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República, trabalho e cidadania: representação e participação política no Brasil

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CPOOC

R�PÚDLrCA. 1'RnE�LIIO E CIDADANIA:

representaç�o € p��ti(:ip�çâ0 p01itica no Brasil

Arlyela Maria de Castro Gomes

FUIOIÇlo GETULIO VIRGIS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAO DE

HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL

(2)

REPÚDLICA, TRABALHO E CIDADANIA:

representação e p" rt i c i pução' pol í ti ca no Brasil

Angela Maria de Castro Gomes

FUNDAÇKo GETÚLIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇKo DE HIST6RIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL

RIO DE JANEIRO

1991

,

(3)

CPOOC/INDIPQ

F

(4)

Datilografia: Márcia de Azevedo·Rodrigues e Dulcinéa Domingues de Souza

G 633r

Gomes, Angela Maria de Castro.

·RepGblica, trabalho e cidadania: representa­ ção e participação política no Brasil/Angela Ma ria de Castro Gomes. - Rio de Janeiro: CPDOC � 1991.

61f; (Textos CPDocl Bibli�grafia: f. 58-59

1. Cidadania-Brasil. 2. Sindicalismo-Brasil. 3. Trabalhismo-Brasil. 4. Corporativismo- Bra­ sil. 5.· Participação política-Brasil. I. Cen­ tro de Pesquisa e Documentação de Hist6ria COII temporânea do Brasil. 11. Título.

CDU

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APRESEN'fAÇKo

1. REPÚBLICA, TRABALHO E CIDADANIA 2. O 'I'RABALHADOR NACIONAL:

TRABALHISMO E SINDICALISMO NO ESTADO NOVO

3. OS·PARADOXOS E OS MITOS: O CORPORATIVISMO FAZ 60 ANOS BIBLIOGRAFIA 01 03 18 33 58

(6)

APRESEN'fAÇÃO

Este volume re�ne.artigos escritos de forma independen-te, sendo todos decorrente� das reflex6es que venh6 desenvolvendo

a partir da elaboração de minha tese de doutorado, editada em

li-vro sob o titulo A invenção do trabalhismo (são Paulo, Vértice, 1988) .

Os dois primeiros constituem uma versao editada e re vis -ta de palestras por mim proferidas, enquanto o �ltimo seguiu pro -cesso inverso: foi escrito para embasar uma exposição oral.

"ReP!i

blica, trabalho e cidadallia" foi apresentado no seminário Cem Anos d9_ Heº-�b_lic.�, no módulo "Dimensões da Rep�blica no Brasil: os limites. 'do p�blico e do privado", promovido pelo IUPERJ/FCRB em 7 e 8 de dezembro de 1989; "O ,trabalhador nacional:

trabal�is-/

mo e sindicalismo no Estadc Nvvo" foi apresentado no seminári o

Lembrai-vos de 37, organizado pe jo Departamento de História da

UFHJ em novembro de 1987, por ocasião dos cinqüenta anos do Golpe

de 1937; fina.lmante, "Os. paradoxo,,, e os mitos: o corporativismo faz 60 anos" foi apresentado no seminéÍrio Sessenta i:lnOS da-E..'ª-Y.Q::

lução de 3D, patrocinado pela Fundação João pi nheiro em Belo Hori zonte entre 15 a 16 de outubro àe 1990.

Os textos tim, portanto, um tema central - a preocupaçao

com a definição da c idadania no Brasil e sua relação com a

ques-t50 do trabalho - mas não pretendem formar um todo homogêneo.

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repetem ou mesmo a ausência de discussão mais aprofundada sobre um certo item mencionado. Tais problemas, contudo, nao impedem o

desenvolvim�nto de urna certa linha de reflexão que, ora privile­ giando a primeira República, ora privilegiando o pós-3D, está sem pre preocupada com as questões da representação e da participação política, dimensões históricas do exercício da cidadania no Bra­ sil.

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1 . REPÚBLICA, TRABALHO E CIDADANIA

O objetivo deste texto é situar as relações entre

Repú-blica e trabalho no Brasil, destacando a questão da, cidadania, isto é, da participação dos trabalhadores no corpo político da

nação, além da aquisição por eles dos direitos civis e sociais, A proclamação da República é um fato hist6rico muito es­ pecial, porque, juntamente com a Abolição da escravatura, demarca provavelmente o momento de maior transformação social. ji vivido pelo país. Os diagn6sticos de diferentes e numerosos políticos e intelectuais do período convergem para �ste ponto ao assinalarem ambos os acontecimentos como cruciais para o proce�so de constru­ ção da nacionalidade brasileira.

Tais conclusões podem ser melhor compreendidas quando se observa que a Abolição encerrava uma experiência de três sÉculos, na qual uma imensa população de trabalhadores - os escravos - er& definida pela ausência de qualquer reconhecimento social e

polí-tico e, portanto, não �ossuía qualquer tipo de direito. Se duran' te o período imperial o processo de state-building estava em cur­ so e teve amplo sucesso - com a manutenção da unidade territorial e a consolação e expansão do aparelho do Estado -, o processo de

nation-building estava comprometido pela pr6pria existência da

escravidRo. Foi s6 COOI a Abolição e com a República - inauguran-do formalmente o estatuto de que toinauguran-dos os homens são iguais pera� te a lei - que se pôde passar da construção do Estado para a cons trução da Nação, enfrentando-se a questão-chave da extensão dos

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direitos de cidadania, quer fossem civis, políticos ou mesmo so-ciais.

Neste sentido, a proclamação da República demarca um mo-mento privilegiado para o exame dos processos de construção de uma identidade nacional e de construção de uma identidade da elas

se trabalhadora no Brasil. A congruincia e·o perc�rso destes pr� cessos podem ser ilustradas aqui por dois textos de época.

meiro é um artigo publicado no jornal socialista Eco Popular, e

data de 10 de abril de 1890, portanto alguns meses após a procla­ mação. ·Ele diz o seguinte:

"Quem é o operirio?

� um homem honesto, laborioso e que precisa sofrer o rigor da sorte para sustenticulo de todas as classes sociais.

O que é o operirio?

� um cidadão que representa o papel mais importante perante a sociologia humana. O que deve ser o operário?

Um homem respeitado, acatado, porque só ele sofre para que os felizes gozem; deve ou não ser tão bom cidadão como outro qualquer? Tem ou não tem perante a lei natural ou

escrita - o direito e dever - de pugnar pelos direitos e defesa das classes a que pertence?

� intuitivo que sim!"

O segundo texto é um pequeno trecho de um discurso pro-nunciado no dia 12 de maio de 1954 - Dia do Trabalho - pelo pres�

dente Getúlio Vargas. Vargas, em agosto do mesmo ano, suicidou-se em meio a grave crisuicidou-se política. O trecho "falaP:

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"( . . • ) E pelo voto podeis nao só defender interes­ ses, como influir nos próprios destinos da Nação. Como cidadãos, a vossa vontade imperará nas urnas. Como classe podeis imprimir ao vosso sufrágio a

força decisória do número. Hoje estais com o go-verno. Amanhã sereis o governo."

o primeiro texto se inicia perguntando quem i o operário

e qual i o seu lugar na sociedade em que vive. A resposta traça

uma auto-imagem centrada no valor positivo do ato de trabalhar

com as próprias mãos, de onde decorre � dignidade da figura do trabalhador e o seu papel central no mundo econômico e social. Se o trabalhador e o esteio da sociedade, mas nao e reconhecido como tal pelas outras "classes sociais ", cumpre lutar para que esta situaç�o se transforme. Esta luta i política, pois se traduz na conquista do status de "bom cidadão" , organizado e representado politicamente, já que cumpridor dos deveres e merecedor dos direi tos "das classes a que pertence". Em resumo, o que o articulista

do Eco Popular está reivindicando i a transformação da classe tra balhadora em ator coletivo legítimo no cenário político-nacional, exatamente no momento em que a escravatura acabava de ser abolida

e a República proclamada.

O segundo texto dá um grande salto, e não apenas cronol

gico. Ele constata uma situação em que os trabalhadores já foram

incorporados ao corpo político da Nação. são cidadãos que legi-timamente defendem seus interesses - logo suas reivindicações de classe - com o peso de sua força n�mirica. Neste caso, não são os trabalhadores que falam, mas o Presidente, e ele lhes acena não mais com o direito de ter participação e representação

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polí-t i cal mas com o próprio direito de governar I de assumir a direção

politica da .Nação: "Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o

governo. "

Para discutir este longo .percursol dois per iodos da

his-tória do Brasil serão enfocados mais de perto. Os anos da

pri-meira Repúblical que vão da proclamaçãol em 18891 até a Revolução de 19301 quando o processo de definição da cidadania está sob o comando dos trabalhadores; el COlO menor folêgol os anos do Esta-do Novo - em especial os anos 40 - quando esta definição passa para o comando do Estado. Nos dois periodos, contudo I este texto procurará destacar alguns pontos fundamentais I a saber: a �uestão

da construção de uma identidade para o trabalhador brasileiro; a questão �as relações dos trabalhadores ·com os sindicatos e com os partidos politicos e, por fiml a própria questão da dinâmica en­ tre movimento sindical I sistema partidário e Estadol desembocando

na definição de um modelo de cidadania.

A Primeira República é realmente o momento " original do processo de construção de uma identidade social e politica para o trabalhador brasileiro . . Esse homem trabalhador que é o sujeito do artigo do Eco popular não existia. Evidentemente havia traba-.

lhadores, mas não urna classe trabalhadora. Neste sent ido, ela é algo a ser produzido. R urna ficção e urna utopial porque situa-se corno urna esperança e um desitua-sejo para os próprios trabalhadores. Até então, quem trabalhara· no Brasil foram os escravos I

(12)

. ..

traba lhar . Esta de squa l if icação era-de tal ordem que o , .

propr�o

processo de trabalho surgia como a l go s impl e s e bruto, capa z d e

s e r executado por " peça s " ou animais . Além disso, não havia a me-nor vinculação entre o traba lho e a obtenção de meios para uma

vi-da me lhor . Não se traba lhava para ganhar a vida , ma s l itera lmente

para nao morrer ou ser morto . A l iberdade , mesmo sem riqueza ,

envol v ia a possibil idade de não traba lhar e , ma is a inda , a possibi

l idade de ter mesmo que apenas um escravo .

No sis tema escravista , a capacidade de traba lho dos men s , geradora de suas relações com a na tureza e com os outros ho-mens e , por conseguin te, definidora de sua cond ição de ra cionalidª

de e igua l dade criadora s , aparecia tota lmente trans figurada . O trª

ba lho não era visua l izado nem como um deve r , nem como um direito , e estava completamen te desvinculado do ideal d e cidadania . A

for-mu lação l iberal c l ássica que associa o a to de trabalhar com

rique-za e cidadania ( aquisição de propr iedade e partic ipação no corpo

. po l í tico da nação) e stava ausente .

Produz i r , portanto , identidade soc ial e pol í tica para o

trabalhador era um esforço muito grande . Em primeiro l ugar,

por-que tratava-se de a f irmar a d ignidade do própr io a to de traba l har

e da figura do traba lhador , d i stinguindo-a da figura do escravo . Mas não se pos suía no Bra s i l um pas sado de tradições a que se pu-desse recorrer ou que s� pupu-desse ac ionar em aux í l io � construção

deste perfil de trabalhador . Tratava - s e , ao contrário , de superar

o pa s sado escravista , em nome do futuro de um novo trabalhador .

que este suje i to sem pa s sado também não possuía contornos 11J...-,

(13)

ba lhadores do Brasil dos fins do sé cu l o. XIX nao sao um todo

homo-geneo . Eles se di feren ciam em cor , sexo , na cional idade ( a iJlligr� ção cre s ce até os anos 2 0 ) , e se autode finem " prof iss ionalmente" como artista s , operários, artesãos-assa lar iados , fun cionár ios etc. Esta grande d iversidade demons tra a ne ce s s idade e a difi cu ldade de se con struir um campo comum, uma " área de igualdade" , capaz de produzir auto�re conhecimento pel os outros . Para tanto ,

é fundamen tal mobi l izar, para a lém das d i ferenças objetivas, os

l aços subje tivos que unem os traba lhadores no infortúnio e na

dor . t. preciso d e s cobrir val ores e inventar s ímbolos capazes de

produzir uma nova trad içã o : a da d ignidade do traba l ho para o

próprio traba lhador .

Mas estes r e cursos simból i cos, mobi l izados e

articula-dos em um d i s cur so no qua l o traba lhador se identi fica, precisam

ganhar concretude através de instrumentos organizacionais. O pro­

bl ema da organização e a s sim uma das fa ces do processo de

crla-ção de uma identidade co l e t iva . Estes instrumentos organiza

cio-nais, essen ciais para o desen cadeamento da ação col etiva entretrª ba lhadore s , são classi camente de duas naturezas . As cl ássicas

organ i zaçõe s de ma triz corpora tiva do próprio universo do

tra-ba lho, chamem- se elas l igas, clubes, centros, resistências ou si� d i ca tos; e a s modernas organizações do universo pOl íti co: os par� tidos pol íti cos .

A quéstão organiza cional é , também no Brasi l , muito com­

pl exa , compor tando uma sé rie d e dúvidas e a l ternativas que se co l o cam desd e a Primei ra Repúbl i ca . Estas dúvidas pode riam ser e� pressas por um conjunto de indagaçõe s , como por exempl o : que pa­ pel devem ter as asso ciações de classe na tarefa de mobi l i zação e

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organização dos traba lhadores ? Devem ser a s a ssoc iações de c l a s s e o locus priVi l eg iado de organIzação ou devem suas l ideranças recor-rer a outra s formas organizac iona i s ma is ampl a s ? Devem ter a s as-sociações de c l asse um explícito engajamento ideo l6gico, reunindo a repre sentação de " interesses" � representação de " id�ia s " ? Ou devem ser part id�rias da " neutra l idade " , separando interesses econSmicos e engajamento ideo16gico? Enf im, qual a re l ação desejive l entre aA soc iações de c l a s se e partidos pol í ticos? serão os partidos e a "pol ítica" por dema is perigosos , capazes de introduzir cisõe s , tal ­ vez insuperive i s, dentro das a s sociações? É o partido o centro

di-retor do movimento assoc iativo, ou cab-e ao movimento autonomia e

precedênc ia sobre o partido? Dito de outra forma: o movimento "sirr dica l " deve construir ·o " seu" partido ou deve haver ma i s de um par­ t ido d isputando o movimento "sindical " ?

Se são muitas a s que stões , muitos sao os que competem para

fa lar em nome dos traba l hadores . D iversa s correntes e l aboram suas

respostas e , ao fazê-l o , cons tr6em um certo perfil e modelo de

açao para a c lasse traba lhadora . Entre elas es tão os socialistas, os anarquista s , os amarelos ( na versão do s indical ismo-coopera tiv�� ta) e os comuni sta s .

Os socia lista s , por exemp l o , acred i taram na convergênc i a

entre Rep�bl ica e trabalho l ivre no Bras i l . Ou seja , acreditaram

na pos s ib i l idade de, na virada do século XIX, dar-se início a um processo d e extensão da partic·ipação pol í tica, segundo o mode l o l i-bera l -democrit ico c l issico . Neste s entido, a Rep�bl ica poderia

in-corporar po l i ticamente os traba lhadore s , e por i s so sua e strat�giõ

de l uta fundamenta l seria a a f irmação do direito de represen tação pol ít ica , atrav�s da criação de um part ido de traba lhadores . Os d

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i-reitos pol í t icos de c idadania seriam o cerne de sta propos ta , j á

que seria através d o voto que os traba lhadores s e representariam no Parlamento e aí defenderiam a s l e i s que assegurariam todos os seus

novos direitos , quer fossem civis, quer fossem socia i s . Esta era ,

no modelo proposto, a estratégia de tran s formação socia l .

t importante observar então que , no caso do Bra s i l ( e de outros pa í ses da América Latina ) , não ocorreu um processo que esca­ l onasse primeiro a l uta por d ireitos civi s , a que se seguiria a l u­ ta por direitos políticos e soc i a i s , conforme o exemplo das democr� cias modernas . Na verdad e , no caso latino-ame ricano, o processo de l uta pe l a cidadania superpôs todas as demand a s , e os di reitos soci­ ais tiveram um pape l chave .

Vol tando à proposta socia l i s ta , fica evidente por que nela o partido político é um ins trumento de organi zação fundamen tal. Não que este partido s6 pudesse abrigar traba lhadores; eram bem-vindos todos os que quise s sem l utar pela causa da d ignidade do traba lho.

· Ma s , se nao era um partido exclusivamente formado por traba l

hado-re s , era um partido que se def1nia como de trabalhadohado-res. Nesta

perspec t i va , as associações de c l a s s e são mui to importan tes, ma s o partido é o centro a partir do qua l todas a s conexoes são montada s ,

segundo uma ní tida in spiração a l emã . A repre sentação pOl

ítico-par-t idária ítico-par-tem preced

ncia sobre a part icipação a ssoc ia tiva enra izada

nos intere sses profi ssiona is.

Os anarquista s rejeitam as premis sa s dos soc ialistas . Eles negam a Repúbl ica como uma experiência po l ítica capaz de incorporar

os traba lhadores. Ao real izar esta operação, de finem " po l ítica" como pol í tica l iberal e recusam em bloco a es tratégia e l ei toral , o exerc ício do direito de voto , a va l idade da repres entação

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parlamen-tar, o s partidos e a s pr6prias l e i s , se jam e l a s " socia i s " ou nao . Com isso, os a narquistas des locam a cidadania pOl í tica do cen tro da

re f l exão , e a firmam uma forma de participação que também é pol í

ti-ca , ma s que nada tem a ver com a representação pol í titi-ca l ibera l. Neste caso, os traba lhadores deveriam se dirigir para suas associações de c l a s s e , organizadas a part ir do universo do traba lho

e vol tadas para rei�indicações de finidas como "econ6mica s " . Essas a ssoc iaçõe s , por outro lado, não deveriam assumir feições

assisten-cialista s . Seu formato era o dos sindicatos de re si s tincia ,

volta-dos para a "ação d ireta " contra o patrão e contra o Es tado. A

pro-posta anarqu i sta privi legia , portanto , o sindicato como locus de mobi l ização e organi zação dos traba lhadore s , embora nao se e sgotem a í as dúvida s quanto à de finição ideol 6gica deste s indicato. Duran-te a primeira· Repúbl ica , há um l ongo e· difícil deba te a este re s-peito , e muitas l ideranças anarquistas se posic ionam pe l o engajamen to ideol6gico explícito, enquanto outras pe l a neutra l idade

sindi-ca l . Mas de qua lquer forma , o partido e a repre sentação po l ítica e stão ausente s , embora não es teja ausente a questão da pa rtic ipação

pol ít ica .

Os s indica l i stas coopera tivistas eram uma das correntes " amare l a s " mais importantes do Rio de Jane iro nos inícios da

dé-cada de 20. Também eles deslocam a l uta pe la cidadan ia pO l ítica do

centro da questão da construção de uma identidade para a classe tr�

ba lhadora. Na proposta dos cooperativista s , a pOl í tica l ibera l e igualmente vista como perigosa , e a. formação de um partido pol

íti-, . , .

c o , e , em pr1nc1p1o, afa stada . Para e l e s , a melhor forma de

parti-par e de se integrar à naçao é pe l a via da organização de s indica-tos cooperativista s . Ou seja , um formato d e organização d e intere§

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ses que postulava a negociação com os pa trões e com o Estado den­ tro dos parâmetros da ordem e da l ega l idade , em nome dos direitos socia is , e não dos direitos po l ítico s , da c l a s s e traba lhadora . Os s indicatos coopera tivistas t inham funções ba sicamente ass istencia­ l ista s , e toda a proposta tinha um forte tom posi tivi s ta .

Portanto , havi a , em e spec ial no Rio de Jane iro , uma signi­ ficativa corrente do movimento operário que postul ava a nec ess idade de participação l ega l dos trabalhadore s , através de seus s indicatos, nas questões do universo da fábr ica e da pol ítica nac ional . Se uma parte da bibl iogra fia que trata do tema ainda a identi fica como frQ to da "man ipu lação" do Es tado , vendo em seus adeptos " tra idore s " da c l a s s e traba l hadora , cre scem a s interpretações que ressaltam a for­ ça de sua pre sença e que recusam iden ti ficá- l a com mera submi ssão po l ítica e ausência de luta pe l o que se entend ia como os interesses pol íticos dos traba l hadore s .

Já os comun istas reintroduzem, em meados da década de 1920,

·a que stão da c idadania po l í t i c a , de fendendo a formação de um parti

do po lítico · para a c l asse trabalhadora . Em sua proposta,

recupera-se a va l idade da repres entação política por meio do voto e , em decoL

·rênc i a , da estratégia de luta parl amentar. Esse novo pa rtido o Partido Comuni s ta - deveria manter laços muito sól idos c o m o movi mento sindica l , dirigindo-o e mesmo buscando seu controle monopo­

l i sta . Desta forma , o movimento s ind ical era va l or izado, tanto por sua ação reivindicatória quanto por sua ação a s si s tenc i a l i s ta, mas f icava " subord inado" às diretrizes ideológica s que emanavam do par­ tido .

Importa , por consegu inte , assinalar que ao final da Primei

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d iferentes apelos pol íticos , toda uma ética valorizada do

traba-lho e do traba lhador , e toda uma experiência de organização em

par-tidos e associações de c lass e , estas mais experimentadas e valoradas

que aque l e s . Contudo, a s l ideranças políticas da Repúbl ica

re-cusam sistemá tica e violentamente 'todas as propostas de

incorpora-ção política dos traba lhadore s , e me smo a s conquistas materia is por

e l es a l cançadas foram pequenas e efêmeras .

Cumpre , portanto , refletir sobre o ba lanço do período . Se

por um lado, a s reivind icações materiais dos traba lhadores tiveram praticamente muito pouco sucesso, por outro l ado, pode-se dizer que

o ganho princ ipal foi de outra natureza e traduz iu-se na cons trução de uma identidade soc i a l de traba lhador , como de resto ocorreu em

outra s experiências hi s tóricas . o fundamental é compreender que

no proce sso de luta por intere sse da c l a s s e , há, uma demanda que os

extrapola e que nao é negoc iável sob o ponto de vista util itário . Esta demanda é a do reconhec im�nto pe l o outro - que é também o

prio auto- reconhecimento - da dignidade da figura do traba l hador , nQ ma sociedade com três sécu los de pa s sado êscravista . Neste sentido ,

não se trata de um ganho mensuráve l através de cálculos materia i s , poi s não s e trata d e um bem que po ssa ser negociado instrumenta l

-mente .

Em relação a este ponto, e a de spe ito da mul tipl icidade de competidores pe l a " pa l avra operária " , pode-se afirmar uma

con-vergênc ia básica é um ganho de natureza expressiva fundamenta l . Ao

término da primeira Repúbl ica 'já existia uma figura de traba

(19)

t com essa heterogênea herança que o Es tado do pós - 3 0

irá lida r . Se d e início este Estado . entra na arena como ma is um

compe tidor pe l a " pa l avra operária " , esta pos içio ,

e reava l iada e

abandonada logo que a dinâmica nacional o permite . vencido o

pe-ríodo de reconstituc ionalizaçio ( 1 932-19 3 4 ) e de seus múltiplos en-saios pol ítico s , e dimens ionada a experiência inicial do Mini stério

do Traba l ho , fecha -se com vigor o e spaço para qua lquer tentat iva de

encaminhar o processo de constituiçio da c l a sse trabalhadora a par-tir do comando dos próprios traba l hadores .

. 0 que se pode observa r , contudo, é que este momento de

re-pressao ( pós 1 9 3 5 ) nao foi s imu l tâneo ao da construçio de um

proje-to de incorporaçio da classe pe l o Es tado . o projeto trabalhista ,

como se intitulou e será conhec ido , passou a ser articul ado e impl�

mentado no período do Es tado Novo e, em e specia l , apenas quando uma

s ignificativa reorientaçio pol í tica aí teve lugar . Esta

reorienta-çao, que tem a ver com os rumos da po l í tica internacional (

Segun-da Guerra ) e também com os rumos Segun-da pol í t ica nacional, bus cava

pre-parar a transiçio do �egime autoritário para o regime l iberal

demo-crático que ·se anunc iava como inevitáve l . A transiçio, efe tuada p�

la própria cúpula e stadonovista , vi sava a saída do autoritari smo sem choques e , sobretudo , sem perda das pos ições dirigentes para as

elites entio no poder . Para tanto, tornava-se fundamental que

es-ta s e l ites geras sem idé ias novas sobre sua continuidade p0 1 í tica;em uma ordem democrática e tornava -se crucial o cuidado na execuçao de

pOl í t icas capazes de procede

r

à mobi1 izaçio da opiniio públ ica.

- A questio da incorporaçio política da c l asse traba l hadora recó10ca-se nes te momento , e a elaboraçio da ideologia trabalhista

é a forma que as sume a proposta estata l . Neste texto destacaremos

(20)

desta proposta que carac teriza o pa cto social cons truído entre Es­ tado e c l a sse traba lhadora no Bras i l .

O primeiro deles diz respeito ao cuidadoso inve stimento r�

&lizado pe las e l ites na montagem do " trabalhismo" . V'rias agincias

do Estado; com destaque para o Min istério do Traba lho, estão envol ­ vidas , e o s ma i s modernos me ios e técnicas de comunicação d e massas

são acionados : públ icas e tc .

r'd io, j orna i s , panfleto s , discos; cartazes , festas t extremamente difícil ava l iar a rea l e fic'cia desta campanha po l í tic a , mas o empenho com que , na época , o Es tado nela se envolveu, e a herança que o traba lh ismo deixou até hoje na po-l ítica bra s i po-l e ira , tapo-lvez sejam evidincias fortes o sufic iente .

o s egundo aspecto rel aciona-se com a dinâmica de cons­

trução deste pro j eto de identidade da clas se traba lhadora desenvo l­ vido pe l o Estado nos anos 40 . O ponto a ser observado é que, de um l ado , o discurso trabalhista apaga a mem6ria da " pa l avra" dos tra­ bal hadores; apaga a experiência arduamente vivida durante a Primei­ ra RepÚblica . Tudo, l iteralmente tudo o que se fala neste discurso, ignora o pa s sado da c lasse traba l hadora . E l e sequer é r·etomado pa­ ra receber críticas.. E l e não é mencionado e , portanto , não existe . No entanto , ao mesmo tempo em que esta operação é real izada , o dis­ curso emit ido pe l o Estado con str6i- s e l idando com os mesmos e l

e-mentos b's icos pre sente s no discurso operário desde o século XIX ,

que sao rel idos e integrados em outro contexto . O va l or

funda-menta l do traba lho - como meio de asc.ensão social e nao de sanea­ mento moral - e a d ignidade do traba lhador sao o e ixo em torno do qua l se monta a comunicação do Estado com a sociedade . O estatu­ to de trabal hador é o que d' identidade social e pol ítica ao homem

(21)

trabalho e no reconhecimento das as sociações profis siona i s - ambos alme j a dos e demandados pela classe trabalhadora durante décadas

é sancionada pela articulação de um pacto pOlítico entre Es tado e classe trabalhadora que , ao se efetua r , constrói estes dois atores que assim se conhecem e reconhecem .

Dizer. portanto , que neste momento a " palavra" est� com o Estado , não é a s sumir a construção de um di scurso à revelia da cla�

se trabalhadora , corno s e ela' fosse urna tabul a rasa manipul�ve l por

elites todo-poderosas . Cons iderar tal processo h i stórico menos " n.ª­

tural " por ter sofrido intervenção es tatal é postura teórica pouco

produtiva . A questão é entender que ele teve sucesso porque conse­

guiu reler a experiência dos traba lhad�re s , apresent�ndo os benefí­ cios materia is ( l egi slação soc ia l ) concedidos pelo Es tado corno d�di Y2� a que se devia retribuir com obediência pol ítica .

o sucesso do discurso trabalh i sta tem, por tan to, sól idas

razoes simbólica s , ma s sua implementação só poderia se efetuar atr.ª­ vés de ins trumentos organizaciona i s .

Desta forma , o terceiro e �ltimo aspecto a ser ressal tado nesta construção é , exatamente , o das formas de organização da c l a� se tracalhadora, quer no que se re fere à e s fera da repre sentação

de intere s s e s , quer no que se refere à e s fera da r'epre sentação po­ lí t ica . Ou s e j a , é justamente a partir dos anos 40 que o Estado Novo buscar� estreitar seus laços com o movimento oper�rio através

do sindicalismo-corporat ivista . t também a partir daí que e l e pro­

curard articul a r este s indica�ismo com um partido pOlítico de " novo tipo " , i sto é , um partido voltado para os traba l hadore s .

Neste sent ido , é importante observar que a montagem de um modelo de organ ização s indical corporativa no Brasil começa a Ee re alizar plenamente , não no momento autorit�rio do Es tado Novo , mas

(22)

no período de transição do p6s - 4 2 . O s esforços sistemiticos d a s e­ l ites pol íticas governamentais desencadeiam- s e quando a questão da

mobi l ização de apoios soc iais tornou-se uma nece s sidade inadiivel

ante as transformações do contexto nac ional e internac iona l . Assim, o problema da adesão das "massas traba l hadoras" ao corporativismo -e sua vinculação com Vargas - , não s-e r-estringiu a uma l ógica m-era­ mente repressiva , ou a um cilculo util itirio por interesse ma ter ial

( l eg i s l ação socia l ),. O obj etivo do discurso trabalhista e da org� nização sindica l corporativista foi mobi l izar ( de forma control ada, evidentemente ) os traba lhadore s , preparando l ideranças e criandc s� guidore s .

O fecho de toda essa estratégia era, sem dúvida , o

en-frentamento da 'questão po l í tico-eleitora l , atravé s da montage� dOE

partidos pol íticos . Entre e l e s esti o Partido Traba lhi sta Brasileá

ro ( PTB ) , voitado especificamente para articular poÜ ticamente

população de traba lhadores organizada pe l a nova miquina do sindi­ cal ismo-corporativista acionada cuidadosamente desde 1 9 4 2.

Ma s, se o proce sso de ampl iação da partic ipa ção pol í t ica, que se abrira formalmente apó s a Abol ição e a Repúblic a , avançou e"­ seu curso com a montagem do PTB e com sua articulação com os sindi­ catos corparativos , a questão da cidadania não se esgotou com o fim

do Estado Novo . Em primeiro l ugar , porque a proposta traba lhi sta

era uma entre as propostas do p6s- 4 5 , tendo que concorrer com 2 dos social istas e comunis ta s , mesmo que com nítida s vantagens . Em

se-gundo l ugar , por que em ma téria de cidadania havia ' mui to ainda a

con-qui star, mesmo porque 'este é um dos processos h i s t6ricos que se

define e rede fine conforme a força dos atores col etivos e o pas­ sar do tempo .

(23)

2. O TRABALHADOR NACIONAL: TRABALHISMO E SINDICALISMO NO ESTADO

NOVO

Neste texto pretendo di scutir algumas ques tões que até hoje vem permeando e marcando uma certa tradição historiográfica

rel ativa ao Estado Novo . Em primeiro lugar, a questão da

estabi-1idade do -período , que tem s ido repensada e considerada cada vez

m9is prob1emá

7

ica . Em segundo 1ugar ,-a que stão da periodização

do Estado Novo que , durante muito tempo , foi vis�o como um

momen-to compacmomen-to cu jas origens estavam contidas na própria Revolução

de 19 30 . Assim, não só o período que vai de 1 9 3 7 a 1 9 4 5 tem s ido examinado como um bloco sem maior percepção de de scontinuidad e s ,

como o próprio espaço d e tempo que v a i d e 1930 a 1 9 3 7 tem s ido

entendido como uma e spécie de antecâmara do Estado Novo. Daí a

freq�ente demarcação de um " momento" da h i stória do Brasil que

vai de 1930 a 194 5 . 1 E , por fim, em terceiro lugar, a ques tão

de uma orientação pol í tica profundamente desmobi 1 izadora que

te-ria dominado todo este período . Evidentemente , não estou

queren-do dizer que prevaleceu sob o Estaqueren-do Novo um modelo de mobil

iza-ção de tipo fascista . Estou querendo apenas ressa l tar que , s e

a t é 194 2 preva l eceu o autoritarismo desmobi1izador , a part ir daí

1. Já d iscuti mais detidamente a-ques tão das marchas e contrama r­ chas que assina l am o período que vai de 1930 a 19 3 7 . Ver "In­ trodução" em Ange 1 a de Castro Gomes ( coord . ) , ReQiona 1 i smo e centra l ização po l í tica : partidos e consti tuinte nos anos 30 , Rio de Janeiro, Nova Fronteira , 1980 , p . 23-39.

(24)

é preciso relativizar esta orientação até então d·ominante . As três

questões, na verdade, só se distinguem analiticamente e , n o

de-curso de minha anál ise, elas serão abordadas sempre em conjunto .

Pensar o Estado Novo como um ·período coeso e estável .

e algo que tem s ido cada vez mais contestado em face do

aprofunda-mento dos estudos atuais . O golpe foi dado em novembro de 19 3 7 ,

ano marcado por uma campanha presidencial que t inha como pano de

fundo ar ticulações conspiratórias envolvendo express ivas l ideran-ças pol í t icas e mil itares . Mas o golpe encerrou um processo

com-plexo e ao mesmo tempo chave para a cons trução da f igura de l íder

de Vargas . t praticamente consensual·reconhecer que,

Getúl i o era um entre os vários homen s que f izeram a

em 19 3 0 ,

revol ução.

Esta cond ição se alterou com a chefia do Governo Provi sório, mas

nas eleições indiretas para presidente da Repúbl ica, reali zadas

na Assembléia Nac ional Constituinte de 1934 , seu nome disputou

votos ao l ado de Borges de Medeiros e Góis Monteiro . Al iás , as

e leições de 1934 podem ser entendidas como um epi sódio pOl

itica-mente denso e ilustrativo da instabi l idade em que vivia o paí s .

Como presidente eleito, Vargas enfrentou um tempo agi-tado entre 1 9 3 5 e 19 37, e o acompanhamento do proces so golpi s ta

não indica que ele fosse a única solução pos s ível para a chefia

de um novo Estado de força . Durante algum tempo , o regime que

poderia ser implantado - ditadura civil ou mil itar

aberto qual seria sua l iderança máxima . Problemas

deixou em

internos ao

Exército , al iados à habi l idade e confiabil idade de Vargas peran te

os militares , além, é c laro , de sua visibi l idade frente à socieda de civi l , definiram o formato e o l íder do Es tado Novo . 2

2 . Sobre o assunto ver Aspásia Camargo et aI . , O golpe silencio­

(25)

Foi a partir deste momento que Vargas pa ssou a ser re-conhecido como figura máxima da arena pol ítica , tendo sua imagem

traba lhada e proj etada por uma das ma is bem- suced idas campanhas

de propaganda de nosso paí s . A despeito deste imenso ganho, o

ano de 19 38 é abal ado pe l o golpe integra l ista e já em 1 9 4 2 o

pro-j eto do Estado Novo começa a sofrer grandes trans formações .

Por-tanto , durante os apos de 19 3 9 , 1940 e 1941 o Estado Novo se con­ f igura com um certo per fi l , pois já em 1 9 4 2 pode-se dizer que co-meça um novo Estado Novo .

Entender a dinâmica e o sentido desta trans formação .

e

fundamenta l , pois seus desdobramentos marcam não oSó o Estado Novo

do pós- 4 2 , como a vida pol ítica bra s i l eira do pÓs-4 5 .

O contexto de sta verdadeira estratégia pO l ítica é o pa-norama internaciona l , ou s e j a , o decurso da Segunda Guerra Mun-dial . Desde fins de 1 9 4 1 haviam aumentado as pre ssões amer icanas

junto ao governo brasi l e iro , tornando impossíve l a manutenção de

uma po l ítica equidi stante em relaç ão aos principais envo l vidos no

c on f l ito . As cartas da barganha po l ítica estavam na mesa . Elas consistiam, por parte dos Estados Unido s , no interesse pe l o

Nor-de ste bra s i l e iro como local para a insta l ação Nor-de bases mil itare s ,

. e por parte do Brasil·, n a obtenção de recursos materia is vi sando

a insta l ação do proj eto s iderúrgico de Vol ta Redonda , a l ém do

reequipamento do Exérc ito . Mas foi em j aOneiro de 1 9 4 2 , com a re-ª.

l ização da Conferência do Rio de Janeiro , que a situação ficou de

f in ida . Não se tratavoa a inda de uma declaração de guerra .ao

Ei-xo, mas em fevereiro de 1 9 4 2 o pl ano de operações preparado pe l o, Exérc ito americano prevendo a ocupação do Nordeste estava

(26)

b " 1 " 3

pe l o governo raS1 e1ro .

Com o a l inhamento internacional do Brasil com os

Esta-dos UniEsta-dos estavam definitivamente s e l adas as perspectivas de

ma-nutenção de um pro j eto pOl ítico autoritário e desmobi l izador , co� forme fora o do Estado Novo até então . Ta l fato , contudo , guarda

em si uma grande ambigüidade , porque dizer que era necessário

trans formar a face autoritária do Es tado não significa dizer que era necessá rio desa l o j ar as e l ites pol íticas deste Es tado das

po-siç5es de l iderança por e l a s ocupadas . Inc lusive porque, embora

nossas e l ites sempre tivessem di ficuldades para rea l izar a l ianças

pol ítica s , também sempre se mostraram compe tentes para construir

as cond iç5es necessárias para sua manutenção no poder . Portanto ,

s e de 1 9 4 2 em diante a questão do autoritarismo desmobi l izador

precisava ser enfrentada c l aramente , a es tratégia a ser seguida tinha em vista a permanência daqueles que ocupavam a direção po-l ítica do Es tado .

Tratava-s e , neste sentido, de uma transição para a

demo-cracia que não deveria sofrer impactos viol entos . Uma transição

" por dentro " , concebida e implem€41tada pel a e l ite inte l ectua l e

política do próprio Estado Novo . E , em tal processo, eu gostaria

de frisar que , se as ba l izas internacionais sao inquestionáve i s ,

h á igualmente uma série de fatos d a pol ítica nacional que d imen�

sionam as mudanças que o Estado Novo vai sofrer . Este aspecto é fundamenta l , porque é exatamente neste s egundo mpmento que vai se gestar o que ficou conhec ido a posteriori como o pacto social

3. Gerson Moura , Autonomia na dependência: a pol ítica externa

brasil eira de 1 9 3 5 a 1942, Rio de Janeiro , Nova Fronte ira ,

(27)

I

I

1

entre Estado e c l asse traba lhadora no Bras i l . t sobre este pac-to - sua montagem e execução - que eu gostaria de me concentrar ,

para di scutir a questão da orientação desmobi l i zadora do Estado

, Novo .

Este pac t o social tem, a meu ver , dua s dimens5es es sen­

ciais : uma simból ica e outra organizac ionaL A dimensão simbólica se

traduz na construção de um cuidadoso discur so políti co que m ar c a

profundamente a cultura po l ítica brasil eira . Assim, não é a l guma

coisa apenas con juntura l , embora se possa datá - l o e entender as

condiç5es especí fica s de sua articul ação . Tal discurso de ita ,

r a.!.

zes que extrapolam em muito a década de 4 0 , construindo/inventan-do uma verdadeira tradição para se pensar as relaç5es po l íticas entre governantes e governados em nosso pa í s .

A d imen são organizacional é igua l mente bá sica e se

tra-duz pel a criação de todo um instrumental institucional em que uma

das face s é o modelo de sindicalismo corporativo , ,

e a outra e o

seu acoplamento a um sistema pO l ítico-partidário . Ou s e j a , a es­

tratégia da ' transição "por dentro" vê , a curto prazo , os anos 40

e o Estado Novo e , a l ongo prazo, os desdobramentos pol íticos in�

' vitáve is do fim do regime autoritário com a insta l ação de um re­

gime l iberal -democrátic

;

. 4

Este Pacto envolve evidentemente a questão da incorpo-ração pol í tica da c l asse trabalhadora , ma s envolve também três og

4. A d iscussão cuidadosa destes e de outros pontos presentes nes­ te artigo estão em Angela de Castro Gome s , A invenção do tra­ balhismo , são Pau l o , vé r tice , 198 8 .

(28)

tros atores coletivos que apenas perpa ssarao esta aná l ise : o s em­ pre sário s , os mil i tares e a Igre ja Catól ica . Mas antes de refI e-tir sobre a cons trução deste pacto , eu gostaria de rel embrar as l e i tura s .ma i s correntes ,que se tem feito a respeito d e l e , e que costumam assinalar dois pontos principais .

Em primeiro lugar, as interpretações enfatizam o fato de

o pacto ser construído por nít ida intervenção estata l . Quanto a

isto, não há o que objetar . O problema é que

. .

neste tipo de .

visão a intervençio do Estado é freq�entemente s ituada como um

ponto de ruptura radical de um processo " natur�l " que vinha

ten-do curso no seio ten-do próprio movimento da c lasse �raba lhaten-dora . Há as s im uma interrupção violenta que nio s6 agride o sentido do pro cesso como lhe é externa .

O segundo ponto que caracteriza tais interpretações do

pacto social as senta-se no entend imento de que sua l ógica é a de uma troca de bene f ícios ma teria is por obed iência pOl ítica . Neste rac iocínio , de um l ado , o Estado do pós 3 0 , por meio de sua pol í -tica socia l d o trabalho , é caracterizado como um produtor d e be-ne fícios materia is , de bens de valor nitidamente util itário . Por

outro l ado, a c l asse trabalhadora , ao trocar legislação social

por obed iência pol ític a , estaria real izando um cálculo de custos

e bene f íc ios cuja l óg ica é predominantemente material e indivi7

dua l . O traba lhador a lme j ava esses novos direitos sociais e por isso concordou em aderir po l i ticamente ao regime, Sendo "

coopta-da/manipulada" pel o Estado, a classe trabalhadora perdeu sua autQ

nomia , o que resultou numa tota l · submissão pOl ít ica : numa ausen-cia de impul são própria .

,. ,

(29)

Sem afastar ou mesmo minimizar a presença desta l ógica

material na construção do pacto social entre Estado e clas se tra-ba lhadora , é preciso relativizar sua força explica tiva , ressa l tan do a pres.ença .de uma outra l ógica .

Em princípio , é bom observar que o momento chave para o

desencadeamento de toda e sta montagem é a entrada de Al exandre

Marcondes Filho no çomando do Mini stério do Traba lho, Indústria e Comércio . E quem é e ste novo min istro?

·Alexandre Marcondes Filho era um advogado paul ista que entrou para o cenário do Estado Novo após uma l onga interrupção

em suas atividades pol íticas . Ligado ao Partido .Republ icano

Pau-l ista ( PRP ) , durante os anos 20 fora membro do Centro Pau Pau-l i s t a , ao

l ado de homens como Menotti Del Picchia , Roberto Moreira e

ou-tros . Desde ·a Revolução de 30 afastara-se da atuação po l ítica ,

,

dedicando- se à advocacia . Somente no final de 1941 retornou a

vida públ ica como min istro nomeado por Vargas para uma das mais importantes pasta s da época .

A escolha de Marconde s Filho tem a importância de uma

decisão po l ítica de l argo a l cance . Amigo pessoal de Roberto

si-monsen , pres idente da FIESP, seu nome assegurava ao empresariado

um fácil acesso ao ministéri o . Além disso, s ignificava também

uma a l teração de rumos na orientação pol ítica até então vigente ;

sobretudo quando se observa quem era seu antecessor. Desde o

golpe do Estado Novo , a pasta do Traba lho, Indústria e Comércio havia sido entregue a Wa ldemar Fa lcão, conhecido por sua experiê�

cia parl amentar e por sua e streita rel ação com a mil itância

ca-tól ica . A principal "missão" de Waldemar Fal cão em sua ge stão havia sido justamente adaptar o mini stério aos postulados pol

(30)

íti-cos do Estado Novo consagrados na Carta Constituc·ional de 1 9 3 7 . O afastamento· do antigo ministro nao deve , contud o , ser visto como um confronto com a Igre ja, ou como uma rej eição da Carta de 1 9 3 7 , mas sim como um rearran j o das a l ijinças· n a nova con juntura pol

íti-ca.

Contudo, a presença de Marcondes Filho no , .

c enarl.O po l í -tico dos anos 40 não se re sume à sua entrada no Ministério do Tr�

balho . Em julho de 1 9 4 2 , no boj o de uma verdadeira

assume interinamente - para ser e fetivado somente

cri s e ,

em abril e l e

d e 1943 - o cargo d e ministro d a Justiça. O acúmulo das duas

pas-tas , ao mesmo tempo que dava um conteúdo pol ítico ma ior .

a

admi-nistração das questões trabalh i sta s , lançou Marcondes como perso-nagem central na condução do proce sso pol ítico naciona l , uma vez que é exatamente este o papel do min istro da Justiça .

Dimensionando este momento como marco para se pensar as

trans formações do Estado Novo , aparecem também outras

substitui-ções . Marcondes Filho entrava para o Ministério da Justiça em lugar de Franc isco Campos , devido a um tenso episódio que envol-veu o todo poderoso · chefe de pol ícia do Di strito Federal , Fil into Mül l e r . A resistência de Mül l er em autorizar a famosa passeata

...

da Uniãci"'·Nac ional do Estudante ( UNE ) contra os fascista s e pel a decl aração de guerra ( que é feita e m agosto ) , acaba por cOlocá-lo

em confronto com Ernani do Amaral Peixoto , interventor no Estado do Rio de Janeiro e genro de Vargas . O incidente tem

desdobra-mentos e acaba por envol ver Lourival Fonte s , diretor do

Departa-menta de Imprensa e Propaganda ( D I P ) . Este , juntamente com

Filin-to Mül l e r , acaba sendo a fastado do cargo , que pas sa a ser ocupado por um mil itar : o ma j or Coe lho dos Reis . Ou s e j a , em julho de

(31)

194 2 , Vargas a l tera a chefia de três' l oci fundamentais para a ori

entação pOl ítica do Estado Novo : a do Ministério da Justiça , a

da Chefatura de Pol ícia do Distrito Federal e a do D I P . Acrescen

t ando-se ao quadro a mudança ocorrida seis meses antes no

Mi-nisté r i o do Trabalho, tem- se uma c lara noção do quao nevrá lgico

f .

', . 5 01 esse momento po1 1t1co .

As pressoes sociais pe l o a l inhamento Bras i l -Estados

Uni-dos partiam tanto de e studantes quanto de setores das próprias e l i tes pol íticas , como Osva ldo Aranh a , por exempl o . O cl ima ma is geral ind icava tanto um retorno da mi l itância po l í tica quanto uma grande sensibil idade em relação ao e s forço de guerra . Os mi l i ta-res nao lhe eram hosti s , já que o obj etivo ma is imediato da mobi-l ização era o envomobi-l vimento do Bra s i mobi-l na guerra , o que

repercuti-ria na modernização das Força s Armadas e no papel de grande po­ tência que , o paí s poderia alme j ar . Por outro l ado , a cana l ização das atividades econômicas do pa ís para o e s forço de guerra era de inteiro agrado do empresariado , interessado em aumento,de produti vidade e paz socia l .

Portanto , Igre j a , mi l i tares e empresariado nao viam com

desagrado a montagem de um pro jeto que , por c ircunstâncias da

po-l í tica internacionapo-l e nacionapo-l , imppo-l icava o desencadeamento de uma mobil ização dos trabalhadores do paí s . Uma mobil ização conc� bida e controlada pe l a mais a l ta cúpu l a pOl í tica do Estado , mas mesmo assim uma mobil ização , ' que tinha em vista a transição do

5. Sobre esse episódio é interessante ver o

depoimentos de Vasco

Leitão da Cunha , " Foi o ' povo que dec larou a guerra em 194 2 " , em Lourenço Dantas ( coord . ) , A h istória vivida I , são Pau l o , O Estado de são Pau l o , 198 1 , e de Ernani do Amaral Peixoto , Ar­ tes da pO l ítica , Rio de Janeiro , Nova Fronteira , 1987 .

(32)

regime d e um formato autoritário para um formato l ibera l-democrá-tico ma is con forme o figurino a l iado . Neste sentido, tornava -se fundamenta l a capacidade dessas e l ites de gerar idéias novas so-bre sua continuidade em,uma ordem não mais autoritária e , sobre­ tudo , tornava- se crucial o cuidado na execuçao de pOl l t icas ca-pazes de proceder à trans ição , "por dentro" .

No que se �efere mais especi ficamente ,

a açao do Minis-tério do Traba lho, pode-se a firmar que o objetivo visado era o estreitamento dos l aços entre Estado e movimento operário, via representação sindica l . Esta l igação' mais forte e efetiva

com-portava , entretanto , dimensões contraditórias . De um l ado , a

lme-j ava-se um maior control e do ministério sobre o movimento

sindi-c a l mas , de outro , nesindi-cess itava-se que este movimento fosse repre-sentativo da c lasse traba lhadora . A margem de dificuldades e de

riscos presente em tal encaminhamento pol ítico é óbvia e l ogica-mente não podia pas sar de spercebida a seus formul adores . O equili brio entre a manutenção do contro l e e a trans formação do movimen-to sindica l em um interlocumovimen-tor pOl ítico era no mínimo arriscada e em parte imprevisíve l . Se o momento pol ítico nacional apontava

para um processo de emergência de a�ores coletivos cada vez mais

independentes e diversi ficados , o próprio Estado entrava no jogo

como um estimulador/control ador desse processo .

t preciso agora retornar ao exame da construção do pacto entre Estado e c l asse traba lhadora . Eu queria inicialmente exa-minar e enfatizar o l ado do d i scurso de propaganda pol ítica então

e l aborado . Creio que este é um momento privil egiado para se

observar a qua l idade e eficácia de uma construção' ideológica .

(33)

marketing pol ítico . A campanha promociona l que , . sobretudo a par­ tir de 1 94 2 , articula-se em torno de seu nome é extremamente bem concebida e impl ementada. E l a combina uma cuidadosa estratégia

de mobil ização dos traba lhadores com a manutenção de todo um

es-forço de control e que se exprime pe l a d i luição e, se necessário , pe l a repressão às a l ternativas · pol íticas que se mantivessem in-s iin-stentein-s . O cen tro dein-ste ein-sforço é o Departamento Naciona l do Traba lho, logicamente mantendo çontatos e tendo o apoio do DIP e do aparelho policial .

O ponto a l to desta orquestrada propaganda pol í tica sao o s discursos que o ministro Marcondes Fi-lho faz semanalmente ·pe l o rá

dio no programa Hora do Bra s i l . O títu l o destas " conversas" era

Falando aos trabal hadore s do Brasil , e elas se sucederam pratica-mente sem interrupções de meados de 1942 até meados de 194 5 . A e�

trutura desta s fal a s , sempre coloquiais e didática s , estava montª da numa interpe iação dirigida à classe trabalhadora e que a colo-cava no centro do cenário pOl ítico nacion.a l . 6 Mas o fato

funda-mental a ser ressaltado aqui é que este discurso re-significava

toda uma série de demandas e práticas experimentadas pelos tra­ bal hadores ao l ongo d·as décadas da Primeira Repúbl ica . t, portan-to , neste sentido específico que se deve repensar a questão da

ruptura produzida pe l a .intervenção estata l .

Se durante o Estado Novo a s falas do ministro que cons-tróem um d iscurso trabalhista. neste paí s omitem compl etamente o

6. Os d iscursos proferidos pelo mini stro eram irradiados durante o programa a Hora do Brasil , sendo publ icados a seguir no jor­

nal oficioso A Manhã e , por fim, no Bol etim do· Ministério do

(34)

passado de lutas e reivind icaç5es dos traba lhadore s , isto ,

fei-to exatamente para se reler esta tradição em outro contex to .

desta forma que as antigas demandas da c lasse sao apresentada s

como doaç5es do Es tado ; como bene f:ícios concedidos antes mesmo

de serem pedidos . O mode l o de re l aç5es pol í ticas arquite tado

en-tre autoridade e povo - nitidamente ident ificado com a c l a s s e

traba lhadora - é o modelo d e uma autoridade benevo l ente que con­

cede ao povo direitos sociais ( e não direitos pol í ticos ) , indepen

dentemente de l utas e re ivindicaç5es . t por meio desta relação

de troca - de troca de presentes , de bens ma teriais que têm va ­ lor simból ico - que se amp l ia a cidadania no Brasil e que se in­

corpora a c l a sse traba lhadora ao cenário pOl í tico nac iona l . Ou

s e j a , ' " dentro desta l ógica que os traba lhadores " obedecem" po l i ­ ticamente . Assim, ' prec iso entender obediência como o reconh e­ cimento de uma identidade socia l e de uma posição pol í tica há mui

to a firmada e d

mandada pe los próprios t

aba lhadore s . Há , sem dú

vida , embutida nesta l ógica de construção do pacto social uma di­ mensao uti l i tária fundamenta l : os traba lhadores recebem benefíci­ os que tem concretude materia l . Mas há igua lmente uma l ógica sim

ból ica , e , por meio dela que se expre ssa o reconhec imento , pe l o

Estado , da identidade social e pOl ítica dos trabalhadores brasi­

l eiros . t por meio del� que se abre o e spaço da pol ít ica à " par­

ticipação" ampl iada , e que Estado e povo se reconhecem mutuamente . O ú l t imo ponto a ser" tratado ' a dimensão organ izacion a l

do pacto socia l , " e e l a ' básic a , porque toda e sta cons trução es­

tá a l icerçada na montagem da e strutura do sind icalismo corporat i ­

vo no Brasil . t l ógico que antes dos anos 40 já exis tiam l e i s

(35)

sindicatos e federaç�es de " empregado s " e " empregadores " , reconhs

cidos pelo Mini stério do Traba lho . A questão é que a maioria

ab-sol uta era uma ficção . Estes sind icatos nao mobili zavam , nem rs

presentavam rea lmente os traba lhadore s . Eram chamados de " s

in-d icatos in-de carimbo " , tanto pelos traba l hain-dores quanto pe la ,

pro-pria burocracia governamenta l .

Durante muito tempo , contudo, e ste fato nao preocupou o

Mini stério do Traba lho , e é prec iso entender por que pa s sou a

incomodá-lo a partir de 1 94 2 . Ora , a montagem do discurso

traba-lhista , centrado na a firmação da cidadania social , precisava de

amarras sólida s , e e sta s só poderiam ser os sindicatos . Mas sin- ' dicatos que possuís sem graus e fetivos de l egitimidade , poi s caso

contrário seriam inúteis . Não é casual , portanto , que exatamente

neste momento sejam tomadas diversas iniciativas para estimular a

sindical ização e dar vita l idade aos sindicatos existentes e as

suas l iderança s . t neste momento que se regul amenta o imposto

s indica l , medida que trans formaria os sindicatos em reais di spen-sadores dos bene fícios que a l egis lação garantia e o discurso prQ

pagava . t neste momento que é formada uma Comissão de

Organiza-çao Sind ical que deveria e stimular a fil iação de traba l hadores

aos sindicatos e treinar l ideranças capazes . E por fim, é deste

momento a Consol idação das Leis do Traba lho ( CLT) , que era chamada·

por Marcondes Filho, a " bíbl ia do traba l hador " . Ele dizia pe l o

rádio que cada traba lhador devia ter um exemplar e m sua mes inha de cabeceira e devia l ê- l o um pouco todos os dias para que se

im-buísse da po sição de c idadão da democracia soc ia l brasileira . O

ministro repetia que os tr,ba l hadores preci savam conhecer " suas"

(36)

s eus a l imentos pred i l etos . Ele queria que os trabal hadores fa­ l a ssem das leis do traba lho com a mesma tranqü i l idade e gosto com que comiam .feijão com farinha .

Esta ativação do s indical ismo corporativo municiad a , d e um l ado , pe l o im'posto s indical e , " de outro , pe lo di scurso traba­ l hista , começa a desl anchar a partir de entã o . t extremamente d i fícil ter , de fato , a lgum tipo d e avaliação sobre o sucesso deste empr'eendimento , mas é s ignif icativo verificar o empenho do

apare-lho estata l como um sinal do quanto se acreditava e apostava nos

resultados de ta l pol í tica . I sto porque toda esta montagem pre-c i saria estar aze itada para que a transição do autoritari smo para

a l ibera l-democracia se fizesse s em choques . O sindical i smo-cor­

porativ�sta deveria, por conseguinte , articular-se com o renasci­ mento partidário . t neste mesmo momento , portanto , que a questão

.dos partidos pOl íticos é l evantada pel a cúpu l a e stadonovista , jun

tamente com a d i scussão de qua is seriam <l S re lações entre

sindi-catos e par tidos : entre a c idadania soc ial dos benefícios

tra-balhista s e dos s indicatos corporativi sta s , e a c idadania pol í ­ tica d o direito d o voto e dos partidos pol íticos .

O primeiro dos partidos que se formam na conj untura do

f ina l do Estado Novo é a União Democrática Nac ional ( UDN) , que ,

l ogicamente , não estava previ sta pe los mentores da transiçã o . Mas a partir de sua exi stência e do l ançamento de um candidato de opo

s ição à pres idência da Repúbl ica - Eduardo Gomes - não se podia

adiar a criação de partidos , digamos , governistas . D iante da im­ poss ibil idade de um único partido que conjugasse todas as l ideran ças pol íticas naciona i s , e regiona i s , e a inda agregasse o esquema criado pe lo .trabalhi smo-corporativi smo , emergem dois partidos . O Partido Social Democrático ( PSD) , como o e spaço privil egiado para

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as articulações dos interventores estaduai s , e o Partido

Traba-lhi sta Bra s i l e iro ( PTB ) , como o pa r t ido .para o povo organizado

nas bases do s indical ismo corporativista . 7

.Nesse sentido , ,eu percebo que a h erança que o Es tado No­ vo nos de ixou é muito sól ida e difícil por sua profunda ambigüid�

de . Sem dúvid a , este foi um período que modernizou a administr�

ção públ ica e que d.eixou sa ldos favoráve is em termos de de senvo l-vimento econômico e soc ia l , a despeito de ser um período onde a

c idadania pol í tica não teve vigência . Portanto, s e os traba lhad o

res até hoje recordam- se d e Getúlio Vargas como uma l iderança que

lhes concedeu direitos básicos , este fato precisa ser entendido e

enfrentado . Obviamente a c l asse traba lhadora perdeu muito, mas

por outro l ado recebeu um reconhecimento até então de sconhecido .

O Estado Novo , desta perspectiva , deixou-nos como matriz a idéia de que no Brasil só um Estado autoritário pode ser e f icaz .

Ta l vez este pos sa ser um ponto para refl exão e para

fi-nalizaçã o , pois nossa úl tima exper iênc ia de vinte anos de

autori-tari smo nos deixa l egado bem diverso . creio que aprendemos, sem

sombra para dúvidas , que um Estado forte pode ser violentamente

inefica z . Se nossa memória não fa1 tar , tal vez possamos caminhar

com maior esperança , me smo que com d i f icul dade s , para uma democr� cia que s e j a 'social e também pOl ítica .

7 . Sobre a criação do PTB e suas r e l ações com Getúl io Vargas ver

Ange la de Castro Gomes e Maria Ce1 ina D ' Araú j o , Getu 1 i smo e

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3 . OS PARADOXOS E OS MITOS : O CORPORATIVISMO FAZ 6 0 ANOS

Este texto nao tem a pretensão de trazer novas

revela-ções sobre um tema que desde os anos 30 tem s ido objeto de

deba-tes envolvendo intel ectua i s , empresário s , burocratas e l ideranças

do movimento s indical , entre outros . A implantação l ega l de um

modelo associativo de t ipo corporativo no Brasil data do Decreto-Lei 19 .. 7 7 0 , ed itado em março de 19 3 1 , portanto , logo após a Re­ volução de 3 0 e a criação do Ministério do Traba lho, Indús tria e

, . 1

Comerc�o . Pol imico desde então , o " corpora tivismo bra s i l e iro"

recebeu desenhos d iverso s ,. desencadeou .res istincias e debates

que envol veram forças pOl íticas variada s , e foi aval iado e

rea-val iado ao. l ongo de 60 ano� , sobrevivendo e " adaptando- s e " A ConA

tituição de 1946, ao movimento de 1964 e também A Constituinte de 1987/ 8 .

Os obj e tivos deste texto sao muito mai s modesto s , e cir-cunscrevem- se a uma refl exão que , util izando- s e das contribuições

bibl iográficas de alguns autores , procura chamar a atenção para certos aspectos do que se está considerando a experiincia do cor-porativismo no Bras i l . Estes aspectos poderiam ser e squema tiza­

dos em tris pontos em torno dos quais o texto se organizará . O

primeiro deles procura destacar a existincia no Bra s i l de uma tr2 d ição a s �ociativa de t ipo corporativo que remonta A · Repúbl ica

Ve-1 . O Ministério do Traba lho, Indústria e Comér.c i o é cr iado pe l o Decreto n 2 19 . 4 3 3 , d e 26/ 1 1 / 1 9 3 0 , e forma lmente organi zado pe­

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