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EDMUND HUSSERL E A ORIGEM DA GEOMETRIA: APONTAMENTOS PARA UMA FENOMENOLOGIA DO ESPAÇO

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EDMUND HUSSERL E A ORIGEM DA GEOMETRIA: APONTAMENTOS PARA UMA FENOMENOLOGIA DO ESPAÇO

Jean Felipe de Assis HCTE/UFRJ

jeanfelipe_rj@yahoo.com.br

RESUMO: Ao se analisar A Origem da Geometria em relação ao desenvolvimento do pensamento Husserliano, percebe-se claramente o desejo fenomenológico de sustentar uma aproximação objetiva da realidade através de um retorno às coisas em si mesmas, em seus respectivos contextos, e por meio de uma análise das condições de possibilidade para estas se expressarem e serem apreendidas pelo intelecto. A rejeição do psicologismo e do formalismo puro como fundamentações últimas, resultam em uma investigação crítica da intersubjetividade e dos modos intra-subjetivos para a constituição objetiva das ciências particulares. Há diferenças significativas entre o pensamento transcendental proposto por Husserl e o tradicional entendimento do projeto crítico kantiano que podem nos auxiliar em uma discussão a respeito das ideias de espaço.

PALAVRAS-CHAVE: Fenomenologia, Espaço, Edmund Husserl

Uma maneira breve para abordar as questões levantadas por Edmund Husserl em sua investigação sobre A Origem da Geometria pode ser encontrada na analogias em formas de diálogos platônicos descritas por Reuben Hersh (2002: 207-211). Do ponto de vista da história do desenvolvimento do pensamento fenomenológico Husserliano, tal texto reflete questões fundamentais para as investigações iniciais deste pensador e suas respectivas propostas de resolução pelo estudo da historicidade, da intersubjetividade e da possibilidade de objetividade a partir dos objetos ideais invariantes1. Em ambas aproximações, faz-se necessário investigar os modos que

1 Tal parece ter sido a tarefa inicial do comentário de Jacques Derrida ao famoso texto Husserliano (DERRIDA, 1989: 23-33). Todavia, como não poderia ser diferente, Derrida incorpora a tradição fenomenológica em sua investigação daquilo que sempre escapa à percepção e ao raciocínio sistemático, associando, tais pesquisas transcendentais à Diferença (141-154).

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propiciam a experiência da geometria no mundo, i.e., o fascínio a partir do qual o sentido original de geometria cativa aos pensadores a ponto destes sistematizarem suas ideias em inúmeras tradições, horizontes intersubjetivos e intrasubjetivos. Husserl acredita que este maravilhamento com o pensamento geométrico se refere a algo fundamental a ponto de comparar este com a linguagem e o relacionar com os modos de apreensão do discurso racional no mundo. Por este motivo, Reuben Hersh no artigo supracitado, reflete a respeito das convenções e das concessões feitas para o entendimento dos objetos ideais, visto que estes não possuem uma realidade em si afastadas de nossas sociedades, culturas e intelecções, i.e., tais objetos ideais e suas tradições pertencem ao mundo.

Neste famoso texto, especialmente em suas conexões com o pensamento tardio de Husserl, argumenta-se a respeito da necessária investigação fenomenológica das condições apriorísticas do conhecimento, incluindo suas particularizações culturais, i.e., uma análise do transcendental em suas formas históricas em determinados contextos e expressões específicas. Nega-se que a repetição das verdades consideradas auto-evidentes forneça algum entendimento das fundamentações epistemológicas particulares, ou seja, rejeita-se que os modelos sintáticos ou formalistas possuam os modos de esclarecimento da razão humana em seus métodos e em suas sistematizações2. Propõe-se, portanto, uma investigação das condições transcendentais dos horizonte históricos (Lebenswelt) pela via fenomenológica, pois estas são artifícios necessários para a compreensão da racionalidade humana em seus contextos específicos. Para tanto, Husserl examina a origem da geometria, suas posteriores sedimentações nas expressões culturais, a formação de inúmeras tradições e a possibilidade de experienciar o evento originário a partir da recepção destes

2 Ao seguirem a linha do pensamento de Brentano, Husserl e Heidegger percebem tais conflitos epistemológicos como uma disputa entre os modos de percepção antiga e moderna. Portanto, desejam aprofundar as pesquisas de Brentano a fim de recuperar o evento originário do pensamento nas articulações e dos inúmeros horizontes de mundo no cotidiano. (LANGSDORF, 1996: vii-x). Desta maneira, a tarefa fenomenológica proposta por Husserl caminha na linha tênue entre o objetivismo tecnicista e o relativismo historicista, pois, ao passo em que afirma a necessidade dos horizontes históricos para a compreensão dos objetos ideais por meio das comunidades, empatia e linguagem, reitera a possibilidade de investigar e desvelar a experiência originária com o mundo, a qual foi sedimentada pelos primeiros geômetras.

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produtos históricos. Quer-se evitar, assim, o solipsismo subjetivista e a objetividade tecnicista ao mesmo tempo.

Edmund Husserl inicia sua apresentação por meio de uma distinção entre a origem histórica do pensamento geométrico por meio de suas sistematizações e a origem da evidência primordial para o estabelecimento deste pensar geométrico. O filósofo acredita que as reflexões feitas pelos modos de entendimento herdado por Galileu propiciam tal distinção, mas também promovem uma investigação sobre o significado e a origem dos métodos geométricos, sobretudo pela profunda transformação ocorrida no pensamento humano3. No entanto, a discussão que se propõe Husserl não pode ser confundida com as inúmeras formas de transmissão da tradição geométrica por meio das culturas, pois trata-se de uma análise dos aspectos apriorísticos gerais que possibilitam tais expressões particulares em seus contextos históricos determinados4. Assim, argumenta ele que as aquisições ideais e espirituais da geometria se apresentam pela tradição, porém as experiências primordiais que originam tais especulações podem se tornar obscuras na projeção e na execução das possíveis sistematizações5.

3 Tal discussão é relevante do ponto de vista ontológico, visto que a percepção galilaica do mundo transforma o entendimento a respeito do real. Do ponto de vista Husserliano, a matematização feita pelas ciências da natureza carecem de uma investigação daquilo que propicia tal intento, a saber: Lebenswelt.

Desta maneira, todo o conhecimento se reveste dos aspectos subjetivos inerentes à condição humana sem, contudo, perder características objetivas particulares em expressões científicas específicas sustentadas por modos intersubjetivos (SOFFER, 1990: 67-94). De fato, deve-se considerar o processo de idealização das relações humanas no mundo, em especial àquelas vinculadas diretamente ao processo de investigação científica-intelectual. Husserl busca investigar as bases e as condições do surgimento das ciências naturais, ou seja, propõe-se a uma análise transcendental. Por outro lado, verifica-se como a interação entre as ciências particulares e a ideia de Lebenswelt deve ser investigada fenomenologicamente, restaurando diversos sentidos e significados presentes no processo intelectual que velam os aspectos essenciais presentes no processo intra e intersubjetivo (GARRISON, 1986: 329- 338).

4 Neste sentido, Husserl enfatiza a necessária síntese constante entre as tradições, o entendimento humano e seus horizontes no mundo. Desta maneira, entende-se a origem enquanto um aspecto genuíno das relações humanas, sendo, portanto, expressa por seu impulso primordial. A relação do ser que pensa a geometria já é secundária e mediada pelas tradições e desenvolvimentos culturais. Todavia, pode-se inquirir sobre este sentido originário e primordial através da experiência com os modelos geométricos particulares (HUSSERL, 1989: 157-162).

5 De fato, Husserl argumenta que “We understand our geometry, available to us through tradition (we have learned it, and so have our teachers), to be a total acquisition of spiritual accomplishments which grows through the continued work of the new spiritual acts into new acquisitions.” Todavia, afirma:

“Clearly, then, geometry must have arisen out of a first acquisition, out of a first creative activities” Desta maneira, mantendo em suspensão a investigação sobre as condições e possibilidades para o surgimento das ciências, e da geometria em particular, conclui que: “Science, and in particular geometry, with this

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A partir da cadeia dos significados herdados pela tradição e utilizados nas aplicações particulares do pensamento geométrico, Husserl almeja a investigar o momento em que o sentido originário de geometria se torna auto-evidente não apenas no passado, mas para todos aqueles que pensam sobre o tema. Ao utilizar os objetos ideais, aqueles que não existem onticamente, mas são pressupostos subjetivos para a objetividade, inquire-se sobre os métodos geométricos em suas formas subjetivas e sobre a validade dos mesmos para todos os seres humanos, i.e., refere-se à intra- subjetividade e a intersubjetividade das expressões geométricas em seus sentidos primordiais e sistemáticos (HUSSERL, 1989: 161)6. Ao associar o pensamento geométrico à linguagem, Husserl analisa a experiência humana com o sentido original que se apresenta pela evidência dos seres no mundo, mas também os modos de articulação destes seres através da intuição, da retenção e da passividade humana na recolhimento dos dados oferecidos por esta experiência originária. Para tanto, deve-se entender os modos intra e intersubjetivos do processo cognitivo. Em outras palavras, devota-se a estudar àquilo que subjaz e possibilita o entendimento humano em sua historicidade e heranças culturais e epistemológicas.

Estudando as condições de apreensão das tradições de pensamento, em especial àquelas vinculadas ao pensamento geométrico, Husserl investiga os modos de recepção dos seres evidentes no mundo por meio da intuição, ratificando que a retenção e a sistematização do pensamento carecem da passividade subjetiva do sujeito. Argumenta conforme segue:

O ser mesmo original, na atualidade de sua primeira produção, i.e., na auto- evidência original, não resulta em alguma aquisição que venha a possuir existência objetiva. A auto-evidência vívida passa – por este meio a atividade imediatamente se torna passiva mediante ao fluxo efêmero da consciência de algo – algo que há sido há pouco. Finalmente, a retenção desaparece, todavia o desaparecido ao passar e ser pretérito não se torna um vazio para o objeto em questão: ele pode ser despertado. Da passividade daquilo que é inicialmente despertado do obscurecimento e daquilo que, talvez, surja com maior claridade possível, trata-se da possível atividade de retenção, na qual a experiência

ontic meaning, must have an origin in an accomplishment: first as a project and then in successful execution” Edmund Husserl. (HUSSERL, 1989: 159).

6 O mundo para Edmund Husserl pode ser entendido como o horizonte da existência humana, possibilitando os aspectos de envolvimento pessoal, mas também as relações com a comunidade, a civilização, a linguagem e os modos de ser herdados por textos e outras expressões culturais. Assim, tanto a geometria como a linguagem – comparação feita por Husserl – são expressas por meio de estruturas internas e subjacentes à condição humana, em suas características cognoscíveis e culturais.

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pretérita [Erleben] é vivida através de uma quase novo e quase ativo modo (HUSSERL, 1989: 163)7.

Conclui, desta maneira, que a existência persistente dos objetos ideais se refere à evidência primordial, embora esta não seja plenamente imediata, visto que há a mediação pessoal, comunitária e das tradições humanas. Todavia, em meio ao engajamento das expressões orais e escritas, pode-se pensar além “do valor “ôntico através da consciência”, distinguindo-se entre o entendimento passível de uma expressão e o ato de tornar esta auto-evidente pela reativação do sentido. Nas palavras de Husserl, deve-se evitar a sedução da linguagem, i.e., quando, por meio da sedimentação de uma tradição, o sentido primário e original é esquecido por um saber puramente associativo e tecnicista (HUSSERL, 1989: 164-166)8. Em uma associação com a lógica, entendida ao tratar dos objetos ideais, Husserl afirma que a busca por esta experiência primordial não invalida o surgimento de novas ideias, mas fornece a capacidade de reativação daquilo que sustenta tanto ao pensamento lógico quanto ao pensamento geométrico. Tal tarefa ocorre por meio dos objetos ideais nas construções particulares e nas adaptações passivas desta experiência em contextos específicos9.

Husserl afirma que as ciências dedutivas não se apresentam perfeitamente adequadas na forma de doutrinas, mas dependem de um envolvimento na vida e nos

7 The original being-itself-there, in the immediacy [Aktualität] of its first production, i.e., in original ´self- evidence,´ results in no persisting acquisition at all that could have objective existence. Vivid self-evidence passes – through in such a way that the activity immediately turns into the passivity of the flowingly fading consciousness of what –has-just-now-been. Finally, this retention disappears, but the ´disappeared´

passing and being past has not become nothing for the object in question: it can be reawakened. To the passivity of what is at first obscurely awaked and what perhaps emerges with greater and greater clarity there belongs the possible activity of a recollection in which the past experience [Erleben] is lived through in a quasi-new and quasi-active way

8 Tais palavras possuem significativos paralelos com o pensar heideggeriano a respeito do esquecimento do Ser em uma sociedade marcada pelo modo utilitarista de apreensão das técnicas. Husserl, portanto, afirma ser de responsabilidade de todo cientista investigar estes sentidos primários que podem ser meramente esquecidos na tarefa cotidiana das ciências particulares. Tornam-se, assim, evidentes as pretensões Husserliana de tratar das Origens da Geometria: deseja investigar as condições e os modos de expressão que possibilitam o surgimento dos modelos geométricos, não enquanto um evento histórico particular, mas a partir de uma investigação fenomenológica dos modos de apreensão e representação dos modelos geométricos.

9 Sustenta ainda que a possibilidade de evidência dos aspectos primeiros, não significa a evidência de seus resultados. Há, portanto, que se considerar os aspectos construtivistas de cada reativação particular desta experiência primordial que antecede ao pensamento geométrico. Ademais, tal experiência antecede aos axiomas, sendo estes os resultados mediados pelos diversos horizontes do mundo.

(HUSSERL, 1989: 168).

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processos de produtividade do sentido em articulação com os horizontes do mundo. Os documentos textuais são, portanto, sedimentações de inúmeras reflexões a correlacionar a objetividade ideal apriorística e intrapessoal com as inúmeras tradições que se apresentam de maneira inter-pessoal a posteriori (HUSSERL, 1989: 169). A objetividade somente é possível no envolvimento cultural; e por esta relação com o mundo, o sentido é obtido muito além dos modelos sintáticos das ciências particulares.

Os saberes que não possibilitam a investigação de suas condições essenciais e primordiais não representam a experiência humana de um encontro genuíno com os diversos horizontes do mundo e seus respectivos modos de compreensão (HUSSERL, 1989: 170); todavia, por meio das tradições e das sedimentações – que ocorrem em múltiplos horizontes – é possível reativar aquilo que é pré-dado ao entendimento, tornando-se, assim, uma auto-evidência incontestável através do sentido presente na reativação da experiência primordial10. Todas as ciências operam por meio de inúmeras sedimentações, algumas documentadas e outras que não são expressas ou ainda não são perfeitamente definidas em seus horizontes históricos. Desta maneira, de acordo com Husserl, em diálogo com uma intepretação do pensamento de David Hume, a formação do sentido nas ciências particulares ocorre no ambiente pré-científico, i.e., se baseia naquilo que não se pergunta nas sistematizações, a saber: os elementos culturais e as condições apriorísticas do entendimento na historicidade humana. Assim, pode afirmar que tornar a geometria algo auto-evidente é des-velar as tradições históricas subjacentes à mesma11. O filósofo indica que a investigação das ciências particulares, neste caso a geometria, necessariamente deve tratar do transcendental, enquanto uma investigação das condições apriorísticas, e sua funcionalidade nos horizontes históricos.

10 Assim afirma o filósofo: “Assim, todas as ciências dedutivas pré-dadas, o sistema total de suas proposições na unidade de suas validades, é apenas uma proposta que pode ser justificada como uma expressão da alegada junção entre a verdade e o sentido, somente justificada pela capacidade atual de reativação”. Na tradução inglesa: “Thus the whole pregiven deductive Science, the total system of propositions in the unity of their validities, is first only a claim which can be justified as an expression of the alleged truth-meaning only through the actual capacity of reactivation”. (HUSSERL, 1989: 170).

Entende-se que a reativação deste sentido originário fornece um sentido além do meramente técnico e formal; trata-se da própria razão de ser das ciências dedutivas em seus contextos históricos específicos.

11 Fazer a geometria auto-evidente, então, se um possui clareza ou não a respeito disto, é o desvelar de suas tradições históricas”. Na tradução inglesa: “Making geometry self-evident, then, whether one is clear about this or not, is the disclosure of its historical tradition” (HUSSERL, 1989: 173)

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Ao estudar a Origem da Geometria, percebem-se os modos pelos quais a investigação fenomenológica Husserliana analisa as estruturas internas para a obtenção de sentido através da suspensão dos juízos para a aplicação da epoché. Tal busca deve necessariamente investigar os modos apriorísticos do entendimento humano na história por meio de suas configurações particulares na cultura, i.e., suas respectivas tradições. Os métodos da fenomenologia transcendental também devem analisar aquilo que torna possível as idealizações geométricas por meio de uma metodologia que ilumine as condições apriorísticas deste saber. Husserl entende que suas argumentações o conduzem ao grande problema da razão e de seus fundamentos (HUSSERL, 1989: 180). Conforme assinala Jacques Derrida, Husserl rejeita às posições que exacerbam a técnica ou aquelas que tratam das condições históricas particulares, em louvor ao contingente, em prol de uma reflexão que traga à luz uma maneira mais profunda de se relacionar com a historicidade: quer-se fundamentar a objetividade (DERRIDA, 1989: 26). Conforme a passagem a seguir, sobre as condições apriorísticas do mundo para o entendimento da Geometria, ilustra:

Somente [por meio do desvelar deste a priori] pode existir um ciência do a priori que se estenda para além de todas as facticidades históricas, todos os mundos históricos, povos, tempos, civilizações; somente desta forma pode uma ciência como aeterna veritas surgir. Somente sobre este fundamento é baseada a segura capacidade de inquirir regressivamente sobre a temporalidade de uma ciência exaurida de auto-evidência para as auto-evidências primárias (HUSSERL, 1989: 179)12.

Husserl não exibe nenhuma metodologia para a exposição das estruturas apriorísticas do entendimento da Geometria, tampouco dedica algum trecho para tratar das características fenomenológicas associadas a esta tarefa no presente texto em estudo. Todavia, diante da inegável relação terminológica presente em seus textos tardios, o desvendar do transcendental pelas características do Lebenswelt e a auto efetivação da razão no mundo são inerentes a esta tarefa. Não é possível contestar a questão epistemológica essencial de um conhecimento ideal a possuir profundas aplicabilidades no mundo concreto, como Husserl supõe fazer o historicismo romântico.

12“Only [through the disclosure of this a priori] can there be an a priori science extending beyond all historical facticities, all historical surrounding worlds, peoples, times, civilizations; only in this way can a science as aeterna veritas appear. Only on this fundament is based the secure capacity of inquiring back from the temporality depleted self-evidence of a science to the primal self-evidences”/

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Tampouco, pode-se olvidar que todas estas constituições singulares e particulares revelam uma causa teleológica em contextos específicos, os quais estudados fenomenologicamente podem manifestar a constituição, as condições e as possibilidades das formas intelectuais particulares (HUSSERL, 1989: 180). Tal tarefa, de avaliar a falibilidade das potencialidades humanas em conhecer e a vocação de um estudo filosófico que exiba “aquela genuinidade última da origem que, uma vez contemplada, constrange apoditicamente a vontade”, é exposta de modo sistemáticos na Krisis (HUSSERL, 2012: 12-14).

Se de um lado a exposição dos fundamentos transcendentais necessários para o conhecimento se assemelha à tarefa da metafísica kantiana, ao impor limites e as condições para o conhecimento humano; por outro lado, a possibilidade de descrição dos objetos ideais objetivamente, sem necessariamente recair em um solipsismo ou psicologismo subjetivista, requer parâmetros em constante desenvolvimento no pensamento Husserliano através das reduções fenomenológicas pela epoché e das investigações dos horizontes de mundo que propiciam o pensamento intelectual. Desta forma, ao compararmos a exposição feita na Origem da Geometria com a descrição sistemática do pensamento transcendental, em diálogo e aprofundamento com o pensamento kantiano na Krisis, obtém-se uma percepção clara do projeto Husserliano, pois este almeja a uma “viragem última” a ponto de promover uma transformação intelectual que avalie a dimensão transcendental, “há muito pressentida e, no entanto, sempre oculta”, a ponto de se revelar em uma “experiência direta” – sendo necessário, portanto, cultivar uma metodologia filosófica para a investigação do “solo da experiência” (HUSSERL, 2012: 12-14)13.

13 Ao comparar a investigação fenomenológica com o pensamento crítico kantiano, Husserl honra as investigações de seu predecessor, ao mesmo tempo em que deseja aprofundar os temas potencialmente não desenvolvidos. Assim, acredita que o mundo da vida – Lebenswelt – é um pressuposto implícito nas reflexões de Kant e nunca analisado criticamente, por não se encontrar entre os temas centrais para o filósofo de Königsberg. O transcendental kantiano e o Lebenswelt das investigações fenomenológicas Husserlianas se relacionam em contextos filosóficos distintos, visto que o primeiro se estabelece como condição do conhecimento inacessível à descrição e o segundo é objeto de análise para a constituição de todas as ciências (HUSSERL, 2012: 83-110).

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REFERÊNCIAS

DERRIDA, Jacques. Edmund Husserl´s “Origin of Geometry.” An Introduction. Lincoln and London: University of Nebraska Press, 1989

GARRISON, James. “Husserl, Galileo and the Processes of Idealization” Synthese 66.2 (1986): 329-338

HERSH, Reuben. The “Origin” of Geometry. The College Mathematics Journal 33.3 (2002): 207-211.

HUSSERL, Edmund. A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia

Transcendental: Uma Introdução à Filosofia Fenomenológica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012

HUSSERL, Edmund. The Origin of Geometry. In Jacques Derrida. Edmund Husserl´s

“Origin of Geometry.” An Introduction. Lincoln and London: University of Nebraska Press, 1989

LANGSDORF, Lenore et alli. Phenomenology, Interpretation, and Culture. Selected Studies in Phenomenology and Existential Philosophy. New York: SUNY, 1996.

SOFFER, Gail. “Phenomenology and Scientific Realism: Husserl´s Critique of Galileo”

The Review of Metaphysics 44.1 (1990): 67-94.

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