadores do Projeto Praia Sem Barreiras retratando a conversa com eles e as abordagens de percepção do que limita e possibilita sua vivência nas práticas corporais..

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(27) 23. CAPÍTULO 1 PROJETO PRAIA SEM BARREIRAS E SEUS PARTICIPANTES. Fotografia 1  Arena do Projeto Praia Sem Barreiras. Fotografia 2  Participante do Projeto e monitores. Fonte: Arquivo da autora, 2015.

(28) 24. CAPÍTULO 1 PROJETO PRAIA SEM BARREIRAS E SEUS PARTICIPANTES. 1.1 CONHECENDO O PROJETO PRAIA SEM BARREIRAS O Projeto Praia Sem Barreiras foi planejado em 2013 com o objetivo de promover um espaço de lazer e de inclusão social para as pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. A praia é um dos locais com muitas opções de lazer, mas com pouca acessibilidade para pessoas com deficiência física. Um passeio na praia para um banho de mar ou até mesmo uma descida até a areia é uma situação cotidiana para a maioria das pessoas na sociedade, mas para essa minoria da população não é fácil realizar sem acesso adequado ou material específico. Essa experiência que poderia ser fácil de vivenciar torna-se muitas vezes inviável pelas barreiras existentes nos diversos contextos sociais; no caso da praia, seriam as arquitetônicas que necessitam ser eliminadas para se tornar um espaço acessível. Sassaki (2011, p. 1) apresenta os diversos tipos de acessibilidades, apontando algumas delas: “sem barreiras ambientais físicas, nas residências, nos edifícios, nos espaços urbanos, nos equipamentos urbanos, nos meios de transporte individual ou coletivo.” A Unidade de Projetos Especiais da Empresa de Turismo de Pernambuco(Empetur) desenvolveu e estruturou um planejamento para a implantação do Projeto Praia Sem Barreiras, com intuito de assegurar o direito constitucional de ir e vir dos cidadãos, a fim de propiciar a autonomia e segurança aos meios públicos ..

(29) 25. Por meio dessa percepção, a Unidade de Projetos Especiais da Empetur promoveu um mapeamento acerca da acessibilidade turística na Praia de Boa Viagem. Para tanto, adotou-se a determinação do Decreto Federal n.º 5.296/2004, de 2 de dezembro de 2004, e da normatização estabelecida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas/Norma Brasileira – ABNT/NBR 9050:2004. A NBR 9050 estabelece “critérios e parâmetros técnicos a serem observados quando do projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos às condições de acessibilidade” (ABNT, 2004, p. 1). Essa arena da acessibilidade foi planejada para atender as pessoas com deficiência física e mobilidade reduzida com total autonomia, e para se efetivar, adotou um modelo que atende a uma rota acessível. Esse desenho foi planejado com vários contextos de adaptações, dentre eles: estacionamento reservado para pessoa com deficiência, rampas e corrimãos na descida para areia e na rota acessível. Ainda foram adaptados os seguintes aspectos: vias que dão o acesso à arena do projeto com rampas e rebaixamento nas calçadas, semáforos sonoros, piso tátil direcional e de alerta, faixa de pedestre, calçadas livres, vagas de estacionamento reservadas e sinalizadas para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida nas vias de acesso à praia, e ainda cardápio em sistema braile nos quiosques de coco próximos à arena (CAVALCANTI, 2011). Pela Imagem 1, pode-se ter uma noção do desenho do espaço de funcionamento do projeto, desde a entrada pelo calçadão até o acesso ao banho de mar..

(30) 26. Imagem 1  Mapa do Projeto Praia Sem Barreiras. Fonte: Folder Projeto Praia Sem Barreiras.. É uma área com cerca de 200 m², montada e desmontada de quinta-feira a domingo, no horário das 8h às 12h na Praia de Boa Viagem. No espaço, os visitantes podem desfrutar de uma esteira de acesso ao mar, com 50 m de comprimento, seis cadeiras anfíbias, uma quadra poliesportiva de vôlei sentado, tenda de fisioterapia, tenda de transferência, banho assistido e duas piscinas infantis de plástico (BARBOSA, 2014). Na Fotografia 3 vista por cima do Projeto, percebe-se a disposição da área com suas atividades em funcionamento citada anteriormente..

(31) 27. Fotografia 3  Arena do Projeto vista do alto. Fonte: Arquivo do Projeto Praia Sem Barreiras.. A esteira de acesso à arena promove um deslocamento com autonomia das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida até a faixa de areia. É implantada no final da rampa do calçadão, estendendo-se às tendas de transferência das cadeiras anfíbias. Pode-se conferir nas Fotografias 4 e 5 o acesso do calçadão pela rampa até a chegada à esteira de acesso para a transferência da cadeira e a tenda das atividades.. Fotografia 4  Rampa de acesso à esteira. Fonte: Arquivo da autora, 2014..

(32) 28. Fotografia 5  Esteira de acesso. Fonte: Arquivo da autora, 2014.. Antes do funcionamento do Projeto, não havia essas adaptações para o acesso à areia. A rampa e os corrimãos foram ajustes feitos para que promovessem a acessibilidade às pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida. Depois de descerem pela rampa, o acesso é feito pela esteira de deslocamento mostrada na Fotografia 4. Em relação às cadeiras anfíbias utilizadas para o banho assistido, são produzidas para atividades na água, fabricadas com material específico, resistente à oxidação, com rodas infláveis que flutuam quando postas em contato com o mar. Essa cadeira é disponibilizada para as pessoas com algum tipo de deficiência física, objetivando a circulação na faixa de areia até o mar para o banho assistido (Fotografias 6 e 7)..

(33) 29. Fotografia 6  Cadeira Anfíbia. Fotografia 7  Cadeira Anfíbia lateral. Fonte: Arquivo da autora, 2014.. Os usuários do Projeto chegam nas suas cadeiras convencionais, ou seja, de uso diário, e na tenda de transferência, passam para a cadeira anfíbia assistidos pelos monitores e recebem as orientações para o banho assistido. Todos os materiais utilizados no Projeto (cadeiras anfíbias, guarda-sol, esteira de deslocamento, cadeiras de plástico, mesas, bandeirolas) são transportados semanalmente pela Prefeitura da cidade do Recife, onde ficam armazenados em um contêiner no Parque Dona Lindu, que fica próximo à arena do Projeto em Boa Viagem e são levados nos dias de funcionamento. O Projeto é realizado pela Secretaria de Turismo de Pernambuco (Setur-PE), por meio da Empetur, em parceria com as prefeituras municipais. Em janeiro de 2013, foi implantado primeiramente no Distrito Estadual de Fernando de Noronha (Praia do Sueste), logo em seguida, em março, no município do Recife (Praia da Boa Viagem), no mês de maio em Ipojuca (Praia de Porto de Galinhas), por último, na Praia do Bairro Novo em Olinda..

(34) 30. Desse modo, em 2013, a Setur elaborou o projeto para sua implantação no Estado tendo como objetivo principal:. Disponibilizar, em algumas praias do Estado de Pernambuco, esteiras de acesso ao mar, cadeiras de rodas anfíbias e profissionais qualificados para o banho assistido, afim (sic!) de que pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida tenham acesso ao lazer nesses espaços públicos. (BARBOSA, 2014, p. 1).. Muitos foram os estudos até a implantação desse Projeto. Ao todo foram seis anos de pesquisa até a escolha do local, materiais e parcerias. Foram visitados lugares onde havia adaptação na praia como os estados do Rio de Janeiro e São Paulo e uma visita a Miami nos Estados Unidos para conhecer a esteira de acesso, os tipos de cadeira para o banho assistido, a equipe envolvida e os serviços oferecidos nesses espaços (CAVALCANTI, 2011). Dentre essa preparação para implantação, também foi utilizado um formulário de vistoria que pontuava as necessidades da acessibilidade do local adaptado para o funcionamento do projeto. Era preenchido pela idealizadora do projeto, Mosana Cavalcanti. A Praia de Boa Viagem foi avaliada em visitas técnicas por meio de um levantamento sobre as condições de acessibilidade, seguindo o modelo da ação de Blitz de Acessibilidade utilizada no Programa Turismo Acessível – Pernambuco Sem Barreiras. Foram feitas também pesquisas de identificação em praias acessíveis do país, detectando a situação de que existem apenas dois programas já implantados na região Sudeste (CAVALCANTI, 2011). Ainda para a escolha do local, fez-se uma parceria com o Instituto Oceanário de Pernambuco mapeando as áreas de segurança para o banho de mar. O Instituto de Pesquisas e Preservação Ambiental Oceanário de Pernambuco realizou um estudo em que informa os locais mais seguros para o banho de mar na Praia da Boa.

(35) 31. Viagem; analisa a topografia da praia submarina, as correntes da deriva e retorno, ações das ondas, marés, recifes e corais, arenitos e/ou artificiais; também os locais onde há risco de ataques de tubarão (TURISMO..., 2013). A praia de Boa Viagem é considerada um dos cartões-postais do estado de Pernambuco, um dos destinos preferidos pelos diferentes públicos que viajam o estado. A extensão da orla é de, aproximadamente, sete quilômetros, delimitando-se ao norte, com a praia do Pina e ao sul, com a praia de Piedade, essa situada no município de Jaboatão dos Guararapes. Caracterizada por ser uma praia totalmente urbana, onde há uma significativa concentração de hotéis, bares e restaurantes, estes frequentados regularmente pela população local e por visitantes e turistas de todas as partes do mundo. Ao longo do tempo, consolidou-se como importante atrativo turístico de Pernambuco. Após essa etapa do mapeamento da área, o Projeto foi consolidando-se na definição do local e materiais e hoje funciona na Área 6, mais precisamente, em frente ao Internacional Palace Hotel na orla da Praia de Boa Viagem.. O hotel. passou por adaptações adotando a ideia do turismo acessível. Hoje tem duas suítes adaptadas e a equipe de funcionários recebeu o treinamento de como abordar e atender as pessoas com deficiência. A escolha dessa área foi motivada por possuir arrecifes, que formam cordões paralelos à costa e funcionam como importantes elementos por absorverem o impacto das ondas e diminuírem o processo de erosão; dessa forma, contribui para a baixa profundidade e declividade. Além disso, nessa área, não há registro de ataques de tubarão (TURISMO..., 2013). Outra etapa foi formar convênio com uma Instituição de Ensino Superior privada para a capacitação dos profissionais envolvidos nas atividades oferecidas na.

(36) 32. arena. Porém como pontua Sassaki (2006, p.1): “[...] hoje a acessibilidade não mais se restringe ao espaço físico, à dimensão arquitetônica.” As atitudes também são maneiras de promover a acessibilidade. Assim sendo, foi necessário eliminar as barreiras atitudinais, que são aquelas que impedem, travam um atendimento solidário, humanizado. Segundo Sassaki, (2006, p.1) acessibilidade atitudinal, “refere-se à acessibilidade sem preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações, em relação às pessoas em geral”. Dentre as parcerias, cada Instituição envolvida tem suas atribuições específicas para assim proporcionar um funcionamento eficaz do projeto. Uma etapa da Empetur foi fazer a articulação com todos os parceiros necessários:. Realização de vistoria técnica e elaboração de relatório sugestivo para adequações de acessibilidade; Aquisição das esteiras de acesso e cadeiras de rodas anfíbias; Confecção de cardápios em Braille para os quiosques no entorno do projeto; Elaboração de Convênio de Cooperação Técnica a ser firmado entre os parceiros envolvidos; Realização de oficinas de qualificação dos profissionais que irão atuar no banho assistido; Confecção de material de divulgação do evento de lançamento; Realização do evento de lançamento do Projeto. (CAVALCANTI, 2011, p. 5).. Outra etapa para implantação do Projeto foi a parceria com a Instituição de Ensino Superior privada que tem como objetivos:. Disponibilização de profissionais qualificados para acompanhar o banho assistido; Disponibilização de guarda volumes para a proteção de todo material do projeto que deverá ser recolhido diariamente; Manutenção do material de uso do Projeto; Disponibilização de toldo, cadeiras de praia, mesas de apoio, guarda-sol. (CAVALCANTI, 2011, p. 5).. A última etapa para o funcionamento do projeto foi oferecer uma oficina para os estudantes da Instituição de ensino superior privada dos cursos envolvidos de Educação Física, Turismo, Fisioterapia e Enfermagem, em forma de treinamento.

(37) 33. teórico e prático, com várias atividades, dentre elas: transferência de cadeira de rodas, como abordar a pessoa com deficiência e seus acompanhantes e familiares, por último, a vivência do banho assistido. As atividades desenvolvidas pelos estudantes dos cursos de Educação Física, Fisioterapia, Turismo e Enfermagem na arena são: explicação sobre a importância dos exercícios físicos; explicação e demonstração das atividades esportivas (alongamento, voleibol sentado, e o banho assistido com a cadeira anfíbia e banho na piscina para crianças); aferição de pressão arterial. Ainda é oferecido nas datas comemorativas um evento na arena, como carnaval, São João, Semana da Pessoa com Deficiência. Pode participar das atividades propostas qualquer pessoa que queira e desperte a vontade e o interesse, de toda faixa etária. O acesso é para todas as pessoas, residentes, visitantes, turistas, especificamente para aqueles que apresentam alguma deficiência física ou mobilidade reduzida. O projeto terá uma duração inicial de dois anos, podendo tornar-se permanente, portanto, é um grande campo de estágio para os estudantes das diversas áreas e também um espaço para a pesquisa e produção acadêmica. No primeiro ano de funcionamento, o projeto atendeu os diversos usuários frequentadores, em percentual de faixa etária e quantitativo mensal, como poderá ser visualizado a seguir: perfil dos usuários frequentadores do ano de 2013 e 2014 em Recife (Gráficos 1 a 9)..

(38) 34. Gráfico 1  Percentual do público usuário na Praia de Boa Viagem em 2013. Fonte: Empetur (2014).. Gráfico 2  Percentual do público usuário na Praia de Boa Viagem em 2014. Fonte: Empetur, 2014.. Observa-se, no geral, que a participação das pessoas com deficiência, em torno de 63% no projeto nos dois primeiros anos, é bem mais efetiva do que crianças e idosos. Como pode ser visualizado a seguir:.

(39) 35. Gráfico 3  Fluxo quantitativo no Projeto Praia Sem Barreiras em 2013, Recife-PE. Fonte: Empetur, 2014. Gráfico 4  Quantitativo de público usuário em 2014 na Praia de Boa Viagem. Fonte: Empetur, 2014.. No enquadramento das faixas etárias, o quantitativo de maior participação de usuários foram as pessoas com deficiência, seguindo idosos e, por último, crianças. Os Gráficos 5 e 6 mostram os usuários distribuídos mês a mês desde a sua implantação de março de 2013 até dezembro de 2014. Percebe-se que na estação do verão o número de participantes é maior e nos meses da estação do inverno, demonstrando um menor número de frequentadores ao projeto e que apresentam deficiência física..

(40) 36. Gráfico 5  Fluxo quantitativo mensal em 2013 no Projeto Praia Sem Barreiras, Praia de Boa Viagem. Fonte: Empetur, 2014.. Gráfico 6  Fluxo quantitativo mensal em 2014 no Projeto Praia Sem Barreiras, Praia de Boa Viagem. Fonte: Empetur, 2014.. Diante da observação nos dados acima, justifica-se a escolha do Projeto Praia Sem Barreiras para realização da pesquisa, uma vez que é um dos locais onde se encontram as pessoas com deficiência física, para então se descreverem algumas questões sobre essa população. De acordo com o que dispõe o Decreto Federal n.º 5.296/2004, capítulo II, artigo 5.º, § 1.º, a deficiência física é:.

(41) 37. Alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções. (BRASIL, 2004).. Ainda como público específico no atendimento do Projeto, encontram-se as pessoas com mobilidade reduzida que se conceitua de acordo com o Decreto Federal n.º 5.296/2004 no capítulo II: Pessoa com mobilidade reduzida, aquela que, não se enquadrando no conceito de pessoa portadora de deficiência, tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentar-se, permanente ou temporariamente, gerando redução efetiva da mobilidade, flexibilidade, coordenação motora e percepção. (BRASIL, 2004).. As estatísticas da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010 indicam que 23,9% da população residente no país possuíam pelo menos uma das deficiências investigadas: visual, auditiva, motora e intelectual (IBGE, 2011). Gráfico 7  População com deficiência no Brasil em 2010. Fonte: IBGE (2011)..

(42) 38. A deficiência visual apresentou a maior ocorrência, afetando 18,8% da população brasileira. Em segundo lugar, está a deficiência motora, ocorrendo em 7% da população, seguida da deficiência auditiva em 5,1% e da deficiência mental ou intelectual em 1,40%. Nesse quantitativo distribuído no país, a região Nordeste apresentou a maior taxa de prevalência de pessoas com pelo menos uma das deficiências que foi de 26,3% e as menores incidências ocorreram nas regiões Sul e Centro-Oeste, 22,5% e 22, 51%.. Gráfico 8  População com pelo menos uma deficiência por região do Brasil em 2010. Fonte: IBGE (2011).. Em relação à região Nordeste, os estados com maior incidência foram o Rio Grande do Norte e a Paraíba, seguindo-se o estado de Pernambuco em população residente, que apresentou um total de porcentagem com relação à população residente de 27,58%..

(43) 39. Gráfico 9  Porcentagem da população com deficiência no Brasil. Fonte: IBGE (2011).. De acordo com o Censo IBGE de 2010, a porcentagem de pessoas com deficiência na cidade do Recife deixa o estado de Pernambuco como terceiro colocado (IBGE, 2011).. 1.2. PARTICIPANTES. DO. PROJETO. PRAIA. SEM. BARREIRAS. E. SUA. PERCEPÇÃO DE CORPO Conviver com pessoas com deficiência me fez reviver um quadro bastante familiar durante a realização deste estudo; ao mesmo tempo, de estranheza ao ouvir as falas e agora em descrever algumas questões sobre essas pessoas, começando pelo seu entendimento sobre o que era corpo para cada um desses sujeitos participantes da pesquisa. Estar em contato com essas pessoas na vivência das práticas corporais levava a ter um olhar com naturalidade sobre suas diferenças. Procurava deixar todos felizes e atendidos durante as atividades. Era grande a satisfação em vê-los participando, falando e se expressando durante as vivências. Assim foram todos os.

(44) 40. contatos com essas pessoas até ir estudar e escutá-las no Projeto Praia Sem Barreiras. Ouviu-se dez pessoas com deficiência física na faixa etária de 20 a 71 anos, seis do sexo feminino e quatro do sexo masculino. Os participantes deste projeto falaram sobre o que era corpo e como se percebiam como uma das questões abordadas sobre elas. Todas as conversas foram realizadas no Projeto Praia Sem Barreiras de Boa Viagem em Recife, na tenda de acolhimento e de transferência da cadeira de rodas. A primeira pessoa entrevistada, aqui cognominada de Camila, é do sexo feminino, tem 65 anos, profissão costureira. Tem como escolaridade o ensino fundamental completo. Não nasceu com a deficiência, adquiriu há aproximadamente dois anos e meio, sequela de um acidente vascular cerebral, apresentando uma hemiplegia esquerda (paralisia do lado esquerdo). Atualmente não atua na profissão em razão da deficiência, mas consegue consertar, costurar pequenas peças. Logo no início da conversa, foi tocante ouvi-la dizer: “Não posso andar, falo muito pouco, não posso mais fazer trabalho nenhum.” (Camila  APÊNDICE B). Essa fala chamou a atenção pela maneira como Camila via seu corpo atual, porque ao ouvi-la sentia-se nas suas palavras um sentimento de tristeza, uma recordação do que um dia fez diferente. Escutar essas histórias é trazer à tona as experiências de vida da pessoa, é reabrir o passado de um episódio, é torná-lo presente retomando a realidade que se encontra. Buscando a compreensão dessa fala, pensa-se em tantas situações que Camila poderia ter de ressignificar um novo mundo, uma nova vida após a deficiência. Ao ouvi-la, percebia-se que o olhar já não estava voltado para o que limita as pessoas, não no sentido de negar a deficiência, mas visualizando novos.

(45) 41. sentidos, novos olhares, novas possibilidades. Visualizava-se que Camila poderia ter outras maneiras de conhecer esse corpo, de modo que a deficiência não a deixasse de construir sua história de vida, sua afetividade e seus desejos. Nas palavras de Sant’Anna (2001, p. 3), encontra-se que:. [...] o corpo talvez seja Verdadeiro arquivo vivo, prazeres, o corpo de um sua subjetividade e de escondê-los.. o mais belo traço da memória da vida. inesgotável fonte de desassossego e de indivíduo pode revelar diversos traços de sua fisiologia, mas, ao mesmo tempo,. À pergunta sobre o que era corpo, qual sua percepção de corpo, respondeu: “Corpo é sentimento, é sentimental”. (Camila  APÊNDICE B). Ao mesmo tempo em que a resposta é curta, também se torna ampla. Um sentimento ou vários sentimentos? Seria esse arquivo vivo, o qual ora aparece, ora é escondido, que Sant’Anna (2001) aponta nos seus estudos e podemos relacionar a história de vida de Camila. Pode-se esconder conscientemente ou inconscientemente os traços desse corpo. De acordo com Merleau-Ponty (1994, p. 278): “Nós reaprendemos a sentir nosso corpo, reencontramos, sob o saber objetivo e distante do corpo, este outro saber que temos dele porque ele está sempre conosco e porque nós somos corpo.” A oportunidade de conviver com pessoas com deficiência no Projeto Praia Sem Barreiras possibilitou testemunhar o envolvimento delas em uma prática corporal, reaprendendo a se reencontrar com o mundo e com as pessoas em um processo em constante evolução. Também possibilitou uma escuta constante quando se referia ao corpo, de utilizarem “meu corpo” quando queriam falar deles próprios; era como eles estivessem separados do corpo, terem um corpo e não serem um corpo..

(46) 42. Os estudos sobre o corpo foram marcantes a partir do século XX. Segundo Courtine (2008, p. 7), essa preocupação em estudar inicialmente, nasceu da psicanálise quando Freud, ao observar a exibição dos corpos que Charcot fazia na Salpêtrière, desvendou a histeria de conversão, compreendendo, então, o que ia constituir o enunciado de muitos questionamentos “que viriam depois: ‘o inconsciente fala através do corpo’.” No segundo lugar, a reinvenção pela filosofia, em que Courtine (2008, p. 8) relata que a influência sentida na França “conduziu, da fenomenologia ao existencialismo, à concepção elaborada por Maurice Merleau-Ponty do corpo como ‘encarnação da consciência’, seu desdobramento no tempo e no espaço como ‘pivô do mundo’.” As considerações feitas por Merleau-Ponty levam a se pensar e refletir sobre uma concepção de corpo opondo-se a uma visão linear, tecendo críticas de um corpo máquina. No que diz respeito a corpo próprio, o autor afirma: “Quer se trate do corpo do outro ou de meu próprio corpo, não tenho outro meio de conhecer o corpo humano senão vivê-lo [...].” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 269). Nesse sentido, um corpo que está ligado ao mundo pela sua intencionalidade, e não um entendimento de corpo das ciências positivas, ou da dicotomia corpoalma, é o que o filósofo apresenta como um novo modo de conceber o corpo, o corpo vivido ou corpo próprio. Na Fenomenologia da percepção, o corpo ocupa um papel central, descrevendo-o como nosso modo próprio de ser no mundo. “O corpo é nosso meio geral de ter um mundo.” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 203)..

(47) 43. O corpo, assim como o mundo, dispõe de inúmeras possibilidades. Acompanha o ser humano do nascimento à sua morte; o corpo está sujeito a transformações nem sempre planejadas, desejadas ou pensadas. Retomando a fala das pessoas do projeto ainda sobre a percepção do corpo, interpreta-se e compreende-se o que João descreveu. João, sexo masculino, tem 30 anos, é tecnólogo em Turismo e exerce a função de chefe de núcleo de uma prefeitura. Tem como escolaridade o ensino médio completo e um curso técnico. Já nasceu com a deficiência que se caracteriza em uma lesão cerebral. Ele descreve sua percepção de corpo:. [...] nada comparado igual ao corpo, pelo andar, o falar, olhar, escutar, sentir, perceber o mundo, para mim isso é o corpo. Se ele tem uma deficiência, não quer dizer que ele está totalmente paralisado. Você consegue estimular de outras formas e ele continuar ativo de alguma forma. (João  APÊNDICE B).. Sobre a fala acima, com muitos elementos, há o reconhecimento de corpo apontado por Nóbrega (2010, p. 47): “O corpo não é objeto, nem ideia, o corpo é movimento, gesto, linguagem, sensibilidade, desejo, historicidade e expressão criadora.” É preciso oferecer ao deficiente físico oportunidades para que possa vivenciar, conhecer e explorar diversas possibilidades no corpo, uma forma mais ampla desse conhecimento, não se limitando à falta do membro, à impossibilidade de andar com as pernas ou mesmo a uma paralisia. Ana, sexo feminino, 52 anos de idade, tem curso superior completo. Sua profissão é dentista. Ela não nasceu com a deficiência, adquiriu há quatro anos, uma distrofia muscular. Já não consegue exercer a profissão em razão da deficiência..

(48) 44. À pergunta sobre sua percepção de corpo, ela descreve: “Corpo é tudo. Corpo é a parte que a gente também se movimenta, com que a gente realiza tudo também. Para mim, corpo é isso.” (Ana  APÊNDICE B). Durante nossa conversa, ela se referia a ser um corpo alegre, que gosta de participar de tudo, percebe-se com algumas diferenças por causa da deficiência, mas se redescobriu com novos olhares a esse corpo. Atualmente pinta e consegue expressar-se nas pinturas. É nesse sentido que se recorre a Merleau-Ponty (1994, p. 207) com mais uma definição de corpo: “Mas eu não estou diante de meu corpo, estou em meu corpo, ou antes, sou meu corpo.” Nesse contexto, Ana visualiza novas possibilidades de se reconhecer como corpo, um olhar no que eu posso, no que eu consigo, o que eu faço na condição da deficiência. A cada conversa com as pessoas frequentadoras do projeto que apresentam uma deficiência física, pode-se refletir sobre os mais diversos entendimentos do corpo. Lúcia, sexo feminino, tem 49 anos e como profissão é turismóloga. Cursou a pós-graduação. A entrevistada não nasceu com a deficiência, adquiriu há onze anos, apresentando uma lesão medular na altura das vértebras T2, T3, uma paraplegia. Quando questionada sobre corpo ela diz: “Antes do acidente, era o corpo que as pessoas têm na sociedade como padrão, depois passou a ser o corpo que usa fralda, o corpo que a perna ficou fina, então é viver com o corpo diferente mesmo de uma pessoa que ficou paraplégica.” (Lúcia  APÊNDICE B)..

(49) 45. Esse entendimento comparativo sobre corpo de antes da deficiência e depois da deficiência nos reporta a essa fala ter um corpo ou sermos um corpo, quando relaciona com ter um corpo padrão da sociedade. Citando Merleau-Ponty (1994, p. 208), Nóbrega (2010, p. 54) diz: “A expressão ‘sou meu corpo’ sintetiza o encontro entre o sujeito e o corpo.” Contudo, para Lúcia, esse novo encontro com o corpo que mudou, que hoje apresenta diferenças, ainda não permite uma compreensão do encontro entre ela e o corpo antes e depois da deficiência. A fala de Lúcia sobre sua percepção de corpo nos leva ainda a olhar essa comparação do antes e depois como um estranhamento do que estava habitualmente acostumada e virou desconhecido. Nas palavras de Sant’Anna (2001, p. 4), encontramos: “O corpo de cada um pode parecer extremamente familiar e concreto em certos momentos, mas, em outros, bastante desconhecido e abstrato.” Talvez o que deixou de ser familiar em certos momentos para Lúcia seja a maneira de esvaziar a bexiga, fazer uso da fralda, sua perna mais fina, enfim as mudanças no corpo após se tornar uma pessoa com a deficiência. Escutar, conviver e vivenciar momentos entre pessoas com deficiência física leva-nos a ampliar a compreensão de corpo. Ora apresentam um entendimento mais restrito, ou de limitações, ora nos falam sobre perceber e aceitar um corpo com a limitação imposta pela deficiência. Outra entrevistada, Maria, sexo feminino, com 53 anos, é funcionária pública. Atualmente é chefe de divisão das pessoas com deficiência em uma secretaria de esportes. É universitária, cursa Educação Física. Não nasceu com a deficiência,.

(50) 46. adquiriu com 7 anos de idade, ou seja, há quarenta e seis anos. A deficiência é amputação total das pernas. Maria apresenta um conceito de corpo dizendo:. A percepção de você ver o seu corpo é você mesma ver o seu interior, é saber se aceitar da forma como você é, como você se sente. A percepção do meu corpo é aquilo que eu me aceito, é aquilo que eu gosto de ver, o meu interior. (Maria  APÊNDICE B).. Nas palavras de Mendes (2003, p. 36): “O corpo é nossa possibilidade de existência. Imperfeito, maravilhoso, ao mesmo tempo em que se mostra, esconde muito do que é registrado durante suas vivências.” Para Maria, sua compreensão de corpo demonstra uma aceitação à condição da deficiência e se percebe para além da falta dos membros, mas como se vê enquanto essência do seu interior. Essa visão que Maria tem do seu corpo seria a imagem corporal que Schilder (1980, p. 11) apresenta ao dizer: “Entende-se por imagem do corpo humano a figuração de nosso corpo formada em mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós.” Interpretando a fala de Maria, compreende-se sua visão e aceitação de corpo, entendendo-se que essa imagem foi construída nas suas experiências vividas, em que construiu uma definição de si mesma. José, sexo masculino, tem 20 anos e é estudante. Sua escolaridade é o ensino médio completo. Ele não nasceu com a deficiência, adquiriu por meio de um tratamento quimioterápico de um câncer. Descreve sua compreensão de corpo dizendo que é: “Uma forma de vida.” (José  APÊNDICE B). Merleau-Ponty (1994, p.122) diz: “O corpo é o veículo do ser no mundo [...].” A fala de José remete a uma compreensão de que sua relação no mundo se dá pelo corpo, sua comunicação, sua percepção, sua experiência..

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