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MERCADOS E AGENTES SEGUNDO O «GUIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA FILATELIA»

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Academic year: 2021

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MERCADOS E AGENTES

SEGUNDO O «GUIA PARA O

DESENVOLVIMENTO DA FILATELIA»

Amigus Philatelicus

Introdução

1. O Guia para o Desenvolvimento da Filatelia é uma obra importante de mais

para não a analisarmos cuidadosamente. Após uma apreciação geral, preen-chendo o primeiro artigo, encetamos o percurso mais pormenorizado pelos di-versos capítulos. Cabe-nos hoje referir o conteúdo dos Capítulos 4 e 5, com as designações “A Indústria Filatélica” e “O Mercado Filatélico”.

É estranha a sensação com que ficamos ao percorrer as dezoito páginas de texto e imagens que os constitui. Por um lado apercebermo-nos da complexidade da realidade filatélica, sentimos um grande esforço, e coragem, em tratar matérias que muito frequentemente são esquecidas ou ignoradas, adquirimos um conjun-to de referências que podem encaminhar investigações futuras. Por outro, aper-cebemo-nos da grande falta de informação sobre algumas matérias, defronta-mo-nos com parágrafos quase ridículos, confrontadefronta-mo-nos com enviesamentos ideológicos que perturbam a clareza do discurso.

Vamos por partes.

Capítulo 4

2. O título do Capítulo 4 e o seu desenvolvimento não são coincidentes: a

in-dústria, termo que figura no título, pertence à esfera da produção, à criação de bens e serviços, exige a análise dos agentes intervenientes numa leitura econó-mica, social e institucional; o fio condutor da análise é o mercado, que pertence à esfera da troca, incide essencialmente sobre o relacionamento entre os diver-sos agentes, movidos pela maximização da satisfação, subjectiva ou de rentabi-lidade.

Poderão dizer que os dois aspectos estão relacionados. Sem duvida nenhuma. Mas uma coisa é tratar da produção outra coisa é analisar a troca. Se se encarar a Oficina Gráfica, por exemplo, enquanto produtor temos de fazer referência às condições tecnológicas que tem de ter, ao tipo de impressão dos selos e restan-tes peças filatélicas, às condições de segurança no manuseamento do material, à sua localização institucional e geográfica, às tendências de concentração e cen-tralização mundial, à capacidade de decisão sobre as emissões, aos custos de produção, à rendibilidade esperada. Se encararmos enquanto agente do mercado a Oficina Gráfica apenas tem de ser entendida na relação de recebedor de uma encomenda e entrega de um produto.

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E porque se encara do ponto de vista do mercado não se analisa a conveniência ou não de uma Administração Postal coincidir com um Estado (numa época em que proliferam “administrações postais” fantoches), não se analisa as relações político institucionais entre Administração Postal, Oficina Gráfica, Artista e Comerciantes, não se discute alguns dos problemas mais graves da industria fi-latélica contemporânea: comerciantes e empresas gráficas que concentram as emissões de dezenas de países, descaracterizando as emissões e desligando a produção de circulação da circulação da correspondência (embora haja uma re-ferência ao assunto).

Não seria interessante conhecer o custo médio da produção de um selo em offset e em talhe-doce? Não seria interessante abordar as exigências tecnológi-cas da indústria face às tendências de personalização dos selos? Não seria inte-ressante perceber a capacidade concorrencial do selo tradicional em relação às etiquetas de venda automática e às etiquetas colocadas nos postos de correio? Enfim, uma infinidade de perguntas que ficam sem resposta devido à “leitura da produção através do mercado”.

O essencial deste capítulo resume-se em três pontos:

1. Decomposição e relacionamento dos agentes económicos filatélicos segundo a representação seguinte:

2. Decomposição do mercado filatélico em primário e secundário 3. Reconhecimento de que a “indústria filatélica” relaciona-se

economi-camente com muitos outros sectores de actividade.

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Artista, Comerciantes (Grossista, Retalhista e Leiloeiro), Cliente, Clube de Co-leccionador e Agentes (de Marketing, de Produção e Consultadoria), ficando por dizer como se encaixam no esquema anterior. Contudo fica por esclarecer o significado de alguns dos termos e do papel que desempenham no processo. Não é clara a relação do Clube de Coleccionadores com a indústria filatélica, fi-cando por elucidar se é um agente ou um elemento influenciador, como muitos outros, e naquela situação quais as funções que desempenha.

Uma frase nos chamou a atenção:

“Ao negociar com um agente exclusivo de produção, marketing e ven-das, as administrações postais devem garantir que os temas e os dese-nhos (caso essa parte esteja incluída numa das cláusulas do contrato), representem a cultura e o património de seu país, e reflictam a imagem que o país quer transmitir para o mundo”

É uma recomendação importante numa época em que dezenas de países emitem selos sobre o mesmo tema e quase iguais, porque todos são feitos no mesmo lo-cal, em que países equatoriais emitem selos com pinguins ou administrações de países africanos representam crianças loiras e inovações tecnológicas.

Mas será apenas uma questão jurídica (figurar no contrato)? Quem tem maior capacidade de decisão? E se administração postal não corresponder a um país? Tem o país uma imagem definida a transmitir? Serão os selos para circular na correspondência ou para vender a comerciantes filatélicos exclusivamente? Não há na relação entre a administração e esses grossistas uma economia subterrâ-nea paralela? Fica a intenção...

4. Referem que existem dois mercados. O primário é o das Administrações

Pos-tais. O mercado secundário “é formado por todas as pessoas que negociam com selos postais e outros produtos filatélicos, depois das administrações postais os terem distribuído e vendido para coleccionadores e comerciantes”. Acrescenta que o primário movimenta anualmente dois biliões de dólares e o secundário poderá atingir dez biliões (bilião mil milhões ou bilião milhão de milhão?). São informações importantes e a distinção dos dois mercados é um contributo signi-ficativo para a compreensão do problema.

Dois aspectos há a lamentar: (1) apesar da maior importância do mercado se-cundário é sobretudo o primário que é estudado; (2) é manifesta a incapacidade de interligar os dois mercados.

A este propósito afirma-se:

“É importante compreender que cada mercado influencia o outro – um mercado primário forte e estável leva a um mercado secundário tam-bém forte e estável. Da mesma forma, um mercado secundário sólido e duradoiro mantém o mercado primário em crescimento”.

e acrescenta-se um exemplo comprovativo.

Parece-nos uma afirmação que reflecte mais um desejo que uma realidade. Principalmente é demasiado simplista. Há zonas de complementaridade (quem

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faz a assinatura de novas emissões tenderá a querer obter selos no mercado se-cundário), há zonas de relativa independência (um aumento das transacções com selos do século XIX poderá não ter qualquer impacto no mercado primá-rio), há zonas de conflito (perante o aumento das emissões das administrações postais alguns coleccionadores estão a abandonar as assinaturas e a virarem-se para selos de outras épocas). Depois há desfasamentos temporais entre o que acontece num e noutro mercado. E há diferentes impactos.

Matematicamente podemos dizer que

T2t = aT1t+i com - ∞< a < ∞ e -t < i < ∞

medindo T1 e T2 o volume de transacções nos mercados primário e secundário e t o período a que se refere a informação. O texto pressupõe que a é sempre positivo quando tal não acontece. Ignora o desfasamento i. Quase que admite implicitamente que a é próximo de 1.

Com esta falta de informação não se pode concluir que “para ter uma visão glo-bal é preciso observar o número de clientes com conta corrente”. É um dado importante, pode dar informações relevantes para o mercado primário, mas pode não ser um bom indicador.

Acrescente-se ainda uma observação extremamente importante que figura no capítulo seguinte:

“A segunda razão pela qual o mercado está a mudar e a tornar-se seg-mentado deve-se ao afluxo de novos coleccionadores, principalmente da Ásia. Os seus interesses e conceitos de beleza diferem dos que pre-valeceram durante muito tempo na Europa e na América do Norte. Re-flecte-se no Desenho que, em quase todos os países, era influenciado pela visão que as nações do Atlântico Norte tinham do mundo, tanto em termos de desenho como de temas, coloração e formato dos selos”. Por outras palavras, o etnocentrismo predominante na filatelia não é mais váli-do em fase de globalização e a multiculturalidade é, também aqui, a palavra-chave de entendimento do mercado mundializado. Os indicadores de “conta-corrente” exigem uma leitura do conjunto das administrações postais.

5. O relatório chama ainda a atenção para a existência de um conjunto de

“produtos ou actividades ligados à filatelia e, portanto, são parceiros potenciais da indústria filatélica” o Turismo, as Companhias Aéreas, a Horticultura, a Agricultura, ...

A chamada de atenção é importante mas mais uma vez estamos perante um enunciado impreciso, mostrando não haver um estudo económico sério do pro-blema e, muitos menos, uma medição dos impactos de uns sobre os outros, um conhecimento dos coeficientes técnicos da respectiva matriz de entradas e saí-das.

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Capítulo 5

6. Este capítulo, complemento, nem sempre harmónico, do anterior, começa

com uma tentativa extremamente interessante, mas completamente falhada: construção de uma função consumo de produtos filatélicos (designado como factores da procura de lazer). É um exercício habitual em Ciência Económica, mas que exige ser feito por quem saiba do assunto. Quando perante algumas variáveis limitam-se a dizer onde está a sua quantificação (crescimento econó-mico, nível de vida) em vez de estudarem o seu impacto, quando não definem se se pretende um modelo de curto-prazo ou de longo-prazo, está-se a tornar ri-dículas algumas análises.

Nessa tentativa consideram como variável explicada (a explicar) “a procura de produtos de lazer”. Mas será isso mesmo que interessa? A procura de produtos filatélicos obedece às mesmas regras que a procura de turismo, a procura de ci-nema e teatro, a procura de piscina e outros equipamentos desportivos, a procu-ra de moedas paprocu-ra colecção, a procuprocu-ra de postais ilustprocu-rados, etc.? Tudo isso é lazer. E se a filatelia é uma pequena parte desse mundo, que provas temos que segue a mesma dinâmica?

Percebemos a preocupação em falar em procura de lazer e não em procura de peças filatélicas. Sobre aquela existem alguns estudos que não existem sobre esta. Por outro lado alargando o âmbito da explicação encobre-se a ignorância e é mais fácil “inventar” variáveis. O perigo é estarmos a falar de alhos em vez de bugalhos. Admitamos para simplificar que se está a falar de lazer pensando em coleccionismo de selos.

E quais são as variáveis explicativas? Segundo o documento as principais são

1. “Crescimento Económico (ou Declínio)

Crescimento (positivo ou negativo) ou Nível Económico? Medido pelo Produto Interno Bruto ou pela Taxa de Variação do Produto Interno Bruto? A preços correntes ou a preços constantes? Tendo em conta, ou não, o poder aquisitivo das moedas?

2. “Nível de Vida”

Medido pelo Rendimento per capita? Medido pela distribuição pe-los Sectores Primário, Secundário e Terciário, como estranhamen-te se sugere? Não seria muito melhor usar o Índice de Desenvolvi-mento Humano do PNUD?

3. “População, Distribuição de Idade e Urbanização”

Se o número de habitantes e distribuição por idades são apontados como significativos em todas as situações, já a urbanização é refe-rido como interessando apenas em alguns países (em desenvolvi-mento).

Além disso refere-se: 1. “uso postal”

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3. importância “da cultura de coleccionar” 4. importância do sector agrícola

5. “atracção estética” 6. “facilidade de transporte” 7. “liquidez”

8. “moda”

Duas questões se colocam:

A. Qual o impacto de cada uma dessas variáveis sobre a procura de peças filatélicas? Por outras palavras qual é a variação percentual de procura de peças filatélicas quando a variável explicativa varia de 1% (elasticidade)? Quais as elasticidades que estatisticamente são signifi-cativamente diferentes de 0? Não sabemos.

B. Existirão outras variáveis a considerar na explicação? Será interessante medir estatisticamente outras variáveis?

A segunda parte da pergunta não pode ser respondida porque não se faz quer teste econométrico e, portanto, não se conhece qualquer estimação, qual-quer parâmetro, qualqual-quer aleatoriedade.

Será de admitir como relevante: 1. Distribuição do Rendimento

2. Taxas de Juro do Mercado Financeiro

3. Desenvolvimento Tecnológico das Comunicações 4. Ensino

7. A tentativa de meter numa representação gráfica os diversos segmentos da

procura e a sua relação com poder aquisitivo e idade é notável:

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maior precisão, como dissemos, admitimos que a localização dos diversos qua-driláteros e suas áreas precise de afinação, mas estamos perante uma análise brilhante e com grande capacidade explicativa.

8. Também é extremamente interessante a discussão sobre as relações e

dinâmi-cas entre as quantidades de “ajuntadores”, “coleccionadores” e “filatelistas” (“acf”): é o maior número de “ajuntadores” que gera um maior nú-mero de “filatelistas” (Teoria da Pirâmide) ou é o dinamismo dos filatelistas mais desenvolvidos que aumenta o número de ajuntadores (Teoria do «Cabide»)?

Sem dúvida que há dinâmicas “de baixo para cima” e de “cima para baixo”. A dificuldade (talvez o erro) está em absolutizar a importância de uma delas. Te-nhamos contudo presente que a escolha não é meramente “académica”. Tem fortes repercussões práticas, de financiamento.

O Guia defende a Teoria do «Cabide» e ao fazê-lo consagra a situação actual: primado das despesas às grandes exposições, apoio privilegiado às “elites” fila-télicas, manutenção da organização actual da chamada “filatelia organizada”. Perante a ignorância subjacente aos tratamentos anteriores da “indústria” e do “mercado” pareceria mais prudente, e lógico, não se tomar uma posição tão

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ca-bal em relação aos dois modelos. Mas a realidade é também correlação de for-ças e poder económico e social. É mais fácil manter o que está, fazer a sua de-fesa, com um desenvolvimento bastante maior que muitos dos pontos anterior-mente tratados.

Fica por esclarecer duas grandes questões:

1. Faz sentido a distinção entre “ajuntadores”, “coleccionadores” e “filatelistas”? Na afirmativa quais as fronteiras entre uns e outros? Não será que essa divisão comporta uma leitura ideológica que “atrofia” o crescimento da filatelia?

2. A “filatelia organizada” é uma filatelia organizada para ajuntadores, coleccionadores e filatelistas ou só destes últimos? Qual a percenta-gem de “acf”s influenciados pela actual filatelia organizada?

Quando se considera que um clube com 400 é grande e quando se põe toda a importância nos “filatelistas” estamos perante um “sistema de pescadinha de rabo na boca”: organização das elites para trabalhar para as elites; a influencia sobre “ac”s é um subproduto.

Conclusão

9. Provavelmente o leitor poderá repostar da seguinte forma: “Tudo isso é

mui-to bonimui-to, mas o Guia é um livro de divulgação para o grande público e não um estudo técnico. Muitas das críticas aqui feitas não fazem sentido por isso mes-mo”.

Quem dessa forma argumentar não só é ignorante como o pretende continuar a ser. Não tem consciência da sua própria ignorância, a maior de todas as debili-dades intelectuais.

Não defendemos que o Guia tenha o tipo de análises técnicas a que nos referi-mos. O que defendemos, isso sim, é que ele reflicta a existência desses estudos, tenha um conhecimento construído por trás, saiba do que está a falar com exac-tidão, com quantificações – por difíceis que estas sejam -, não transforme so-nhos ou hipóteses em realidades.

O documento em apreço é suficientemente importante para não se cometerem tais “fraquezas” intelectuais.

Referências

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