ESTUDO EXPERIMENTAL PARA A MELHORIA DO DESEMPENHO
DE UM FRIGORÍFICO SOLAR
Gonçalo J. V. N. Brites1*, Jorge F. P. Roxo1, José J. Costa1 e Vítor A. F. Costa2 1: ADAI-LAETA, Departamento de Eng. Mecânica, Universidade de Coimbra, 3030-788 Coimbra,
Portugal. e-mail: goncalo.brites@uc.pt, web: http://www.adai.pt
2: TEMA-Centro de Tecnologia Mecânica e Automação. Departamento de Eng. Mecânica, Universidade de Aveiro, 3810-193 Aveiro, Portugal
Resumo Atualmente, os equipamentos domésticos de refrigeração são responsáveis, em
média, por cerca de 28% do consumo de eletricidade nas habitações [1], sendo generalizada a utilização de equipamentos de ciclo de compressão de vapor para o efeito. No entanto, a energia solar, cuja captação e utilização para aquecimento de águas sanitárias ou do ambiente está já plenamente desenvolvida, apresenta também um grande potencial de utilização para refrigeração, atendendo ainda a que, em geral, as maiores necessidades de arrefecimento coincidem com a maior disponibilidade de energia solar. No entanto, o baixo desempenho dos frigoríficos solares por adsorção tem sido o principal obstáculo à introdução desta tecnologia no mercado.
Este trabalho teve por objetivo testar algumas alterações do ciclo de refrigeração por adsorção com energia solar, com vista a melhorar o seu desempenho. Para o efeito foi utilizado um frigorífico solar previamente desenvolvido, para o qual já haviam sido identificadas algumas possíveis medidas de melhoria através de um estudo paramétrico por modelação numérica [2]. Com vista a avaliar experimentalmente o efeito de tais medidas, foram efetuadas experiências envolvendo sobretudo a variação do azimute do coletor e a ventilação noturna do mesmo.
Os resultados experimentais obtidos confirmam as melhorias previstas anteriormente por simulação numérica.
1. INTRODUÇÃO
A refrigeração solar por adsorção tem especial interesse em países ou em regiões com uma boa disponibilidade de energia solar e, em particular, onde não existe uma rede elétrica bem desenvolvida. Uma vantagem da refrigeração com energia solar resulta de a disponibilidade de energia solar ser maior no verão, coincidindo assim com o período do ano com maior necessidade de produção de frio. Outras vantagens do frigorífico solar por adsorção são, por exemplo, ser totalmente silencioso, não ter componentes móveis (manutenção mais simples e menos sujeito a avarias), não necessitar de componentes elétricos e os seus componentes serem constituídos por materiais facilmente recicláveis. O frigorífico solar testado tem por base o ciclo de refrigeração por adsorção. Os componentes essenciais são um coletor solar contendo uma caixa metálica onde é colocado um material adsorvente, um condensador, um reservatório de condensados, uma válvula e um evaporador situado no interior da caixa frigorífica. Todos os componentes estão interligados por uma tubagem estanque, sendo retirado todo o ar do interior do sistema. Os fluidos operantes mais comuns são a água e o metanol. A Figura 1 mostra um esquema simplificado de um frigorífico solar por adsorção.
Durante o dia a válvula do reservatório de condensados permanece fechada, o adsorvato (fluido) é separado do adsorvente (sólido) sob a forma de vapor, usando o calor obtido diretamente da radiação solar incidente sobre o coletor. O vapor é depois condensado, libertando calor para o ambiente, e armazenado no estado líquido no reservatório de condensados. Ao final da tarde, abrindo a válvula o líquido condensado flui para o evaporador. A válvula permanece aberta durante a noite e, como o adsorsor perde calor para o ambiente através da placa coletora, a temperatura do adsorvente diminui e o adsorvente começa a adsorver o vapor, o que, por sua vez, faz diminuir a pressão no interior do sistema, causando a vaporização do líquido acumulado no evaporador, originando o abaixamento de temperatura e assim o efeito frigorífico desejado. O funcionamento de um equipamento deste tipo é intermitente, apenas produzindo frio durante a noite, o que obriga a usar acumulação de frio, normalmente sob a forma de gelo. Uma caracterização abrangente sobre as tecnologias de refrigeração por adsorção, incluindo as perspetivas de futuro desta tecnologia, pode ser encontrada em [3] e [4]. Os pares de materiais adsorvente/adsorvato mais utilizados são a sílica-gel e a água, a zeolite e a água, e o carvão ativado e o metanol. Existem, no entanto, outros pares já estudados e que estão descritos na literatura. Em [3] é feita uma descrição dos pares de materiais mais utilizados e do desempenho conseguido, e [5] e [6] descrevem os resultados obtidos com materiais adsorventes menos comuns.
1.1. Desempenho do frigorífico solar
O desempenho do frigorífico solar é geralmente avaliado através do parâmetro COPsolar, que
representa o quociente entre a produção de frio, ou seja, o calor retirado ao evaporador, Qevap, e a
radiação solar total incidente no plano do coletor, Qsolar: evap solar solar
Q
COP
Q
=
. (1)O calor retirado ao evaporador, Qevap, não é fácil de calcular diretamente, uma vez que não é simples
de medir a quantidade de água evaporada. Então, assume-se que a massa de líquido evaporado é igual à massa de líquido condensado, uma vez que permanece constante a quantidade total do fluido frigorigénio no interior do sistema. Como a quantidade de líquido condensado em cada ciclo é facilmente mensurável através do visor de nível do reservatório de condensados, então o calor retirado ao evaporador pode ser calculado como:
( )
evap cond fg cond P cond evap
Q =m ⋅ ∆h −m ⋅c ⋅ T −T , (2)
em que mcond é a massa de líquido condensado em cada ciclo, ∆hfg é a entalpia de vaporização do
adsorvato à temperatura do evaporador, cP é o calor específico do adsorvato no estado líquido à
temperatura do condensador, Tcond é a temperatura do líquido quando sai do condensador e Tevap é a
temperatura no evaporador.
Em termos práticos, após ser atingida a temperatura máxima no adsorsor, toda a radiação adicional recebida pelo coletor não só não tem utilidade prática para o ciclo de adsorção como até é prejudicial, uma vez que retarda a fase de arrefecimento que se vai seguir. Assim, pode ser interessante quantificar também o desempenho em função da energia solar efetivamente utilizada pelo ciclo:
evap ciclo util Q COP Q = (3)
em que Qutil é a radiação que tem de ser fornecida ao ciclo de refrigeração por adsorção até atingir a
temperatura máxima no adsorsor. Esta definição do coeficiente de desempenho é utilizada sobretudo em chillers de adsorção.
2. CONSTRUÇÃO E TESTE DO FRIGORÍFICO SOLAR
O par de trabalho escolhido foi a sílica-gel e a água, essencialmente por razões ambientais. A desvantagem de utilização da água relativamente à utilização de metanol como adsorvato prende-se com a impossibilidade de atingir temperaturas negativas, uma vez que a temperatura do ponto triplo da água é aproximadamente 0ºC. A temperatura do ponto triplo do metanol é -97.7ºC, pelo que este adsorvato será a melhor escolha quando se pretende produzir gelo.
Optou-se por construir um coletor solar / adsorsor plano, com 1 m2 de área e com inclinação de 40º (igual à latitude do lugar). O adsorsor é um coletor solar especial, em que a caixa envidraçada, isolada termicamente do coletor, contém uma segunda caixa plana completamente estanque, em aço inox de 2 mm de espessura, onde está colocado o adsorvente, e que absorve numa das faces a radiação solar. O adsorsor está ligado por um tubo ao condensador.
O condensador (ver Figura 1) é constituído por 6 tubos paralelos em cobre dotados de alhetas exteriores retangulares espaçadas de 10 mm, e unidos nas extremidades por 2 tubos coletores. A área exterior total do condensador é de cerca de 20 m2, de modo a manter a temperatura de condensação
próxima da temperatura ambiente. O condensador tem ligação ao adsorsor e ao reservatório de condensados. O reservatório de condensados é um pequeno reservatório em aço inox, com 150 mm de diâmetro e 300 mm de altura, com capacidade de cerca de 5 L, e equipado com um visor de nível de líquido. Por baixo do reservatório de condensados existe uma válvula de 2 vias que permite isolar o evaporador durante as fases de aquecimento e dessorção (tipicamente, desde o nascer do sol até ao final da tarde), devendo ficar aberta do fim da tarde até ao início da manhã para deixar o condensado escorrer para o evaporador e depois, durante a noite, permitir a passagem do vapor desde o evaporador até ao adsorsor, onde é adsorvido.
Finalmente, o evaporador é uma caixa estanque em aço inox que, durante o normal funcionamento do frigorífico solar, contém o fluido operante a uma temperatura adequada para refrigeração, na forma líquida (metanol), ou de mistura sólido-líquido (água). Quando o adsorvato é o metanol, é necessário colocar um recipiente com água em contacto com o evaporador de modo a produzir gelo. Este gelo é necessário para acumular frio, uma vez que o ciclo é intermitente e só é produzido o efeito frigorífico durante a noite. Se o adsorvato for água, parte dela congela dentro do evaporador, armazenando o frio produzido.
2.1. Resultados obtidos com o protótipo inicial
O protótipo foi testado em Coimbra, com condições meteorológicas típicas de final de verão. Nos testes foi introduzida uma carga diária de água a refrigerar (6 kg), sempre ao final da tarde, sendo nesse instante retirada a carga introduzida no dia anterior.
A Figura 2 mostra alguns dos resultados obtidos, observando-se que o frigorífico solar consegue manter a temperatura do evaporador sempre próxima dos 0ºC, o que significa que é produzido gelo suficiente dentro do evaporador, durante a noite (na fase de adsorção), para manter a caixa refrigerada durante todo o dia. No entanto, o valor do COPsolar é muito baixo, variando entre 0.046 e 0.074. Estes
valores, apesar de serem relativamente baixos, não estão longe dos valores obtidos por outros investigadores. Trabalhos recentes (e.g., [7-9]) descrevem a construção de frigoríficos solares por adsorção e apresentam valores do COPsolar iguais ou inferiores a 0.08.
Qevap [kJ] 699.8 1375.5 1509.7 1557.7
Qsolar [kJ] 15119.0 18520.4 22252.9 21771.4
Mcond [kg] 0.29 0.57 0.63 0.65
COPsolar 0.0463 0.0743 0.0678 0.0715
Os baixos valores do desempenho obtidos motivaram um estudo para avaliar o efeito de um conjunto de possíveis medidas para a sua melhoria, nomeadamente:
• Otimização da massa de adsorvente
• Aumento do número de alhetas térmicas em contacto com a camada de adsorvente • Influência da orientação (azimute) do coletor solar
• Melhoria do arrefecimento noturno do adsorsor
• Influência da resistência térmica de contacto no adsorsor • Influência da área do condensador
• Aumento da superfície de evaporação no evaporador • Melhoria das características da placa absorsora do coletor • Melhoria do isolamento térmico da caixa frigorífica.
O estudo paramétrico efetuado por modelação numérica está descrito em [2] e [6], tendo sido obtido um COPsolar melhorado próximo de 0.2. No entanto, não foi ainda construído um novo protótipo
otimizado; apenas foram testadas algumas destas medidas de melhoria no protótipo inicial. 3. ESTUDO EXPERIMENTAL DE ALGUMAS DAS MEDIDAS DE MELHORIA
O estudo experimental de algumas medidas de melhoria foi efetuado no âmbito de uma dissertação de Mestrado [10]. As principais medidas estudadas foram a orientação (azimute) do coletor solar e o aumento da ventilação noturna do adsorsor.
3.1. Variação da orientação do coletor do frigorífico solar
De acordo com os resultados numéricos de [2], representados na Figura 3a, espera-se um ligeiro aumento do COPsolar quando o coletor solar tem uma orientação para sudoeste. O efeito frigorífico
máximo deverá verificar-se quando a massa de água evaporada (ou condensada) for máxima, o que ocorre para um azimute entre 30 a 40º para oeste, relativamente a sul.
Para determinar o efeito da orientação do coletor sobre o desempenho do frigorífico solar foi realizada uma série de ensaios em que o frigorífico solar era rodado diariamente, estando num dia com azimute 0 e no dia seguinte com azimute 40º. Pretende-se com esta alternância minimizar o efeito da variação das condições meteorológicas nos resultados. Os resultados experimentais, apresentados nas Tabelas 1 e 2, verificam as previsões numéricas, registando-se um aumento médio da massa de água condensada por ciclo de 12.8% e um aumento médio do COPsolar de 9.4%.
Tabela 1 – Aumento da massa de água condensada quando o azimute do coletor passa de 0º para 40º (aumento médio de +12.8%).
Azimute 40º 0º 40º 0º 40º 0º 40º 0º
mcond [kg] 0.83 0.69 0.71 0.65 0.75 0.66 0.81 0.74
% Aumento +20.3 % +2.0 % +8.7 % +15.1 % +12.7 % +21.2 % +9.6 %
Tabela 2 – Aumento do coeficiente de desempenho do ciclo de adsorção quando o azimute do coletor passa de 0º para 40º (aumento médio de +9.4%).
Azimute 40º 0º 40º 0º 40º 0º 40º 0º
COPsolar 0.0786 0.0724 0.0690 0.0654 0.0698 0.0598 0.0743 0.0685
3.2. Aumento do arrefecimento noturno do adsorsor
O eficaz arrefecimento noturno do adsorsor é essencial para um bom desempenho do frigorífico solar, uma vez que o calor de adsorção tem de ser dissipado para o ambiente e, quanto mais baixa for a temperatura do adsorsor no final da fase de adsorção maior será a massa de vapor adsorvida e, assim, maior a massa de água evaporada. Por outro lado, durante o dia, o coletor tem de ser o mais bem isolado termicamente possível, de modo a reter o máximo de radiação solar. Assim, o coletor deve dispor de um mecanismo de ventilação a usar apenas durante a noite, quando interessa perder calor. Uma possibilidade é usar uma alavanca para levantar o vidro apenas durante a noite, podendo a ventilação ser do tipo natural ou forçada.
O estudo descrito em [2] e em [6] permitiu estimar a melhoria do COPsolar com aumento da
ventilação noturna, como mostra a Figura 3b.
a) b)
Figura 3 − a) Variação dos parâmetros relativos ao desempenho do frigorífico solar em função da orientação do coletor (azimute negativo para orientação a nascente e positivo, para poente), de acordo com [2]; b) Previsão do aumento do COPsolar com o aumento da
ventilação noturna.
Optou-se por estudar o feito da ventilação forçada utilizando 2 pequenos ventiladores a insuflar ar no espaço entre a placa do coletor e do vidro, de acordo com a Figura 4. Os testes experimentais realizados permitiram determinar o aumento médio do COPsolar usando
ventilação forçada durante a noite, cujos resultados estão listados na Tabela 3. O aumento médio do COPsolar é de 26% e a variação do COPsolar máximo é de cerca de 17%.
Tabela 3 – Aumento do desempenho do ciclo de adsorção com ventilação noturna da placa do adsorsor.
Sem Ventilação Com Ventilação % de Aumento
COPmédio 0.0665 0.0839 +26%
Figura 4 – Esquema do frigorífico solar com sistema de ventilação acoplado. 4. CONCLUSÕES
Os resultados alcançados permitiram comprovar experimentalmente o efeito de algumas das medidas de melhoria propostas no estudo numérico de [2]. Verificou-se que o COPsolar pode aumentar cerca de 10% e a massa de água condensada cerca de 12% com a orientação ótima proposta pelo estudo numérico. A ventilação noturna da placa do adsorsor resultou num aumento médio do COP de 26%. Não foi possível ainda testar todas as propostas de melhoria que resultaram do estudo numérico de [2], mas estes resultados experimentais dão boas indicações no sentido de ser possível a construção de um protótipo otimizado com valores do COPsolar da ordem de 0.2.
5. REFERÊNCIAS
[1] REMODECE – Residential Monitoring to Decrease Energy Use and Carbon Emissions in Europe (Publishable Report). ISR – University of Coimbra. November 2008.
[2] G. J. V. N. Brites, J. J. Costa, V. A. F. Costa. Influence of the design parameters on the overall performance of a solar adsorption refrigerator, Renewable Energy, 2016, 86:238-250.
[3] A. O. Dieng, R. Z. Wang. Literature review on solar adsorption technologies for ice-making and air-conditioning purposes and recent developments in solar technology, Renewable and Sustainable Energy Reviews, 2001, 5:313-342.
[4] M. S. Fernandes, G. N. Brites, J. J. Costa, A. R. Gaspar, V. A. F. Costa. Review and future trends of solar adsorption refrigeration systems, Renewable and Sustainable Energy Reviews, 2014, 39:102-123. [5] O. C. Iloeje, A. N. Ndili, & S. O. Enibe. Computer simulation of a CaCl2 solid-adsorption solar
refrigerator, Energy, 1995, 20: 1141-1151.
[6] G. J. V. N. Brites. Desenvolvimento e otimização de um frigorífico solar por adsorção, tese de doutoramento, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal, 2012.
[7] Giulio Santori, Salvatore Santamaria, Alessio Sapienza, Stefano Brandani, & Angelo Freni. A stand-alone solar adsorption refrigerator for humanitarian aid, Solar Energy, 2014, 100:172-178.
[8] Mohand Berdja, Brahim Abbad, Ferhat Yahi, Fateh Bourzefour, & Maamar Ouali. Energy Procedia, 2014, 48:1226-1235.
[9] Martín, M. (2006). Refrigeración Solar por Adsorción con Sistema de Captación CPC: Experimentos y Modelo. Memória presentada para optar al grado de Doctor en Ciencias Físicas, Departamento de Física, Universidad de Burgos, 2006.
[10] Jorge F. P. Roxo. Estudo experimental da melhoria do desempenho de um frigorífico solar com ciclo de adsorção, dissertação de Mestrado, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal, 2014.