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SBS XII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA

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Academic year: 2021

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GT 07 – GÊNERO E SOCIEDADE

Conjugalidade e Reprodução: os projetos masculinos

Glaucia dos Santos Marcondes – IFCH/NEPO/UNICAMP

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Conjugalidade e Reprodução: os projetos masculinos*

Glaucia dos Santos Marcondes**

Resumo

Padrões de conjugalidade e fecundidade na sociedade brasileira têm sofrido alterações na medida em que concepções sobre o casamento, a família, a paternidade e maternidade passaram a ser influenciadas pela propagação de ideais de igualdade de gênero e de autonomia financeira e pessoal das mulheres. Nas últimas décadas, estudos têm investido na compreensão dos fatores sociais e culturais envolvidos em fenômenos como a postergação do casamento e do nascimento do primeiro filho, na redução da prole, nas altas taxas de divórcios e recasamentos e suas influências nas redes de parentesco. Este trabalho traz algumas reflexões sobre este contexto que auxiliaram na construção de um estudo sobre a fecundidade masculina em contextos de reconstituição familiar investigando dois segmentos sociais distintos. Esta proposta de estudo visa explorar contextos e aspectos que cercam a redefinição de projetos reprodutivos, procurando apreender quais as questões que emergem e de que forma homens de distintos segmentos sociais equacionam as tensões que surgem neste processo.

* Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Gênero e Sociedade do XII Congresso Brasileiro de Sociologia. Sociologia e Realidade: pesquisa social no séc XXI realizado de 31 de maio a 3 de junho de

2005 em Belo Horizonte, Minas Gerais.

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Conjugalidade e Reprodução: os projetos masculinos

Glaucia dos Santos Marcondes

A década de 1990 é considerada um marco na agenda de pesquisa e de políticas públicas voltadas para o tratamento de questões de sexualidade e reprodução. A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em 1994, no Cairo, e da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada no ano seguinte em Beijing, ambos promovidos pela ONU, trazem em seus respectivos planos de ação o entendimento da sexualidade e da reprodução enquanto direitos essenciais dos indivíduos. (DINIZ, SOUZA, PORTELA, 1996; ARILHA, 1998; BADIANI, CAMARANO, 1998; BEMFAM, 1999; SIQUEIRA, 2000).

O caminho aberto por estes documentos possibilitou o questionamento sobre o que significa e que tipo de demandas envolve a vida sexual e reprodutiva de mulheres e homens. No que diz respeito às mulheres este tipo de questionamento sempre esteve presente nas agendas de pesquisa e de elaboração de políticas públicas trazidas pelas vozes das feministas e dos vários movimentos de luta pelos direitos das mulheres espalhados pelos quatro cantos do planeta.

Quanto aos homens, a vida sexual, mas principalmente reprodutiva deles, historicamente foi “esquecida” ou relegada a um segundo plano por se considerar que não seriam assuntos com os quais os homens estariam tão envolvidos ou preocupados. Ou ainda, sustentada pela percepção de que as conseqüências da vida reprodutiva afetariam de forma mais direta as mulheres e seus filhos pequenos do que propriamente os homens. De fato, a centralidade que o contexto de vida feminino ocupa nos estudos sobre reprodução produzidos em várias áreas de conhecimento das Ciências Sociais relaciona-se a um tipo de construção social que tem por característica a naturalização da experiência reprodutiva das mulheres. O desejo feminino de ter filhos, a gestação, o parto, a amamentação e a própria maternagem são os principais elementos considerados pelos estudos para a compreensão da dinâmica reprodutiva. Desta forma, a preocupação central com a reprodução foi durante muito tempo, e de certa forma ainda assim permanece, em grande parte focalizada nas demandas e nos cuidados para com a mãe e a criança.

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A partir desta perspectiva pouco se procurou conhecer sobre as concepções e comportamentos masculinos que poderiam estar influenciando nas decisões reprodutivas dos casais.

Esta unilateralidade no tratamento da reprodução tem sido questionada a partir do entendimento de que as decisões reprodutivas envolvem um contexto mais amplo de fatores entre os quais está a dinâmica de gênero presente nos relacionamentos. A adoção de uma perspectiva analítica de gênero tem sido apontada como fundamental para o melhor entendimento de fenômenos sociais tais como, a postergação do casamento e do nascimento do primeiro filho, a redução da prole, a diversificação de arranjos familiares, altas taxas de divórcios e recasamentos e suas influências nas redes de parentesco e tantos outros relacionados à vida sexual e reprodutiva dos sujeitos.

No contexto destes questionamentos começaram a surgir estudos voltados para a apreensão dos comportamentos e representações masculinas relacionadas à sexualidade, conjugalidade e parentalidade.

O trabalho aqui apresentado visa destacar alguns elementos do contexto da vida reprodutiva masculina que emergiram durante pesquisa realizada para o mestrado, defendido em 2002, e que posteriormente auxiliaram na elaboração do estudo que será desenvolvido ao longo do curso de doutoramento da autora.

Onde estão os filhos nos projetos masculinos?

Na literatura produzida sobre os homens no contexto da reprodução, particularmente, dois tipos de abordagens se destacam. Uma promovedora da importância da participação masculina como suporte para o desenvolvimento saudável das mulheres e da prole. Esta abordagem acaba por manter os homens em uma posição secundária no processo reprodutivo sustentando uma contraposição entre a “natural” dedicação e comprometimento das mulheres e a “irresponsabilidade masculina” para com a contracepção e os cuidados com os filhos. A idéia enfatiza a necessidade de conscientizar os homens a assumirem suas responsabilidades enquanto companheiro e pai, sem fazer um questionamento sobre os valores sociais envolvidos nestas posições.

A segunda abordagem procura focalizar o caráter relacional do processo reprodutivo, entendendo que a reprodução é um evento que ocorre dentro de um contexto

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social com seus significados simbólicos, conflitos e negociações. A participação masculina é problematizada a partir da consideração de que se tratam de atores sociais com necessidades concretas originadas não apenas no contexto das relações com as mulheres, mas também, no processo pelo qual se constroem as masculinidades e suas vicissitudes.1

Ao tomar como base esta última abordagem entende-se que da escolha de métodos contraceptivos à definição e concretização de projetos de constituição familiar até a opção de encerrar a carreira reprodutiva, estabelece-se entre parceiros uma complexa dinâmica de negociações. É neste tipo de abordagem, que se enquadra as observações e questionamentos contidos neste trabalho, que procura apreender de que maneira a história reprodutiva dos homens se relaciona a certos eventos, situações e relações que marcam o contexto de suas vidas, tais como, estar separado ou recasado, ter filhos de uniões distintas e pertencer a um determinado segmento social.

Durante o mestrado, a partir de um grupo composto por 8 homens e 5 mulheres, separados com filhos, todos pertencentes aos segmentos médios da população, com nível universitário e residentes na cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo, procurei refletir algumas questões relacionadas ao vínculo que os homens estabelecem com a prole em três situações de conjugalidade: em união com a mãe do(s) filho(s), separado e recasado. Esta reflexão procurou apreender como novos padrões de relacionamentos entre homens e mulheres e determinadas situações conjugais influenciavam na forma como estes homens se relacionavam com seus próprios filhos e, em alguns casos, com os filhos de uniões anteriores de uma atual companheira.

O ponto de partida foi entender como o primeiro filho se insere na vida destes homens, o que significou e de que maneira o nascimento do primeiro fazia parte de projeto de vida deles?

Para a maioria dos homens entrevistados o primeiro filho não fazia parte dos planos mais imediatos. Em alguns casos, a gravidez não planejada acabou por antecipar o projeto de união conjugal. Contudo, na medida em que decidiram ou aceitaram ter o filho, um certo

script social e de gênero foi acionado, inaugurando a construção de uma nova identidade

social.

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Com base nos relatos percebe-se que a vida reprodutiva deste grupo de homens é construída pela intermediação de três aspectos:

 o tipo de relacionamento estabelecido com as companheiras (conjugalidade);

 a relação dos homens com o próprio trabalho e com o trabalho remunerado das mulheres (trabalho);

 a concepção que têm sobre o que sejam as atribuições maternas e paternas (parentalidade).

Um quarto aspecto seria o biológico, mas que, neste grupo de informantes, foi mais acionado pelas mulheres do que pelos homens entrevistados.

Desta maneira, entende-se que a reprodução não se resume apenas à decisão de como e quando ter e evitar filhos, mas se relaciona a todo um conjunto de relações, prescrições e valores sociais implicadas nesta decisão. Os informantes compartilham de um

script social e de gênero, em que ter filhos, a princípio, insere-se no contexto de uma vida

familiar. Paternidade, casamento e trabalho estariam totalmente entrelaçados neste script. Neste sentido, inicialmente ter um filho significou construir e cuidar de uma família, sendo a atribuição de provedor definida como a principal e mais imediata responsabilidade masculina.

Conciliando Conjugalidade, Trabalho e Parentalidade.

Na tentativa de cumprir com as expectativas do script do homem de família e bom provedor, acionado com o nascimento do primeiro filho, os homens se deparam com um outro conjunto de expectativas e projetos envolvendo a construção de um relacionamento conjugal e parental baseado no companheirismo e na igualdade entre parceiros. Ou seja, a relação do casal pautava-se em um ideal de cumplicidade, respeito e apoio recíproco para desenvolverem suas atividades cotidianas, sejam elas profissionais, pessoais ou familiares. O modelo do pai provedor/ mãe cuidadora dos filhos e do lar vivenciado na família de origem, não seria adequado para esta nova realidade. Não só porque as mulheres possuem sua própria carreira profissional e são mais independentes, mas também porque os homens não querem reproduzir o pai ausente que tiveram. Mas isso não significa que eles abandonaram completamente as referências deste modelo. Este pai provedor e sua autoridade moral acabaram por serem re-elaborados para melhor se adequarem ao novo

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contexto da conjugalidade e parentalidade concebida e vivida por estes homens e suas companheiras. Eles entendem que o pai, além de bom provedor, deve ser afetuoso, presente e participativo na criação da prole.

De fato, os relatos masculinos mostram homens que privilegiam o contato físico. Estes entrevistados beijam, abraçam, acariciam e estabelecem diálogos com seus filhos. Este tipo de envolvimento afetivo pode ter levado muitos destes homens a se dedicarem muito mais aos cuidados da prole do que seus próprios pais teriam feito.

Contudo, nas trajetórias de paternidade deste grupo isto não teria sido o suficiente para estabelecerem uma participação mais igualitária do par parental na criação da prole. A idéia de um pai cuidador, do tipo esperado pelos teóricos da “nova paternidade”, estaria ainda longe da realidade vivida por estes homens. E especificamente neste grupo, tenho minhas dúvidas se este é o modelo aspirado por eles. Isto porque, como bem coloca Vaitsman (1994), a maternidade e a paternidade não teriam deixado ainda de acarretar as responsabilidades sociais e os pesos distintos que elas exercem na vida de homens e mulheres. E isto fica evidente nos diferentes aspectos ressaltados pelas entrevistas masculinas e femininas sobre o que os filhos significaram para cada um dos parceiros.

A carreira profissional das esposas é reconhecida como algo importante para o desenvolvimento pessoal das mulheres e desta maneira é muito bem aceita pelos homens. No entanto, quando a vida familiar parece assumir um segundo plano em relação à vida profissional delas, alguns dos homens são contundentes em suas críticas. Isso porque, a figura materna ainda preserva a atribuição de organizadora do espaço doméstico. Não necessariamente que entendam que seja ela que deva desempenhar as tarefas domésticas, mas que ao menos ela administre toda a rotina do lar e esteja atenta aos cuidados básicos na criação dos filhos. Neste contexto, a empregada doméstica é um elemento importante na dinâmica familiar deste grupo de entrevistados. Além disto, a figura materna ainda preserva a condição de mediadora no relacionamento do pai com os filhos. Pois os homens continuam a dedicar mais tempo ao trabalho do que ao cotidiano familiar.

Neste aspecto é que as expectativas masculinas quanto a construírem um vínculo paterno baseado na presença, na proximidade e na participação ativa na vida dos filhos na prática são negociadas mais no relacionamento com a mãe do que propriamente com os filhos. Em um dos entrevistados isto aparece claramente. O que marca a diferença de sua

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experiência de paternidade no primeiro casamento e no segundo está relacionado com a maneira pela qual suas companheiras, nas palavras dele, “lhe ensinaram a ser pai”. No atual casamento, ele teria participado mais nos cuidados dos filhos por exigência de sua segunda esposa que considerava que ele deveria saber o que fazer caso ela não estivesse presente. O maior envolvimento que o entrevistado percebe ter atualmente na criação dos seus filhos ainda é o de prestar um auxílio, eventual, para a mãe, que é considerada a principal cuidadora. Isto também é corroborado por outros relatos, constituindo mais um aspecto na construção do vínculo paterno. Mesmo que eles estejam fazendo coisas que antes só as mães faziam, determinadas atitudes e características ainda são vistas por eles como tipicamente maternas. As ambigüidades do tão desejado envolvimento paterno surgem neste contexto.

A participação mais efetiva dos homens na criação dos filhos durante o casamento foi, como mostram os relatos, motivada muito mais pelas exigências femininas e demandas particulares da vida familiar do que por uma iniciativa particular dos próprios homens. As entrevistas mostram de um lado, mulheres queixosas com a sobrecarga de responsabilidades que recaem sobre elas e do outro lado, homens pressionados com as constantes cobranças de maior participação deles na vida doméstica.

Na visão dos entrevistados, este contexto familiar teria afetado a qualidade do relacionamento deles com os filhos, porque dificilmente podiam dedicar uma atenção exclusiva a eles. Nesta perspectiva é que o vínculo paterno durante o casamento recebe uma avaliação negativa por parte de vários entrevistados que consideram que só depois da separação, sem os conflitos gerados em torno das responsabilidades domésticas, é que teriam sentido de fato o prazer de ser um pai.

A separação conjugal e a manutenção da parentalidade

Para vários homens entrevistados, a separação conjugal não representou apenas a ruptura de um vínculo amoroso ou a falência de um projeto familiar, ela também trouxe para eles a possibilidade de mudar os rumos da relação estabelecida com os filhos. Na visão de alguns entrevistados, a separação teria feito deles um pai muito melhor, mais dedicado, mais atento para as necessidades dos filhos. Ao repensar o relacionamento assumido com a

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prole, estes homens tinham em mente não apenas as implicações emocionais que o divórcio poderiam ter para as crianças e para eles mesmos, mas também os efeitos que teriam para a vida deles em termos de responsabilidades para com a família desfeita.

Vários dos trabalhos que tratam da relação entre paternidade e separação conjugal assumem a perspectiva de que a atuação e o contato paterno após o divórcio tendem a refletir a dinâmica de relacionamento estabelecida com os filhos durante a vigência da união conjugal. Os relatos masculinos e femininos não chegam a confirmar totalmente esta perspectiva. Homens que durante o casamento teriam sido mais distantes e pouco envolvidos com os filhos, teriam se transformado em pais mais atenciosos e participativos. Como também pais que participavam ativamente na criação da prole, em função da mudança do local de moradia dos filhos teriam hoje um contato com eles mais esporádico e distanciado. As dinâmicas familiares após o divórcio foram, segundo os entrevistados, sendo estabelecidas aos poucos, nem sempre de uma forma tranqüila e sujeita às várias contingências e mudanças na vida de cada um dos sujeitos envolvidos. Os entrevistados avaliam este contexto sob a perspectiva de houve tanto perdas quanto ganhos.

Um fator apontado por todos os entrevistados como importante para a constância do contato paterno quando não se convive com os filhos é conseguir manter uma boa relação com a mãe. Esta condição também é ressaltada por alguns estudos (SMART, 2000; SILVA E SMART, 2000; FURSTENBERG E CHERLIN, 1991) que avaliam que as dinâmicas familiares construídas após o divórcio exigem muito mais que uma mudança na forma dos homens se relacionarem com os filhos. É necessário que homens e mulheres alterem as bases da relação estabelecida entre eles. Contudo, romper com uma relação conjugal e manter a relação parental não foi um processo tranqüilo em todos os casos. Isto porque, a complexidade dos arranjos familiares após a separação conjugal não envolve, como pensam alguns juristas e responsáveis por políticas de apóio à família, apenas a superação de antagonismos pessoais pensando nos interesses dos filhos. A separação conjugal evidencia uma dinâmica de gênero que coloca obstáculos não somente de ordem subjetiva, mas também estruturais para que homens e mulheres construam um relacionamento parental mais igualitário. O processo de negociação entre pais que estão separados é marcado pelo confronto de poderes. A maternidade, conforme os relatos, concede um poder maior às mulheres do que aos pais no que diz respeito aos filhos. E com este poder elas podem

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definir os limites para o envolvimento do pai. Os homens, por sua vez, dispõem do poder econômico que é garantido por uma estrutura social que prioriza o trabalho masculino como a principal fonte de renda familiar.

Nos relatos o que vemos é que para as mães, a lógica masculina de que o que importa não é a quantidade de tempo ou de atividades que os pais fazem com os filhos, mas sim a qualidade destes momentos, apenas reforçou as responsabilidades femininas com a criação da prole, que a partir da separação não compartilha mais com o pai de seus filhos grande parte das decisões relativas ao cotidiano. Neste sentido é que em vários relatos masculinos, as ex-esposas dos entrevistados teriam recorrido a ajuda da família na reestruturação da rotina doméstica pós-divórcio, optando por ficarem mais próximas de familiares com quem poderiam dividir as responsabilidades de cuidar da casa e dos filhos. Esta mudança do local de residência acabou provocando um distanciamento físico ainda mais prolongado de alguns destes pais.

A vivência de um contexto conturbado para a manutenção da relação com os filhos de uma união já desfeita parece ter suas implicações no interior das novas uniões. Alguns dos entrevistados que recasam revelam uma certa resistência em ter filhos da união atual visualizando a possibilidade de ampliação dos conflitos já existentes.

A nova união: em busca da harmonia entre o eu, ele, elas, os meus, os seus e os nossos.

Reconstruir um ambiente familiar no contexto de um novo casamento significa para homens e mulheres ter que conciliar uma gama de relações potencialmente conflituosas. Integrar em um único ambiente familiar a prole de uniões distintas, a nova relação conjugal e uma certa permanência do contato com a(o) ex-parceira(o) em função dos filhos em comum demandam um certo “jogo de cintura” para que atritos sejam evitados ou superados. Estas dificuldades de certa forma dizem respeito ao tipo de obrigações e lealdades que se definem para os sujeitos envolvidos neste novo arranjo familiar. (STACEY, 1998; SILVA E SMART, 2000).

Coerente com a percepção masculina de que “as coisas mudam”, aqueles que estão recasados se mostraram mais dispostos a mudar o estado constante de tensão que experimentaram no primeiro casamento. As exigências femininas parecem ser mais aceitas

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por eles, assim como estariam muito mais abertos a fazer sacrifícios e de compartilhar das responsabilidades familiares. Alguns deles apontam que estes esforços visam a reconstrução de um ambiente familiar não apenas para eles como também para os filhos deles e da atual companheira. O que os relatos parecem sugerir é que estes homens acabam retomando o script do homem de família, mas tendo que conciliar uma rede de relacionamentos mais complexa e potencialmente conflituosa.

A constituição de um novo ambiente familiar fez com que vários destes homens se empenhassem em integrar todos os filhos a esta nova realidade. Neste sentido, eles avaliam que no cotidiano da nova família assumem também a condição de pai dos enteados. A partir das atividades e na convivência do dia a dia é que se percebem legitimados nesta condição. Relatam que, neste contexto, não haveria qualquer tipo de diferença no relacionamento dele com os próprios filhos e seus enteados. As atitudes, o comportamento e as responsabilidades seriam as mesmas.

O sustento financeiro da prole é considerado pelos homens entrevistados como uma responsabilidade intransferível. O fato de ter um outro homem vivendo com os filhos, não eximiria o pai que não convive desta responsabilidade. Contudo, a coabitação com os filhos da parceira acaba fazendo com que estes homens assumam não só responsabilidades com o cotidiano de criação destas crianças, mas também pelo seu sustento financeiro. Para eles não há como se desvencilhar totalmente desta responsabilidade para com os filhos que moram com o casal, porque ela se insere no contexto de manutenção da família.

Há um outro aspecto desta dinâmica constantemente ressaltado pelos homens entrevistados que diz respeito ao pai dos filhos da atual companheira. Para eles, os direitos e obrigações do pai biológico são preservados independentemente do tipo de contato que mantenham com os filhos. Isto faz com que estes informantes percebam esta condição como um limite para o vínculo estabelecido com os enteados.

Para as mulheres o aspecto biológico é principal definidor deste limite. Os relatos femininos dão conta de que os homens tenderiam a dar uma grande importância ao laço biológico. Contudo, os relatos masculinos não chegam a refletir que tipo de interferência isso traria para o relacionamento com os filhos que não são biológicos. As reflexões femininas sobre esta questão partem principalmente de uma perspectiva voltada para entender quais os sentimentos dos filhos com relação ao novo parceiro delas e como os

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homens podem se sentir na relação com um filho que não é deles. Neste sentido é que algumas das entrevistadas expressaram seus receios de que os filhos do primeiro casamento pudessem ser rejeitados pelo atual companheiro no caso de decidirem por ter um filho do novo relacionamento.

Estes relatos revelam a compreensão da importância do laço de sangue para a determinação das relações de parentesco. Ele representa um vínculo perpétuo. E além disto ele determina responsabilidades e sela lealdades. Tanto do pai para com o filho, quanto do filho para com o pai. Isto poderia explicar as aflições, relatadas pelas mulheres, que seriam sentidas pelos filhos ao perceberem que nutrem um afeto maior pelo marido da mãe. A percepção parece ser a de que o laço de afinidade estabelecido pelo recasamento define um tipo de comprometimento dos homens com os filhos que não são dele que está atrelado ao contexto da nova aliança conjugal. É um vínculo circunstancial, que pode não ser duradouro e totalmente espontâneo, em que as lealdades são estabelecidas pelo tipo de relação de afeto desenvolvido entre estes filhos e o marido da mãe. (FURSTENBERG E CHERLIN, 1991).

Conjugalidade e Reprodução: outras questões

Ao pensar nos contextos que cercam a vida reprodutiva masculina, de fato ainda pouco se sabe sobre como situações de divórcio e recasamentos vividos por segmentos sociais distintos tem influenciado o comportamento reprodutivo dos homens. Há indícios, por exemplo, que estes contextos de conjugalidade parecem estar influenciando na não opção dos homens pela vasectomia (POPULATION REPORTS, 1987; OLIVEIRA, BILAC E MUSZKAT, 2000). Isto porque a possibilidade de reconstituir um novo núcleo familiar recoloca para homens e mulheres a discussão sobre ter filhos ou não em uma nova união. Em um cenário social de crescentes taxas de divórcio e recasamentos, optar por um método que encerra a vida reprodutiva com uma mínima, e dispendiosa, chance de reversão parece ser um risco que os homens não querem correr. (OLIVEIRA, BILAC E MUSZKAT, 2000)

No contexto das pesquisas realizadas com segmentos médicos de grandes centros urbanos, tanto no estudo desenvolvido durante o mestrado (MARCONDES, 2002) quanto no trabalho realizado junto à pesquisa “Os homens, esses desconhecidos...Masculinidade e Reprodução” (OLIVEIRA, BILAC, MUSZKAT, 1999) pude perceber a tensão que se

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estabelece na medida em que uma nova união coloca para os sujeitos a redefinição de projetos reprodutivos.

Em alguns casos, esta tensão parece decorrer do choque entre os contextos e relações que cercam a vida de ambos os parceiros - a etapa do ciclo de vida em que se encontram, a existência ou não de filhos de uniões anteriores e o tipo de relação estabelecida com eles - e uma certa concepção de gênero de que toda mulher deseja ser mãe.

Oliveira (2003) sustenta que esta percepção, fortemente arraigada entre as camadas médias, opera com a lógica de que o desejo de ser mãe é decorrente da própria natureza feminina e que de forma complementar e relacional os homens se colocariam na condição de “fecundadores de plantão”, sempre prontos e dispostos a concretizar este desejo feminino.

No caso de homens pertencentes às camadas populares, existe uma vasta produção sobre o significado dos filhos para a construção das identidades sociais dos pais. (SARTI, 1996; FONSECA, 1995) Contudo, a esmagadora maioria destes trabalhos trata a questão a partir da perspectiva feminina, havendo ainda poucos trabalhos sobre a percepção e os comportamentos dos homens de camadas populares em relação à reprodução. (COSTA, 1997) Os trabalhos salientam a importância e, principalmente, as dificuldades e os fracassos enfrentados pelos homens pobres acerca do cumprimento do seu papel de provedor, o que por sua vez acaba aumentando a possibilidade de ruptura conjugal, e a sua substituição na família por outras figuras masculinas. (SARTI, 1996; NASCIMENTO, 2000) A visão dos homens sobre os desdobramentos destes e outros eventos – como a circulação de crianças e relações criadas a partir de sucessivas uniões conjugais (SARTI, 1996; FONSECA, 1995) - assim como a forma como eles re-elaboram suas experiências e expectativas em relação à paternidade neste contexto, ainda constitui um campo a ser explorado pelos pesquisadores.

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