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4 Departamento de Nutrição Social, Instituto de Nutrição, UERJ. lucastro@globo.com
para a temática de SAN, no mínimo, por dois
as-pectos. Um deles seria a questão em si, de editais
públicos estarem financiando tanto as pesquisas
temáticas quanto a divulgação delas, importante
prática ainda não muito incorporada à realidade
científica brasileira. Outro ponto é que este
suple-mento tenha sido lançado pela Revista de
Nutri-ção, periódico específico da temática de
alimenta-ção e nutrialimenta-ção que atualmente se encontra
indexa-do em duas das maiores e mais abrangentes bases
de dados internacionais, quais sejam,
Web of
Sci-ence, do sistema ISI (Institute of Scientific
Informa-tion), e Scopus. Assim, pode-se prever um maior
destaque a esta produção nacional, uma vez que,
ao ser digitado o tema “alimentação e nutrição”
nestas bases, demonstra-se que no Brasil existe um
periódico científico que incorpora a questão da
SAN, inclusive na nomenclatura.
Finalizando, faz-se necessária um a reflexão
sobre aspectos da SAN ainda pouco trabalhados
na produção científica nacional, considerando o
apontado no artigo em debate. A alimentação fora
de casa é um deles, que representa uma
importan-te faceta do comportamento alimentar atual e, por
exemplo, somente na versão 2008-2009 está sendo
incorporada à Pesquisa de Orçam ento Fam iliar
(POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e
Esta-tística (IBGE)
7. Então, pontos como a comida de
rua, a alimentação em restaurantes comerciais e
coletivos, os patrimônios gastronômicos regionais,
dentre outros, são, comumente, alvo somente de
pesquisas de qualidade sanitária, reduzindo o foco
da contribuição para a SAN.
Outra lacuna são os estudos relacionados ao
com portam en to do con sum idor de alim en tos,
considerando a sua segurança de maneira
abran-gente. Destacam-se aqui as possibilidades de
estu-dos de SAN com relação às diversas form as de
informação alimentar e nutricional, principalmente
a propaganda e a rotulagem de alimentos
indus-trializados e refeições.
Assim, as possibilidades de pesquisa em SAN
no país, a exemplo da construção da própria
polí-tica nacional sobre o tema
8, ainda têm muitos
de-safios a serem enfrentados. Mas este enfrentamento
começa pelo reconhecimento do terreno, trabalho
tão bem realizado pelo artigo em debate.
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1.
Pesquisar sobre segurança alimentar
e nutricional no Brasil: a que viemos?
Researching about food security and nutrition
in Brazil: what is the purpose?
Luciana Maria Cerqueira Castro
4O artigo “A pesquisa sobre Segurança
Alimen-tar e Nutricional no Brasil de 2000 a 2005:
tendên-cias e desafios”, de autoria de Prado e
colaborado-res, faz um diagnóstico da situação da pesquisa
em segurança alimentar e nutricional (SAN) no
Brasil e instiga-nos a perguntar: estamos
produ-zindo conhecimento sobre SAN no país? Temos
condições de produzir conhecimento e apresentar
propostas inovadoras para a SAN no Brasil ou
produzimos conhecimento somente sobre algumas
dimensões da SAN no Brasil?
A segurança alimentar e nutricional tornou-se
tema de discussão de âmbito mundial nas últimas
décadas, tendo sido debatida por inúmeros
orga-nismos internacionais, governamentais ou não. Da
mesma forma, o conceito de SAN passou por
vá-rias alterações. Na década de noventa, devido a
um forte movimento em direção à reafirmação do
direito humano à alimentação adequada, essa
di-m ensão, assidi-m codi-m o a da soberania alidi-m entar,
2.3.
4.
5.
6.
7.
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passa a fazer parte, de forma mais consistente, do
conceito
1. Por conseguinte, tem sido valorizada, nos
fóruns de discussão, como uma dimensão-chave
para se pensar uma sociedade que tenha
seguran-ça alimentar e nutricional.
No Brasil, o termo passou a ser mais discutido
após o processo preparatório para a Cúpula
Mun-dial de Alimentação, de 1996, e com a criação do
Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e
Nutri-cional (FBSAN), em 1998. Da mesma forma que
em outros países, no Brasil o conceito também
sofre alterações
1.
Com relação à sua institucionalização,
pode-mos afirmar que, nos últipode-mos anos, foram feitos
investimentos em políticas públicas relacionadas
às questões alimentares. Como os autores
apon-tam, foi restabelecido o CONSEA (2003),
aprova-da a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e
Nutri-cional (LOSAN) e criado o Sistema NaNutri-cional de
Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), em
2006. Atualmente, tramita a proposta do Senado
de emenda constitucional (PEC) 47/03, que inclui
a alimentação entre os direitos sociais previstos no
artigo 6º da Constituição Brasileira.
Cabe ressaltar que, no Ministério do
Desen-volvimento Social (MDS), em que as propostas de
segurança alim entar estão ancoradas, inúm eros
programas e ações – principalmente aqueles
vincu-lados, como chamam os autores, ao “componente
alimentar” –passam a existir a partir de 2003. São
eles: Programa de Aquisição de Alimentos da
Agri-cultura Familiar (PAA); Programa do Leite (Leite
Fom e Zero); Program a Restaurantes Populares;
Programa Bancos de Alimentos; Programa
Cozi-nhas Comunitárias; Centros de Apoio à
Agricultu-ra Urbana e Periurbana e Sistemas Coletivos de
Pro-dução para Autoconsumo; Feiras Populares;
Con-sórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento
Local (CONSAD); Unidades de Beneficiamento e
Processamento Familiar Agroalimentar; Educação
Alimentar e Nutricional; Distribuição de Cestas e
Grupos Específicos; e Programa Cisternas
2.
Surge, então, o questionamento: essas ações,
apesar de inúmeros entraves apresentados na sua
execução, trouxeram oportunidades e estímulos
para o desenvolvimento de projetos de
interven-ção e de pesquisa? Ou ainda, as experiências
recen-tes com projetos de promoção da SAN ajudaram
a revitalizar nossas práticas científicas?
Os autores apontam que, pelo menos no que
se refere à quantidade da produção, a resposta é
afirmativa. Verifica-se um aumento considerável
do número de produtos a partir de 2002; porém,
percebe-se, pelos títulos dos trabalhos, que alguns
dos grupos mais consistentes abordam dimensões
da SAN que não fazem conexões com a amplitude
do seu conceito e, por consequência, com as ações
necessárias para obtê-la.
Se a promoção da intersetorialidade na SAN
ainda é um desafio, exigindo “a confluência de
dis-tintos mecanismos, processos e instrumentos
ins-titucionais”
3, isso também parece se refletir nos
processos de produção de conhecimento.
Ao nos debruçarmos sobre a produção de
co-nhecimentos no Brasil e suas relações com as
polí-ticas, devemos reconhecer o papel de diferentes
ato-res institucionais, dentre eles a universidade, nessa
composição. Para citar apenas um exemplo, no
movimento sanitário da década de setenta, houve
intensa participação da universidade na
constru-ção deste, que resultou na elaboraconstru-ção de uma
teo-ria social da saúde
4. Segundo Escorel
5, foi na
“aca-demia que elaborou-se, ampliou-se e
reproduziu-se o conhecimento e formaram-reproduziu-se os intelectuais
orgânicos da proposta”.
Assim, devemos pensar: que papel temos hoje
no desenvolvimento de um país sem fome, onde o
direito humano à alimentação adequada seja
res-peitado, onde novas estratégias de desenvolvimento
sustentável sejam propostas? Que capacidade
te-m os de contribuir para a forte-m ação de atores e
para a construção de saberes que tenham os
prin-cípios do direito humano à alimentação como
fun-damento da sua ação?
Segundo Trindade
6, tanto nas sociedades
in-dustriais avançadas quanto nas universidades, a
ciência e sua organização tornaram-se um
proble-ma eminentem ente político. Portanto, o sisteproble-ma
científico não foge a essa regra, mas se confronta
“cotidianamente com as injunções da política
cien-tífica” para a sua manutenção.
Isso nos leva a pensar, como os autores, que as
políticas de ciência e tecnologia devem direcionar
seus esforços para que as iniciativas das
universi-dades e centros de pesquisas que venham a
contri-buir mais efetivamente para promoção do direito
humano à alimentação possam ser melhor
imple-mentadas. Facilitar a criação de grupos ou
proje-tos multiprofissionais e interinstitucionais
anco-rados na política de SAN pode trazer benefícios
para compreensão tanto do conceito da SAN
quan-to de suas dimensões e aplicabilidade, já que,
se-gundo Freitas
et al.
7, a SAN “está presente no
coti-diano enquanto fenômeno social da alimentação
hum ana, transpassando as m uitas disciplinas e
campos de saberes”.
Morin
8, ao falar do desenvolvimento da
ciên-cia ocidental, indica que esse foi transdisciplinar,
mas que “a verdadeira questão não consiste em
fazer transdisciplinar, mas que transdisciplinar é
preciso fazer?”
pas-2 8
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Os autores respondem
The authors reply
Revisitando a pesquisa brasileira
sobre segurança alimentar e nutricional
Revisiting the Brazilian research
on food security and nutrition
Apresentamos nossos sinceros agradecimentos
aos pesquisadores por sua disponibilidade
genero-sa em participar deste debate e por suas valiogenero-sas
contribuições ao ampliar aspectos abordados em
nosso artigo.
Alimentação e nutrição como campo de
pro-dução de conhecimentos e saberes
1,2constitui-se,
hoje, objeto de estudos pouco trabalhado no
Bra-sil. A olhar para suas origens e desenvolvimento na
conformação da ciência nacional, para suas fontes
conceituais mais remotas na história da
humani-dade, para os temas de estudo definidos, para os
atores sociais em movimento em seu interior, para
as inflexões e tendências em seus rumos e
perspec-tivas futuras, há poucos pesquisadores em
ativida-de, quase que nomeadamente identificáveis em lista
que nos vêm de memória ou, em outras palavras,
para a constituição da qual não há necessidade, neste
momento, de consultar quaisquer bases de dados.
Nessa esfera da vida acadêmica, estão em
mo-vimento concepções sobre alimento, alimentação e
nutrição, sobre saúde, sobre a vida humana e seus
“destinos”, num cenário em que o debate conceitual
e metodológico clama por investimentos.
Mudan-ças intensas acontecem nesse campo de pesquisas e
formação de pesquisadores, inclusive com
reper-cussões inadiáveis na conformação institucional
vigente nas agências de fomento nacionais. Ao
to-mar a segurança alimentar e nutricional (SAN),
rea-lizamos um primeiro exercício de aproximação a
esses lugares, histórica e socialmente construídos,
que ocupam os domínios científicos
corresponden-tes ao estudo do comer, do alimentar e do nutrir
3,4no Brasil.
O Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq é
tão rico em informações quanto pouco explorado.
Ao receber os textos dos debatedores vimos,
simul-taneamente, serem disponibilizados os dados
rela-tivos ao censo de 2008 e revisitar o diretório, como
quem busca saber mais sobre o campo da
alimen-tação e nutrição, foi imperioso.
Desde 2006, quando o artigo em debate foi
con-cluído, até os dias de hoje, nossos olhos correram
por algumas mudanças. Fazendo uso do diretório,
que é o único recurso disponível para a
aproxima-ção aos grupos de pesquisa, e neste caso específico,
sado e do futuro, aponta que “cada época cria seus
modelos e organiza os saberes de acordo com o
contexto social que lhes serve de suporte”. Se
to-marmos apenas a produção de saberes por meio
de pesquisadores/grupos de pesquisa – pois
exis-tem outras formas de produzir conhecimento –,
notamos que é preciso ampliar as fronteiras,
arti-cular n ovos saberes e áreas do con hecim en to,
aprender novas formas de comunicação, valorizar
processos e relações emancipatórias e privilegiar
“o encontro inter e transdisciplinar das reflexões
construtivas sobre o presente e o futuro”
9.
Os autores trouxeram suas contribuições ao
realizarem o diagnóstico sobre os grupos de
pes-quisas já formados e apontarem caminhos para
superação das dicotomias ainda presentes.
Res-tam, agora, os desafios para que a abordagem dos
artigos seja ampliada e que estes incorporem,
prin-cipalmente, a dimensão do direito humano à
ali-mentação saudável. O convite está no ar.
Referências
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