Inimigos
invisíveis
Todos os dias,
respiramos,
tocamos e ingerimos substâncias
que
têm
um
impado
negativo
na nossa saúde.
A
comunidade
científica
chama
lhes
desreguladores
endócrinos
e
associa
os
ao
aumento da prevalência
de doenças como a obesidade,
entre
outras.
por Filipa Basílio da Silva
stáconforta velmente sentada? Tem um copo de água aolado, para irbebendo enquanto lê este artigo? Então, antes
decomeçar, dê um gole, inspire fundo
eexpire. Este exercício tem como
pro-pósito fazê-la parar para pensar, refle-:ir naquilo que acabou de entrar no seu
corpo sem a sua autorização, na realidade,
sem que setenha apercebido. São matérias, algumas das quais invisíveis aolho nu, pre-sentes noarque respiramos, nos objctos do quotidiano que tocamos ena comida e bebi-da que ingerimos, que estão ainterferir com onormal funcionamento dos nossos órgãos. "Desregulador endócrino éuma substância,
mistura de substâncias ou um composto exógeno que altera
uma ou várias funções do
siste-ma endócrino etem, consequen-temente, efeitos adversos sobre a saúde num organismo intac-to, sua descendência, ou (sub) populações", esclarece Catarina Mansilha, responsável técnica doLaboratório de Química e To-xicologia daUnidade de Água e Solo doDepartamento de Saúde Ambiental doInstituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.
Embora não seja possível
esca-par-se-lhes totalmente, se
sou-ber quais são asprincipais
fon-tes, pode reduzir ocontacto com eles eminimizar oseu efeito.
Discretamente
omnipresentes
Alguns dos disruptores endócrinos são deorigem natural, como asisoflavonas da
soja, asdioxinas originadas pela combus-tão de matéria orgânica (madeira, carvão, petróleo) ealguns metais (cádmio, mercú-rio echumbo), mas muitos foram
sinteti-zados pelo ser humano. "São considerados desreguladores endócrinos osestrogénios
naturais esintéticos, como aestrona, o
17P-estradiol, o estriol, os fitoestrogénios
e o 17a- etinilestradiol, bem como uma
ampla variedade de poluentes", enumera
aespecialista em Química eToxicologia. Isto fez-nos
questionar
seexiste alguma coisa em que
os disruptores endócrinos não
estejam presentes. Mas as res-postas que obtivemos são, no
mínimo, desanimadoras. Se-gundo Paula Freitas, médica endocrinologista no
Centro
Hospitalar
São João,profes-sora da Faculdade de
Medici-na da Universidade do Porto
e
presidente
daSociedade
Portuguesa para o Estudo da Obesidade, "existem em toda
a cadeia alimentar, desde o
plâncton aos peixes, das aves aoutros animais, em produtos associados àagricultura, em químicos industriais,
fitoquí-"Todos
estamos
em
risco,
mas as
crianças
e
as
grávidas
são grupos
ainda
mais
vulneráveis"
Os
principais
culpados
Conheça algumas das substâncias responsáveis por desregular onosso sistema endócrino. De origem natural •Isoflavonas (fitoestrogénios), nutriente encontrado na soja. •Dioxinas resultantes da combustão de matéria orgânica (madeira, carvão, petróleo).
•Cádmio, um metal pesado
que estápresente nofumo dotabaco e naspilhas. •Mercúrio, metal tóxico
emitido por vulcões ativos,
pelos incêndios florestais e pela combustão decarvão e de petróleo.
•Chumbo, um metal pesado comummente usado nas indústrias metalúrgica, de munições e de tintas e ainda na construção civil.
Químicos sintéticos
• Solventes industriais e derivados (bifenilos policlorados ou PCB, dioxinas).
•Plásticos (bisfenol Aou BPA,
ftalatos)
-
ou seja, biberões, copos, garrafas, utensílios,brinquedos, cosméticos carros, aviões, etc.
•Pesticidas (metoxicloro, cloropiritos, diclorodifeniltricloroetano ouDDT). •Herbicidas (atrazine), •Fungicidas (vinclozolina). •Produtos farmacêuticos (dietilestibestrol ouDES). •Conservantes (parabenos). •Alquilfenóis
-
encontram--se emprodutos deuso doméstico eindustriais.FONTES: CATARINA MANSILHA, INVESTIGADORA DE SAÚDE AMBIENTAL; CONCEIÇÃO CALHAU, NUTRICIONISTA; PAULA FREITAS, ENDOCRINOLOGISTA.
micos, entre outros". E Catarina Mansilha,
investigadora do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, avisa que
"podemos encontrá-los em produtos de
uso corrente, como cosméticos, produtos de higiene pessoal, produtos de limpeza, protetores solares, perfumes,
ambienta-dores, plásticos, tintas, fármacos, subpro-dutos de incineração de resíduos, aditivos plásticos, etc". :
rr
pacto
provido
Os prejuízos dos ataques de 11de setembro de2001,em Nova lorque, nos Estados UnidosdaAmérica,
ainda estão aser contabilizados, passadas quase duas décadas. Além das consequências imediatas, com quase três mil vidas ceifadas,
hoje sabe-se que, quem sobreviveu, socorreu ou simplesmente estava próximo do local ficou com sequelas graves
-
enão foram apenas psicológicas e emocionais. "Já existe informação médica da população que ficou expostaaos níveis muito elevados de dioxinas que resultaram da queda das Torres Gémeas, emManhattan. Nasceram bebés debaixo peso para aidade gestacional, de mulheres que estavam grávidas naquele momento. Do ponto de vista metabólico, essas crianças são malformadas etêm uma maior incidência de diabetes", explica Conceição Calhau, professora de Nutrição e Metabolismo na Nova Medicai School, em Lisboa, e investigadora no CINTESIS, no Porto.
A ponta do icebergue
Para dificultar ainda mais o problema, os
alteradores não só estão em todo olado como ainda conseguem penetrar no
nos-soorganismo por diversas vias, seja pela
inalação, pelo contacto com apele, através
da ingestão de líquidos ealimentos epela
placenta. Tudo somado, o serhumano
fica numa situação complicada, entre a
espada eaparede. "Na atmosiera, na água e no solo, podemos ter ínfimas partes por milhão, uma concentração baixíssi-ma, mas, ao nível tráfico, aconcentração vai aumentando. Porque os animais co-mem-se uns aos outros e os alteradores endócrinos vão-se acumulando no tecido adiposo
-
quer dizer que vão estarpre-sentes nagordura quer do peixe quer dos
animais terrestres que ingerimos", frisa
Conceição Calhau, professora deNutrição eMetabolismo da Nova Medicai School, em Lisboa, einvestigadora no Centro de Investigação em Tecnologias eServiços de Saúde (CINTESIS), no Porto.
Sem sinais de abrandamento, o
pro-gresso tecnológico eindustrial continua
aexigir odesenvolvimento denovos ma-teriais esubstâncias para uso humano no
quotidiano. Russ Hauser, investigador dos
departamentos de saúde ambiental e epi-demiologia daUniversidade deHarvard,
nos EUA, disse ao Huffington Post que,
hoje, "existem aproximadamente 80mil
químicos em circulação aque estamos ex-postos no dia adia*. Contudo, só se
conhe-cem as consequências que algumas
cente-nasdeles podem ter no nosso organismo. "O impacto na saúde das restantes subs-tâncias ainda não foi
investigado", declarou no fórum Hormone-Al-tering Chemicals:
Ferti-lity and Health Implica-tions, em 2017
Patologia
clínica
A Organização
Mun-dial daSaúde (OMS) eaOrganização das Nações Unidas
(ONU)
publicaram, em2012,
um relatório con-junto, intitulado Global Assessmentof
theState-of-the-science
of
EndocrineDisrup-tors, onde fica claro que os
desregulado-res endócrinos têm "efeitos subtis, mas duradouros, nos tecidos biológicos", que
as"alterações hormonais
que provocam
vulnera-bilizam
o sistemaner-voso" eque agravidez é um momento de grande
risco, porque "a
transfe-rência dessas substâncias
da mãe para obebé, mais
tarde, vai produzir con-sequências adversas na saúde" dacriança. Porém, basta uma investigação
superficial para nos
aper-cebermos que faltam
ca-pítulos a esta história e
que osdisruptores endó-crinos podem provocar bastantes mais efeitos negativos. Paula Freitas confirmou a nossa
sus-peita: "Vão ter alvos metabólicos como
o tecido adiposo, o pâncreas, o fígado,
o cérebro e otecido musculoesquelético,
enão só. Também podem interferir com hormonas que controlam a saciedade
e oapetite, e, deste modo, contribuir para
a obesidade e promover aherança epi-genética transgeracional desta doença".
A
investi-gadora do Instituto Na-cional de SaúdeDoutor
Ricardo Jorge
Catarina
Mansilha refere também que aexposição acertos
desreguladores
endócri-nos temsido associada "a
problemas defertilidade
masculina,
alterações
no aparelho reprodutor, aumento da incidência de cancro da mama, do útero, do testículo eda próstata, endometriose, puberdade precoce,alte-rações do
funcionamen-to da glândula da tiroide, entre outros".
Gerações de mutantes?
Embora
todos estejamos em risco, asmulheres grávidas, osbebés in útero eas
crianças
-
particularmente nos dois pri-meiros anos de vida-
são os grupos que mais preocupam acomunidade científica."Um
feto será exposto amais de300
quí-micos sintéticos antes de sair do ventre damãe", informou Tyrone Hayes, investiga-dor de Biologia Integrativa na Universi-dade daCalifórnia (polo deBerkeley), nos
EUA,
numa conferênciaTED,
em março de2018.O
professor eativista acrescen-tou ainda queaagência norte-americana Centers for Disease Control and Preven-tion "correlacionou aexposição de sereshumanos ao atrazine [um herbicida] com problemas defertilidade edefeitos de
nas-cença
-
incluindo malformações genitaisnos bebés do sexo masculino".
No
entanto, infelizmente, asconsequên-cias não se ficam
por
aí. Conceição Ca-lhau conta que "há trabalhos científicosaassociar uma elevada concentração de alteradores endócrinos (como os PCB) no
cordão umbilical aum défice cognitivo aos 8anos de idade; fazsentido, porque a for-mação dos neurónios ocorre in útero eestá
aserdesregulada
-
então onovo ser nasceperfeito doponto de vista anatómico, mas
malformado do ponto de vista funcional". Essa
vulnerabilidade
deixa marcas, de uma forma ou de outra.A
especialista emNutrição
eMetabolismo relata que estãoaaparecer mais crianças pequenas com
problemas de saúde que, nos casos raros em que surgiam,
anteriormente,
apre-sentavam sintomas mais tarde: "Passou ahaver diabetes tipo
I
inaugural em maior prevalência eaidade de manifestação da doença émais precoce. Também aumen-tou afrequência decasos dealterações da tiroide, que éimportantíssima para aparteda cognição e naregulação metabólica".
"K
praticamente
impossível
eliminar
por
completo
a exposição
a desreguladores
endócrinos.
uma
vez
que
se
encontram
em quase tudo
o
que
utilizamos
na nossa
vida quotidiana
e
também
estão presentes
no ambiente"
AAgência Portuguesa do Ambiente estima que tenham ardido cerca de 418mil hectares de floresta no território português só em 2017.Éosegundo pior ano de incêndios que tivemos, aseguir a2003, quando
se calcula queos fogos terão devastado uma área superior a475
mil hectares. Algumas evidências cientificas têm mostrado que os incêndios florestais aumentam aquantidade de desreguladores endócrinos no meio ambiente, pondo em risco
asaúde das pessoas nas
imediações. Conceição Calhau, professora de Nutrição e Metabolismo na Nova Medicai School e investigadora no
CINTESIS, deixa uma crítica àgestão desse
problema, nonosso País: "Portugal não se porta nada bem com osincêndios. Mais tarde
ou mais cedo, vamos ser
alvo de pressões dos outros países europeus que receberam as nossas emissões. Porque não
ésó acombustão de matéria orgânica
que está em questão, que já desi liberta dioxinas
[substâncias tóxicas formadas nos processos de combustão], mas também de queimar plásticos ematerial de construção das casas.
Adisseminação de alteradores endócrinos éenormíssima, devido àdeslocação do ar". Todavia, Catarina Mansilha, responsável técnica do Laboratório de Química eToxicologia da Unidade de Água e Solo
do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, diz que são necessários mais estudos para se ter uma melhor noção dos riscos reais para a saúde das populações diretamente afetadas pelos fogos eoutros ainda para averiguar
os potenciais danos indiretamente causados por essas catástrofes
naturais. "Cada caso éum caso,
e a intensidade e duração do incêndio,
as características da zona ardida, bem como as condições meteorológicas pós--incêndio, são fatores muito importantes no
que respeita a fenómenos de contaminação ambiental", esclarece a especialista.
Sem
fuga possível
Todos nós temos uma quota-parte de
res-ponsabilidade na existência de (tantos) alteradores endócrinos, jáque muitas
des-sas matérias que estão a causar problemas médicos foram criadas pelo Homem para aumentar ascondições deconforto e,
iro-nicamente, melhorar asua qualidade de vida. Será tarde demais para carregar no botão reset eapagar todas asatualizações?
Aprofessora deNutrição eMetabolismo e
investigadora noCINTRSIS nãosemostra otimista quanto amodificações radicais no
nosso estilo devida: "Fomo-nos
habituan-doàscomodidades modernas, como ousar plásticos, atomar apílula com estrogénios, apintar ocabelo, ausar utensílios de cozi-nha antiaderentes, avestir impermeáveis,
etc; dificilmente vamos retroceder na sua utilização". Ainda assim, asorganizações
internacionais, como a
OMS
e aONU,
têm pressionado as instituições políticas
europeias a implementar medidas que ajudem aminimizar os efeitos dos dis-ruptores endócrinos. "A União Europeia
pretende implementar um sistema
regu-lamentar que consagre em legislação a
definição de critérios científicos para os
desreguladores endócrinos, com vista a
assegurar um elevado nível de proteção
da saúde humana e do ambiente contra
osriscos toxicológicos", avança Catarina
Mansilha. Dados oselevadíssimos custos dos tratamentos médicos para todas as
patologias resultantes da ação dos
altera-dores endócrinos, muitas delas crónicas e
com uma prevalência crescente, espera-se que, nas próximas décadas, asentidades
competentes comecem aatuar amontante,
incentivando amudanças nos padrões de consumo. As pessoas, tendo consciência dos riscos para o
ambiente e para a sua saúde, podem tomar precauções.
Quais? Conceição
Calhau
termina
aconselhando
a"comprar mais ali-mentos de
produ-ção biológica,
mes-mo a carne estará
menos
contamina-da, eescolher peixe selvagem em vez de aquicultura, optar por produtos de vidro eevitar os de plástico. Seos con-sumidores tiverem comportamentos em massa, as dis-ponibilidades vão diminuindo".
"Um
dos
pwl)í
em
as
relativamente
aos
anticoncecionais
orais combinados.
que
são
estrooénicos.
é
que são expelidos
na
urina
das
mulheres
(que tomam
a
pílula
durante
cada
vez
mais anos).
eas
águas não
estão
a ser
tratadas
relativamente
a
esta
questão"
COMO ATENUAR
O
EFEITO
Ainda que não seja possível evitar totalmente os poluentes que provocam alterações no sistema endócrino, háalgumas medidas que ajudam areduzir
ocontacto com os mesmos.
Lave as mãos antes de comer. Armazene aágua emgarrafas de vidro ou aço inoxidável. Evite beber bebidas quentes, como ocafé e ochá, em copos de plástico. Leia os rótulos das comidas, dos
cosméticos eos constituintes das embalagens. Não compre produtos de cuidado pessoal ou de limpeza que contenham compostos referenciados como desreguladores endócrinos. Coma sobretudo alimentos frescos ebiológicos. Reduza oconsumo deenlatados e produtos de origem animal, especialmente os ricos em gorduras, como os laticínios, as carnes vermelhas e os peixes gordos (de aquicultura), porque estão mais contaminados.
Evite os molhos sintéticos,
faça--os em casa
-
por exemplo, maionese, ketchup, pesto, etc.Use utensílios ou
objetos de madeira, porcelana, aço
inoxidável ou vidro
para cozinhar. Evite os materiais com antiaderente. Conserve os alimentos eaqueça a comida em recipientes ou pratos de cerâmica ou devidro. Descarte utensílios de plástico lascados ou arranhados e evite lavá-los com detergentes fortes ou namáquina delavar. Evite o contacto com papel reciclado e papéis brilhantes
-
podem ser revestidos por químicos etermais disruptores endócrinos que
oesperado.
Nãouse tintas e outros produtos similares em áreas que não sejam bem ventiladas.
Não faça exercício físico em zonas poluídas.
Sefor uma mulher em idade fértil equiser engravidar, além de respeitar os pontos anteriores, convém privar-se dealgumas coisas durante operíodo de gestação, como pintar ocabelo eas unhas. FONTES: CATARINA MANSILHA, INVESTIGADORA DESAÚDEAMBIENTAL; CONCEIÇÃO CALHAU, NUTRICIONISTA; PAULA FREITAS, ENDOCRINOLOQISTA