OS DEGREDADOS DO VALE DE LÁGRIMAS:
AS PRÁTICAS PUNITIVAS DE DEGREDO NO BRASIL (1640-1700)
Ricardo George Souza Santana
*Resumo: O estudo do degredo tem recebido atenção nos últimos anos e suscitado importantes trabalhos que remontam a boa parte da história de Portugal, principalmente no período da Inquisição, época em que a pena de expatriação de sujeitos insubordinados, ameaçadores da ordem pública e da ortodoxia doutrinária era amplamente difundida no Reino com o fim de sanear a criminalidade além de povoar e enviar mão-de-obra para as possessões ultramarinas. Porém, conforme será visto nas linhas deste artigo, banir do convívio social estes sujeitos de comportamento tão incômodo não era apenas uma característica da metrópole. As evidências que ora exponho levam a crer que, no Brasil Colonial, a prática de “degradar” também era uma tradição constituída no espaço colonial, porém com nuances bem particulares.
Palavras-Chave: Degredo; Portugal; Brasil Colonial.
Na obra Portugal na época da Restauração, o Professor Eduardo D’Oliveira França estuda o século XVII europeu, desenvolvendo um importante estudo de uma época de protagonismo da Península Ibérica no cenário do mundo moderno. Porém, segundo o autor, “O século XVII teve a infelicidade de ficar entre o XVI e o XVIII. Ofuscado por dois esplendores, o Renascimento e as Luzes, ele parece distrofiar-se na comparação”. (FRANÇA, 1997, p.18).
Este artigo é um pequeno resumo de um projeto de pesquisa que venho desenvolvendo para o ingresso na pós-graduação. O recorte temporal proposto inicia-se em 1640, ano da publicação do Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal e encerra-se em 1700, já que a proposta desta pesquisa é abordar o século XVII.
Tentarei revisitar a sociedade colonial brasileira em formação sob o viés das representações da legalidade e do poder, identificando na experiência das mulheres e dos homens que aqui viviam uma prática cotidiana que, ora questionava, ora resignificava ou subtraía os padrões legais, morais ou religiosos da metrópole, mas era herdeira desta por vários fatores.
Metrópole essa que viveu o fim de 60 anos sob o reinado dos 3 Filipes da Espanha (1580-1640) e experimentava a recente restauração do trono português por uma dinastia de sangue luso, a dos Bragança, reconfigurando assim a geopolítica Ibérica e influenciando a vida colonial.
(HOLLANDA, 1997, p. 176-189).
O DEGREDO EM PORTUGAL
Estudando as medidas de punição implementadas por Portugal, para sanear a criminalidade do Reino, percebeu-se coação de certos “delitos” com dispositivos jurídicos deveras rígidos.
Vadios, jovens ladinos, cristãos–novos, bígamos, sodomitas, feiticeiras, visionárias, blasfemadores, impostores. Estes sujeitos de atitudes tão inconvenientes aos padrões religiosos e morais eram os alvos dos olhos e ouvidos da Santa Inquisição Portuguesa. Também os falsários e ladrões eram vistos como os inimigos públicos da sociedade lusitana. Diante disso, a Igreja
* Licenciado em História pela Universidade Católica do Salvador. Contato: gueertz@hotmail.com.