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XIV Congresso Brasileiro de Sociologia 28 a 31 de Julho de 2009 UFRJ, Rio de Janeiro (RJ)

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XIV Congresso Brasileiro de Sociologia 28 a 31 de Julho de 2009

UFRJ, Rio de Janeiro (RJ)

GT 26: Sociologia da Infância e Juventude

A Linguagem da Política na Língua Juvenil

Mônica Rodrigues Costa – morodrigues.costa@gmail.com

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Introdução

Estudos acerca de movimentos sociais juvenis apontam que o movimento juvenil desde os anos 1960 está envolvido com o debate cultural, utilizando as expressões culturais para problematizar a realidade e produzir entre os jovens novos referentes. As críticas aos valores sociais e as produções culturais foram à tônica.

A partir dos anos 1970 o surgimento de grupos de expressão de jovens pobres passa a ser uma realidade no Brasil incentivada, em grande medida, pela presença nos bairros periféricos de instituições religiosas como as pastorais católicas e Comunidades Eclesiais de Base, de partidos políticos e os trabalhos desenvolvidos por organizações não-governamentais (LODI E SOUZA, 2005).

Os movimentos sociais juvenis apresentam, desde então, um engajamento crescente de jovens oriundos dos setores populares que não se definem exclusivamente pela condição estudantil. Especialmente pelo fato de que as formas de organização sociais tradicionais (partidos, sindicatos, estudantil etc.) deixam de ser atrativas para os jovens na contemporaneidade.

De fins do século XX a início século XXI os movimentos juvenis geralmente estão vinculados ao lazer, a comportamentos e atitudes influenciados por novos estilos musicais que envolvem performances visuais, a exemplo do movimento punk nos anos 1980 que, como o movimento hip hop, surge principalmente nas periferias dos grandes centros urbanos.

Dos anos 1990 em diante há uma ampliação de sua influência na construção de críticas a sociedade contemporânea, que engendra promessas de futuro, via direitos sociais e gera simultaneamente a exclusão das camadas populares, especialmente de jovens pobres. Nesse sentido, o movimento hip hop circunscreve um campo de posicionamentos político-cultural, que problematiza o engajamento de jovens pobres na ação política contemporânea. Especialmente por haver certa compreensão de que a juventude dos anos 1990 assume feições alienadas em relação à participação política, conforme apontam Lodi e Souza (2005).

O que tem a ver com algumas leituras acerca da juventude como um devir, a respeito disso Dayrell (2003, p. 40-41) afirma que:

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(...) nos deparamos no cotidiano com uma série de imagens a respeito da juventude que interferem na nossa maneira de compreender os jovens. Uma das mais arraigadas é a juventude vista na sua condição de transitoriedade, na qual o jovem é um “vir a ser”, tendo no futuro, na passagem para a vida adulta, o sentido das suas ações no presente. Sob essa perspectiva, há uma tendência de encarar a juventude na sua negatividade, o que não chegou a ser (Salem, 1986), negando o presente vivido. (...) tende-se a negar o presente vivido do jovem como espaço válido de formação, assim como as questões existenciais que eles expõem, bem mais amplo do que apenas o futuro.

A participação juvenil nos movimentos sociais demonstra que os jovens são produtores de relações políticas, de si mesmos e do mundo, questionam sua condição social, econômica, política e cultural. Essas experiências, de jovens organizando movimentos sociais se contrapõem à idéia de juventude como uma fase anti-produtiva, ou de um vir a ser. O engajamento de jovens pobres na construção de movimento social como o movimento hip hop, foco deste trabalho, também tensiona a imagem do jovem que só expressa sua condição juvenil através da cultura, como entretenimento.

Para MORENO, (2005 p.5) este movimento a partir da década de 1990,

Ganha destaque e aglutina em si tanto característica de movimento social, quanto de movimento cultural, pois têm tanto o espaço para a organização e mobilização política (como por exemplo, a participação no Orçamento Participativo, a criação de conselho junto à prefeitura, a formação de ONGs, e organização de fóruns estaduais e nacional), quanto produz em suas letras, danças e imagens, conteúdos de protesto.

Há uma multiplicidade de frentes de atuação geradas pelos coletivos de hip hop que se espraiam pelas cidades, o que produz diferentes formas de engajamento no meio juvenil: como fomentador da mobilização cultural e política simultaneamente ou a opção por um dos dois tipos.

A juventude de periferia geralmente associada à idéia de vulnerabilidade às drogas, ao crime e imersa na falta de perspectiva, encontra nos grupos de hip hop um esforço para inverter essa lógica, através da valorização dos potenciais criativos deste segmento social e de sua intervenção no local de moradia.

Configura-se, portanto, a partir do movimento hip hop a possibilidade de refletir acerca da juventude pobre como sujeito social, que lança mão de suas múltiplas linguagens para se (re)posicionar socialmente, visibilizando conflitos e

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instaurando antagonismos que colaboram para tensionar o debate acerca da participação política juvenil.

Contudo, é preciso demarcar que este ser sujeito é uma produção social, inserida num conjunto de relações (FREIRE,2008). Neste caso, Dayrel (2003, 43) pondera que estamos tratando de sujeitos que vivem num contexto de privação do desenvolvimento das potencialidades, ou seja, estes jovens a que este trabalho se refere “(...) se constroem como tais na especificidade dos recursos de que dispõem”.

Considerando tais especificidades, o texto aborda a ação político-cultural exercida pelo movimento hip hop na cidade de Recife, de modo a compreender, mediante as transformações do mundo atual, como o segmento dos jovens reelabora a ação política a partir da cultura e em moldes diversos dos tradicionalmente conhecidos e praticados pela política de esquerda e a esquerda política.

Como a pesquisa em curso evidencia as alternativas de existência produzidas por este segmento para o coletivo e para a vida no local de moradia, tomou-se como prioridade investigativa dois grupos que compõe o movimento hip hop – a Associação Metropolitana de Hip Hop e a Rede de Resistência Solidária – coletivos, que apresentam engajamento político-cultural junto aos jovens das periferias da cidade.

Circunstanciando as origens e expansão do movimento hip hop

O Hip Hop possui suas origens em meados de 1970, nos subúrbios dos Estados Unidos e na luta dos negros e latinos contra o racismo, o segregacionismo, a discriminação. De acordo com Lodi e Souza (2005, p.139):

A cultura hip hop tem origem na black music americana, que antes do início do século se faz presente, com a escravidão negra naquele país. (...) Em 1960 o soul, que vem da união da música profana

rhythm and blues com o gospel, se constitui em um importante canal

de mobilização e conscientização dos negros quanto aos seus direitos e valorização pessoal, em uma sociedade em que o apartheid racial predominava.

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Os subúrbios, verdadeiros guetos1, enfrentaram todo tipo de

problemas: desigualdades sociais, pobreza, violência, racismo, tráfico, carências de infra-estrutura, de educação, entre outros. Os jovens encontravam na rua o único espaço de lazer, e geralmente entravam em um sistema de gangues, as quais se confrontavam de maneira violenta na luta pelo domínio territorial.

As mesmas autoras afirmam que “a cultura hip-hop já acontecia desde o final dos anos 60, quando um DJ jamaicano, Kool Herc, trouxe para os bairros de Nova York a técnica dos sound systems (...) (p. 140)”. Outro marco foi o ano de 1976 quando se oficializou a fundação do Hip Hop por África Bambaataa.

A literatura acerca do movimento hip hop indica que o seu surgimento está relacionado ao processo histórico, nasce nos Estados Unidos, mas é fruto da consonância de diversos povos (afro-americanos, hispânicos, latino-americanos) e situações (Guerra do Vietnã, pobreza, violência, segregação, discriminação social, entre outras). O movimento é fruto das experiências vividas nos grandes centros urbanos, especificamente nas periferias dos mesmos. Locais onde as condições de vida são precárias, onde há pouco espaço para o lazer, para a cultura, onde a perspectiva de futuro raramente é promissora. As pessoas que moram em tais lugares são normalmente estigmatizadas.

Apesar de todas essas circunstâncias os jovens desses lugares encontram formas de se expressar, de demonstrar suas angustias, suas indignações. O Hip Hop se constitui em um desses meios. Um campo de oportunidades no qual os seus integrantes podem tornar visível e potencializar as capacidades criativas, direcioná-las a mudar as feições dos locais onde vivem. Temos como exemplo, a produção dos raps e dos grafites que geralmente retratam a realidade em que estão inseridos. A arte que produzem se constitui em um instrumento para denunciar e contestar.

1 O termo gueto (do inglês ghetto) nasceu da natureza humana de estabelecer padrões, gueto

designa uma área onde pessoas de uma determinada etnia comum ou unidas por uma dada cultura ou religião vivem em grupo, voluntária ou involuntariamente, em segregação parcial ou estricta são pequenas zonas de moradias de famílias de imigrantes. Fonte: Wikipédia. Acesso em: 10/10/2008.

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No break, dança executada pelos b-boys ou b-girls, também há indícios de sua utilização como protesto. Algumas expressões corporais iniciais do break eram formas de protestar contra a Guerra do Vietnã. Rodrigues (2003 p.19) exemplifica este traço de sua constituição, afirmando que

“(...) os seus movimentos fazem analogias aos soldados feridos e às hélices dos helicópteros, por exemplo. O corpo oferece resistência à guerra construindo uma nova linguagem com movimentos singulares, mecânicos, quase maquínicos.”

O break explora a corporeidade, a produção de um jogo entre os membros, deste modo, contribuiu para combater a violência entre as gangues nova-iorquinas, pois criava a possibilidade de disputas sem o uso de violência e o incentivo a exploração dos limites físicos e criativos dos sujeitos.

Na música há o rap que é realizado em conjunto pelo DJ – Disc Jóquei e pelo MC – Mestre de Cerimônias. O MC geralmente produz o texto, cria as rimas e as canta em cima do som que o DJ coloca. O rap expressa, conforme já citado, os problemas enfrentados pelos jovens no cotidiano e nos locais de moradia, constitui-se numa possibilidade de visibilizar na esfera pública as condições de sua existência.

Além dessas expressões há também o grafite que é uma arte gráfica feita com spray e tinta látex. De acordo com Rodrigues (2003, p.18) “O grafite nasce como a arte de delimitar território” sendo usada frequentemente entre as gangues para demarcar seus territórios de circulação.

Muitos grafiteiros de origem hispânica foram influenciados esteticamente pela pintura muralista mexicana do início do século XX, que por sua vez recebeu influências estéticas de representações ancestrais da pintura Maia e Asteca (QUEIROZ, 2002). A arte muralista abordava temas inerentes à Revolução Mexicana e à luta deste povo pela reforma agrária.

Há ainda um quinto elemento associado aos quatro existentes (DJ, MC, Break, Grafite), o conhecimento. A Zulu Nation, organização político-social criada por África Bambaataa, acrescentou-o para trabalhar a consciência dos jovens em relação à realidade e buscar sua transformação.

O elemento do conhecimento possibilita articular o hip hop como um conjunto de expressões artísticas e ação política, estabelecendo seu caráter de movimento social. O conhecimento como quinto elemento entrelaça à arte a

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crítica a sociedade, sua ação no reconhecimento, denúncia e transformação das desigualdades sociais. Para Zeni (2004, p.230):

A conscientização compreende principalmente a valorização da ascendência étnica negra, o conhecimento histórico de luta dos negros e de sua herança cultural, o combate ao preconceito racial, a recusa em aparecer na grande mídia e o menosprezo por valores como a ganância, a fama e o sucesso fácil.

A despeito da presença deste elemento como cimentador de uma orientação ético-política, que alimenta posicionamentos críticos, o assédio da indústria cultural e da media faz emergir no movimento hip hop práticas que indicam a utilização do mesmo como recurso para acessar fama e sucesso e através deles a transformação das condições de existência.

Justamente com o auxilio e expansão das novas tecnologias de comunicação como: internet, vídeos, CDs, DVDs, entre outros, e tendo em vista as condições de desigualdade social em que vivem jovens de todo o mundo, o hip hop se expande e se mistura as culturas locais, articulando portanto, elementos globais e locais onde quer que deite suas raízes. Por essa razão, apresenta como característica a hibridação, que para Canclini (2000) significa essa mistura do global com o local.

No Brasil não foi diferente e por volta do fim da década de 1980 verifica-se a entrada da cultura hip hop em nosso país, inicialmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Lodi e Souza (2005, p.142) fazem uma diferenciação quanto às características do movimento nessas duas cidades. “(...) apesar de o Rio de Janeiro se mostrar um importante canal do soul e do funk, a cultura carioca se mantém adepta ao funk (...). Em São Paulo, a trajetória segue o mesmo percurso da ‘black music’ americana, evoluindo para o hip-hop.”

Os hip hoppers pioneiros em Recife, indicam que ainda em fins dos anos 1980 o movimento surge na cidade, o break é o primeiro elemento a mobilizar os jovens sem, contudo, estar nesse momento associado ao conhecimento. Os valores e filosofia aos poucos são incorporados pelos jovens urbanos e pobres, construindo sua identidade como um estilo cultural de rua e que expressa o cotidiano das periferias.

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Alguns contornos do movimento hip hop em Recife

Com referência na discussão de ação coletiva, a discussão de movimentos sociais na América Latina tem como uma de suas perspectivas analíticas a conexão entre ação política e a dinâmica social (SCHERER-WARREN, 1993). Ação que mobiliza sujeitos coletivos que lutam por uma causa partilhada, constrói laços de solidariedade e estabelecem conflitos e antagonismos (COSTA, 2006; MELUCCI, 2001, 1997).

Nesta perspectiva, se utiliza as noções de conflito e antagonismo, ao invés das categorias contradição e classe social, por compreender que tais categorias, formuladas no contexto da sociedade industrial, já não são satisfatórias para compreender os fenômenos relacionados às ações coletivas que se manifestam nas sociedades complexas (MELUCCI, 1997).

Dessa forma, diferentemente das abordagens clássicas – do marxismo e do funcionalismo- nas quais os movimentos sociais são concebidos ou como um efeito de crises estruturais, como contradições, ou como uma expressão de crenças e de orientações compartilhadas, Melucci (2001, p. 68) compreende que a identidade coletiva é o “processo de construção de um sistema de ação” política.

(...) interativa e compartilhada significa construída e negociada através de um processo repetido de ativação das relações que ligam os atores. O processo de construção, manutenção, adaptação de uma identidade coletiva tem sempre dois ângulos: de um lado, a complexidade interna de um ator, a pluralidade de orientações que o caracteriza; de outro, a sua relação com o ambiente (outros atores, oportunidades/vínculos) (MELUCCI, 2001, p.69).

O movimento hip hop como movimento juvenil, constitui uma identidade coletiva à medida que constrói e negocia as orientações da ação e se produz como campo de oportunidades, no qual circulam uma pluralidade de orientações que nas negociações internas demarcam espaços de interação social. A exemplo, do relato de Souza2, que indica existir dois grupos no hip

hop: o da arte engajada (visa salvar vidas ou conscientizar, propõe a liberdade artística) e do entretenimento que é a cultura pela cultura, estes grupos tem posições ideológicas diferentes. Cita a existência de cinco organizações

2 As informações se referem a: momentos de entrevistas, de conversas informais e do

acompanhamento de atividades, realizadas entre 2007 e 2008, todos os nomes de informantes são fictícios.

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nacionais influenciadas por grupos do movimento Hip Hop internacional, o mesmo ocorrendo em Pernambuco.

A Associação Metropolitana do Movimento Hip Hop é um coletivo, que se pauta pela organicidade deste movimento, defende a luta por políticas públicas e a participação social. O coletivo Êxito de Rua/Rede de Resistência Solidária influenciada pelo pensamento anarquista propõe o jovem agente/sujeito produtor de políticas. A Brigada Hip Hop é um coletivo apoiado por político de centro-direita e trata o hip hop como expressão cultural para entretenimento. A Nação Hip Hop ligada ao PC do B inspira-se na perspectiva socialista, mas não tem desenvolvido ação significativa na cidade. A Unidrade G que foi pioneira na articulação de grupos de hip hop, parece não mais existir como coletivo, porém, alguns de seus membros ainda se mantém como ativistas do movimento.

As diversas articulações de grupos de hip hop, indicam a pluralidade de orientações nos direcionamentos político-culturais no interior do movimento, demarcam campos de ação diferenciados e tensionados pelas divergências, apesar disso não há evidência de conflito entre elas. Contudo, como uma espécie de pacto e/ou negociação silenciosa transitam em espaços públicos diferenciados, por vezes, nos mesmos espaços de intervenção do movimento na cidade e constituem redes de relações que apontam em direções diversas.

A pluralidade de orientações político-cultural, que conformam a identidade coletiva do movimento hip hop como campo relacional, implica em ações políticas distintas e definem a política como “um conjunto de práticas, discursos e instituições, que visam organizar a coexistência humana, visto que as relações sociais são potencialmente conflitantes, afetadas pelas dimensões do antagonismo, expostas pelo político” (MOUFFE, 2001, p.).

A existência de diferentes coletivos e respectivas orientações político-culturais indicam a inexistência de hegemonia na condução das práticas e discursos do movimento hip hop, o que revela a impossibilidade de constituição plena da identidade coletiva, ou como unidade social (LACLAU E MOUFFE, 2004). Simultaneamente as orientações político-culturais produzem diversas hegemonias - as articulações que dão origem aos diferentes coletivos - que competem na instauração de significados à ação coletiva.

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A ausência de uniformidade da ação político-cultural se revela nas relações de compromisso e solidariedade presentes no cotidiano dos grupos e em seus diferentes níveis de engajamento comunitário. Tal engajamento é gerado a partir da conexão entre comunidade e sistema social, o que requer o reconhecimento do lugar de onde falam e o posicionamento dos sujeitos nas relações de poder instauradas.

Bauman (2003, p.56) problematiza a idéia de comunidade tomando como referente sua associação a “partilha de vantagens entre seus membros” o que torna sua invocação um lugar de compartilhamento e de bem estar coletivo e, por isso mesmo “uma filosofia dos fracos”, que necessita ser acionada, em razão da incapacidade dos indivíduos de acessar níveis satisfatórios de existência.

Nestes termos, é possível reconhecer nos discursos e práticas de alguns dos grupos pesquisados, a exemplo da Mangue Crew3, o engajamento através

da ação político-cultural, como modo de acionar a partilha de bens simbólicos produzidos pelo grupo com membros do bairro, no sentido de gerar o desenvolvimento de potenciais que contribuam para o alcance de outros patamares de existência.

Assim, mudou na questão de ver os problemas sociais tipo na minha comunidade e através disso eu vou até participar de um projeto na associação e usar o grafite pra uma forma de educação ou até de profissionalismo para as pessoas (Carlos).

Pode acontecer, acho que até tem vários grupos que usam o grafite como movimento social, pra através do grafite educar as pessoas. Pronto eu acho que a partir daí quando usa esse movimento pra educar, pra tentar mudar o individuo eu acho que por ai já muda (José).

Os jovens envolvidos no movimento reconhecem em si certas vantagens em relação a outros jovens dos bairros em que residem, como o conhecimento acerca da realidade e o desenvolvimento de novas habilidades, sentem-se responsáveis e assumem o compromisso de compartilhar com eles (outros jovens) à medida em que desenvolvem ações na comunidade.

Muitos grupos, como o Coletivo Êxito D’Rua, divulga em blog os objetivos do movimento em direção a necessidade de empoderamento de outros jovens.

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Através da cultura hip hop e de suas manifestações artísticas e sócio-políticas, despertar nos adolescentes e jovens das comunidades a ação independente e positiva na sociedade, bem como, a conscientização, que a comunidade pense, trabalhe, se organize para discutir os seus problemas e encontrar soluções.

É evidente em grande parte dos discursos, que o movimento hip hop na cidade de Recife tem na ação político-cultural o propósito de modificar a realidade das comunidades e de seus jovens. Atuação que envolve os recursos disponíveis para mobilizar nos outros seus próprios recursos e potenciais, o que sabemos estar envolta em limitações impostas pelas posições de desigualdade em que se encontram no sistema social.

Ao propor uma ação reflexiva que encontre soluções para os problemas, impulsiona os jovens a uma relação de outra natureza com seus locais de moradia, contudo, a comunidade pode não ser permeável a ação dos jovens, sobretudo, se não houver recursos disponíveis para o diálogo de ambas as partes, como identificamos na comunidade do Totó.

É muito bom para a comunidade, mas a comunidade precisaria ter mais conhecimento dessas ações, lá fora é muito valorizado, mas aqui na nossa comunidade ainda não. (...) A minha contribuição foi dar o muro, mas depois ninguém me procurou mais, eu nem sabia que tinha sede deles aqui (Maria).

Para gerar o sentido de comunidade, proposto por Bauman, a ação político-social precisa envolver o coletivo, deve buscar a cooperação e partilha através do diálogo. A intencionalidade necessita gerar trocas entre jovens engajados e os membros dessa comunidade, para que fiquem claros os propósitos e que favoreça uma ação qualificada.

Como problematiza o hip hopper Guilherme, as ações dos integrantes do movimento hip hop, devem ter em mente a proposta de que:

(...) expondo pensamentos, convivendo com a comunidade e despertando, através da arte e da troca de informações, é que se tem a consciência e a necessidade de agir para mudar.

O entrevistado acima aciona o elemento do conhecimento e da comunicação como relevantes para mobilizar a comunidade, para propor o seu fortalecimento em função da necessidade de mudança da situação atual em que se encontra. Isto requer certo grau de solidariedade, pois é na

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solidariedade entre iguais que o sentido político das ações dos hip-hoppers se constituem.

O princípio de solidariedade é o núcleo de articulação central entre os diferentes atores sociais envolvidos, a partir de uma base referencial comum de valores e ideologias construídas na trajetória do grupo, por indivíduos e compartilhados pelo conjunto (GONH, 2005, p. 32).

A solidariedade como princípio é uma liga que une os atores sociais em torno de uma situação e na maioria das vezes em prol da alteração desta, no caso em questão, algumas entrevistas indicam esta perspectiva, como o entrevistado, Celso que aponta: “o hip hop muda a forma de ver os problemas sociais da comunidade (...) a idéia é de rede, de troca, construir novos coletivos, fortalecer idéias”.

Observa-se que a idéia de comunidade está enlaçada pelo pertencimento, a solidariedade e o reconhecimento da vulnerabilidade a que estão expostos, conforme indica ainda o depoimento de Celso e Antonio respectivamente.

O movimento hip hop já nasce na periferia mesmo, não é aquele cara que já nasce com dinheiro, não sabe a dificuldade do pobre, não é aquele que está na comunidade todo dia, vendo os problemas sociais. Tem muitas donas de casa que falta dinheiro pra comprar comida, falta dinheiro pra comprar leite, muitos pais de família abrem o armário e não tem comida.

Através tanto no rap como no grafite as pessoas protestam, expressam a visão que eles têm. Principalmente nas favelas que o hip hop tá mais junto da favela e dos bairros periféricos.

Afirmam dessa forma, que o movimento proporciona uma mudança na forma de se posicionar na realidade, de compreender a dinâmica do sistema social em que vivem. Além disso, a possibilidade de encontrar alternativas que modifiquem sua vida e a vida da comunidade, como exposto a seguir.

Antes eu só pensava em fazer besteira, não tinha nada pra fazer, aí eu usava drogas, só pensava em besteira, não pensava nas boas atitudes. Agora não, depois que eu entrei no movimento eu já sei conversar com as crianças, dá uma educação pras crianças, sempre que tem aqueles pirraia agressivos eu chamo pra dar um rolé, jogar uma bola, aí vai rolando (Antonio).

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Avaliam como positiva sua entrada no movimento, situando um antes e depois. Este depois proporciona para eles uma visão mais engajada na comunidade na qual vivem, de se preocupar com as crianças, de enxergar as potencialidades das outras pessoas. O movimento se constitui como “abertura-de-novos-caminhos”, Santos (2002) utiliza essa expressão para tratar as relações de poder, como relações que possuem potencial para a transformação.

Neste caso, um novo patamar de princípios ético-políticos e de compromissos possibilita avaliar sua postura e seus valores. Dessa forma, estes jovens vêem no hip hop um potencial político transformador com caráter educativo, que também provoca mudança nas pessoas. Com isso cria novas possibilidades de ser e estar em coletividade, seja esta a comunidade-bairro, ou a comunidade-hip hop.

Breves Considerações

O movimento hip hop em Recife constitui-se, através dos diferentes coletivos que o compõem numa identidade coletiva. Identidade coletiva que articula internamente diferentes orientações político-culturais, que posiciona sua ação político-social a diferentes direções, embora partam dos mesmos lugares destinados socialmente a este segmento populacional – jovens pobres residentes nas periferias da cidade.

Isto indica que o movimento hip hop produz um conjunto de relações sociais ambíguas, que tanto servem para manter e mesmo reproduzir o modelo que interessa a indústria cultural – o movimento como espetáculo – como serve para gerar o conflito e o antagonismo e deste modo ação transformadora da existência coletiva.

Os coletivos que atuam em prol das transformações das condições de vida, enfrentam os desafios impostos pelo contexto de privação do desenvolvimento das potencialidades, ou seja, os recursos disponíveis para seu desenvolvimento são escassos. Isto se reflete nas dificuldades que tem em empreender ações comunitárias, que requer um poder de diálogo e de negociação com os outros atores sociais, pois não trata de convencê-los dos

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impactos destas ações para a vida deles, mas de juntos construírem sentidos para a vida em coletividade.

As alternativas produzidas para suas vidas situam-se, portanto, no campo de oportunidades da ação político-cultural, o que significa saltos qualitativos em torno de novas habilidades e potenciais desenvolvidos, entretanto, é preciso também admitir a necessidade de ultrapassar os limites do cultural em direção a transformações efetivas, que garanta acesso a bens, a oportunidades e melhoria nas condições de vida.

Referências Bibliográficas

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