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PROIBIÇÃO DE PROVA DIREITO À NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 438/08.5GCVNF.P1 Relator: ARTUR VARGUES

Sessão: 18 Maio 2011

Número: RP20110518GCVNF.P1 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

TAXA DE ÁLCOOL NO SANGUE CONSENTIMENTO

PROIBIÇÃO DE PROVA DIREITO À NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO

Sumário

I - A colheita de sangue realizada em caso de acidente [art. 156.º, n.º 2, do Código da Estrada] não viola normas constitucionais, designadamente, as atinentes à ausência de consentimento para a recolha de prova, à proibição de obtenção de prova mediante ofensa da integridade física ou moral da pessoa e ao direito à não autoincriminação.

II – A Lei não estabelece um prazo fixo para a colheita de sangue em caso de acidente, devendo esta efectuar-se “no mais curto prazo possível”.

Texto Integral

RECURSO Nº 438/08.5GCVNF.P1

Proc. nº 438/08.5GCVNF.P1, do 1º Juízo de Competência Criminal de Vila Nova de Famalicão

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o NUIPC 438/08.5GCVNF, do 1º Juízo de

Competência Criminal de Vila Nova de Famalicão, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido B… condenado, por sentença

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de 23/02/2010, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de seis euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses.

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso,

impetrando a sua revogação e substituição por outra que o absolva do crime por que se encontra acusado e condenado.

2.1 Extraiu o recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. No ponto 2 da matéria provada, consta que "Na sequência de tal acidente, o arguido foi transportado para o hospital … em Vila Nova de Famalicão (...), acontece que existe lapso de escrita, pois de facto o arguido foi transportado para o Hospital … em Riba d'Ave, conforme consta nos autos a folhas 79 e seguintes dos autos. Lapso que deve ser rectificado.

2. Não ficaram demonstrados os factos sob os n° 2, 3 da matéria de facto provada, existindo elementos que impõem decisão diversa no que tange à mesma, que serão infra alegados e explicitados;

3. Considerando a intensificação das alterações que o progressivo aumento da taxa de alcoolemia provoca nas faculdades psicomotoras e o inerente

acréscimo de risco para a circulação rodoviária, o legislador, ao proibir a condução sob efeito do álcool, colocou as condutas violadoras dessa proibição em patamares distintos, fazendo-lhes corresponder distintos tipos de ilícito - concretamente, um de natureza contra-ordenacional e outro de natureza criminal - contíguos e reportados essencialmente a progressivos limites mínimos quantificados com base em valores de TAS de que o agente seja portador.

4. Com base nesse critério, estabeleceu como limite a partir do qual a conduta passa a assumir dignidade penal a TAS igual ou superior a 1,2 g/1 - n°1 do artigo 292° do C. Penal.

5. O preenchimento do tipo determina, assim, a necessidade de quantificar a concreta taxa de alcoolemia de que o agente do facto é portador e, por

decorrência, a definição dos meios e procedimentos adequados para a

detectar e comprovar de forma segura, matérias cuja fixação o n° 1 do artigo 158° do C. Estrada remeteu para regulamentação autónoma.

6. A matéria respeitante à fiscalização do álcool está regulada nos artigos 153.

° n°s 1, 2, 3, alínea a), 4 e 6 do Código da Estrada e 1.° e 5° do Regulamento aprovado pela Lei n.° 18/2007, de 17 de Maio;

7. Nos termos Art.1° N° 3"- A análise de sangue é efectuada quando não for

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possível realizar o teste em analisador quantitativo. E nos termos Artigo 5.° N°

1— A colheita de sangue é efectuada, no mais curto prazo possível, após o acto de fiscalização ou a ocorrência do acidente.

8. No caso concreto, o teste de quantificação de álcool no sangue, foi realizado por amostra de sangue colhido pelas 4.15 minutos do dia 11.05.2008 -

conforme consta Relatório n°2008/001369/PT-T-AR efectuado pelo Instituto de Medicina Legal, I.P. delegação do Norte, junto a folhas 7 dos autos.

9. Nesse relatório consta de concentração de álcool etílico o valor de 3,00 g/1 no sangue, valores que no meu entendimento, não demonstra a realidade.

10. Segundo as declarações do arguido e das testemunhas, a hora do alegado acidente, seria até à meia-noite do dia 10 de Maio de 2008 e não a hora dada como provada, ou seja entre as 24h e a 1 hora do dia 11 Maio.

11. Com a analise dos relatório de folhas 7,8 dos autos do instituto medicina legal e do relatório de folhas 78, 79, 80 dos autos efectuado pelo Hospital de riba dÀve, podemos concluir que:

Entre a hora do alegado acidente e a hora em que foi efectuado o exame

médico pelo Médico do Hospital .., para comprovação da quantidade de álcool existente no sangue e segundo consta no relatório de folhas 8 dos autos,

assinado pelo Dr. C…, foi-lhe administrado pelo Hospital de Riba de Ave medicação, antes da realização da colheita de sangue por via intra-venosa Benzodiazpitam (salvo mero lapso escrita) e propotol, pelas 1h42m do dia 11-05-2008.

12. E da conjugação desse relatório com a matéria dos autos, pode-se concluir que decorreram cerca de 4 horas entre o alegado acidente e a realização do exame, e ainda cerca de 2h 35m entre a administração dos medicamentos e o exame toxicológico.

13. E para a realização de um exame valido é necessário que não tenha existido nenhum facto que impeça a fiabilidade desse exame.

14. Não obstante isso, a Meritíssima juiz "a quo" refere na sua fundamentação

"que actualmente não está estabelecido qualquer prazo de recolha da amostra de sangue, como acontecia na vigência do D. regulamentar 24/98". Mas nos termos art. 5 da lei 18/2007 é necessário que esse exame seja efectuado no mais curto prazo possível, consideração que a meritíssima juíza "a quo" não explicou, nem considerou, partindo do pressuposto (no meu entendimento) que se não existe prazo temporal definido, qualquer prazo é admitido.

15. Apesar de não se encontrar definido qual é esse curto prazo possível, devemos ter em conta um prazo razoável que a anterior lei já determinava como razoável. E tomando em linha de conta, a legislação anteriormente

revogada D. Regulamentar n°24/98 de 30-10, que estabelecia qual era o tempo médio para a realização desse exame que era de 2 horas, e a quantidade de

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jurisprudência que existiu sobre esse facto temporal, que consideraram uma estipulação média de fiabilidade, continuam a ser válidas, por ser um tempo razoável e necessário, para sem qualquer tipo de dúvida.

16. Considerando esse prazo razoável, este exame não poderá ser entendido como valido, e consequentemente invalido como prova.

17. Não estabelecem no relatório do Hospital, quais as dosagens

administradas, nem se os componentes destes medicamentos têm na sua composição álcool, o que devia ter sido determinado e valorado como pela meritíssima juíza "a quo".

18. Os medicamentos administrados, conforme pode-se constatar através de uma mera leitura simples da composição farmacêutica dos medicamentos, têm componentes de álcool e possivelmente pelas quantidades administradas, que não foram determinadas, alteraram o resultado do exame toxicológico do arguido.

19. Essa foi uma prova que não foi valorada, nem obtido nenhum esclarecimento sobre a sua composição e devia ter sido.

20. Não obstante isso, é de referir que o arguido, tinha perdido muito sangue, atestado pelas declarações das testemunhas, que presenciaram uma grande poça de sangue no chão, conforme declarações prestadas em audiência gravada, quer pela testemunha D…, quer pela testemunha E… (lado A gravação).

21. Todos estes factores, de tempo, administração de medicamentos, e perda de sangue, juntos levaram a que o resultado final, fosse o resultado apurado, sem consistência com a realidade dos acontecimentos, colocando no meu entendimento uma dúvida razoável acerca do resultado final deste exame toxicológico.

22. Ora, perante estes factos, o resultado desse exame não é conclusivo, não se podendo ter por validamente apurada, a taxa concreta de álcool no sangue por g/1, que o arguido apresentava no momento em que alegadamente

conduzia.

23. Pelo que, tendo em conta o principio "in dúbio pro reo", e perante as alterações da matéria de facto que se impunham face à inexistência de contraprova válida e de prova por exame capaz de sustentar a convicção do tribunal relativamente à concreta TAS de que o recorrente era portador na data da prática dos factos, temos de concluir que não se encontra preenchido o tipo objectivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.

e p. pelos arts. 292°, n° 1 e 69°, n° 1, a), ambos do C. Penal., devendo a meritíssima juiz "a quo" ter absolvido o arguido do crime de que vinha acusado.

24. Não obstante o supra referido e concluído, o arguido não prestou o seu

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consentimento, para a colheita de sangue pelo médico do Hospital.

25. A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade fisica ou moral da pessoa.

26. O nosso ordenamento jurídico, considera tão importante o respeito pela civilidade dos meios de obtenção de prova, que consagrou constitucionalmente no artigo 32° a nulidade das provas obtidas por meios que de uma forma ou de outra violam, a dignidade da pessoa humana, os princípios de Direito

Processual Penal, ou outros direitos constitucionalmente consagrados.

27. Não pode considerar-se estado de direito democrático o estado que

permite que os seus cidadãos sejam condenados com base em provas obtidas por meios desumanos, desleais ou violadores de princípios

constitucionalmente consagrados.

28. O edifício jurídico-constitucional é demasiado precioso para se permitir que possa ser alvo de embates cíclicos por força de interesses de investigação criminal mais ou menos prementes em cada momento da vida do país;

29. A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova, implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa;

30. O conceito de ofensa da integridade física deve ser preenchido através do recurso ao tipo de crime com o mesmo nome.

31. No caso da recolha de sangue para efeitos de determinação do estado de influenciado pelo álcool, para efeitos jurídico-penais o elemento subjectivo intenção terapêutica inexiste, razão pela qual no entendimento do recorrente, este meio de obtenção de prova, desacompanhado do consentimento do

arguido é proibido e a prova assim obtida é nula e a sua valoração processual para condenação de um arguido é inconstitucional.

32. Mas ainda que assim não se entenda sempre terá que concordar-se que a utilização do resultado do exame de recolha e análise de sangue como meio de prova para efeitos criminais, quaisquer que estes sejam, viola a integridade moral do arguido protegida expressamente nos artigos 25°, 32° n°8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e 126° n°1 do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

33. A utilização de prova extraída do corpo do arguido sem consentimento deste viola este princípio e viola a integridade moral do arguido a qual é também protegida constitucionalmente pelo artigo 25° n°1 da

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, em anotação ao qual os Autores Jorge Miranda e Rui Medeiros (in Constituição Portuguesa Anotada), consideram que os testes de alcoolemia que vão para além da pesquisa do teor de álcool no ar expirado "não resistem ao crivo do juízo de

inconstitucionalidade".

34. Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise

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de sangue a arguido consciente sem lhe ser dado conhecimento e sem a sua autorização, estar-se-ia a violar o princípio fundamental e estruturante da proibição de diligências conducentes à auto-incriminação do Arguido e por arrasto ver-se-iam violados os princípios da dignidade da pessoa, o princípio da presunção da inocência e o princípio do contraditório, declarados e

garantidos nos artigos 1°, 25°, 32° nºs 1, 2, e 8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e no artigo 126° do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL in totum».

3. O Ministério Público apresentou resposta à motivação de recurso do arguido, extraindo as seguintes conclusões (transcrição):

1ª – No facto provado nº 2 existe efectivamente o lapso de escrita apontado pelo recorrente quanto à localização do hospital para onde o arguido foi transferido após o acidente de viação que sofreu, devendo por isso ser corrigido em conformidade.

2ª– Nada há a apontar à hora que se mencionou na sentença como a de ocorrência dos factos, sendo essa a que, por aproximação, resulta dos

depoimentos testemunhais de quem encontrou o arguido deitado na estrada após o acidente.

3ª - A interacção dos medicamentos administrados no hospital ao arguido na sua taxa de álcool no sangue não resulta de qualquer prova que se tenha produzido nos autos, nem sequer da experiência comum, sendo por isso meramente especulativa.

4ª - No caso dos autos, tendo a colheita de sangue sido efectuada cerca de 1h30 após a entrada do arguido acidentado no estabelecimento hospitalar, onde necessitou antes de mais de receber assistência médica, não pode entender-se não ter sido realizada no “mais curto prazo possível” a que faz referência a Lei nº 18/2007, de 17.05, que revogou o Decreto Regulamentar nº24/98, de 30.10 no qual se estabelecia indicativamente o limite temporal de 2 horas (art. 6º).

5ª - Aliás, ao ter-se deferido no tempo tal colheita isso só beneficiou o arguido, ora recorrente, pois foi efectuada quando o álcool já se dissipava no

organismo por efeito do decurso do tempo.

6ª - O Código da Estrada, no seu art.156º, não faz depender tal recolha de prévia autorização do arguido, sendo diferentes a situação em que o arguido está inconsciente e não pode exercer o seu direito de recusa daquela em que está em circunstância de se negar a submeter-se ao exame de pesquisa do álcool.

7ª - A introdução de agulha no corpo de arguido inconsciente para fins de

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colheita de sangue não configura prova proibida ao abrigo do art.126º, nº1, al.

a) do C.P.Penal.

8ª - Mesmo que se entenda que a colheita de sangue para análise toxicológica configura uma ofensa à integridade física nos termos descritos no art.126º do C.P.Penal, esta deve ser possível de fazer-se em face da sua insignificância e da importância que reveste tal meio de prova para os crimes estradais, cujos bens jurídicos apresentam grande relevância social.

4. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do recurso merecer provimento, por a concreta recolha de sangue ao arguido que serviu de base à análise para apurar o seu grau de alcoolémia constituir prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo.

5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, inexistindo resposta.

6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de

conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/95, DR I Série A, de 28/12/95.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação do recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Impugnação da matéria de facto/violação do princípio in dubio pro reo.

Proibição de valoração da prova pericial por o sangue ter sido extraído cerca de quatro horas depois de ter ocorrido o acidente e de duas horas e trinta e

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cinco minutos após a administração de medicamentos, o que conduziria a que o tribunal não pudesse dar como assente que o arguido conduzia o seu veículo na via pública sendo portador de uma TAS de 3,00 g/l.

Inexistência de consentimento do arguido para a colheita de sangue pelo médico do hospital com o escopo de se realizar a pesquisa de álcool,

constituindo a utilização do resultado do exame um meio ilegal de prova, por proibido pelo disposto nos artigos 25° e 32°, nº 8, da Constituição da

República Portuguesa e 126°, nº 1, do Código de Processo Penal.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1. No passado dia 11 de Maio de 2008, a hora não concretamente apurada, mas entre as 00 horas e a 1 da manhã, o arguido seguia na condução do ciclomotor de matrícula 3-VNF-..-.., pela Estrada Nacional nº …, quando ao quilómetro 31,300, na localidade de …, Vila Nova de Famalicão, foi

interveniente num acidente de viação.

2. Na sequência de tal acidente o arguido foi transportado para o Hospital … em Vila Nova de Famalicão e daí para o Hospital de …s em Braga, onde foi submetido a análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue, por intermédio de recolha de sangue, efectuada pelas 04 h e 15 m, através da qual se apurou uma taxa de álcool de 3,00 g/l, correspondente à taxa de álcool no sangue que o arguido apresentava nas circunstâncias id. em 1.

3. Ao agir da forma descrita, tinha o arguido a vontade livre e a perfeita consciência de estar a conduzir pela via pública o referido veículo, apesar de se achar sob a influência do álcool e em estado de embriaguez, bem sabendo do carácter proibido e punível da sua conduta.

4. O arguido não tem antecedentes criminais.

5. É operário fabril mas está de baixa médica desde Maio de 2008, recebendo de subsídio a quantia mensal de 441 euros.

6. Reside com a esposa, operária fabril, que aufere o salário mínimo nacional, e um filho, estudante universitário, em casa própria, que adquiriram com recurso a empréstimo de 10.000 euros, que estão a pagar.

7. Tem ainda como despesa mais relevante para além das habituais a quantia mensal de 190 euros, referente à prestação de um crédito pessoal que

contraiu.

8. É considerado por amigos e vizinhos como uma boa pessoa e um bom vizinho.

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No que tange aos factos não provados, não se provou (transcrição):

1. Que o arguido circulasse cerca da 1 h e 30 m.

2. Que o acidente de viação tenha consistido no despiste da viatura conduzida pelo arguido.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

A convicção do tribunal sobre a factualidade provada e não provada formou-se na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de

julgamento, conjugada com as regras de experiência comum, atendendo-se ao correlacionamento das declarações do arguido quanto à sua situação sócio económica (quanto aos factos de nada se referiu lembrar, por ter estado em coma), com a prova documental e pericial juntas aos autos e com o

depoimento prestado de forma isenta, objectiva e credível pelas testemunhas F…, militar da GNR que elaborou a participação de acidente de viação e auto de notícia juntos a fls. 3 a 5, D… e E…, que passaram no local e presenciaram o arguido inanimado, alertando a GNR.

Concretizando, quanto à taxa concretamente apresentada pelo arguido, atendemos ao relatório de análise toxicológica junto aos autos, ainda que efectuado cerca de 3 a 4 horas após a condução, de onde resulta que o valor apurado será menor ao real no momento da condução, o que só beneficiará o arguido, pois os efeitos do álcool vão-se dissipando com o decurso do tempo, sendo que actualmente não é estabelecido qualquer prazo para recolha da amostra ao sangue, como acontecia na vigência do Decreto Regulamentar 24/98 (revogado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio), o qual era considerado, no entanto, por alguma jurisprudência, como tendo natureza meramente indicativa - nesse sentido, Ac RP de 08.06.2005, processo 0446667, Ac. RP de 24.04.2002, processo 0111636; todos disponíveis em www.dgsi.pt).

A factualidade não provada decorre de não ter sido produzida prova suficiente da sua verificação, desde logo porque se desconhece quanto tempo esteve o arguido prostrado no local, atendendo-se no intervalo de tempo apurado, às suas próprias declarações, de acordo com as quais, sem que se lembre dos factos, se deslocou a um café na referida noite, de onde terá saído pelas 11 h e 40 do dia anterior, e aos depoimentos das referidas testemunhas, atendendo à hora a que terão passado no local, desconhecendo, bem como o arguido se este se despistou ou se foi interveniente outro veículo no acidente

(possibilidade indiciada pela existência de vestígios de tinta vermelha após o acidente no ciclomotor, que é de cor preta).

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Atendeu-se ao depoimento da testemunha G… quanto à personalidade do arguido.

Apreciemos.

Conforme estabelecido no artigo 428º, nº 1, do CPP, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, de onde resulta que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição.

Impugnação da matéria de facto

Começa o recorrente por afirmar que a sentença recorrida padece de lapso de escrita no ponto 2 da Fundamentação de Facto, porquanto se fez constar que o arguido foi transportado para o Hospital …, em Vila Nova de Famalicão,

quando certo é que este estabelecimento hospitalar se situa em Riba d'Ave.

Efectivamente o recorrente tem, neste segmento, a razão pelo seu lado, porquanto a localização do aludido hospital é Riba d'Ave e não Vila Nova de Famalicão, como da decisão recorrida consta, indubitavelmente por lapso de escrita, que importa corrigir e desde já se corrige.

Impugna ele também a factualidade dada como provada, mormente no que tange à hora em que terá ocorrido o acidente, pois entende que terá sido até à meia noite do dia 10 de Maio de 2008 e não entre as 00.00 horas e a 01.00 hora do dia 11 de Maio, conforme resulta, na sua tese, das declarações do arguido e depoimento das testemunhas inquiridas.

Nos termos do nº 3, do artigo 412º, do CPP, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, as conclusões do recurso têm de descriminar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

Segundo o nº 4 da mesma disposição legal, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em

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que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (nº 6).

Assim, para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (concretizadamente) que

impõem decisão diversa da recorrida e quais os suportes técnicos em que eles se encontram, com indicação (expressa) da concreta passagem gravada

(segmento ou segmentos da gravação).

Analisando as conclusões (e a motivação de recurso) constata-se que o recorrente especifica a factualidade incorrectamente julgada, mas não as provas que imporiam decisão diversa, limitando-se a reportar, de forma ampla e global, às declarações do arguido e depoimento das testemunhas, concluindo que de tal prova resulta solução diferente daquela a que chegou o tribunal a quo, não satisfazendo também a exigência do nº 4 da disposição legal citada, porquanto não indica (nem nas conclusões, nem sequer na motivação) as concretas passagens (segmentos) das gravações em que se funda a

impugnação que impõem decisão diversa.

Não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto nos termos do artigo 412°, n°s 3 e 4, do CPP, está este Tribunal da Relação impossibilitado de apreciar a decisão proferida sobre ela, quanto à hora a que ocorreu o acidente, estando assente essa factualidade.

Contesta também o arguido o valor do exame realizado por, no hiato temporal decorrido entre o momento do acidente e o da recolha do sangue com essa finalidade, ter sido efectuada medicação com benzodiazepina e propofol, o que possivelmente, pelas quantidades administradas, alteraram o resultado do mesmo.

Ora, o Instituto Nacional de Medicina Legal - Delegação do Norte, que

efectuou a análise laboratorial para quantificação da taxa de álcool no sangue do recorrente, tinha perfeito conhecimento da medicação a que fora ele

sujeito e em que circunstâncias, como resulta do documento de fls. 8, sendo certo que do Relatório elaborado (nos autos a fls. 7) não consta qualquer interacção ou influência das aludidas substâncias na concentração de álcool etílico apresentada, que foi de 3,00 g/l.

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Assim sendo, carece de razão o recorrente neste segmento.

Proibição de valoração da prova pericial por o sangue ter sido extraído cerca de quatro horas depois de ter ocorrido o acidente/inexistência de

consentimento do arguido para a colheita de sangue/violação do princípio in dubio pro reo

Conforme estabelecido no artigo 156º, nº 1, do Código da Estrada, ocorrendo acidente de viação e permitindo-o o estado de saúde do condutor, é ele

submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos consagrados no artigo 153º, do mesmo diploma.

Não sendo possível efectuar o exame de pesquisa de álcool por teste no ar expirado, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que o interveniente no acidente seja conduzido deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool – nº 2 - e se este exame não se puder efectuar, deve realizar-se exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool – nº 3, da mesma disposição legal.

Provado está que o recorrente conduzia um ciclomotor pela via pública

quando foi interveniente em acidente de viação e que em consequência deste o transportaram para o Hospital …, em Riba d'Ave e depois para o Hospital de

…, em Braga, onde foi feita colheita de sangue para exame de quantificação da taxa de álcool no sangue.

Resulta também dos documentos clínicos de fls. 77 a 80, que o recorrente se encontrava no Serviço de Urgências hospitalares, entubado, com respiração assistida e apresentando lesões traumáticas, quando foi efectuada a recolha da amostra de sangue, de onde se pode concluir da impossibilidade de ter sido esclarecido (e de entender, mesmo que tal lhe fosse comunicado, para

eventualmente manifestar a sua recusa) sobre a finalidade dessa recolha.

Ora, o Tribunal Constitucional na Decisão Sumária nº 132/2011, de

22/02/2011, proferida nos presentes autos, decidiu que a norma prevista no artigo 156º, nº 2, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei nº 44/05, de 23/02, interpretada no sentido de que, se não tiver sido possível a

realização de exame referido no nº 1 do mencionado artigo, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior

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exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool, quando o condutor se mostra impossibilitado de prestar o seu consentimento ou

manifestar a vontade de recusa, não padece de inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 165º, alínea c), da Constituição da República

Portuguesa.

Cumpre então apreciar da invocada inconstitucionalidade material por violação da proibição de obtenção de prova mediante ofensa da integridade física ou moral da pessoa, consagrada no artigo 32º, nº 8, da CRP, bem como das questões que concernem à ausência de consentimento para a recolha e à dilação temporal que se verificou entre o momento do acidente e aquele em que foi recolhida a amostra de sangue para exame, que analisadas não foram no acórdão reformulando por se entender o seu conhecimento prejudicado pela decisão de inconstitucionalidade orgânica da norma prevista no artigo 156º, nº 2, do Código da Estrada como referido.

As questões da não prestação do consentimento, violação da integridade física do arguido e bem assim do direito à não auto incriminação a que também faz apelo, foram já tratadas no Acórdão desta Relação de 20/10/2010, Proc. nº 1271/08.0PTPRT, disponível em www.dgsi.pt, a que nos arrimamos por merecer integral concordância.

Assim, quanto à não prestação de consentimento, cumpre que se afirme que

“nas situações de internamento hospitalar em virtude de acidente é prática comum retirar sangue ao doente para efeitos de diagnóstico. Sendo essa recolha para diagnóstico e posterior tratamento médico, é de presumir o consentimento, mesmo que tácito, do sinistrado na recolha (pois que a colheita é feita em seu benefício). Assim sendo esta intervenção concreta – recolha de sangue sem autorização -, não se tem como violadora dos direitos do indivíduo, pelo motivo referido: é para benefício do agente.

Mas mesmo que o fim não seja o referido mas um qualquer outro, desde que legal, evidentemente, entendemos que o exame subsequente não viola nem a Constituição da República Portuguesa, nem nenhuma norma da legislação ordinária”, pois “o processo penal vive numa permanente tensão dialéctica entre o interesse do Estado e da sociedade na punição dos infractores, na restauração da paz social e em garantir aos cidadãos tranquilidade, de que podem viver o dia-a-dia sem os constantes sobressaltos que a criminalidade gera, e as garantias dos agentes das infracções, de que todos os seus direitos serão escrupulosamente respeitados no processo judicial que possa ocorrer.

(14)

É evidente que este confronto leva a que, muitas vezes, estes direitos

claudiquem, num ou noutro aspecto muito concreto e sem que esta cedência seja de molde a ser tida como violadora dos direitos fundamentais, quando os interesses da sociedade o imponham”, como se verifica relativamente aos meios de obtenção de prova com vista a apurar se o agente conduzia com excesso de álcool no sangue, mesmo que o procedimento não tenha sido antecedido de autorização expressa por o agente não a poder conceder.

Como se salienta no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 319/95, de 20/07/1995, in www.tribunalconstitucional.pt, “O exame para pesquisa de álcool (…) destinando-se, não apenas a recolher uma prova perecível, como também a impedir que um condutor, que está sob a influência do álcool, conduza pondo em perigo, entre outros bens jurídicos, a vida e a integridade física próprias e as dos outros, mostra-se necessário e adequado à salvaguarda destes bens jurídicos e ao fim da descoberta da verdade, visado pelo processo penal”.

E, de qualquer forma, o recorrente/arguido em momento algum manifestou a vontade de recusa à realização do exame toxicológico de sangue, nem consta qualquer circunstância que permitisse concluir ser sua vontade recusar-se a submeter-se ao mesmo, sendo certo que não podia desconhecer o regime legal da proibição de condução sob o efeito de álcool, nem a imposição normativa de recolha de sangue, quando não é possível proceder ao teste de exame de pesquisa de álcool no ar expirado, não exigindo a lei que se formule um pedido expresso de consentimento de quem tem que sujeitar-se ao exame de recolha de sangue para efeitos referidos. Desde logo, porque o exame de sangue é a via excepcional para a recolha de prova admitida na lei para tal efeito, apenas admissível em casos expressamente tipificados, nomeadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível, como se consagra nos artigos 153º, nº 8 e 156º nº 2, do Código da Estrada – neste sentido, Ac. R. de Coimbra de 14/07/2010, Proc. nº

113/09.3GBCVL.C1, www.dgsi.pt.

No que tange à recolha de sangue violar a integridade física e o direito do arguido à não auto-incriminação, também aqui nos valemos do aludido

Acórdão da Relação do Porto de 20/10/2010, que transcrevemos com a vénia que é devida:

“O chamado direito ao silêncio tem uma vertente positiva e uma outra

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negativa: na positiva, significa que o agente tem total liberdade de intervir no processo em seu favor; na negativa, significa que o tribunal não pode socorrer- se do engano, do subterfúgio, da coacção para recolher provas, nem pode impor-lhe declarações auto-incriminatórias.

Esta vertente negativa está, portanto, especialmente ligada às proibições de prova.

Mas tem vindo a sedimentar-se o entendimento que este direito do arguido à não auto-incriminação respeita, essencialmente, ao seu direito ao silêncio e já não também ao direito de não ser compelido a realizar determinados exames com vista à obtenção de provas, não alcançáveis por outra via.

A este propósito decidiu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em 1996 no caso Saunders v. Reino Unido, que o direito de não contribuir para a sua auto-incriminação pressupõe que, em processos criminais, a acusação deve provar a sua argumentação sem recorrer a elementos de prova obtidos mediante medidas coercivas ou opressivas, que desrespeitem a vontade do acusado, garantia ligada ao princípio da presunção de inocência. No entanto, disse aquele tribunal, este direito não abrange a utilização no processo penal de evidências que podem ser obtidas do acusado mediante o recurso a

poderes coercivos, mas que existem independentemente da sua vontade, como seja a obtenção de documentos apreendidos com apoio em um mandato,

amostras de hálito, de sangue, urina bem como tecidos corporais para fins de realização de exame de DNA.

Entendeu-se, portanto, que as garantias da não auto-incriminação se

restringem às contribuições do arguido de pendor claramente incriminatório, não abrangendo o poder de se furtar a diligências de prova, sob pena de deixar desarmados os poderes públicos no desempenho da sua função de protecção e repressão.

Aqui o arguido não faz qualquer declaração nem a perícia visada com a diligência visa a condenação. O que se pretende não é incriminar, pois que o resultado da diligência sempre será incerto: ele pode servir a acusação, é verdade, mas também pode servir a defesa. Portanto, a sua realização não tem como fim prejudicar. Ao invés, visa a verdade material.

Ora, embora o arguido entenda a recolha de sangue sem autorização como consubstanciando um crime de ofensa à integridade física, entendemos que esta argumentação é indefensável.

(16)

E é-o precisamente porque a recolha de sangue não tem um fim específico de lesão dos interesses do agente. O seu fim é muito mais vasto que é, como todos sabemos, o de garantir a segurança rodoviária com a punição dos condutores que infrinjam a lei do álcool.

Por isso a recusa, sem justa causa, de realização de teste de álcool por ar expirado é punível como crime de desobediência”.

Subscrevemos em absoluto este entendimento, cujos fundamentos são

também aplicáveis à invocação pelo recorrente de violação da sua integridade moral.

Na verdade, a submissão do condutor ao exame toxicológico de sangue para quantificação da taxa de álcool, para o que previamente foi efectuada a recolha de amostra de sangue sem consentimento expresso do mesmo, também não viola o dever de respeito pela sua integridade moral.

Desde logo, o direito à integridade pessoal na sua dimensão moral (aliás como na física) não está imune a quaisquer limitações – assim, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra editora, 2005, pag. 268 - sendo que a tutela desses direitos não proibe a actividade de indagação do Estado, seja ela judicial ou policial, pois o que o princípio do Estado de Direito impõe é que o processo, mormente o criminal, se reja “por regras que, respeitando a pessoa em si mesma (na sua dignidade ontológica), sejam adequadas ao apuramento da verdade” – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional supra referido.

Por outro lado, o direito à integridade moral, constitucionalmente tutelado, protege contra quaisquer formas de denegrir a imagem ou o nome de uma pessoa ou de intromissão na sua intimidade, não obliterando essa dignidade, assim entendida, a recolha de uma amostra de sangue em estabelecimento hospitalar.

Não nos coibimos de citar, mais uma vez, o Acórdão do Tribunal Constitucional que temos vindo a seguir, até porque todas as objecções feitas pelo recorrente à decisão revidenda nele estão tratadas e de forma que merece a nossa

adesão:

“Concretamente no que concerne ao dever de respeito pela dignidade da

(17)

pessoa do condutor, não é a submissão deste a exame para detecção de álcool que pode violá-lo. O que atentaria contra essa dignidade seria o facto de se sujeitar o condutor a exame de pesquisa de álcool, fazendo-se no local alarde público do resultado, no caso de ele ser positivo.

Relativamente ao direito ao bom nome e à reputação, é quem conduzir sob a influência do álcool, e não a sua submissão ao teste para a pesquisa de álcool, que estará a denegrir o seu bom nome e a abalar a sua boa fama, pois que - como se sublinhou no já citado acórdão nº 128/92 - um tal direito só é violado por actos que se traduzam em imputar falsamente a alguém a prática da acções ilícitas ou ilegais, ou que consistam em tornar públicas

desnecessariamente (isto é, sem motivo legítimo) faltas ou defeitos de outrem que, sendo embora verdadeiros, não são publicamente conhecidos.

O direito à reserva da intimidade da vida privada - que é o direito de cada um a ver protegido o espaço interior da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias; o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular (cf., sobre isto, o citado acórdão nº 128/92) - acaba, naturalmente, por ser atingido pelo exame em causa. No entanto, a norma sub judicio não viola o artigo 26º, nº 1, da Constituição, que o consagra.

De facto, não se trata, com o teste de pesquisa de álcool, de devassar os hábitos da pessoa do condutor no tocante à ingestão de bebidas alcoólicas, sim e tão-só (recorda-se) de recolher prova perecível e de prevenir a eventual violação de bens jurídicos valiosos (entre outros, a vida e a integridade física), que uma condução sob a influência do álcool pode causar - o que, há-de

convir-se, tem relevo bastante para justificar, constitucionalmente, esta constrição do direito à intimidade do condutor.

Quanto ao direito à imagem, que, nas conclusões da alegação, o recorrente tem por violado, assinala-se que o seu objecto é o retrato físico da pessoa, em pintura, fotografia, desenho, slide, ou outra qualquer forma de representação gráfica, e não a imagem que os outros fazem de cada um de nós. Ele não consiste, por isso, num direito de cada pessoa a ser representada

publicamente de acordo com aquilo que ela realmente é ou pensa ser.

Consiste, antes, no direito de cada um a não ser fotografado, nem a ver o seu retrato exposto publicamente, sem o seu consentimento, e no direito, bem assim, a não ser "apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida" (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira,

(18)

Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página 181. Cf. também o já citado acórdão nº 128/82 e o acórdão nº 6/84, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 2º, páginas 198 e seguintes).

Sendo este o conteúdo do direito à imagem, não pode ele ser violado pela norma aqui em apreciação.

Concretamente no que concerne ao dever de respeito pela dignidade da

pessoa do condutor, não é a submissão deste a exame para detecção de álcool que pode violá-lo. O que atentaria contra essa dignidade seria o facto de se sujeitar o condutor a exame de pesquisa de álcool, fazendo-se no local alarde público do resultado, no caso de ele ser positivo”.

Afirma ainda o recorrente que ocorreu violação do princípio do contraditório, mas não especifica concretamente em que termos e porque razão se verificou e certo é que se não vislumbra que o mesmo tenha sido efectivamente

desprezado.

Sustenta igualmente o recorrente que ocorre uma proibição de prova que impediria a valoração do resultado do exame toxicológico para quantificação da taxa de álcool, por o sangue ter sido extraído cerca de quatro horas depois de ter ocorrido o acidente, o que conduziria a que o tribunal não pudesse dar como assente a factualidade vertida em 2 da “Fundamentação de Facto”,

designadamente no que concerne à taxa de álcool de 3,00 g/l que apresentava.

Mas carece de razão.

Analisando o estabelecido no artigo 156º, do Código da Estrada, na redacção que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 44/2005, de 23/02 e a Lei nº 18/07, de 17/05, que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob

Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, constatamos que não foi estabelecido prazo fixo para a colheita do sangue em caso de acidente,

limitando-se o artigo 5º, nº 1 deste Regulamento a estabelecer que a colheita é efectuada “no mais curto prazo possível” após a ocorrência do acidente.

O acidente em que o recorrente foi interveniente ocorreu entre as 00.00 horas e a 01.00 horas e na sequência do mesmo foi ele transportado para o Hospital

…, em Riba d Ave e daí para o Hospital de …, em Braga, sendo que neste foi efectuada a recolha do sangue para o exame pelas 04.15 horas do mesmo dia.

(19)

Ora considerando a previsível necessidade de prestação de assistência ao recorrente nos hospitais mencionados por mor do seu estado de saúde em consequência do acidente que sofreu quando se fazia transportar de

ciclomotor, não se pode considerar que a recolha não se tenha feito “no mais curto prazo possível”, sendo que, não obstante, esta determinação não tem como escopo a salvaguarda de qualquer direito do examinando, mas, ao invés, integra uma orientação indicadora de um procedimento a adoptar pelos

agentes habilitados a realizar a colheita de sangue a quem haja sido

interveniente em acidente de viação ou após o acto de fiscalização, alertando- os para a circunstância de, no caso de mediar espaço temporal dilatado entre o acidente e a recolha do sangue, o exame perder rigor ou mesmo tornar-se inútil por a taxa de álcool no sangue ter já começado a diminuir devido ao processo de eliminação natural do etanol pelo organismo.

Como se menciona no Ac. R. de Lisboa de 18/02/09, Proc. nº 12/05.8GTCSC-3, www.dgsi.pt “pode estabelecer-se que a absorção de uma moderada

quantidade de etanol (0,6 – 0,8 g/kg) em jejum atinge uma concentração sanguínea (CES) máxima entre 30 e 60 minutos. Na presença de alimentos a máxima concentração de etanol no sangue verifica-se bastante mais tarde, entre 1 e 2 horas após a ingestão.

Ora, de acordo com o “coeficiente de Widmark”, que é o aplicável quando nos encontramos perante valores de concentração de etanol médios e moderados (entre 0,5 e 3 g/l), em cada hora o organismo de um homem elimina, em média, 0,15 g/l de álcool etílico”.

Face ao que, manifestamente se pode afirmar, se o exame tivesse sido

realizado com uma amostra de sangue extraída anteriormente, a concentração de álcool seria necessariamente superior, pelo que a recolha no caso em

apreço, no momento em que se efectuou, não prejudicou, pelo contrário, até beneficiou o arguido, por já há muito se ter atingido o pico máximo da

concentração de álcool etílico no sangue, encontrando-se essa concentração já na sua fase descendente.

O exame efectuado tem na verdade a natureza de uma perícia e o valor que lhe é atribuído pelo artigo 163º, do Código de Processo Penal, pelo que não merece censura a conclusão a que chegou o tribunal recorrido quanto ao estado de influenciado pelo álcool do recorrente e sua medida.

Clama também ele por existir violação dos princípios da presunção de

(20)

inocência e in dubio pro reo.

Ora, a violação do princípio in dubio pro reo, princípio corolário do da

presunção de inocência constitucionalmente tutelado, pressupõe “um estado de dúvida insanável no espírito do julgador”, só podendo concluir-se pela sua verificação quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal encontrando-se nesse estado, optou por decidir contra o

arguido (fixando como provados factos dubitativos ao mesmo desfavoráveis ou assentando como não provados outros que lhe são favoráveis) ou, quando embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da

experiência e das regras e princípios válidos em matéria de direito probatório, resulta que as deveria ter – cfr. Ac. do STJ de 27/05/09, Proc. nº 05P0145 e Ac.

R. de Évora de 30/01/07, Proc. nº 2457/06-1, ambos em www.dgsi.pt.

Percorrendo a decisão recorrida, não resulta da mesma que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – e que, a partir desse estado, tenha procedido à fixação dos factos provados desfavoráveis ao arguido/recorrente e nem a essa conclusão (dubitativa) se chega da análise desse mesmo texto à luz das regras da experiência comum, ou seja, não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter tido.

Não se encontrando o tribunal a quo nesse estado de dúvida e nada nos permitindo concluir que o devesse estar, não se manifesta violado este princípio, nem o da presunção de inocência.

Pelo exposto, a recolha de sangue efectuada ao recorrente não sofre de

qualquer patologia processual, sendo válida e nessa medida a prova produzida decorrente desse exame que demonstra que o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 3,00 g/l é uma prova válida, inteiramente compatível com o disposto nos artigos 1º, 25º, 32º, nºs 1, 2 e 8, da CRP e artigo 126º, do CPP.

Face ao que está definitivamente assente a matéria de facto, não merecendo também crítica alguma o enquadramento jurídico-legal efectuado pelo tribunal recorrido, pois estão verificados os elementos objectivos e subjectivos do

crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, por que foi condenado.

(21)

Destarte, tem de ser negado provimento ao recurso na totalidade.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso pelo arguido B… interposto e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.

Porto, 18 de Maio de 2011

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)

Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição

Maria Margarida Costa Pereira Ramos de Almeida

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