• Nenhum resultado encontrado

Breve estudo sobre as manifestações oculares da syphilis

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Breve estudo sobre as manifestações oculares da syphilis"

Copied!
71
0
0

Texto

(1)

SCIPIÃO JOSÉ DE CARVALHO *

fc^ ^

BEEVE ESTUDO

<•

AS MANIFESTAÇÕES

|

OCULARES DA SYPHILIS

* #

DISSERTARÃO INAUGURAL

APRESENTADA 1

Á ESCOLA MED1C0-CIRURG1CÁ DO PORTO

EM JULHO DE 1891 — - « * ^ | 3 ® ~ t

4

I

-POETO

Papelaria e Typographia

Azevedo-38 — Largo dos Loyos — 40

1891

(2)

^u / / / /

(3)

ESCOLA MEDICO-CIRUR&ICA DO PORTO

D I R E C T O R .

C O N S E L H E I R O MANOEL MARIA DA C O S T A LEITE

(VISCONDE DE OLIVEIRA)'

S E C R E T A R I O

RICARDO D'ALMEIM JORGE

C O R P O C A T H E D R A T I C O

L E N T E S C A T H E D R A T I C O S

1," Cadeira —Anatomia descri

-ptiva e geral j0ã o Pereira Dias Lebre.

2." Cadeira — Physiologia. . . . Vicente Urbino de Freitas. 3." Cadeira — Historia natural

dos medicamentos. Materia

medica Dr. José Carlos Lopes. J.a Cadeira — Pathologia e x t a r

-na e therapeutica exter-na. Antonio Joaquim de Moraes Caldas. 3." Cadeira — Medicina

operato-n a* : Pedro Augusto Dias.

6." Cadeira — Partos, doenças das mulheres de parto c dos

recem-nascidos Dr. Augusto Antonio do Souto. I." Cadeira— Pathologia interna

e therapeutica interna. . . Antonio d'Oliveira Monteiro. 8." Cadeira— Clinica medica. . Antonio d'Azevedo Maia. 9-a Cadeira —Clinica cirúrgica . Eduardo Pereira Pimenta.

10.il Cadeira —Anatomia p a t h o

-io8I'-'a Augusto Henrique d'A. Brandão.

11.» Cadeira — Medicina legal, hygiene privada e publica e

toxicologia Manoel Rodrigues .la Silva Pinto. 12.a Cadeira — Pathologia geral,

semeiologia e historia me—

< , I e a Illidio Ayres Pereira do Valle,

Pharmacia Lsidoro da Fouseca Moura.

L E N T E S JUBILADOS

Secção medica Jo sé dAndrade Gramacho.

Secção cirúrgica Visconde d'Oliveira.

L E N T E S SUBSTITUTOS

Secção medica- i A n t o n i° Placido da Costa.

/ Maximiano A. O. Lemos Junior. Secção cirúrgica I c , , n d i c |o A n g u s t o Correia de Pinho.

( Rirardo d'Almeida Jorge.

L E N T E DEMONSTRADOR

Secção cirúrgica Roberto Belarmino do K. Frias.

(4)

A Kscoln não responde pelas doutrinas expendidas nas disserta ções e enunciadas nas proposições.

(5)
(6)

A

(7)

4

Jjïatrà ^tiwlij $mtt 3$wW»

Estimo-te tanto, que me custa oflerecer-te tão pouco.

(8)

MINHAS IRMÃS E Â MEU IRMÃO

(9)

-4

A M I N H A S TIAS B TIOí

e em especial a

JEREMIAS AUGUSTO PINTO DA SILVA

(10)

A

MINHAS PRIMAS E PRIMOS

especialmente

A

D. Maria José Teixeira D. Victoria Carolina Machado D. Amália Carolina Gomes Machado D. Maria Izabel de Paiva Gomes D. Ignez Ribeiro Gomes

D. Victoria Carolina Gomes Teixeira Balsemão e

Dr. Antonio Teixeira Pinto Gomes Dr. Francisco Gomes Teixeira Pedro Gomes Teixeira

Dr. Miguel Maria de Mendonça Balsemão Dr. Evaristo Gomes Saraiva

José Gomes de Carvalho

Antonio da Fonseca Pinto Gomes Firmino Ribeiro Gomes

Jayme da Fonseca Gaspar

(11)

Aos Ex.

mos

Sr."

Dr. Philipe do Quental

Conselheiro João Ribeiro dos Santos

Jacintho Pereira Valverde Miranda Vasconcellos José Joaquim Ribeiro Telles

Joaquim de Castro Silva Alberto José da Costa

Antonio Joaquim de Sá Peixoto José Joaquim Vieira

Francisco Antonio de Vasconcellos Corte Real Francisco de Vasconcellos Corte Real

Victorino Alves da Costa Saavedra José Julio de Aguiar Cardoso Bisarro Antonio Pereira Soares Costa

Jeronymo Jacintho d'Almeida

e a suas excellentissimas famílias

A M I N H A G R A T I D Ã O .

(12)

' ■'

AOS MEUS CONTEMPORÂNEOS

~h*fcs—

§§ «111 OtniMIPVLtl

.•10 meu companheiro rle casa

FRANCISCO DE VASCOKCELLOS CARVALHO BEIMO

AO

DR. ARTHUR CARDOSO PEREIRA

(13)

AOS MEUS PRESADISSIMOS AMIGOS

Dr. Paulo Marcellino Dias de Freitas Dr. Luiz Antonio de Vasconcellos Corte Real

(14)

AO M E U P R E S I D E N T E

O ILL."10 E EX.m o SXR.

Dr. Illidio Ayres Pereira do Yalle

AO ILLUSTRE CORPO DOCENTE

D A

E S C O L A M E D I C O ­ C I R U R G I C A DO P O R T O

e cm especial aos Ex.m•■ Snr.s

Dr. Eduardo Pereira Pimenta Dr. Antonio d'Azevedo Maia Dr. José Carlos Lopes

Dr. Antonio Joaquim de Moraes Caldas Dr. Augusto Henrique d'Almeida Brandão Dr. Maximiano Augusto d'Oliveira Lemos Junior

(15)

■gg.tfe. ^ - A — ^ — ^ — i t e _ ! ^ _ ^ _ ^ _ i f e _ . . ^ _ ^ _ ^ _ ^ _ g ^ _ j f e _ ^ j ^

c^C

-W*~£/-£?.

^ <g2«>t

(16)

Nao é propósito meu apresentar um trabalho de valor, porque para isso me faltam todos os dotes, mas sim satisfazer a uma violenta coacção da lei. Nada mais forte que o obrigar-nos, ao deixar os bancos da escola, a dar uma prova por escripto da nossa insuficiência e pouca habili-dade litteraria, sem consideração alguma pela nossa inexperiência e falta de tempo. Mas como

— dura lex sed lex, é forçoso cumprir-sc para

poder obter um diploma que me garanta usufruir o resultado do meu trabalho. Era já tempo de acabar com esta medida, igualando assim os es-tabelecimentos medicos do paiz. Nâo nos falta a vontade, mas, é forçoso confessal-o, faltam-nos os recursos; e em face d'esta franca confissão julgamo-nos auctorisados a pedir aos que nos le-rem, toda a condescendência, e ao illustrado jury que nos ha de julgar, a maxima benevolência de que tanto necessitamos.

(17)

« Estudar a syphilis, diz o illustre professor da escola medico-cirurgica de Lisboa, o ex.mo s r, dr<

Manoel Bento de Sousa, no seu livro intitulado — -A-syphilis—,é entrar n'um campo immenso, aonde se levantam questões de toda a ordem ; questões de philosophia, de historia, de hygiene, de clinica, de medicina legal e, direi até, de po-litica. O homem, por mais vigoroso que fosse o seu talento, por mais forte que fosse a sua von-tade, que quizesse abraçar a questão no seu con-juncto, e dedicar-se a estudal-a, fazendo a critica de tudo como deve ser feita, isto é, com profundo conhecimento dos textos, gastaria a vida inteira — para 1er o que ha escripto sobre este assumpto ; e para achar-lhe o valor, commentando, anno-tando e deduzindo, era preciso um numero tal

(18)

30

de annos, e uma tensão de espirito sempre tão bem conservada, tão bem tonificada, que, ainda assim, creio se perderia n'este trabalho. »

Sendo muito variadas e complexas as suas ma-nifestações e processo de evolução, a syphilis ataca sem excepção alguma todos os órgãos e apparelhos da economia.

Em todas as epochas da vida, durante mesmo a vida intra-uterina, o olho pôde ser a sede de determinações syphiliticas. Nenhum órgão, salvo os da geração, é mais frequentemente atacado e nenhum com mais gravidade. E isto não é por-que as lesões syphiliticas oculares apresentem por si mesmo uma malignidade particular; não, pelo contrario, são benignas e pouco

syphilorna-tosas; mas os tecidos que atacam são dotados de

uma tal delicadeza, que basta uma pequena lesão para os désorganisai", para lhe perturbar e mes-mo anullar as funcções. A syphilis ocupa um lo-gar importante entre as causas de cegueira, pois que invade o olho por formas muito variadas e por diversas vezes no seu processo insidioso, chronico e extensivo chega a comprometter todas as suas partes constituintes. As affecções ocula-res occupam o primeiro logar como numero en-tre as manifestações da syphilis hereditaria. For-necem um dos signaes mais preciosos da—Triade de Hutchinson (inflamações oculares, perturba-ções do ouvido e deformaperturba-ções dentarias).

É tal a sua frequência, que n'uma estatística apresentada por Fournier, em 212 casos por elle observados, 101 eram manifestações oculares ! !

(19)

31

Escolhi, pois, este assumpto para prova final dos meus trabalhos escolares, por tratar de uma ordem de lesões, que por vezes nos rouba o que temos de mais caro nas funcções orgânicas da vida de relação — o phenomeno da visão. Muito satisfeito ficarei se o meu trabalho, apesar do seu limitado valor, chamar a attençao, sobre este ponto de pathologia, de cérebros mais illustres e competentes.

(20)

BREVE ESTUDO

AS MANIFESTACÛES-OCULARES DA SYPHILIS

A syphilis é uma doença especifica e consti-tucional que se transmitte, quer pela herança, quer pelo contagio, e que é constituída por le-sões múltiplas, evolucionando por períodos cuja marcha é de ordinário determinada. As lesões venéreas propriamente ditas, affecções comple-tamente locaes, cuja acção se exerce no próprio logar da contaminação primitiva ou secundaria, são, d'uma parte, a Menorrhagia, da outra, as dermatites; erythemas, vesico-pustulas, ulceras mais ou menos extensas e sobrevindo em seguida a uma cohabitação impura, e entre as quaes se pôde collocar o cancro molle não infectante que, como a blenorrhagia, a balanite ou o herpes prœpucialis, não dá logar a uma viciação geral

(21)

34

do organismo e a manifestações de accidentes se-cundários e terciários.

A syphilis é uma doença constitucional. O can-cro molle, quer elle tome a forma benigna ou phagedenica, é uma affecçao local que percorre toda a sua evolução na parte contaminada.

Alguns auctores admittem que o cancro não infectante está para o cancro duro, (cancro hun-teriano), como a varioloide está para a variola ; isto é, que são variedades um do outro, podendo transmittir-se como contagio local, ou produzir uma successâo de phenomenos constitucionaes segundo as circumstancias e idiosyncrasias dos indivíduos. Pensam assim os syphilographos uni-cistas, mas todos reconhecem que o cancro duro é o único seguido de syphilis constitucional. As lesões venéreas podem reproduzir-se no mesmo individuo d'uma forma illimitada, ao passo que as lesões syphiliticas não se reproduzem. A sy-philis tem-se só uma vez : — la sysy-philis ne peut pas se doubler, segundo a expressão de Ricord.

Feitas estas considerações, entremos no assum-pto do nosso trabalho.

As manifestações oculares da syphilis são muito frequentes. Ora, como ellas offerecem uma variedade considerável de lesões e symptomas, agrupal-as-hei, para facilidade de exposição, se-gundo os différentes períodos da doença. Assim, estudarei :

1." as lesões oculares provenientes de syphilis hereditaria.

(22)

35

2.o as lesões que se manifestam no curso da syphilis adquirida e que se subdividem em :

I.» accidentes primários •— cancro duro ocu-lar.

2.° accidentes secundários — irite simples ou precoce, irido—choroidite, choroidite areolar, retinite e nevro-retinite. 3.o accidentes terciarios-irite tardia ou

gom-mosa, névrite, nevro—retinite e atrophia consecutiva a gommas cerebraes, paraly-sias musculares provenientes da mesma causa, reservando para um capitulo fi-nal o tratamento.

Syphilis hereditaria

Idêntica á syphilis adquirida, debaixo do ponto de vista da infecção constitucional, apenas diffère d'ella quanto á origem. Existindo, com ef-feito, na época do nascimento, nâo apresenta manifestações primarias. Os accidentes secundá-rios e terciásecundá-rios são os únicos possíveis, e é de-baixo d'esta dupla forma que apparece, quer pouco tempo depois do nascimento, e n'este caso temos a syphilis hereditaria ou congenital, quer n'uma epoca mais adeantada, que corresponde d'uma maneira geral á segunda infecção (seis para sete annos), e mesmo á puberdade: e temos então a syphilis hereditaria propriamente dita.

Na forma congenital, em que a infecção here-ditaria se exerceu d'uma maneira grave, e em

(23)

36

que a malignidade do virus se manifesta pelo ap-parecimento de symptomas precoces de marcha geralmente aguda e de um caracter essencial-mente contagioso, as manifestações oculares são raras e a irite que se produz não diffère essen-cialmente da que se observa na forma adquirida. Esta manifestação syphilitica algumas vezes ap-parece ao mesmo tempo que outras manifesta-ções cutâneas como pústulas e placas mucosas. É pouco dolorosa, apresenta uma leve injecção perikeratica e ataca em geral apenas um só olho; por vezes passa desapercebida, e só é diagnosti-cada quando passado algum tempo o olho se torna absoluta e definitivamente impróprio para a visão, pela formação de synechias posteriores totaes ou parciaes produzidas pela exsudaçâo plástica inflammatoria. Estas synechias, quando totaes, são muito perigosas nos adultos, mas nas creanças sao quasi inoffensivas.

A explicação d'esté facto está em que, na creança, as membranas que constituem o globo ocular tem uma resistência relativamente fraca. No momento em que se formam as synechias to-taes, dá-se uma perturbação nas trocasendosmo-exosmoticas do humor aquoso e corpo vitreo, e produz-se immediatamente uma irritação da região ciliar com hypersecreção consecutiva dos liquidos intra oculares. D'aqui um augmente de tensão, mas a sua acção compressiva, em lo-gar de se exercer, como no adulto, sobre invó-lucros duros, fibrosos inextensiveis, e de se dar unicamente sobre a zona ciliar e o nervo óptico,

(24)

37

pontos essencialmente sensiveis e delicados, es-palha-se por todo o globo ocular, cujos envolu-cros cedem d'uraa maneira uniforme, produzindo uma ectasia geral, que, embora insensível, não basta para o amortecimento do período agudo, o único que é na realidade perigoso debaixo do ponto de vista da determinação de accidentes sympathicos.

O prognostico, relativamente benigno, estabe-lecendo a comparação com o que se passa nos adultos, apresenta ainda assim uma tal ou qual gravidade.

Quando a irite é desconhecida, o que em geral é regra, é raro que o olho atacado não experi-mente alterações histológicas consideráveis, a • ponto de na maior parte dos casos se tornar

im-próprio para a visão. Sendo, porém, surprehen-dida a tempo, e tratada d'uma maneira racional, vê-se em poucos dias sobrevir uma diminuição geral de todo o cortejo symptomatico. Assim, a injecção perikeratica diminue, a iris readquire a sua côr normal, e o olho em breve retoma o seu aspecto e funccionalismo pbysiologicos. A irite pôde considerar-se como a mais precoce das ma-festaçoes oculares da syphilis hereditaria. É até certo ponto um accidente agudo resultante de um contagio excepcionalmente virulento e activo. A irido-choroidite e os phenomenos glaucomato-sos que sobrevêm quando despresada ou indevi-damente tratada, são de alguma forma uma con-sequência mechanica da inflammação primaria, e não constituem doenças distinctas. Ora, outro

(25)

38

tanto não acontece com a névrite optica e a ne-vro-retinité, que de ordinário se manifestam em períodos mais avançados, sendo devidas a lesões profundas, provenientes geralmente de gommas cerebraes ou de alterações meningeas que tem quasi sempre por limite a morte ; quando assim não seja, como succède por vezes nos individues novos, é raríssimo que a medicação possa suster o processo atrophico, sendo a cegueira completa e irremediável. Quando a syphilis hereditaria congenital é por assim dizer latente, ou não se manifesta senão depois da primeira infância e debaixo da forma de syphilis hereditaria propria-mente dita, é muito raro o apparecimento da iri-te, que é um accidente essencial muito agudo de um contagio recente. A doença geral, não sobre-vindo outra inter-corrente, é d'alguma maneira transformada.

A principio aguda, torna-se chronica, e a sua generalisação, atenuada pelo tempo ou pela me-dicação, é por assim dizer fundida n'uma vicia-ção mixta que se apresenta com caracteres que pertencem tanto á syphilis como á escrófula.

Com effeito, a distincçâo dos symptomas par-ticulares a cada uma d'estas doenças, não está ainda tão bem feita, que se possa â primeira vista e de repente reparar nas que são peculiares a cada uma d'estas doenças. Assim, Eicord provou que se o cancro do pae, ou os accidentes primi-tivos e secundários da mãe, são inoculáveis ao feto, por outro lado, as creanças filhas de pães atacados por manifestações terciárias, não

(26)

her-89

dam a viciação syphilitica, mas torliam-se geral-mente escrofulosos. Ainda assim, fácil é o acre-ditar que esta transformação nâo seja fatalmente ligada aos períodos da geração, e nâo ha prova alguma que justifique que não possa dar-se n'ou-tros momentos, ou mesmo pelo facto das condi-ções de vida e de hygiene em que a creança se acha collocada a partir do seu nascimento. Seja assim muito embora, o que é um facto, é que um dos accidentes terciários, dos mais communs da syphilis hereditaria é a kératite intersticial por alguns chamada também parenchymatosa.

Sobrevindo ordinariamente depois de um longo periodo de tranquillidade, algumas vezes mesmo como manifestação inicial da syphilis, esta affec-ção foi durante muito tempo um verdadeiro eni-gma para os ophtalmologistas. Foi Hutchinson o primeiro que, appoiando-se sobre a existência de erupções cutâneas, de irites, ou outros acciden-tes específicos anteriores, considerou esta doença como consequência da syphilis hereditaria. Tem algum fundo de verdade, mas é um pouco exa-gerada esta asserção. A debilidade constitucio-nal do doente, e o recorte margiconstitucio-nal dos dentes incisivos, signaes tão pathognomonicos no dizer d'esté auctor, não provam d'uma maneira abso-luta que a syphilis seja a sua única causa. Os escrofulosos não gosam geralmente de uma boa saúde, e observam-se creanças apresentando as característica dentaria de Hutchinson, e nos quaes, por mais longe que se levem as investi-gações na escala ascendente dos seus

(27)

antepas-40

sados, não se chega a descobrir o mais leve traço de syphilis. Na alternativa, não é raro encon-trar também keratites intersticiaes typicas em indivíduos cuja dentição é absolutamente nor-mal. Esta infecção da cornea, assim como outras alterações profundas, a osteite e a carie, por exemplo, é um accidente mixto, e não se irá talvez muito longe da verdade, dizendo que é sempre o indicio de uma constituição corrompida, e que se algumas vezes depende directamente de uma syphilis latente ou que passou a chronica, é tam-bém por outras um accidente escrofuloso. A ké-ratite intersticial é rara nas creanças; não ap-parece em geral (segundo Abadie) senão aos doze annos, attingindo o máximo de frequência, dos dezoito aos vinte. Quando proveniente de uma diathese syphilitica hereditaria, os signaes obje-'ctivos e funccionaes, que geralmente caracteri-sam a evolução da kératite intersticial, são os seguintes :

A maior parte das vezes não se observa a prin-cipio mais que um albugo cinzento de contornos diffusos que do centro de uma das corneas se es-tende progressivamente para a peripheria, abran-gendo toda a sua totalidade. Superficial em cer-tos poncer-tos, mais profunda n'outras, dá esta opa-cidade á cornea o aspecto de um vidro despo-lido irregularmente, conservando ainda assim a transparência precisa para permittir, senão dis-tinguir precisamente, pelo menos, reconhecer a configuração das partes que cobre. Comtudo» pouco a pouco a infiltração vae-se accentuando

(28)

41

pela interposição de novos corpúsculos lympha-ticos através as malhas dos feixes fibrillares dis-sociados, e depois de um lapso de tempo que oscilla entre semanas ou mezes, chega um mo-mento em que a cornea, completamente opaca, não deixa atravessar-se pela illuminaçâo obliqua, e em que a exploração da iris é completamente impossível. É esta, n'uma rápida exposição, a successâo dos phenomenos objectivos que se ma-nifestam na forma mais commum da doença, em que a infiltração da cornea é o único phenomeno apreciável, e onde o processo mórbido evolucio-nando com extrema lentidão não se faz acompa-nhar de reacção alguma infiammatoria, tal como a infecção perikeratica e a rede vascular intra-cornea. N'esta forma indolente as dores são por Aia de regra nullas, a photophobia é insignifi-cante, e o único symptoma subjectivo é uma perturbação da vista, que, primeiro muito leve, se accentua cada vez mais â medida que a opaci-ficação se généralisa, e que no período em que a doença chega ao seu ponto de permanência, acarreta do lado primitivamente atacado uma cegueira, pelo menos, passageira. N'este mo-mento, ou algumas vezes mais tarde, o processo, que até então se localisava n'uma só cornea, ge-neralisa-se, e emquanto que de um lado a infil-tração se reabsorve, do outro manifesta-se de-baixo de uma ligeira nuvem, que não é mais que o preludio de uma opacificaçâo geral análoga á do olho primitivamente atacado.

(29)

42

vezes pronunciada, da zona ciliar, e sobre umas finas irradiações .vasculares que d'esta região se espalham pela cornea, principalmente para a parte posterior; o que levaria a crer que a vas-cularisação da cornea é um facto constante, o que mio é verdade. Quando sobrevenha esta ir-radiação, constitue de per si um dos signaes pa-thognomonics de uma outra variedade de kera-tites ; quero referir-me á kératite vascular.

Esta variedade é muitíssimo rara, e se algu-mas vezes se encontra como manifestação da sy-philis hereditaria, é comtudo na maior parte dos casos mais um symptoma de uma diathese escro-fulosa. Demais, a separação d'estas duas formas é tão pouco nitida, que em certos casos succe-dem-se, e como que se fundem; e se a presença ou ausência de vascularisaçao pôde levar-nos a hypotheses prováveis sobre a diathese geradora-da infecção ocular, não deve comtudo ser consi-derada como bastante para estabelecer um dia-gnostico differencial preciso e bem fundado. Ao contrario da forma indolente, que nao traz com-sigo reacção alguma inflammatoria, a forma vas-cular faz-se acompanhar geralmente de dores muito vivas com photophobia e sensibilidade do globo á pressão, especialmente na região ciliar ; e esta agudeza de symptomas é o indicio de uma marcha relativamente rápida. O prognostico d'esta variedade é bastante favorável, pois que permitte esperar uma reabsorção completa dos productos infiltrados; mas quando a kératite reveste a forma indolente, terminação feliz, mas

(30)

4;!

que é rara, não tanto pela sua gravidade, mas pela negligencia do doente, que perdendo a co-ragem pela morosidade da cura deixa de se tra-tar convenientemente, o que é indispensável para favorecer a reabsorção completa dos productos infiltrados. D'aqui a necessidade urgente do cli-nico vigiar e fazer cumprir á risca as prescri-pções therapeuticas, e a vantagem de fazer ver ao doente a morosidade da cura, bem como as circumstancias e o tempo aproximado em que phenomenos análogos se podem produzir no ou-tro olho ainda indemne. Fácil é ver que vanta-gens podem advir da boa disposição do doente, o que permitte ao clinico chegar á custa de cui-dados minuciosos, de tacto e paciência, á cura absoluta. As chorio-retinites, névrites, atrophia dos nervos ópticos e paralysias musculares que sobrevem por vezes como manifestações terciá-rias e quaternáterciá-rias da syphilis hereditaria, são, principalmente as paralysias, muito raras, e os symptomas que lhe são próprios não differem dos que se apresentam na syphilis adquirida. Tratal-as-hei, pois, no capitulo seguinte.

Syphilis adquirida

Syphilis adquirida é a que resulta de um con-tagio post-fœtal, e cuja primeira manifestação é o cancro duro. A in duração cancerosa, reputada como signal pathognomonico do cancro especifi-co, a não ser nos casos typicos em que, exami-nada sobre um tecido molle, a base da

(31)

implan-44

taçSo da ulcera apresenta a consistência da cor-nea, é toda relativa, e o seu valor como elemento de prognostico depende de apreciações tácteis tam delicadas, que nâo é senão com a maxima re-serva que nos devemos pronunciar sobre as con-clusões que d'ahi derivam. É á incerteza sym-ptomatologica que se deve attribuir a confusão que reinou, e ainda hoje existe, entre os syphilio-graphos, e a admissão do cancro molle como in-fectante, admissão que tem levado homens aliás muito illustres e de uma erudição incontestada, a englobar em massa todas as doenças venéreas: Menorrhagias, vegetações, sycosis, etc., etc. A syphilis não admitte variedades; pode, é verda-de, ser grave ou benigna, mas é sempre uma e sempre idêntica. Proveniente de um contagio in-dispensável â sua génese, apresenta como pri-meira manifestação um cancro infectante acom-panhado de uma adenopathia especial, accidentes primitivos que se fazem seguir, depois de um praso maior ou menor, de um ou mais acciden-tes secundários, e algumas vezes, ainda que um pouco mais tarde de accidentes terciários e qua-ternários. Não tratarei, segundo o plano do meu trabalho, nem da ophtalmia blennorrhagica, nem do cancro molle das pálpebras, affecções estas que podem coincidir com a syphilis, mas que não tem com ella relação alguma, e são

(32)

t

4.-y

Accidentes primitivos

Cancro infectante da conjunctiva e das pálpebras

O cancro ocular é dos mais raros, e isto pro-vém, mais do contagio não ser apto para produ-zir um segundo cancro n'um individuo atacado, do que da situação especial e afastada do globo ocular; e a prova está em que a blennorrhagia, por exemplo, que não tem a mesma immunidade preservadora, determina por contagio directo accidentes oculares tão frequentes como temí-veis. O cancro infectante, muito raro sobre a con-junctiva bulbar, lubrificada constantemente pelas lagrimas, manifesta-se de preferencia sobre o bordo livre das pálpebras onde frequentemente se encontram excoriações muitas vezes insignifi-cantes, mas que são comtudo sufficientes para servir de porta de entrada a um virus tão subtil como o da syphilis. A ulceração cancerosa não íi présenta particularidades especiaes a esta re-gião, e os seus caracteres são os que se observam geralmente em qualquer outro ponto. A princi-pio, nota-se uma ligeira excoriaçâo da mucosa, excoriação que a maior parte das vezes é ante-rior ao contagio syphilitico, e a cujo nivel se vê, depois da inoculação directa, apparecer uma ul-ceração arredondada de bordos talhados ao viez e cuja extensão é, por via de regra, pequena. Como na maior parte dos cancros duros, o fundo é cinzento, cercado de uma aureola violácea,, e

(33)

46

assenta sobre uma induração limitada geralmente ao contorno da ulceração. Ora esta circumstan-cia, junta com a raridade relativa e a benigni-dade quasi constante do cancro ocular como ac-cidente local, concorre para que quasi sempre passe desapercebido. A adenopathia é constante e affecta os ganglios pre-auriculares, cuja indu-raçao é pronunciada e persistente, a ponto de ser possível encontrar vestígios d'ella no período de evolução dos accidentes secundários.

Accidentes secundários

Como manifestações da syphilis ocular, temos a considerar, tanto por ordem de data, como de frequência :

A irite secundaria ou precoce. A choroidite areolar.

As névrites, retinites e nevro-retinites, indepen-dentes de neoplasmas intra-craneanos de natu-reza especifica.

Irite secundaria on precoce

De todas as manifestações oculares da syphilis, a irite secundaria ou inflammatoria é, sem duvida alguma, a mais frequente. Apparece geralmente muito cedo e coincide muitas vezes com o des-envolvimento das primeiras manifestações cutaneas, taes como roseoleas, placas muco-sas, etc.

(34)

ma-47

nifesta, isto é, depois da evolução dos acciden-tes secundários, ou juntamente com os accidenacciden-tes terciários, reveste em geral caracteres especiaes, constitue uma segunda forma de irite — a irite, terciária ou gommosa, de que adeante fallarei quando tratar do terceiro período da syphilis a,dquirida.

A irite especifica é geralmente bilateral, e ataca successivamente as duas membranas. Ha no emtanto casos, em que debaixo da acção de um tratamento apropriado se localisa n'um só olho. Observa-se mais vezes no homem do que na mulher, provindo esta frequência de andarem os homens mais expostos ás violências exterio-res, e de se entregarem ao abuso de bebidas -alcoólicas.

A anatomia pathologica da irite secundaria ainda hoje é muito incerta. Saber se existem modificações mórbidas definidas, cuja caracterís-tica objectiva possa ser utilisada como elemento de diagnostico d'esta doença, é uma questão para resolver.

Abadie diz-nos, que ha muito tempo os diver-sos ophtalmologistas tem pretendido encontrar signaes subjectivos anatómicos, que possam indi-car por um simples exame a natureza propria da doença; mas que infelizmente, até hoje, todas as tentativas tem sido infructiferas, e podendo affir-mar-se que na maior parte dos casos os caracte-res pathognomonicos attribuidos a irite syphili-tica, sâo verdadeiras illusoes. Segundo este dis-tincto ophtalmologista, a forma particular de

(35)

in-48

jecção perikeratica, a côr de cobre que apresenta o pequeno circulo iriano, symptomas considera-dos por muitos auctores como de uma grande importância, não tem valor algum. É claro que isto se dá só com a irite infiammatoria ou secun-daria, e nao com a terciária ou gommosa, pois que esta, além da sua frequente coincidência com outros accidentes terciários, apresenta, no pró-prio parenchima da iris, pequenos nódulos ama-rellos, algumas vezes visíveis mesmo com a vista desarmada.

Colbert, examinando minuciosamente estas gra-nulações ao microscópio, reconheceu que eram de natureza idêntica ás outras gommas encontra-das no organismo. Relativamente á epocha do seu apparecimento, todos os auctores concordam em considerar a irite como um symptoma anterior ou concomitante com os accidentes secundários, declarando também que por vezes é tardia, e coincide com os primeiros accidentes terciários. O que é facto, e isto em face de numerosissimas observações, é que de ordinário não sobrevem senão no fim do periodo de mairifc actividade do gérmen mórbido, e por isso devemos consideral-a como accidente de transição entre as manifesta-ções secundarias e terciárias. Esta forma de irite, n'um grande numero de casos, não apres-enta particularidade alguma especial, ao passo que n'outros tem-se observado no parenchima da iris tubérculos amarellados constituídos por gom. mas, o que não constitue uma variedade

(36)

49

característica é ser um producto mórbido de evo­ lução tardia, e de que nâo se descobre traço algum no periodo secundário da syphilis adqui­ rida.

Vejamos agora quaes sao os caracteres sym­ ptomaticos mais geralmente observados na irite secundaria ou precoce.

No seu principio, que é em geral insidioso, e apenas advertido por algumas dores vagas e pou­ co agudas, observa­se em volta da cornea uma injecção sub­conjunctival, formada a principio por uma como que rede de malhas muito estrei­ tas, mas que depois vão alargando excentrica­

'■■> wiente cada vez mais. É muito raro ver que esta

injecção attinja a intensidade, que por vezes se apresenta nas outras formas de irite, e em geral nâo se formam chemosis, isto é, o levantamento da conjunctiva formando um rebordo em volta da cornea.

Em virtude da alteração produzida pela infíam­ maçâo e transudaçao das matérias corantes do sangue, o tecido da iris em breve adquire, pelo menos do lado doente, uma côr especial, patho­

logica, é verdade, mas que quasi sempre está em harmonia com o colorido primitivo que lhe era próprio. Assim, se era azul, torna­se um pouco verde; se era amarella fica um pouco castanha. Comtudo, isto não é regra invariável, e as ex­ cepções que se notam, tem fácil explicação nos simples phenomenos vasculares que se produ­ zem.

E assim que um grande numero de ophtalmo­ i

(37)

50

logistas citam casos de olhos azues atacados de irite se tornarem corados de uma nitida côr ver-melha, uniforme, como se tivessem soffrido uma injecção penetrante. Pelo que diz respeito á côr de cobre com que se. apresenta o pequeno cir-culo da iris, e que se tem considerado como signal pathognomonico da irite especifica, é de muito rara observação, e mesmo quando appa-rece é só nos olhos escuros e indistinctamente em todas as formas de irites, quer ellas sejam rheumatismaes, traumáticas, especificas ou puer-peraes.

Um dos symptomas mais constantes, e o que caractérisa a irite secundaria, é a notável ten-dência para a exsudaçâo lymphatica, ás vezes tão pronunciada, que o humor aquoso se torna turvo e floconoso pela accumulação permanente de massas cinzentas misturadas com detrictos pigmentares provenientes da uvea.

Este movimento exsudativo acarreta comsigo inconvenientes gravissimos, que é necessário pre-ver a tempo e atacar com um tratamento racio-nal, porque chega fatalmente um momento em que os productos inflammatories segregados se organisam; d'onde a formação de synechias pos-teriores, que primeiro parciaes, se tornam totaes ligando o contorno da abertura da pupilla á face anterior da capsula do crystalino. Uma vez for-madas, estas synechias constituem de per si uma barreira á livre communicação dos líquidos intra-oculares.

(38)

51

duas camarás, logo que sejam diminuídos ou se ornem impossíveis, por causa de augmente da tensão mtra-ocular, produzem uma irritação sur-da, e verdade, mas permanente, da região ci-liar que tem como termo fatal uma irido-choroi-dite e phenomenos glaucomatosos que são sem-pre de graves consequências.

As perturbações funccionaes do olho atacado de into, variam naturalmente segundo a intensi-dade dos phenomenos infiammatorios

O que primeiro e geralmente se observa, é uma leve diminuição na intensidade da visão, com uma tal ou qual paralysia dos movimentos pu-pillares e uma dôr pouco sennvel

No emtanto, dado o caso que esta infecção não seja sustada, as perturbações visuaes tornam-se cada vez mais pronunciadas, e a iris um mo-mento ligada á face anterior da capsula do crys-talline pelas exsudações lymphaticas, torna-se mimovel, e não reage mais ás excitações ciliares.

Um facto importante é que a dôr, sendo mais mtensa que na irite terciária, é comtudo menos aguda que nas formas rheumatismaes e trauma-ticas.

É muito raro encontrarem-se irradiações ne-vrálgicas ao longo dos ramos do trigemeo, mas e frequente observar exacerbações nocturnas que parecem ser inhérentes á forma especifica ^elo que diz respeito ao diagnostico da irite este é sempre fácil, e a sua etiologia syphilitica deve procurar-se no interrogatório minucioso feito ao doente, e investigar nos seus

(39)

anteceden-52

tes as manifestações da boca, da pharyngé, da laryngé, da pelle, e dos ganglios -, emfím, todos os accidentes que sendo dada a epocha do appa-recimento habitual da irite secundaria, estão em via de evolução, ou pelo menos, muito imminen-tes. Pelo que diz respeito ao prognostico, a irite syphilitica simples nâo deve considerar-se como uma doença grave.

A cura da inflammaçâo obtem-se-, a integri-dade da visão estabelece-se. Todavia, esta doença apresenta-se muitas vezes complicada de choroi-dite ou choroido-retinite, e estas complicações augmentam consideravelmente o prognostico, pois que a perda da visão pode ser a

consequên-cia cl'ellas.

É por isso que nunca deve esquecer-se o pre-ceito de examinar escrupulosamente o fundo do olho nos doentes atacados de irite syphilitica, de cujo exame depende o prognostico.

Irido-ehoroidlle, irido-cyclite especifica A irido-choroidite e a irido-cyclite especificas nâo constituem, em geral, affecçôes distinctas, e é excessivamente raro observar que se manifes-tem simultaneamente.

A evolução dos phenomenos é muitas vezes suecessiva, podendo a doença principiar indis-tinctamente por uma ou outra d'estas membra-nas. Quando a lesão principia por uma irite, a invasão secundaria das regiões profundas do olho tem como causa, e isto invariavelmente,

(40)

53

uma synechia posterior total, provocada por uma expectação intempestiva e um tratamento mal dirigido.

Logo que a livre communicaçâo das duas cama-rás seja interrompida, produz-se uma irritação surda, mas permanente, da zona ciliar, irritação cujo ultimo termo é uma hyperemia da choroi-deia com exsudação frequente no seio do corpo vitreo.

Sendo a affecção reconhecida a tempo, os acci-dentes adquiridos podem fazer-se retroceder logo que uma medicação racional seja feita no mo-mento em que as synechias são ainda parciaes; mas logo que estas se tornem totaes, é indispen-sável praticar a excisao d'um segmento da iris com o fim de restituir ás duas camarás a sua endo-exsosmose.

Casos ha, ainda que mais raros, em que a in-flammaçâo principia pela choroideia para depois invadir a iris.

Esta forma de irido-choroidite é muito mais grave, pois que as lesSes que interessam as mem-branas profundas tornam fatalmente incertos os diversos modos de tratamento indicado em taes casos.

Buffum, no seu opúsculo sobre a syphilis e o olho (La Syphilis et l'œil) diz que a cyclite da sy-philis adquirida não dá logar aos staphylomas da região ciliar, e acrescenta, que é muito mais facilmente debelada pelo tratamento especifico, do que o sâo em geral as formas traumáticas ou sympathicas. Não pôde com effeito deixar de

(41)

con-54

siderar-se esta asserção como verdadeira; ainda assim, é preciso acrescentar-se que o tratamento deve instituir-se logo desde o principio, e antes que as synechias totaes se tenham formado, o que constitue um insuperável obstáculo ás influencias medicamentosas.

Choroiditc areolar disseminada

Esta variedade dos accidentes secundários, mais rara que a irite inflammatoria, é ainda as-sim muito frequente. Observa-se principalmente nos indivíduos atacados de rheumatismo, ou nas mulheres anemicas, chloroticas ou victimas de complicações puerperaes, cuja acç^o debilitante serve de causa occasional ás manifestações ocu-lares da syphilis.

O primeiro phenomeno que apparece, é geral-mente uma diminuição progressiva da visSo, que não está de modo algum em relação com o nu-mero ou antiguidade das lesões observadas.

Pelo exame ophtalmoscopico observam-se na maior parte dos casos umas manchas ovaes ou circulares, discretas ou confluentes, n'uma gran-de quantidagran-de, e que pela sua côr abrancaçada se distinguem bem no fundo do olho, em geral vermelho.

Esta côr branca indica que a doença está já n'um período avançado, pois que no principio os focos teem em geral uma côr pouco distincta, e difflcilmente se distinguem sobre a retina subja-cente; e por vezes nâo ha outro elemento de

(42)

«

diagnostico senão o cotovello que os vasos reti-nianos fazem por cima da saliência d'estas man-chas, cuja côr está na razão directa da data da doença.

De amarelladas que são no período exsudati-vo, tornam-se brancas logo que a atrophia lhe invade a substancia e a metamorphoseia em te-cido cicatricial. No meio d'estas manchas appa-recem; por vezes, outras cinzentas ou escuras, de

uma configuração muito irregular, e que mistu-radas com as brancas, dão aos envolucros do fundo do olho, um aspecto marmóreo.

Estas manchas são, umas, provenientes de extravasações sanguíneas; outras, e estas em maior numero, são collecções de pigmento que se espalha pela retina em virtude da desorgani-saçâo da camada epithelial de Boll. Ora, como se vê, parece n'estes casos tratar-se mais de uma chorio-retinite que de uma choroidite franca.

Pelo que diz respeito ás perturbações funccio-naes, são de uma notável variedade, podendo affirmar-se, de um modo geral, que a visão se con-serva boa emquanto a macula fôr poupada. Da-do, porém, o caso que esta seja affectada, ainda que da forma a mais ligeira, o doente experi-menta uma diminuição brusca e quasi sempre irremediável da visão central.

O prognostico é essencialmente grave, sobre-tudo pelo descuido que acarreta a apparente be-nignidade dos symptomas funccionaes. Nos indi-víduos .atacados de myopia progressiva, em. que a distensão dos envolucros predispõe para -a

(43)

56

atrophia papillo-macular, é frequente observar cegueiras repentinas devidas á nâo esperada in-vasão da mancha amarella.

Caqui, a urgente necessidade de uma activa vigilância e de recommendar o repouso abso-luto do órgão, bem como a protecção continua do globo ocular por meio de lunetas escuras. Abadie cita ainda como variedade de choroidite a chorio-retinite essencialmente limitada d região

da macula. Quasi sempre de natureza especifica,

esta affecção apresenta em determinadas cir-cumstancias uma notável particularidade, que vem a ser : a ausência total de lesSes apreciá-veis ao ophtalmoscopio, coincidindo com um con-juncto de perturbações funccionaes de tal ordem pathognomonicas, que são o bastante para es-clarecer o diagnostico da lesão macular. Este aspecto pseudo-normal do olho, provém talvez da extrema delicadeza da sua composição histo-lógica, em face da qual basta a mais insignifi-cante alteração de tecido, que o ophtalmoscopio mesmo não apresente, para lhe perturbar o me-chanismo. Os symptomas funccionaes que em taes casos se encontram, são os seguintes :

me-tamorphopsia, micropsia e escotomia.

Os dois primeiros phenomenos são muitas ve-zes pouco apreciáveis porque demandam um ra-ciocinio e attençâo n'um certo grau que nem to-dos os doentes apresentam. O que elles sempre accusam, é a escotomia na região central do campo visual, e ó este um symptoma de tal or-dem característico, que, com os outros dois,

(44)

con-57

stitue a triade pathognomonica. Esta variedade de chorio-retinite é muito frequente como acci-dente secundário da syphilis adquirida, mas pôde sobrevir como affecçâo rheumatismal, ou como alteração mechanica da myopia progressiva. Ainda assim, é uma manifestação tardia e na maior parte dos casos é a guarda avançada dos accidentes terciários.

Névrites, retinites e nevro-retinites, independentes de neoplasias especificas iníra-craneanas

A retinite secundaria especifica é muito rara como doença isolada, se bem que por vezes se manifesta só. Umas vezes, apparece juntamente com uma névrite, e n'este caso, não é mais do que o resultado de uma propagação inflammato-ria; outras vezes, acha-se associada a focos de choroidite, a exsudações hemorrágicas ou pi-gmentares, tornando-se assim uma affecçâo com-plexa —a-chorio-retinite especifica.

A retinite syphilitica, que é um accidente se-cundário tardio, não apresenta symptoma algum característico, pois que não offerece hemorra-gias, exsudatos nem focos de degenerecencia gor-durosa. O único phenomeno apreciável é o appa-recimento de uma côr cinzenta, que dos contor-nos da papilla se estende, esvahindo-se cada vez mais para as regiões equatoriaes do globo ocu-lar, tornando-se mais accentuada ao nivel da macula.

(45)

58

pathognomonica, parecem tornar-se mais delga-das, se bem que, na realidade, o seu calibre não tenha diminuido de uma maneira sensivel.

O corpo vítreo parece estar cheio de finas opa-cidades, o que não é também mais que uma illu-são de optica, devida á perturbação soffrida pela retina subjacente.

Na maior parte dos casos, observa-se apenas a zona escura a que acabo de referir-me; no em-tanto, quando a inflammaçâo é muito viva, e que se dá uma rápida exsudaçâo lymphatica, a zona papillar apresenta quasi sempre um rebordo de infiltração plástica.

Abandonada a si, ou maltratada, as perturba-ções funccionaes são rápidas e consideráveis, consistindo n'uma diminuição progressiva da vis-ta, sem se fazer acompanhar de dores ; e de uni-lateral, que é sempre, a principio, termina por

abraçar os dois olhos.

Nevro-retinite especifica

E das manifestações oculares da syphilis a que apresenta maior frequência. A inflammaçâo, quer seja intersticial ou parenchimatosa, principia sem-pre pelo nervo óptico, e só secundariamente se estende á retina. Considerada nas suas relações com a névrite optica, a retinite consecutiva não é, na realidade, mais que uma segunda phase da doença chegada, até certo ponto, ao seu periodo de estado. N'esta doença, como na retinite pura, também não ha caracteres especiaes, não se

(46)

en-§9

contrando nem os exsudâtes e placas atrophicas da retiuite albuminurica, nem as hemorrhagias da retinite diabetica, nem tão pouco as dilatações vasculares e tumefacçâo papillar da névrite opti-ca, devida a tumores cerebraes. Com o exame feito ao ophtalmoscopio, é com extrema difficul-dade que se distingue a entrada do nervo óptico. A papilla, com effeito, está de tal forma hypere-miada, que por vezes a sua côr se confunde com a da retina, não sendo mesmo possível distin-guil-a, a não ser pelas ramificações vasculares de que é o ponto de partida ou chegada, e isto, quando são visíveis, o que nem sempre suc-cède.

Os symptomas funccionaes são variáveis, e de-pendem da natureza intima da inflammaçao. As-sim, se a névrite é parenchymatosa, e que ha al-teração primitiva das fibras do nervo óptico, dá-se a abolição das propriedades inhérentes a cada uma d'ellas, bem como a diminuição progressiva da visão. Se por outro lado, a névrite é inters-ticial observam-se no principio clarões,

phosphe-nas, ou percepção de luzes diversamente

cora-das ; todos os phenomenos, emfim, que causa a compressão mecânica dos elementos nervosos pelos productos nevroglicos da inflammaçao. Esta doença só muito raramente abraça os dois olhos ao mesmo tempo ; faz primeiro toda a evolução n'um lado, e pôde mesmo chegar ao período atro-phico.

Como as dores são nullas e as phosphenas de curta duração, a doença passa em geral

(47)

des-60

apercebida, até que se manifeste no outro olho, até então completamente indemne. Dissemos já que existem duas formas de névrite especifica, e que os clarões e phosphenas servem para

distin-guir cada uma d'ellas; no emtanto, chegadas ao período de estado, e mesmo ao período atrophi-co, ha um outro symptoma que tem um grande valor para o diagnostico differencial. Quero refe-rir-me á percepção das cores, cuja observação é muito difficil. Na forma intersticial, sem duvida a menos grave e a mais frequente, e em que as fibras nervosas são directamente alteradas, a percepção luminosa subsiste intacta em todos os pontos em que a proliferação da nevroglia nao se tem dado ainda. Na forma parenchimatosa em que as fibras do nervo óptico são todas atacadas, a percepção das cores extingue-se rapidamente. A primeira a desapparecer é a côr verde, de-pois a vermelha, a amarella, e por ultimo a azul, que persiste em geral até ao fim.

O prognostico da nevro-retinite é muito des-favorável, não tanto pela sua gravidade real, mas sim pela impossibilidade material com que muitas vezes se luta para instituir a tempo uma medicação apropriada. Passo em seguida a tra-tar das manifestações terciárias da syphilis ocu-lar.

(48)

61

Accidentés terciários

Ulcerações especificas das pálpebras

A propósito dos accidentes primitivos da sy-philis, disse eu, que o cancro palpebral era muito raro. O mesmo se pôde dizer quasi das ulcera-ções terciárias, que, em geral, apparecem como consequência de lesões ósseas, ou mesmo do pe-riostio do rebordo orbitrario, podendo ainda as-sim, em determinados casos, ser primitivas e principiar por uma alteração dermo-epidermica

de natureza gommosa.

Quando a affecçâo é causada por lesões pro-fundas, reveste de ordinário a forma de uma periostite chronica.

Os symptomas inflammatories são geralmente pouco sensíveis; a principio, não se observa mais que um leve engorgitamento diffuso da região doente.

A pressão é pouco dolorosa, e o tegumento ex-terno é pouco ou nada vermelho. Estes pheno-menos permanecem durante um espaço de tempo maior ou menor, com pequenas remissões tem-porárias, mas sem que haja tendência alguma para a cura espontânea.

É rarissimo que o tumor suppure, e quando se produz não interessa geralmente senão um espaço muito limitado da região sub-periostea, onde determina um processo de carie ou de ne-crose parcial.

(49)

62

a formação de excrescências do periosteo mais ou menos volumosas, e, por vezes, com uma con-sistência de tal ordem, que parecem verdadeiras exostoses. (Eicord).

Quando a ulceração tegumentar é primitiva, apparece de ordinário ao nivel do bordo livre das pálpebras, onde se manifesta debaixo da forma de uma pequena excoriação indolente com bordos avermelhados e lívidos. Esta ulceração que a principio é superficial, ataca pouco a pouco os tecidos sobjacentes, interessa mesmo a cartilagem tarso cuja retracção pathologica causa desvio do bordo livre da pálpebra, quer para dentro (entropion), quer para fora (ectro-pion).

A marcha dos accidentes é sempre muito lenta, salvo o caso em que o doente viva em más con-dições hygienicas, ou tenha o organismo empo-brecido por qualquer doença grave anterior ; casos em que o processo de destruição se torna muitíssimo rápido. O prognostico é dos mais gra-ves, não só debaixo do ponto de vista morpho-logico, como functional. Na realidade, as cicatri-zes deixadas pelos tumores gommosos suppura-dos são indeléveis e profundas, e as deforma-ções consecutivas das pálpebras trazem comsigo uma eversão, e ás vezes mesmo, uma obstrucçao dos pontos e conductos lacrymaes; são uma causa frequente de kerato-conjunctivites rebeldes, e de um lagrimejar incoercível. Ainda assim, é for-çoso declarar, que de todas as manifestações ter-ciárias da syphilis, os tumores gommosos são os

(50)

6;)

que mais facilmente cedem a um tratamento apropriado e bem dirigido.

Irite terciária ou gommosa

Esta forma de irite é sensivelmente mais rara que a secundaria ou inflammatoria. Manifesta-se em epochas muito variáveis da doença, e tem como caracter anatómico especial a formação de pequenas gommas no parenchima da iris. Da producçâo d'estas gommas, que por vezes se dá em larga escala, resulta tornar-se espessa a mem-brana da iris, cujo tecido se descora, parece vil-loso, e em alguns pontos engrossado. D'estas gommas, as mais superfíciaes mostram-se na face anterior da iris como nodosidades de um ama-rello-avermelhado, e só em condições muito raras tomam proporções consideráveis, e se collocam em contacto com a face posterior da cornea. N'um grande numero de casos, estes condylomas são muito pequenos, e tem apenas o volume de um grão de milho miúdo ; outras vezes então, sao de tal ordem pequenos, que para os descobrir é necessário recorrer ao exame por meio de lentes ou da illuminaçâo obliqua. A anatomia patholo-gica mostra que a composição histolópatholo-gica d'estas nodosidades é análoga á das outras gommas que se encontram na economia.

A irite gommosa, ao contrario do que se dá na irite secundaria, tem apenas uma leve tendência para a exsudaçao lymphatica, o que facilmente se explica, attendendo a que a forma gommosa é

(51)

64

pouco ou quasi nada inflammatoria, e que os phe-nomenos de inflammação são lentos, insidiosos e de uma evolução essencialmente chronica. As dores são quasi nullas, salvo durante a noite -, a injecção perikeratica é pouco manifesta, e a pho-tophobia quasi sempre insignificante. O symptoma mais característico é a alteração que a iris soffre na sua côr normal, pois que, um momento alte-rada pelos elementos amarellos das gommas, se torna rapidamente côr de cobre. As synechias posteriores são muito raras no principio, e se al-gumas se formam, cedem com extrema facilidade ao emprego das instillações com os mydriaticos. É bastante frequente observar que a irite terciá-ria termina pela suppuraçâo, o que indica um mau estado geral muito pronunciado. N'estes casos, quasi sempre a visão é altamente compromet-tida.

Na camará anterior do olho apparece um pe-queno hypopion, formado de uma substancia se-ro-sanguinolenta de apparencia gommosa, con-tendo em suspensão pequenos grumos amarella-dos, análogos aos que se encontram no pus pouco compacto ou fluente. O diagnostico da irite ter-ciária é relativamente fácil em face da epocha tardia em que se manifesta, e da frequente co-existência de gommas em outra parte do corpo. Pôde no emtanto succéder, que estes últimos ac-cidentes não tenham ainda principiado a sua evo-lução, ou que por pouco manifestos, tenham pas-sado desapercebidos. N'estes casos então, é pre-ciso recorrer aos commemorativos, e insistir

(52)

so-6õ

bre o exame da iris, por meio da lente ou illu-minação obliqua. O prognostico é muitíssimo grave, por causa da marcha insidiosa que segue, o que dá muitas vezes como resultado uma alte-ração completa do órgão, e como tal a perda da vista.

IVevrite optica terciária, symptomatica de neoplasias intra-craneanas da natureza gominosa

A névrite especifica, de que fallei a propósito das manifestações secundarias da syphilis, appa-rece algumas vezes muito mais tarde, e pôde, em raras circu instancias, é verdade, coexistir com accidentes terciários precoces. Comtudo, a ver-dadeira névrite terciária é caracterisada por um outro cortejo de symptomas. Sendo o resultado da existência de neoplasias intra craneanas de natureza gommosa, apresenta de ordinário o conjuncto de caracteres ophtalmoscopicos da né-vrite optica dos tumores cerebraes. Os resulta-dos os mais habituaes que dá o exame do fundo do olho são, em poucas palavras, os seguintes : — as regiões periphericas estão sãs, mas a zona peripapillar está hyperemiada bem como a pa-pilla, cuja superfície, algum tanto tumefacta, faz saliência sobre o plano da retina.

As artérias são delgadas, e pouco apparentes, ao passo que as veias estão engorgitadas, vari-cosas e denotam uma congestão passiva, que tem por limite a producção de hemorrhagias

(53)

retinia-66

nas e papillares, misturadas com exsudações atrophicas esbranquiçadas.

Gomo na maior parte das névrites opticas, as perturbações funccionaes nao estão em constante relação com as lesões observadas, e se bem que em'these geral se pôde dizer, que a diminuição da vista está na razão directa do progresso ma-terial da affecção, succède ainda assim que enor-mes lesões papillo-retinianas coincidem com uma visão relativamente boa.

Tal é, por exemplo, o caso de Jackson, citado por Abadie.

A razSo d'isto está em que o processo nao inte-ressa a principio mais que os elementos conjun-ctivos, que formam o substractum intersticial do nervo óptico e partes visinhas da retina. As fi-bras nervosas, em si, estão primitivamente inde-mnes, e a sua actividade physiologica fica inta-cta, até que uma compressão cellular as invada secundariamente.

Por vezes, n'esta phase, apparecem phenome-nos lumiphenome-nosos subjectivos, taes como phosphe-nas, scintillações, traços corados, emfim, todos os phenomenos attribuidos á irritação mecânica <los elementos nervosos comprimidos.

A percepção das cores fica naturalmente nor-mal, emquanto a atrophia papillar nao é total.

A medida que se vae accentuando, os sympto-mas subjectivos da hyperemia venosa vao dimi-nuindo gradualmente. A vermelhidão do disco vae-se attenuando pouco a pouco, e desapparece para dar logar a uma côr amarella, que depois

(54)

67

se torna completamente branca. Comtudo, os bordos da papilla nâo apresentam a nitidez que se observa na atrophia essencial. Muito irregu-lares e diffusos, confundem-se em certos pontos com a zona retiniana visinha, ao nivel da qual os vasos conservam o aspecto já descripto. Pelo que diz respeito aos productos hemorrágicos, a maior parte das vezes sao reabsorvidos, havendo ainda casos de se encontrarem pequenas massas pigmentares atrophicas, vestígios, sem duvida al-guma, de perturbações vasculares do período congestivo.

E esta, de uma maneira geral, a successão dos phenomenos mais vulgarmente observados na completa evolução da névrite terciária. Ainda assim, é preciso notar-se, que casos ha em que a atrophia papillar consecutiva apresenta cara- < cteres ophtalmoscopicos taes, que é material-mente impossível estabelecer o diagnostico dif-ferencial com a atrophia essencial. (Hutchinson Abadie.) A névrite optica terciária é de ordinário bi-] ater ai.

Uma importante questão se debate entre os diversos ophtalmologistas, para saber se a né-vrite optica terciária é uma manifestação cons-tante dos neoplasmas intra craneanos de natu-reza gommosa.

Depois do congresso ophtalmologico d'Heidel-berg, onde, pela primeira vez, se ventilou esta questão, tem sido emittidas diversas opiniões mais ou menos contradictorias. A que se tornou mais digna de credito é a do Dr. Annuske, cujas

(55)

con-68

clusões se baseiam sobre numerosos casos clíni-cos. Segundo este auctor, que Abadie cita no seu tratado das doenças dos olhos, — « a névrite optica é um symptoma quasi constante dos tu-mores cerebraes, a sua frequência e appareci. mento precoce dão-lhe um alto valor clinico no diagnostico d'esta affecção, cuja symptomatologia é complexa e muitas vezes obscura. »

É na realidade difficil, como affirma Virchow descrever a pathogenia intima da névrite ter-ciária, cuja evolução succède, a maior parte das vezes, á de pequenas gommas, e em que as lesões, como acontece em quasi todos os casos de neoplasmas intra craneanos, são unicamente limitadas á emergência do nervo óptico. A falta de alterações materiaes entre estre este ponto e o tumor, nâo permitte admittir a propagação directa da infiammaçao atravez as fibras ner-vosas.

Graefe é de opinião que as perturbações de circulação dos seios cavernosos, estendendo-se até á veia central da retina, produzem uma con-gestão passiva da papilla, que se inflamma em virtude do estrangulamento, que lhe provoca a resistência que lhe offerece a abertura da scle-rotica. Esta theoria, a principio muito adoptada, foi posta de parte pelo facto de experiências

post-mortem terem mostrado, que muitas vezes os

neoplasmas intra craneanos são de um volume insignificante, e se acham alojados no cerebello, o que constitue uma dupla condição para de modo algum se poder invocar um excesso de

(56)

69

tensão e perturbações circulatórias ao nivel dos seios cavernosos.

Schwalbe apresentou uma theoria, em virtude da qual a névrite optica é devida á formação de um œdema por retrocesso do liquido vaginal. Contra esta theoria apresentou-se como objec-ção, que a autopsia em alguns casos não per-mittiu encontrar o liquido cephalo-rachidiano entre as duas bainhas do nervo óptico.

Para Leber, esta objecção não è bem funda-mentada, porque logo que se nfio faça a ligadura dos nervos ópticos, o liquido vaginal pôde fácil e espontaneamente escoar-se no momento da secção. Ainda assim, como diz Abbadie, casos ha em que o nervo óptico soffre, por causa da he-morragia vaginal, uma compressão análoga á que Schwalbe invoca, e em que se não mani-festa mais que uma atrophia papillar sem a né-vrite produzida pelos tumores.

A ultima theoria que se tem apresentado a este respeito é a de Abadie, que como Jackson e Brown Séquard, faz intervir, não uma causa me-chanica, mas sim uma perturbação de nutrição, que parece resultar de uma secção nos vasos motores do nervo óptico.

O prognostico da névrite terciária é relativa-mente benigno, e a sua gravidade apparente de-pende muitas vezes de passar por muito tempo desapercebida, e não ser senão muito tarde submettida ao tratamento, que, feito desde logo, a fez desapparecer sem deixar vestígios.

(57)

70

Atrophia especifica terciária

Pouco mais tenho que acrescentar ao que já disse acerca d'esta alteração nervosa, que, por via de regra, é consecutiva á nevro-retinite gom-mosa ou terciária. Na realidade, a persistência da maior parte dos caracteres ophtalmoscopicos d'esté primeiro período, são um poderoso ele-mento de diagnostico, e permittem observar a evolução completa dos phenomenos que se sue-cedem desde o principio da doença.

Deve comtudo notar-se, que algumas circum-stancias ha, raras, é verdade, em que a atrophia é primitiva, e não tem sido precedida de névrite terciária.

N'estes casos, assemelha-se á atrophia essen-cial, que tem como característica a côr branca e uniforme que toma o disco papillar, cuja cir-cunferência se distingue nitidamente sobre as partes visinhas da retina. As pequenas massas pigmentares, bem como as placas brancas atro-phias, faltam na maior parte dos casos, e os vasos retinianos sao mais delgados que no estado normal, mas não se apresentam varicosos, nem com vermiculações cirsoides. A pathogenia da atrophia especifica terciária é tão obscura como a da nevro-retinite, não se baseando senão sobre simples hypotheses a sua intima evolução.

O prognostico é muito grave, pois que a atro-phia papillar, qualquer que seja a sua etiologia, constitue uma alteração cicatricial, perante a

(58)

71

qual os recursos da therapeutica actual sao im-potentes.

Paralysia dos músculos do olho consecutiva a gommas cerebraes

Uma das manifestações mais communs da sy-philis terciária é a paralysia de um ou mais mús-culos do olho (Buffum). Vários auctores conside-ram esta lesão como resultando sempre de gom-mas cerebraes ; ainda assim, outros ha, que affir-mant que a akinesia muscular provém não só de uma neoplasia intra craneana de natureza gum-mosa, mas também da localisaçâo sobre a ex-tremidade intra-orbitaria do nervo affectado de um nevroma especifico, ou ainda de uma com-pressão mecânica exercida sobre um ponto qual-quer do trajecto do nervo.

Todos os músculos motores do olho podem ser atacados, pois que nao ha ponto algum da base do craneo em que as gommas cerebraes não pos-sam ter toda a sua evolução.

Quando o tumor for muito pequeno, pode dar-se o caso de um só nervo dar-ser interessado ; po-rém succède, na maior parte das vezes, que mui-tos troncos nervosos são apanhados pelo mesmo processo, o que depende, além de outras causas, da disposição anatómica que aglomera n'um curto espaço os nervos pathetico, óculo motor commum e motor ocular externo.

É claro, que, n'estas circumstancias, se trata de uma neoplasia bastante intensa, em face da

(59)

72

qual se pôde observar um conjuncto de pertur­ bações, que indicam uma compressão cerebral. Como symptomas próprios da paralysia muscu­ lar temos a considerar : a diplopia binocular, a ■diminuição de mobilidade do globo, a difficuldade de orientação, e, por ultimo, a inclinação anor­ mal da cabeça com o fim de compensar a falta dos movimentos oculares.

Ora, como todos estes signaes, embora cons­ tantes, não são igualmente manifestos, vejamos o valor de cada um d'elles. A diplopia é sem du­ vida de todos os symptomas o mais seguro, e por isso o mais importante; consiste em que os doen­ tes vêem uma imagem dupla quando fixam um objecto abrindo os dois olhos.

A razão d'isto está em que, para haver uma sensação única, é indispensável que os raios provenientes do objecto venham ferir as retinas em dois pontos homólogos; ora, logo que se dê a paralysia de um musculo motor, o olho, não podendo mover­se de forma a que a linha visual passe pela macula, a imagem virá incidir sobre um ponto excêntrico da retina; d'onde uma sen­ sação différente como localisaçâo da que se for­ mou na macula do olho são.

Quando a paralysia é completa, a diplopia é de tal ordem franca, que os próprios doentes a accusam: mas no seu principio, e quando a com­ pressão nervosa só de leve tenha alterado as funcções do nervo, pôde succéder que o desvio das imagens seja tão pequeno que a única sensação percebida seja a de uma visão diffusa.

(60)

73

Em casos d'esta ordem convém proceder á in­ vestigação da diplopia por meio de vidros cora­ dos.

Vejamos qual a pratica a seguir para este exa­ me especial : — introduz­se o doente n'um quarto perfeitamente escuro, deante dos olhos colloca­ se­lhe um binóculo, que tem uma objectiva bran­ ca, outra verde, ou, melhor ainda, vermelha ; em seguida manda­se olhar o doente para a luz de uma vela que está á distancia de cinco ou seis metros, e que se faz passeiar successivamente por todo o campo visual.

Se na realidade existe a paralysia, ou mesmo paresia muscular, chega fatalmente um momento em que o doente vê duas luzes, uma branca, ou­ tra verde; no caso contrario, isto é, quando a perturbação accusada seja outra, o doente vê sempre uma só chamma, qualquer que seja a po­ sição occupada pela luz. Observados pois que ■sejam estes factos, podemos, sem receio algum de errar, fazer o diagnostico da paralysia muscu­ lar; no entanto, esta conclusão não basta, por­ que debaixo do ponto de vista da medicação, é indispensável saber­se qual o musculo atacado e qual o grau exacto da sua akinesia funccional.

Ora este estudo, em si moroso e delicado, tem sido simplificado pelos diversos ophtalmologistas e reduzido a certas leis que regem as paraly­ s a s dos músculos do olho.

Estas leis sâo as seguintes :

1.* Os três músculos, cuja inserção é a mais externa, grande obliquo, recto externo e pequeno

(61)

74

obliquo, são abduetores do meridiano vertical do olho, e a sua paralysia determina uma diplopia hommonima.

Oâ tree músculos cuja inserção é a mais in-terna recto superior, recto interno, recto inferior, são abduetores do meridiano vertical e dão logar a uma diplopia crusada.

2.a O recto interno e o recto externo, fazendo

mover o olho, segundo uma linha horisontal, dão logar a uma diplopia horisontal.

O recto superior e o pequeno obliquo, fazendo mover o olho debaixo para cima, dão logar a uma diplopia debaixo para cima, e o recto infe-rior e o grande obliquo, fazendo mover o olho de cima para baixo, dão logar a uma diplopia de cima para baixo.

3.a A diplopia augmenta á medida que os olhos

se afastam no sentido da tracção do musculo. Por meio d'estas curtas formulas, e qualquer que seja o numero ou o grau das paralysias musculares, em pouco tempo e com um ligeiro exame, se poderá fazer, na maior parte dos ca-sos, um diagnostico exacto e completo.

A distancia comprehendida entre o ponto em que as imagens se fundem, e aquelle em que o afastamento é máximo, dá o termo medio de aki-nesia funccional.

Pouco considerável no principio, cresce com o progresso da lesão e diminue em seguida pro-porcionalmente ás melhoras obtidas pelo trata-mento.

(62)

75

Diminuição du mobilidade do olho

Este symptoma das paralysias musculares do olho é por via de regra pouco apreciado pelo doente, e mesmo pelo medico só o é, quando seja nitidamente franco.

Na realidade, quando nâo existir mais que uma leve paresia muscular, pouco ou nada se obtém pela comparação do olho são com o doente.

O processo mais simples é o que consiste em fazer fixar um objecto aproximado, que se faz mover no sentido da tracção dos différentes mús-culos.

Assim, pôde chegar-se ao diagnostico da para-lysia muscular, mas é conveniente verifical-o por meio dos vidros corados.

Diffienldade d'oricntaçao

Como o esforço necessário para que a linha visual do olho doente chegue ao objecto fixado, é maior, do que se o musculo estivesse são, parece que o globo ocular se desloca para deante, e por consequência que o objecto está mais longe si-tuado. Dá-se um phenomeno objectivo de falsa projecção, que tem como resultado immediato uma maior ou menor incerteza na marcha e mo-vimentos de prehensão.

Logo que o doente feche os olhos, esta espé-cie de vertigem desaparece, o que é um elemen-to para distinguir esta perturbação ocular da vertigem cerebral.

Referências

Documentos relacionados

A Parte III, “Implementando estratégias de marketing”, enfoca a execução da estratégia de marketing, especifi camente na gestão e na execução de progra- mas de marketing por

O estudo objetivou estimar parâmetros genéticos e ganho com seleção precoce em procedências e progênies de erva-mate nativas, quanto aos caracteres de

Os resultados obtidos nos experimentos de filtração com dosagem ótima e super-dosagem de sulfato de alumínio e pH de coagulação próximo de 5 promoveram as melhores remoções

Já com novas descobertas de outros cientistas sobre o desenvolvimento infantil como “o construtivismo de Constance Kamii, os trabalhos sobre a psicogênese da língua escrita

6.4 Será disponibilizado, a cada candidato, 30 (trinta) minutos para arrumação do espaço de prova, bem como para acomodação aos instrumentos.. 6.5 A

A maioria dos pacientes apresentou diminuição da pressão intraocular na última consulta em relação à primeira e em poucos pacientes houve um aumento do diâmetro corneano

 Sensibilidade particular dos fotoreceptores ou do epitélio pigmentar da retina a um defeito metabólico generalizado (secundária). Retinopatia

Onix: É permitido instalar “Camber Plate” na torre superior dos amortecedores dianteiros para acerto de cambagem, sendo posicionado centralizado e na altura do