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Nem Comunismo, nem Capitalismo: a ideologia política do Diário de Notícias no golpe de

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Nem Comunismo, nem Capitalismo:

a ideologia política do “Diário de Notícias” no golpe de 19641

Nayara KOBORI2

Universidade Estadual Paulista (UNESP), SP

Resumo

O presente trabalho tem como proposta apresentar a manifestação ideológica do “Diário de Notícias” (DN), jornal do interior do estado de São Paulo, no período em que se consolidou o golpe civil-militar de 1964. O veículo era distribuído na cidade de Ribeirão Preto, dirigido pela Arquidiocese Católica do município, sendo possível relacionar jornalismo do interior, Religião e Política. A análise parte da observação crítica dos editoriais, sendo possível inferir sobre a atuação do periódico na sociedade ribeirão-pretana da época. Através das leituras, percebeu-se o alinhamento com a Doutrina Social Cristã e Teologia da Libertação, sendo um jornal católico progressista.

Palavras-chave: Diário de Notícias; Jornalismo do Interior; Golpe; Ribeirão Preto; Impresso.

Introdução

Ao embarcamos nos estudos que relacionam os meios, em um dado recorte temporal, estamos colaborando para ampliar o debate sobre a História da Comunicação. Para empreender tal pesquisa, é necessário levar em conta as diversas variáveis que influenciam nos resultados, tais como: o contexto social, político e econômico, a relação entre as práticas midiáticas com a sociedade, entre outros fatores que contribuem para caracterizar a atuação dos meios de comunicação social, enquanto “aparelhos ideológicos”3 (GRAMSCI, 2000).

Nesse sentido, o artigo propõe discutir como se deu o posicionamento de um órgão midiático, em um momento de autoritarismo e cerceamento da relativa liberdade de imprensa. O intuito é colocar a relação da Comunicação e Política na perspectiva histórica, na personificação do jornal “Diário de Notícias” (DN), órgão da imprensa do interior paulista, nos anos de 1964. O trabalho é um recorte da pesquisa de Mestrado em Comunicação Midiática, da UNESP, intitulada “A voz da Igreja no “Diário de Notícias”:

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Trabalho apresentado no GT História da Mídia Impressa do 11º Encontro Nacional de História da Mídia. 2

Mestre do Curso de Comunicação Midiática, UNESP, email: nayarakobori@gmail.com. 3

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Ribeirão Preto – 1961-1967”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)4, com orientação do Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente. Entre os objetivos, pretende-se analisar o posicionamento do matutino no período que antecedeu o golpe civil-militar de 1964 e após a deposição do Presidente João Goulart, através da leitura dos editoriais escritos entre 1961 a 1967. Além disso, a investigação também trata das questões do jornalismo do interior, enquanto prática, método de produção e trato com a sociedade de Ribeirão Preto. E, por fim, da própria posição da Igreja Católica, já que o DN pertencia à Cúria Arquidiocesana do município. Para o presente relato, optou-se por trazer os resultados referentes às análises de 1963 e 1964, condensando as considerações acerca da ideologia do veículo, diante de um conturbado episódio político da História nacional.

Justamente por isso, a opção por empregar a Hermenêutica em Profundidade, de Thompson, nos parece adequada. O pesquisador defende a ideia de que as abordagens dos fatos devam se assentar num tripé: análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva e a interpretação/reinterpretação. Na primeira parte, a análise sócio-histórica, a discussão está centrada nas “condições sociais e históricas da produção, circulação e recepção das formas simbólicas” (THOMPSON, 2009, p. 34). Com isso, o contexto, as influências sociais, políticas, econômicas, culturais e históricas são o fundamento da análise discursiva, com suas características estruturais, padrões e relações. (THOMPSON, 2009, p.369). Em nossa pesquisa, utilizamos a Análise de Conteúdo (AC), de Bardin (1977), como forma de complementar a HP, durante a leitura e fichamento dos editoriais do “Diário de Notícias”. Por fim, a interpretação/reinterpretação implica em um movimento de síntese, por uma construção criativa de possíveis significados. (THOMPSON, 2009, p. 375).

Tendo em vista os apontamentos apresentados, o artigo está divido em quatro partes, incluindo a historiografia nacional e local do período analisado, as relações da imprensa com a política da época, a própria trajetória do jornal estudado e, finalmente, a análise dos editoriais. Salientamos que o estudo é apenas um recorte, sendo possíveis novas interpretações sobre o objeto de estudo, bem como abrindo portas para futuras pesquisas que envolvam a História, a Comunicação e a Política.

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Dos acontecimentos políticos nacionais e locais

Os anos 1960 estiveram marcados por um profundo debate e confronto político, permeado pelas inquietações da esquerda e da direita, reflexo direto da Guerra Fria. No Brasil, a dicotomia entre conservadores e progressistas, a influência norte-americana e a encenação de que o país estaria prestes a seguir os passos da Revolução Cubana (1959), fizeram com que a sociedade civil, órgãos de imprensa, militares e políticos conservadores desembocassem na deposição presidencial de João Goulart, em 1964, e a consequente instauração de um regime autoritário. Talvez, por isso, Caio Navarro Toledo (2004) defende que o governo janguista nasceu e morreu sob o signo do golpe de Estado.

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A conjugação desses movimentos incomodava e aterrorizada as elites burguesas brasileiras, que demonstrava a possibilidade de rompimento do controle dominante no país. Contudo, do outro lado da moeda temos os setores mais conservadores, congregados em torno da União Democrática Nacional (UDN), e com o apoio do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisa e Investigações Sociais (IPES), que lançavam campanhas contra a implantação do comunismo no Brasil, e também objetivavam combater as políticas nacionalistas e estatizantes de João Goulart.

Diante desse cenário, o então Presidente da República lança as campanhas das Reformas Estruturais de Base, sendo significativo o Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1964. As ações reformistas visavam alterar as condições bancárias, fiscais, urbanas, administrativas, agrárias e universitárias do país. Entre as mudanças pretendidas, uma das mais evidentes era a Reforma Agrária, que tinha por objetivo reduzir o combate por terras, possibilitando o acesso de milhares de trabalhadores. Os ideais das Reformas atendiam os anseios da classe média brasileira, junto com trabalhadores, camponeses e empresários nacionalistas. Por esse motivo, grande parte do povo aderiu ao movimento, gerando o descontentamento dos setores conservadores.

Com isso, a ofensiva golpista não tardou a aparecer: poucos dias após o Comício, uma multidão com cerca de 500 mil pessoas saíram pelas ruas de São Paulo e outras cidades brasileiras, marchando em favor da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. O movimento era composto por setores da classe média, parte do clero e da burguesia, com amplo apoio midiático, que carregavam a bandeira do anticomunismo e da defesa da propriedade privada, da fé religiosa e da moralidade cristã, em um discurso contra o Governo Goulart. A Marcha foi promovida por políticos do PSD e da UDN, que eram grandes proprietários de terras, e também por setores conservadores da Igreja Católica. A real intenção do manifesto era criar um clima favorável à intervenção militar, bem como incitar as Forças Armadas ao golpe de Estado, que se consolidou em 31 de março de 1964.

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imprensa que não apoiaram a tomada de poder, foram perseguidos, presos e exilados, sendo que muitos deixaram de existir.

A cidade de Ribeirão Preto5 também enfrentava a dicotomia e embates dos setores progressistas e conservadores na cidade. Na época que antecedeu o golpe, o município era regido pela administração de Condeixa Filho, do Partido Social Progressista (PSP), que tinha uma ideologia política alinhada com Adhemar de Barros, em um radicalismo de direita (MARINO, 1998). Em contrapartida, temos a presença de entidades estudantis locais, como o Centro Nacionalista Olavo Bilac6, também os universitários da Universidade de São Paulo (USP) e organizações com visão de esquerda, como a Aliança Nacional Libertadora (ALN), que já anunciavam a trama golpista nacional e declaravam seu apoio ao Presidente Jânio Quadros e, posteriormente, João Goulart (PAULINO, 2012).

Ao final do mandato de Condeixa Filho, Ribeirão Preto já sentia o clima de cisão ideológica, o que colaborava para germinar os preconceitos da esquerda e da direita. Essa divisão política influenciava fortemente na imagem dos candidatos a prefeito de 1964, no qual concorreram: Antônio Carlos Sant’Anna7, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), Orlando Jurca8, candidato do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Welson Gasparini9, pelo Partido Republicano Paulista (PRP).

No dia 1 de janeiro de 1964, Welson Gasparini assume o cargo de novo prefeito do município, afirmando o seu compromisso com os movimentos eclesiásticos católicos e a Social Democracia Cristã, ala progressista da Igreja, alinhada com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O novo administrador do Executivo apoiava greve de trabalhadores, como o episódio da greve da Indústria Matarazzo, e participava de movimentos sociais, o que acabou sendo questionado pela ala conservadora da Câmara e pelas elites locais da época. Com receio de perder o cargo de Prefeito, Gasparini acabou se

5

Ribeirão Preto está localizada na porção nordeste do estado de São Paulo. Possui cerca de 666 323 habitantes, segundo dados do IBGE/2015. A cidade é conhecida como “capital do agronegócio” e teve sua economia calcada na exportação cafeeira.

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O Centro Nacionalista Olavo Bilac é uma organização formada por estudantes da Escola Municipal Otoniel Motta. 7

Antônio Carlos Sant’Anna era redator-chefe do jornal Diário da Manhã, um dos principais veículos da cidade. Atuou como jornalista e político, já ocupando cargos de vereador na Câmara Municipal.

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Orlando Jurca já exerceu cargos de vereador e Presidente na Câmara Municipal. 9

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filiando ao ARENA, logo após a deflagração do regime militar, mantendo-se no cargo municipal até 1969.

De acordo com Marino (1998), a Câmara Municipal fez coro aos golpistas, promovendo a cassação de mandatos de políticos considerados “subversivos”, e apoiando a delação. O regime autoritário desarticulou os partidos de oposição e movimentos populares, o que acarretou em prisões de estudantes, trabalhadores, sindicalistas, padres, jornalistas e muitos outros (PAULINO, 2012). Ainda assim, grupos ativos e militantes da cidade continuavam a lutar contra o autoritarismo vigente, como é o caso das Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), entidade que tinha como representantes os estudantes da Faculdade de Direito da USP. Alguns jornais da cidade também contribuíram para divulgar ideias que combatiam as tramas golpistas, e combater a hegemonia das classes conservadoras, como foi o caso do “Diário da Manhã”, “Diário de Notícias” e “O Berro” (MARINO, 1998 & PAULINO, 2012).

A imprensa local nos anos de 1960

Ao estudarmos uma comunidade específica, espacialmente recortada, como é o caso dos municípios do interior do estado de São Paulo, devemos entender como os acontecimentos se processam no âmbito daquela localidade. Por essa razão, o objeto de estudo demarcado nos ajuda na compreensão de práticas sociais singulares, dita por Barros como uma “trajetória de determinados atores sociais, um núcleo de representações, uma ocorrência ou qualquer outro aspecto que considere revelador, em relação aos problemas sociais ou culturais que está disposto a examinar” (BARROS, 2011, p. 164).

Temos nos estudos da imprensa local, também conhecida como regional, de interior ou de proximidade, a possibilidade de entender como se dá essa relação entre as demarcações temporais e espaciais, em contextos específicos, mas que nos ajudam a colaborar com a ideia de um todo interligado. Apesar dos múltiplos termos para definir a prática do jornalismo territorializada, todas elas compartilham de uma mesma essência, traduzida pelo professor e pesquisador de Portugal, Carlos Camponez (2002) como:

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No mesma linha, Lopes (1998) complementa com a afirmação de que o morador buscará e encontrará nos diários locais as informações que interessam para o seu dia-a-dia, em uma linguagem acessível e particular. Esse mesmo leitor também busca as ocorrências em nível nacional e internacional, mas ele necessita de um órgão que reflita seus costumes e suas ideias, criando laços de identidade (BELTRÃO, 2013). Dornelles (2005) constrói o argumento de que a filosofia do jornal interiorano tem como pretensão voltar-se para a comunidade e atender seus anseios e reivindicações, formando um órgão que vai na contramão da grande mídia para atender as necessidades particulares do espaço urbano em que está inserido.

Por esse motivo, tem-se a necessidade de esboçar um panorama da imprensa de Ribeirão Preto nos anos de 1960, principalmente, no recorte dos anos de 1963 a 1964, data escolhida para compor o presente estudo. Assim, será possível considerar as relações entre as práticas do jornalismo no interior e o conturbado período político vivenciado no Brasil, visto que a imprensa é importante aparelho ideológico de representação na sociedade.

No momento anterior a 1964, os principais jornais que circulavam em Ribeirão Preto eram o “A Cidade”, o “Diário da Manhã”, o “Diário de Notícias” e o “A Palavra de Ribeirão”. Dos quatro jornais mencionados, apenas o “A Cidade” enfrentou todo o período militar intocado, enquanto os demais foram se perdendo ao longo dos anos. O primeiro a cerrar as portas foi “A Palavra de Ribeirão”, antes mesmo da deflagração do golpe.

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Tratar os diálogos dos órgãos de comunicação de Ribeirão Preto é perceber, de certa forma, como se davam as relações sociais presentes na cidade. Também abre nossos olhos para perceber como os acontecimentos nacionais eram sentidos em nível regional e, muito mais do que isso, contribuir para escrever os modos e processos de produção jornalística no interior. Kobori (2015) afirma que conhecer os diários da região nos dá uma visão de como se organizavam os vínculos de “cumplicidade e afastamento dos principais jornais ribeirão-pretanos e como isso fomentou a discussão política na sociedade” (KOBORI, 2015, p. 86).

O “Diário de Notícias”: o jornal dos padres

Como apresentamos anteriormente, o “Diário de Notícias” nasceu em 1 de julho de 1928, pela ação de José da Silva Lisboa. Segundo Sant’Ana (2010), o jornal foi vendido para o professor Oscar de Moura Lacerda, que no auge do fascismo europeu, e foi ameaçado de empastelamento pelos integralistas. Moura Lacerda ficou apenas um ano na direção do diário, sendo que já em 1943, o DN foi adquirido pela Cúria Arquidiocesana de Ribeirão Preto (SANT’ANA, 2010). A pesquisadora relata que nesse período o matutino possuía uma linha editorial agressiva contra o comunismo, reproduzindo os discursos da Guerra Fria e publicando duras críticas ao regime de esquerda.

O DN tinha uma tiragem de quase 8.500 exemplares, circulando não apenas em Ribeirão Preto, mas também nos municípios adjacentes. Com o formato standard (com 50x30cm, aproximadamente) e número de páginas que variam de 4 a 12 folhas, dependendo da edição, a folha já tinha o seu parque gráfico modernizado, bem como a estrutura textual e a organização de suas páginas, conforme os princípios norte-americanos10.

De acordo com Carneiro Júnior (2002), foi a partir de 1953 que o periódico assumiu como linha editorial os princípios adotados pela Ação Católica, muito pela interferência do arcebispo D. Luís do Amaral Mousinho11. O Pe. Francisco de Assis Correia (2008, p. 587) diz que a conduta do DN era extremamente moralizante, na defesa pela boa imprensa e pela família. Dom Luís escrevia semanalmente no diário, na coluna intitulada “Esclarecimentos Necessários”, defendendo que a imprensa de Ribeirão Preto deveria oferecer “resistência às

10 A modernização da imprensa no Brasil chegou em 1950 (cf. RIBEIRO, 2007). Ela seguia os princípios norte-americanos, com a separação dos textos opinativos dos informativos, o uso do lead, pirâmide invertida e outras concepções que até hoje são utilizadas na prática do jornalismo brasileiro.

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doutrinas, crônicas, fotografias e anedotas contrárias aos sãos princípios da moral cristã” (CORREIA, 2008, p. 588).

Para Silvia & Freitas (2011), Dom Luís preparou a diocese da cidade para uma intensa vivência pastoral e evangelizadora. Ele atuava ao lado das comissões da CNBB, e propiciou inúmeras atividades da Igreja em Ribeirão Preto e região, ampliando a influência da instituição católica na cidade. Destacam os pesquisadores que se sobressai a inauguração do Seminário Maria Imaculada (1961), em Brodowski-SP (SILVA & FREITAS, 2011).

Em 1956, o Pe. Celso Ibson Syllos assumia a direção do periódico, por indicação de Dom Luís. De acordo com registros do próprio jornal, de 1961 a janeiro de 1962, Pe. Celso esteve em viagem a Roma, para realizar um curso sobre os problemas sociais, deixando a redação nas rédeas de Pe. Angélico Sândalo Bernardino. É notável a organização da associação conhecida como Frente Agrária Paulista, no qual Pe. Celso era líder, tendo como objetivo sindicalizar o homem da roça e fomentar a consciência crítica, pela metodologia de Paulo Freire. A Arquidiocese passa a organizar melhor o seu trabalho com o meio rural, e o jornal oferece amplo espaço para abordar a questão. Assim, o DN foi se politizando cada vez mais, com editoriais que condenavam “os maus patrões que exploram em demasia seus trabalhadores, suscitando grande reação dos proprietários rurais” (CARNEIRO JÚNIOR, 2002, p. 15).

Carneiro Júnior prossegue sua dissertação dizendo que tanto Dom Luís, quanto o Pe. Celso encontraram na Mater et Magistra o respaldo teórico-religioso que necessitavam para empreender suas obras de mudança social. Dessa forma, o pesquisador nos mostra que foi o Pe. Celso, com suas lutas em nome dos direitos dos trabalhadores do campo, que conseguiu criar lideranças de origem campesina. Pinheiro & Tomicioli (2000) comentam que o Pe. Celso não ficou restrito ao campo espiritual, pois ele não aceitava “política e religião como assuntos distintos. Não apoiou o Golpe Militar de 1964. Não marchou com a Família e com Deus pela Liberdade” (PINHEIRO & TOMICIOLI, 2000, p. 29).

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- ser denunciador das injustiças sociais, mormente as cometidas contra os trabalhadores rurais;

- ser defensor dos trabalhadores, principalmente rurais; - ser defensor dos sindicatos, principalmente rurais; - ser defensor da reforma agrária;

- ser defensor e promotor da alfabetização popular através do “método Paulo Freire”;

- ser defensor e promotor da participação popular, principalmente, da área rural e, dentre essa, a do volante (“boia-fria”) (CORREIA, 2008, p. 591).

Antes mesmo de ser deflagrado o golpe, o DN suspendeu suas atividades em fevereiro de 1964, voltando algumas semanas depois. Carneio Júnior (2002) defende que esse fechamento deu-se por questões políticas, embora o jornal alegasse problemas financeiros. Era muito difícil manter em circulação um jornal católico militante, visto que grande parcela da sociedade, em especial a elite local, defendia que a Igreja deveria se preocupar com a Religião, e não com questões políticas (CARNEIRO JÚNIOR, 2002, p. 119).

No início de abril de 1964, o jornal deixou de circular a mando dos militares locais. Pe. Celso foi perseguido pela polícia e difamado pela sociedade como “agitador comunista”, o que o levou a fugir de Ribeirão Preto. São controvérsias as informações acerca do que aconteceu com o Pe. Celso. Segundo uma entrevista concedida ao Museu Pedagógico Washington Luiz de Batatais, gravada em VHS do, ele acabou por abandonar a batina, após sua prisão. Pe. Angélico Sândalo Bernardino, agora Cônego, também afirmou em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura que Pe. Celso acabou se desligando do clero, mas não abandonou sua luta, tornando-se vereador em Ribeirão Preto e assumindo a causa dos trabalhadores rurais organizados12.

Ter em mente esses acontecimentos que cercavam o “Diário de Notícias” é importante para relacionar a postura do jornal, com o campo sócio-histórico em que ele se encontrava. Desse modo, justificamos nosso caminho pela metodologia da Hermenêutica em Profundidade, apresentada a seguir, como opção metodológica que vai além do estudo das mensagens, mas também se preocupa com o contexto que envolve o corpus de pesquisa.

12

Para acessar o conteúdo da entrevista do Côn. Angélico Sândalo Bernardino, acesse:

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Nem Comunismo, nem Capitalismo

A partir da leitura do DN, caminhamos para vislumbrar o posicionamento de uma ala da Igreja Católica de Ribeirão Preto, que se posicionava através do “Diário de Notícias”. Lembramos que não pretendemos generalizar a posição do clero da cidade, visto que existiam cisões dentro do segmento católico. Os exemplares encontram-se arquivados na biblioteca da Faculdade de Filosofia e Teologia, localizada em Brodósqui – SP, encadernados de três em três meses e em bom estado de conservação.

As dicotomias políticas da Guerra Fria fizeram que a Igreja tomasse como preocupação a questão social, principalmente, nos países latino-americanos. Como porta-voz da Arquidiocese Católica de Ribeirão Preto, o DN compartilhava desses mesmos anseios e inquietações, fornecendo como alternativa a Doutrina Social Cristã, que é um conjunto de escritos (cartas, encíclicas, declarações papais) sobre a questão social, de acordo com o pensamento católico. Ela aparece como uma terceira via ao comunismo e ao capitalismo, apoiada nos princípios de dignidade humana, bem comum, subsidiariedade e solidariedade (CAMACHO, 1995). Esse pensamento foi muito comum entre o clero latino nos anos de 1960 e, no caso do DN, era representado pelos editoriais escritos durante a direção do Pe. Angélico Sândalo Bernardino (1961-1962) e Pe. Celso Ibson de Sylo (1963-1964). Para os diretores, ambas as ideologias excluíam o trabalhador, o operário, o que era “uma aberração no plano de Deus”13

. Percebemos a afirmação da folha com a classe trabalhadora e, por esse motivo, revela que a Doutrina Social Cristã era a opção libertária e democrática que poderia reger a sociedade.

Para o Pe. Celso, o “sistema de injustiças sociais, de desigualdades legal e juridicamente invencíveis, não foi nem uma experiência de totalitarismo comunista, nem uma experiência de cristianismo social. O que aí está é fruto direto do capitalismo liberal”14

. Pe. Celso também se posiciona contrariamente à ideologia comunista, dizendo que é necessário combater a “ameaça vermelha” em nome do bem comum, e que “por índole, nenhum povo é comunista”15

. Além disso, ressalta que a única forma de impedir o avanço comunista no Brasil (que encontra campo fecundo para fermentar as ideias marxistas, devido à estrutura liberalista do país) é pelas “reformas fortes preconizadas pela

13

A Igreja e o operariado. Diário de Notícias. Coluna Nosso Comentário. 15/01/1961. P. 2. 14

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Doutrina Social Cristã, cuja chave é o conceito do Bem Comum, poderá marcar uma saída certa, justa e pacífica para as desorientações que aí estão”16. No aniversário de 35 anos do periódico, o jornal define a sua linha editorial, dizendo que:

DIÁRIO DE NOTÍCIAS está na linha da ação social cristã, empenhando toda a sua capacidade de órgão diário e formador de opinião pública em favor da luta concreta por uma quase radical mudança de estruturas no país. Não é sem disposições profundamente evangélicas que se pode pretender empenhar-se assim a fundo na luta pela profunda reforma social cristã ou revolução social Cristã. É reforma, porque as estruturas deverão mudar-se por etapas e por partes. E revolução, porque desejamos modificar as estruturas mesmo. Num Brasil de ordem jurídica, visceralmente liberal, dispor-se não mais à pregação, senão à pregação e à ação social-cristã, é ser cristão em clima de perseguição, de calúnias e de martírio17.

O DN empreendia ampla campanha em prol das reformas estruturais de base, em especial, a agrária. Isso se dava pela simpatia do jornal com a questão do trabalhador rural, além de seguir a mesma linha de defesa da CNBB. Na visão do matutino, promover a reforma estaria de acordo com o princípio cristão, já que com ela cairiam as estruturas dominantes, “para que, de fato, reinem a fraternidade, bem estar entre milhares de brasileiros que labutam no campo”18.

Devido ao posicionamento enfático do diretor Pe. Celso Ibson Sylos, juntamente com a participação do clérigo no movimento Frente Agrária Paulista, à elite de Ribeirão Preto viu-se ameaçada. Também por influência de movimentos conservadores nacionais, o jornal, bem como o Pe. Celso, foram acusados de subversão já no final de 1963, dizendo sobre insinuações que condenam o sacerdote como “notório cripto-comunista de batina, tão em moda atualmente”19

. Com a instauração do golpe civil-militar, a situação do DN ficou complicada: o Pe. Celso foi perseguido e o jornal teve sua circulação interrompida.

Quando voltou às bancas, quem assume a direção é novamente o Pe. Angélico Sândalo Bernardino. No primeiro editorial durante o regime militar, define a sua posição como “jornal católico, cuja linha não tende para direita nem para a esquerda, simplesmente porque sua bússola está orientada para Deus”20

. Nos dias que se seguem, o DN comenta sobre o governo Castelo Branco, bem como o movimento de 31 de março. É importante

16

Repressão ao entreguismo. Diário de Notícias. Coluna Nosso Comentário. 14/06/1962. P.4. 17

Recomposição para lutar. Diário de Notícias. Coluna Nosso Comentário. 02/07/1963. P. 2. 18

Reforma Agrária aqui e lá. Diário de Notícias. Coluna Nosso Comentário/. 24/01/1961. P. 4. 19

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notar que a palavra utilizada pelo jornal é “revolução”, sendo que as referências ao totalitarismo e autoritarismo eram percebidas apenas durante a direção do Pe. Celso. Para o diário, a tarefa da “Revolução de 31 de março reside em colocar ordem no país, criar clima de paz, afim de que haja, realmente, prosperidade. Mão forte e necessária pesa sobre os comunistas, oportunistas”21

.

O DN também acreditava que o Presidente Castelo Branco promoveria as Reformas, planejadas por João Goulart. Em inúmeros editoriais, o jornal defende que com o novo governo, os comunistas e corruptos seriam cassados, abrindo frutífero terreno para o início das reformas, principalmente, a agrária. A relativa mudança de posicionamento e o eufemismo utilizado para tecer críticas, podem ter servido como tática para a permanência do diário até meados de 1980.

Considerações Finais

Compreender o posicionamento político do “Diário de Notícias”, nos anos de 1960, enquanto veículo jornalístico atuante em Ribeirão Preto e porta-voz da Arquidiocese do município demanda vislumbrar, em um primeiro momento, o jornal enquanto produção simbólica inserida e datada em um determinado contexto. Por esse motivo, nosso olhar deve estar atendo aos acontecimentos que envolviam o objeto de estudo, bem como observar o impresso aos olhos do passado, sem julgamentos da nossa contemporaneidade. Isso nos coloca a par da construção da História, sabendo que os conflitos de outrora podem não corresponder aos fenômenos atuais, mas que são necessários para entender o processo em que se desenvolveram as práticas que envolvem a sociedade atual.

A discussão sobre o contexto de Ribeirão Preto, o desenvolvimento da imprensa da cidade e a influência católica na região foram necessárias para aplicação da metodologia escolhida e para nos inserir nas práticas sociais da época. É preciso levar em consideração o período histórico e as construções sociais e políticas do momento para que, dessa forma, possamos entender como se comportava o nosso objeto de estudo.

O DN representava um segmento progressista da Igreja Católica local, que lutava em prol da transformação social, principalmente, nos setores rurais da sociedade. A preocupação do Pe. Celso Ibson Sylos com os segmentos explorados pelo capitalismo e

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marginalizados pela ideologia dominante denota a aproximação do padre, e também do jornal, com a Doutrina Social Cristã e a Teologia da Libertação. Esta última, nascida na América Latina, postula os princípios de uma religião voltada para nosso próprio ambiente geográfico, permeado de desigualdades e problemas típicos, oriundas de nossa construção histórica. Por isso, vimos a necessidade de incluir os apontamentos de Boaventura Sousa Santos (2011), que enxerga na América Latina uma nova forma de fazer ciência, oriunda da opção e preocupação pelas classes espoliadas pelo capitalismo vigente.

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Referências

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