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Maria de Fátima Sousa Silva, Ensaios sobre Eurípides, Lisboa, Livros Cotovia, 2005, 404 pp. [ISBN ]

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Maria de Fátima Sousa Silva, Ensaios sobre Eurípides, Lisboa, Livros Cotovia, 2005, 404 pp. [ISBN 972-795-133-3]

Como esclarece a A. na “Nota Introdutória” (p.9), foram reunidos, no presente volume, nove estudos, na sua maioria já conhecidos de diversas publicações, mas outros inéditos, que apesar de incidirem sobre temáticas diversas de diferentes peças de Eurípides, constituem, no seu conjunto, «um todo que engloba aspectos relevantes para uma análise de um poeta tão marcante dentro do séc. V a.C. ateniense».

No primeiro ensaio deste livro, intitulado “O bárbaro e o seu mundo no teatro de Eurípides”, a Professora Maria de Fátima Sousa Silva, depois de tecer algumas considerações gerais sobre os matizes diversificados que, no antigo mundo grego, foram colorindo a dicotomia Bárbaro/Grego, preocupa-se em demonstrar, com exemplos bem ilustra-tivos e expressivos, como essa questão ainda permanecia actual na época conturbada de Eurípides, e como o tragediógrafo a explorou dramatica-mente em algumas das suas peças (nomeadadramatica-mente Ciclope, Ifigénia entre

os Tauros e Helena), onde o efeito realista, o tom crítico e o pendor

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assumiria, nessas peças de Eurípides, outras nuances carregadas de sim-bolismo, e também dolosamente dramáticas, que incentivavam uma re-avaliação da «velha polémica Grego/Bárbaro, perspectivada noutros termos: a noção de um Grego selvagem e de um Bárbaro superior vem subverter por completo as tradicionais regras do jogo à melhor maneira do poeta revolucionário e do pensamento sofístico de que se sentiu muito próximo» (p.46). A A. analisa ainda a subversão dessa dicotomia tradi-cional, numa das primeiras peças de Eurípides, Medeia, onde a exótica heroína ‘bárbara’, antecipando outras figuras menores de estrangeiros helenizados, encarna, de forma violentamente trágica, a oposição entre barbárie e civilização, insinuando que as diferenças e os conflitos entre os homens parecem ter a sua origem não tanto nas fronteiras geográficas, mas fundamentalmente em termos de nomos e physis.

Sob o título que se segue, “Philia e as suas condicionantes na

Hécuba de Eurípides”, já conhecido de uma publicação anterior,

encon-tramos um estudo da peça que Eurípides consagrou à pungente figura de Hécuba, e que, na opinião da A., ainda hoje constitui «um paradigma de sofrimento, de derrota, de solidão, levadas a um limite extremo» (p.94). Retomando alguns temas e topoi abordados anteriormente, a A. con-centra agora a sua atenção na problemática questão dos «laços familiares» e no topos da philia, proporcionando-nos uma leitura aturada e rigorosa da complexa estrutura dramática de uma tragédia, em que a «amizade» resiste como «um princípio salvador num mundo em desordem, que os deuses e a justiça divina parecem ter esquecido ou abandonado» (p.13).

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termos dramático-teatrais. O facto de Eurípides ter escolhido preferen-cialmente como protagonistas das cenas de sacrifício voluntário figuras femininas jovens, pelos maiores efeitos patéticos que podiam produzir no público, os episódios de Macária (Heraclidas), de Políxena (Hécuba) e de Ifigénia (Ifigénia e Áulide) são aqueles que a A. elege para tecer algumas considerações de fundo sobre a relevância dramática e a eficácia teatral deste motivo euripidiano. Compreensivelmente, por isso, não foi incluído, neste estudo, o episódio de Meneceu, de Fenícias. Depois de uma análise meticulosa dos três episódios de sacrifícios voluntários femininos, a A. conclui: «uma distância, na graduação do efeito teatral e densidade dramática, separa os episódios de Macária e Políxena», enquanto que em relação ao sacrifício de Ifigénia, «embora seja concebido segundo o mesmo plano, ele é sobretudo motivo para o desencadear de sucessivos confrontos psicológicos, de consequências imprevistas» (p.165).

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vontade para agir bem, a resistência para ultrapassar a tentação para o mal»(p.183).

Em “Etéocles de Fenícias. Ecos de um sucesso”, publicado em

Humanitas (1991), apresenta-se um sugestivo estudo sobre a

personali-dade de Etéocles e o papel dramático que Ésquilo e Eurípides lhe atribuí-ram, nas peças Sete contra Tebas e Fenícias, respectivamente. O facto de retomar um mito tradicional, e que já fora objecto de uma representação anterior na produção de outro tragediógrafo, não inibiu Eurípides de experimentar outras técnicas dramáticas e efeitos teatrais, que actualiza-vam, de modo inovador e perspicaz, uma história de todos conhecida. Sublinha a A. que as duas peças, inspiradas no mesmo mito, «se concreti-zaram, por força de um entendimento dramático diverso, em duas reali-zações de estrutura, expressão e sentido diametralmente opostos» (p.197). A austeridade e a majestade da figura esquiliana, que apareciam como um elo de coesão dramática, esvanecem-se na peça de Eurípides, porque re-presentado como um homem comum, semelhante a muitos outros, ex-posto por isso a todas as limitações que condicionam a natureza humana. Dedicado a um tema literário recorrente já na Antiguidade, o estudo intitulado “Expressão dramática do tema ‘viagem’. A Ifigénia

entre os Tauros de Eurípides”, apresentado numa conferência em 2005,

no Brasil, retoma a problemática dessa peça ‘romanesca’ de Eurípides, onde o tema da viagem granjeia uma invulgar expressão dramática, acrescentando à tragédia toda uma série de ingredientes típicos do modelo aventuroso que o género épico — particularmente a Odisseia — havia acolhido de um modo exemplar. Não é de admirar que, num tragedió-grafo, por vezes, tão desconcertante e inovador como Eurípides, os elementos convencionais da estrutura complexa que a aventura reclamava tivessem sido adaptados, com inquestionável destreza e eficácia, ao género dramático, onde pela palavra foi possível superar todos os condicionalismos impostos pelo contexto teatral, como demonstra a leitura circunstanciada que a A. nos oferece da peça.

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argu-mentos sugestivos e convincentes, o trilho crítico de um tragediógrafo que a comédia aristofânica não se cansou de censurar. Se bem que algu-mas peças euripidianos pareçam encerrar, ocasionalmente, breves aponta-mentos de crítica teatral, é em Helena que se podem rastrear indícios de uma intencionalidade reflexiva metateatral mais consistente, não isenta de significado dramático. Dentre as inúmeras observações e comentários tecidos, ao longo da peça, pela rainha de Esparta, que, como argumenta a A., se converte numa «projecção do poeta dentro da ficção dramática» (p.244), é possível identificar uma série de questões de índole poético--teatral, como é o caso, por exemplo, do questionamento dos pormenores do próprio mito ou das várias alusões a questões estruturais ou cénicas, que, ao longo da peça, vão contribuindo para uma evolução profunda-mente invulgar e espectacular de uma intriga que conjuga mechane e

anagnorisis.

Em último lugar, surge um extenso ensaio consagrado a uma temática muito pertinente e sugestiva, se tivermos em consideração um dos aspectos mais marcantes e peculiares da poesia de Eurípides: «a sua predilecção e sensibilidade pelos motivos visuais e pictóricos» (p.287). Sob o título “Elementos visuais e pictóricos na tragédia euripidiana” pretende-se realçar a plasticidade de alguns processos artísticos utilizados pelo último dos tragediógrafos para recolorir, com tons mais atraentes e expressivos, os espaços, os caracteres e as acções dos seus dramas. O primeiro exemplo aduzido pela A. recupera uma peça já focada,

Fenícias. Procura-se agora demonstrar como o peso dos intertextos

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guerreiro (...) maior flexibilidade e consequentemente maior realismo» (p.297). Mas o espírito criativo e plástico do tragediógrafo que parece associar a pena ao pincel, distingue-se ainda na construção dos espaços cénicos de outras peças. Por exemplo, Medeia e Bacantes, mas também nas descrições ecfrásicas que, em Íon, se fazem do templo de Apolo e das tapeçarias do deus que recobrem o exterior da tenda, ou que, em Electra, encontramos na célebre ode coral que canta as armas e principalmente o escudo de Aquiles. A descrição pictórica do exército grego feita pelas mulheres do Coro, no párodo de Ifigénia em Áulide, figura como mais um dos abundantes exemplos que mereceram, por parte da A., uma análise minuciosa e bem enquadrada na problemática das respectivas peças. Independentemente de Eurípides ter experimentado ou não a pintura, antes de se dedicar à poesia, parece incontestável que, como conclui a A., as inúmeras «telas poéticas» das suas tragédias, bem como as próprias referências que faz a esse outro tipo de arte, contribuem para «apoiar o enquadramento dramático e cénico, alagar infinitamente as fronteiras espaciais da acção, trazer à presença do público os acontecimentos extra--cénicos»(p.393). O espírito virtuoso e visionário do último tragediógrafo ter-lhe-á despertado um gosto invulgar pelo visualismo que, no seu teatro, se assumiria «para além de uma orientação estética pessoal da sua sensibilidade de artista, um sintoma da posição crítica e céptica do poeta em relação ao mito» (p.393-4).

Em suma, estamos perante uma colectânea de ensaios excepcional, que revela o conhecimento aprofundado e actualizado que a Professora Maria de Fátima Sousa Silva possui do drama euripidiano e, por isso, representa um precioso instrumento de trabalho ao serviço de especia-listas académicos, de estudantes de estudos clássicos e mesmo do leitor em geral que se interesse pela obra daquele que, no seu tempo e no nosso, ficou conhecido como um dramaturgo revolucionário e controverso, por vezes desconcertante e algumas vezes incompreendido.

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Homero. Ilíada. Trad. de Frederico Lourenço, Lisboa, Livros Cotovia. 2005, 505 pp. [ISBN 972-795-118-X]

Com palavras naturalmente elogiosas recenseámos, no nº 6 desta revista (pp.213-15), a tradução da Odisseia, aquando da sua publicação, e ainda em primeira edição. Hoje contam-se já seis edições, o que nos parece ser uma prova irrefutável do êxito que o excelente trabalho de tradução da antiga epopeia de Ulisses colheu junto do leitor de língua portuguesa. É evidente que, neste caso, o mérito tem que ser divido, pois se por um lado há que homenagear o poeta genial que a criou — o lendário Homero — por outro lado devemos reconhecer o contributo valioso que o autor da tradução prestou à divulgação, no espaço cultural português, de uma obra suprema de um cânone que não é nem ocidental nem oriental, mas universal.

No ano de 2005, Frederico Lourenço, realizando um desejo já formulado, brindou-nos com a publicação de uma versão portuguesa da mais antiga epopeia homérica, a Ilíada. Fechou-se assim um ciclo na história da cultura portuguesa que, só a partir de então, pôde contar com a tradução integral das duas epopeias homéricas — por sinal, excepcionais. A qualidade literária, o rigor estilístico, o ritmo harmonioso sobressaem uma vez mais nesta versão portuguesa da mais antiga epopeia homérica, com cerca de 17 000 versos, que só o trabalho persistente e exímio de um helenista devotado e bem informado podiam converter num texto que convida à leitura. O seu modo de fazer com que cada discurso, cada frase, cada sintagma ou cada palavra conserve a sua importância originária na economia da narrativa reflecte uma erudição sólida, actuali-zada, mas sóbria, que nunca inibe a fruição do texto.

A tradução é precedida de uma “Introdução”, de grande utilidade para qualquer leitor, facultando uma abordagem bem informada, precisa e clara de alguns dos tópicos mais discutidos pela crítica homérica e rele-vantes para a compreensão do poema.

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Terminamos, saudando uma vez mais esta magnífica publicação e formulando o voto de que a editora Cotovia continue a servir, de forma tão meritosa a cultura portuguesa, entregando à responsabilidade de helenistas ou latinistas a tradução de obras da Antiguidade Clássica, que serão para todo o sempre testemunhos inalienáveis da história da Humanidade.

MARIA FERNANDA BRASETE

Francisco Oliveira, Paolo Fedeli, Delfim Leão (edd.), O Romance Antigo. Origens de um género Literário, Coimbra, Universidade de Coimbra–Università degli Studi di Bari, 2005, 281 pp. [ISBN 972-9057-21-4]

São dezoito os estudos reunidos no presente volume, dedicado às origens e persistência do romance antigo, numa edição conjunta do Instituto e do Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Coimbra, e do Departamento das Ciências da Antiguidade, da Universidade de Bari. Num breve e conciso “Preâmbulo”, assinado por um dos editores portugueses, Francisco Oliveira, esclarece-se que esta publicação concretiza um projecto de dimensão internacional, nascido no âmbito da linha de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, e que esteve na origem de um congresso realizado em Março de 2005.

Um texto sedutor e poético de um dos maiores mestres da Filologia Clássica portuguesa, Walter de Sousa Medeiros, intitulado “Na Aurora do conhecimento: do Túmulo à Pacificação”, abre da melhor maneira esta colecção de artigos de reputados especialistas nacionais e estrangeiros, evocando dois romances paradigmáticos da Antiguidade: o Satyricon de Petrónio e o Asinus Aureus de Apuleio.

Uma discussão teórico-literária bem fundamentada e pertinente da

uexata quaestione, que engloba a problemática taxonómica da narrativa

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No artigo de Maria do Céu Fialho, sob o título “Novas tendências narrativas nas Argonáuticas de Apolónio de Rodes”, o epos do bibliotecário de Alexandria é objecto de uma fecunda e importante reflexão. Recordando alguns expedientes da técnica narrativa homérica — nomeadamente o narrador, o motivo do sonho, o tema do nostos, os símiles e a temática erótica — a A. pretende demonstrar como o tratamento poético da expedição dos Argonautas pressupõe a utilização de novas modalidades narrativas, não completamente estranhas ao padrão da epopeia arcaica, em particular à Odisseia, mas genologicamente inovadoras e com repercussões significativas ao nível da estrutura do poema, das estratégias narrativas e da caracterização das personagens.

Seguidamente, Maria de Fátima Sousa Silva, em “O motivo do sonho no Romance de Cáriton”, centra a sua leitura daquela que se pensa ser a obra mais antiga do género (séc. I d.C.) na análise dum topos literário proveniente da tradição literária anterior — épica e dramática, principalmente —, mas que a ficção narrativa da época helenística reconfigurou em termos discursivos, conforme as novas exigências do género, para actualizar a sua eficácia no desenho dos caracteres e na construção da intriga.

Em “Imagine Poetiche — Sulla funzione delle Bildeschreibungen nel romazo di Achille Tazio”, Bernhard Zimmermann, começa por evocar alguns dos passos mais emblemáticos da literatura grega que consagraram a ekphrasis como um recurso retórico-literário permeável à dinâmica evolutiva dos géneros da antiga literatura grega, desde os Poemas Homéricos à Segunda Sofística, estendendo-se até à Época Bizantiza. Quatro Bildeschreibungen presentes no romance Leucipe e Clitofonte, de Aquiles Tácio, são objecto duma interessante análise, em que se examinam as diferentes funções consignadas às descrições ecfrásicas, quer no plano da estruturação narrativa da acção, quer na atitude hermenêutica sugerida ao leitor.

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mundo da literatura latina. Detendo-se no “século fascinante” (p.71) que foi o século I d.C., a A. propõe-se definir as coordenadas culturais e históricas que nortearam a criação do romance em língua latina — em particular o Satyricon de Petrónio —, tecendo as suas reflexões em torno de duas questões fundamentais: «Que reflexo da época encontramos no

Satíricon? Para quem foi escrita esta fabulosa narrativa?» (p.74).

Os cinco artigos que se seguem são todos eles dedicados à exegese do fragmentário romance de Petrónio, que continua a despertar o interesse dos investigadores contemporâneos. Paulo Sérgio Ferreira concentra-se no tema da escravatura, tomando como base de análise a relação de Trimalquião com os escravos. Em “O uso paródico e satírico do tema da escravatura na Cena petroniana”, pretende-se demonstrar como um jogo de alusões, baseadas no hipotexto senequiano, serve para questionar a humanitas do egocêntrico Trimalquião, bem como fazer eco de um “desencanto pessimista que tantas vezes se pressente no texto pretoniano” (p.103). Sublinhando a intencionalidade irónica e crítica do

Satyricon, o estudo de Delfim Leão, “Eumolpo e as correntes místicas

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ressaltando que enquanto a primeira parte está mais próxima dos modelos tradicionais, a segunda indicia um tratamento paródico de questões judiciais da época.

O volume prossegue com dois estudos dedicados a Apuleio. Em “O romance de Cárite em Apuleio”, assinado por José Luís Lopes Brandão, oferece-se uma análise bem documentada dos elementos trágicos da história de Cárite, cujo sentido último acolhe a influência exercida pelas ideias professadas pelo cristianismo então florescente. Cláudia Amparo Afonso Teixeira, em “As histórias no Asinus Aureus de Apuleio e a sua relação com o romance”, toma como objecto de análise a estruturação da odisseia de Lúcio, onde se integram diversas histórias que, em sua opinião, se organizam em duas sequências narrativas complementares: a primeira, constituída pelo conto idílico de Amor e Psique e a história de Cárite e Hemo/Tlepólemo; a segunda, o adultério e as histórias dos ladrões dos livros IX e X.

Muitos séculos depois, a história do romance conheceria uma outra época de florescimento, durante o império bizantino. Quatro exemplares romanescos desse período são tomados em consideração por Vitor Ruas, em “Ethopoeia no romance bizantino do século XII”, para explicar as implicações que o recurso à ethopoeia produziu na configuração deste género narrativo.

Tendo sido a Historia Appollonii Regis Tyri um dos textos latinos mais lidos na Idade Média e no Renascimento, e dos mais glosados na literatura posterior, a sua actualização em Confessio Amantis incentiva Paula Mota Carrajana a oferecer-nos um breve estudo comparado no seu artigo, intitulado “Da Historia Apollonii Regis Tyri à Confessio Amantis: Leituras de uma narrativa singular”.

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conhecimento indirecto da narrativa petroniana, antes de 1605, ao contrário do que aconteceu com as Metamorfoses de Apuleio, as várias conclusões que se poderiam tirar da comparação entre os dois romances latinos e a primeira parte do Dom Quixote (1605) não viriam resolver a impossibilidade de definir este género literário.

Na senda dos estudos comparados, inscreve-se também o artigo de João Domingues (Histórias “mais que verdadeiras” de Luciano ou de Voltaire”) que, como o título indica, aborda a questão da recepção da narrativa fantástica da História Verdadeira em autores franceses como, por exemplo, Rabelais, Cyrano de Bergerac e Voltaire.

Por último, algumas questões genológicas, decorrentes da evolução do romance como género narrativo que, desde a Antiguidade aos nossos dias, se foi remodelando sob a influência de novos padrões estético--literários e de diversos estilos de época, constituem o âmago do estudo de Ana Paula Arnaut, intitulado “Em trânsito: do romance ao romance?”

Para se avaliar o interesse desta publicação, bastará salientar o mérito dos seus autores e o das duas instituições de estudos clássicos envolvidas, bem como a temática tratada. A importância desta colectânea reside na complementaridade dos diversos estudos que acompanham as origens e sobrevivência de um género narrativo que das suas matrizes greco-latinas conservou muitas das suas características temáticas e formais.

Não é possível, no entanto, deixar de lamentar que em sete dos dezoito artigos coligidos nesta edição, destinada não só a especialistas mas também a um público mais alargado, mesmo até internacional, não tenha sido incluído um “resumo”, e um dos estudos, escrito em língua alemã, apresente, nesse mesmo idioma, um “résumé” (p.145).

Apesar desta observação de pormenor, registamos com agrado a publicação deste volume, um importante instrumento de divulgação dos estudos clássicos, em Portugal e no estrangeiro.

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Aurelio Pérez Jiménez, José Ribeiro Ferreira e Maria do Céu Fialho (coordenadores): O Retrato e a Biografia como estratégia de teorização política (Coimbra e Málaga, Imprensa da Universidade de Coimbra – Universidade de Málaga, 2004), 288 pp. [ISBN 972-8704-25-9 (Portugal) / 84-608-0166-7 (Espanha)]

Esta notável publicação, fruto da colaboração entre as Universidades de Coimbra e de Málaga, reúne doze trabalhos, que têm como objectivo, segundo a definição dos seus editores, “focar alguns exemplos, desde a origem greco-latina até à modernidade, de um recurso expressivo de cariz poético-político que constitui uma das múltiplas linhas de força da linguagem cultural europeia de matriz clássica” (p.8). O conjunto dos doze artigos é ordenado por um critério cronológico dos autores tratados, embora por vezes seja apenas aproximado. Isso, à medida que se avança na leitura, permite ficar com ideias claras relativa-mente à evolução que o retrato literário foi tendo ao longo das diferentes épocas, a partir da proposta dos diferentes autores.

Jeffrey Rusten abre o livro com o artigo “Pericles in Thucydides” (pp. 9-22). Outros autores gregos são estudados: Maria de Fátima Silva apresenta “Os Cavaleiros de Aristófanes. Um padrão de caricatura bio-gráfica do político” (pp. 23-36); José Luis Calvo Martínez analisa a “Oratoria y biografía. El retrato de Alcibíades en Lisias e Isócrates” (pp. 37-48); e Aurélio Pérez Jiménez questiona “Las Biografías de Plutarco como medio de propaganda imperial?” (pp. 49-64).

O primeiro trabalho, relativo a autores da época romana, é de Maria Cristina de Sousa Pimentel, com o título “Virtus ipsa: O retrato literário nos Annales de Tácito” (pp. 65-82). Seguem-se mais dois artigos: um, de José Luís Lopes Brandão, trata dos “Retratos dos Césares em Suetónio: do eidos ao ethos” (pp. 83-114); outro, de Francisco de Oliveira, apresenta “Biografia dos Imperadores em Plínio o Antigo” (pp. 115-130).

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Rebelo e tem como título “A estratégia política através da hagiografia” (pp.131-158).

À época do Renascimento são dedicados dois trabalhos: um, de Rita Marnoto, trata de “Il Principe ou De Principatibus de Niccolò Machiavelli. O príncipe novo que parece antigo” (pp.159-180); outro, de Nair de Nazaré Castro Soares, estuda “O retrato do Príncipe como estratégia política e modelo educativo no Renascimento” (pp.181-230).

Os últimos dois estudos centram-se em autores dos séculos XIX e XX. O primeiro, de Maria Helena Santana, tem como título “Retrato e anti-retrato: o grande homem em Eça de Queirós” (pp.231-242); o segundo, de Fernando Catroga, aborda “O Magistério da História e a exemplaridade do ‘grande homem’. A biografia em Oliveira Martins” (pp.243-287).

A publicação, que agora se analisa, é de agradável leitura, para o que muito contribui a disposição gráfica dos textos. Há, no entanto, um reparo a fazer em relação a algumas gralhas existentes neste volume, que uma revisão prévia poderia ter evitado. Damos apenas alguns exemplos: na capa, coordinadores por coordenadores; no Índice, padrâo por

padrão, propaganga por propaganda, Brandâo por Brandão, Suetonio

por Suetónio, Plinio por Plínio, hagiografía por hagiografia, principe por

príncipe (p.5); assim com por assim como (p.8); critica por crítica

(p.205); exilílio por exílio (p.235), entre outros exemplos. Estas incorrecções, porém, em nada retiram o mérito e a qualidade a este conjunto de artigos.

Em síntese, estamos perante um livro muito útil para todos quantos desejem aprofundar os seus conhecimentos sobre a evolução do conceito de “História” e a forma como diversos autores, desde a Antiguidade Clássica, foram delineando o retrato político dos vários agentes, perseguindo sempre um exemplum e um speculum para as gerações vindouras.

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Carlos Ascenso ANDRÉ, Ovídio. Arte de amar. Tradução, introdução e

notas de Carlos Ascenso André, Lisboa, Livros Cotovia, 2006 (125 pp.).

Todos nós, estudiosos e docentes de literatura latina em Portugal interessados em Ovídio, nos perguntávamos quando surgiriam traduções da obra do poeta de Sulmona. Eis que o Prof. Carlos André vem preencher uma lacuna importante da literatura romana traduzida para a língua portuguesa. É, portanto, com grande satisfação que se recebe este livro entre os amantes do mundo clássico.

A editora Livros Cotovia parece empenhada numa luta titânica contra o ostracismo a que se quer condenar os estudos clássicos por parte das instâncias superiores. Sem margem de manobra nos planos do ensino secundário e com uma avassaladora publicidade negativa, a cultura clássica parece sentenciada a perecer, não fosse por iniciativas como esta, que demonstram, pelas vendas e pelo número de leitores, que, contra ventos e marés, a literatura greco-latina continua a ter um público fiel, à espera tão só de que os especialistas a tornem acessível com traduções elegantes. A Odisseia (e a sua versão adaptada para jovens), a Ilíada e o

Satyricon iniciaram esta senda, agora continuada pela Arte de amar. Só

por este facto a publicação já merece todos os nossos elogios.

Trata-se, como fica claro pelas minhas palavras, de uma tradução dirigida a um público amplo, não especializado, que simplesmente deseje desfrutar de uma obra imortal e actual, porque os clássicos nunca passam de moda. Com Ovídio o leitor poderá visitar a Roma antiga, as ruas, os banquetes, os costumes, os jogos de sedução, e simultaneamente o mundo mítico que assoma por entre os símiles atrevidos e as digressões narrativas. E, graças à sóbria e elegante tradução de Carlos André e às notas explicativas, breves e claras, o leitor inexperiente na literatura latina avançará com passos firmes pelo saboroso texto ovidiano.

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mesma editora, Caminhos do amor em Roma. A introdução da Arte de

amar é concisa, apenas dirigida a esclarecer quem foi o autor e qual o

assunto da obra, numa dúzia de páginas em que se desvenda, numa espécie de paráfrase, o que se pode encontrar no texto do poeta latino. Seria fácil cair no erro de exigir ao autor uma introdução mais aprofundada e extensa, mas estaríamos a falar então de outro tipo de trabalho, mais restrito e menos divulgativo.

O mesmo se pode dizer da bibliografia final. Resumir a vastíssima bibliografia sobre Ovídio e a Arte de amar em treze livros pode parecer excessivamente redutor, mas tem de se ter em conta que se trata apenas de uma orientação para o leitor não especializado. É, no entanto, de estranhar que a maior parte desses livros recomendados seja tão antiga, e que se tenha deixado de parte, sem a mencionar, a bibliografia mais recente que aponta para novas vias de interpretação do texto (a título de exemplo entre muitas possíveis, a obra de Holzberg). Muito mais estranho se considerarmos que algumas destas obras (como as de Dimundo, Gibson ou Sharrok) aparecem citadas mas quase que escondidas, sob o epígrafe Edições.

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Mas esta opção, naturalmente, beneficiaria uns leitores e dificultaria o trabalho de outros. Cada tradutor está obrigado a fazer escolhas e em cada eleição ganha uma parte do público leitor e perde outra. Nós só podemos alegrar-nos por ver mais uma tradução de um texto clássico e esperamos surpreender pessoas na rua com o livro na mão, redescobrindo o prazer dos clássicos.

CARLOS DE MIGUEL MORA

CATALDO PARÍSIO SÍCULO, Epístolas. II Parte. Fixação do texto latino,

prefácio e notas de Américo da Costa Ramalho e de Augusta Fernanda Oliveira e Silva. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005, 293 pp. [ISBN: 972-27-1378-7].

A publicação integral das Epístolas de Cataldo, iniciada com esta segunda parte, constitui um marco significativo no quadro dos estudos do Humanismo Renascentista português. De facto, Cataldo Parísio Sículo desempenhou um papel crucial e pioneiro na introdução e divulgação dos ideais humanistas em Portugal, como justamente tem demonstrado Américo da Costa Ramalho nos vários trabalhos que lhe dedicou ao longo de mais de quatro décadas. O humanista siciliano veio para Portugal, em 1485, a convite de D. João II, como secretário latino e orador oficial. Algum tempo depois veio a desempenhar as funções de preceptor de D. Jorge, filho bastardo do monarca, e de várias figuras proeminentes da nobreza.

Este livro vem colocar à disposição de um público variado um conjunto de epístolas que retrata com particular fidelidade as relações privilegiadas que Cataldo estabeleceu com inúmeras individualidades, sobretudo portugueses, do seu tempo. Os autores do trabalho referem, aliás, ter começado pela publicação da segunda parte das Epístolas de Cataldo, precisamente por aí se encontrar a maioria do seu epistolário dirigido a portugueses.

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ao leitor os dados necessários para uma interpretação correcta dos passos mais complexos. É de assinalar também a existência de dois índices (onomástico e toponímico) de grande utilidade, pois permitem aos interessados uma consulta fácil das referências nas cartas que se encontram devidamente numeradas. Por último, importa ainda referir a publicação do fac-símile da obra original na parte final do volume.

Saudamos, portanto, com muito agrado a publicação desta obra notável, integrada na prestigiada colecção dos Estudos Gerais – Série Universitária da Imprensa Nacional–Casa da Moeda, que representa, no fundo, o corolário da profícua investigação desenvolvida pelo Prof. Américo da Costa Ramalho no âmbito dos estudos sobre a figura de Cataldo e o Humanismo Renascentista português. Fazemos votos, por último, de que este trabalho meritório venha, muito em breve, a ser concluído com a publicação da primeira parte das Epístolas de Cataldo, que contém o núcleo mais antigo, dado à estampa em 1500.

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