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A evolução dos valores religiosos e da disciplina: o colégio da Imaculada Conceição (CIC), no município de Fortaleza, nas décadas de 1930 a 1970

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A E V O L U Ç A O

D O S V A L O R E S R E L IG IO S O S E D A D IS C IP L IN A :

O

C O L É G IO

D A IM A C U L A D A

C O N C E IÇ Ã O

(C IC ), N O M U N iC íP IO

D E

F O R T A L E Z A ,

N A S D É C A D A S D E 1 9 3 0

A 1 9 7 0 mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(THE EVOLUTION

OF THE RELlGIOUS VALUES ANO THE DISCIPLINE IMACULADA

CONCEIÇÃO HIGH SCHOOL IN FORTALEZA COUNTY FROM 1920 TO 1970)

R E S U M O

jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A e d u c a ç ã o a vu lta c o m o u m d o s in s tr u m e n to s

m a is e fic a ze s d e fo r m a ç ã o d a s u b je tivid a d e e in d ic a -d o r -d o s p a -d r õ e s r e in a n te s d a c u ltu r a : d e s ve la r o s va lo r e s d a e s c o la b r a s ile ir a q u e fo i p r e d o m in a n te -m e n te p r iva d a , c a tó lic a - s ig n ific a a c la r a r a s p e c to s fu n d a m e n ta is d a p r ó p r ia c u ltu r a b r a s ile ir a e o g r a u d e in flu xo d e m u d a n ç a s d a c u ltu r a o c id e n ta l. E s te tr a -b a lh o vis a d e s c r e ve r a s m u d a n ç a s n a e s tr u tu r a s a -c r o - d is -c ip lin a r d o C o lé g io d a lm a c u la d a C o n c e iç ã o ( C I C ) , n o M u n ic íp io d e F o r ta le za , d a s

d é c a d a s d e 1 9 3 0 a 1 9 7 0 , a tr a vé s d a m e to d o lo g ia

d e h is tó r ia d e vid a , c o m

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

17

s u je ito s . C o n s ta to u - s e a le n ta d is s o lu ç ã o d a e s tr u tu r a s a c r o - d is c ip lin a r

d a é p o c a tr id e n tin a r u m o a u m a s e c u la r iza ç ã o q u e d e s tr o n o u va lo r e s m o n á s tic o s , a s c é tic o s , d e r e je i-ç ã o r e lig io s a d o m u n d o e m fa vo r d e u m a r e lig io s i-d a i-d e c e n tr a d a n a c o n s c iê n c ia s o c ia l e n a

le g itim a ç ã o d a e s fe r a m u n d a n a .

UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

P a l a v r a s - c h a v e : d i s c i p l i n a , v a l o r e s s a c r a i s , I g r e j a

C a t ó l i c a , r i t u a i s

A B S T R A C T

Sc o o lin g is a p o w e r fu l to o l th e s u b je c tivity m a kin g a n d in d ic a to r o f c u ltu r a l p r e va ilin g s ta n d a r d s . B r a s ilia n s c h o o lin g va lu e s th a t w e r e s p e c ia lly p r iva te ,

c a th o lic c le a r e d u p th e e s s e n tia l a s p e c ts o f th e o w n

b r a zilia n c u ltu r e a n d th e in flu x s te p o f th e w e s te r n c u ltu r a l c h a n g in g . T h is r e p o r t a im s a t a d e s c r ip tio n o f th e c h a n g in g s in th e s a c r e d - d is c ip lin a r y s tr u c tu r e a t lm a c u la d a C o n c e iç ã o h ig h s c h o o l ( C I C ) , in F o r ta -le za c o u n ty,jr o m 1 9 3 0 to 1 9 7 0 , u s in g th e life h is to r y m e to d o lo g y w ith its

17

s u b je c ts . A s lo w ly b r e a kin g u p

SUZANA MARL Y DA COSTA MAGALHÃES* CLEANE SOARES DA CUNHA **

w a s ve r ifie d w ith th e s a c r e d - d is c ip lin a r y s tr u c tu r e jr o m th e e c c le s ia s tic a l p e r io d to th e s e c u la r is m th a t

d e tr h o n e d m o n a r c h ic va lu e s o f th e w o r ld r e lig io u s r e fu s a l in fa vo r o f a p ie ty c e n tr a lize d in a s o c ia l

p e r c e p tio n a n d a le g itim a c y o f th e w o r ld in flu e n c e .

K e y w o r d s : s e c u l a r i s m , s a c r e d - d i s c i p l i n a r y s t r u c t u r e

R A Z Ã o E S A C R A L lD A D E

A religiosidade surgiu da necessidade humana de explicar alguns fenômenos empíricos cruciais para a sua existência a partir de uma referência metafísica. Determinadas contingências da vida, como a morte, a doença, o sofrimento moral, pressionaram por um contexto significativo que fornecesse uma "garantia" cósmica da dor, para suprimir a entropia, e que livras-se o homem dos paradoxos éticos, como a recompen-sa aparente do mal (BERGER, 1973).

A religião foi, portanto, uma tentativa de diag-nóstico do absurdo do mundo prático, e fixou um plano metafísico para banir a irracional idade e o caos, ensejando um parâmetro para a conduta e para a orga-nização da experiência. O discurso religioso tem a pre-tensão da radical idade e totalidade e envolve o regrário ético e uma escatologia, com um plano de salvação in-dividual, a noção de divindade fundadora e de forças sobrenaturais regendo a existência cotidiana.

No entanto, observou-se em dois momentos da história do Ocidente a reversão das explicações metafisicas de ordem transcendente, sobrenatural, em favor das explicações racionalizantes ou puramente

existenciais, onde a naturalização da realidade tradu-ziu-se na concepção de um mundo material, regido por relações recorrentes de causa e efeito: na Grécia, a partir do século VII a.

c.,

e após o Renascimento

• Professora Assistente I da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará

**

Bolsista do Programa Especial de Treinamento (PET) - Educação da Universidade Federal do Ceará

100 • EDUCAÇÃO EM DEBATE· FORTALEZA· ANO 21 • V 2 • NQ 38 • p . ,0 0 - ' " 1999

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AvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(século XIII-XVI d. C.). Na verdade, a extinção da

sacralidade relacionou-se com mudanças sociais brus-cas - a urbanização, a industrialização ou irrupção de

uma economia comercial em larga escala, a dissolu-ção da comunidade e aldeia e das estruturas clânicas, que geraram o desenraizamento do homem, e seu afas-tamento das referências da tradição, consagrando-se a progressiva intelectualização da vida: aspectos fun-damentais da vida cotidiana passaram a ser questio-nados pela razão substantiva.

Plasmou-se o lento "desencanto" do mundo,

agora desprovido de sentido, de conotação ética e transcendental (BERGER, 1973). O desencanto ins-taurou-se nas idéias, com o racionalismo filosófico ou científico que suprimiu o mistério do mundo, por-que tudo se reduziu a causas naturais, descritíveis atra-vés do saber empírico; no plano institucional, com a supremacia do Estado Nacional e da política puramen-te secular, e de sua lógica pragmática; na esfera indi-vidual, dessacralizando os padrões de conduta:

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d e stin o d e n o sso s te m p o s é c a r a c te r iza d o p e la r a c io n a liza ç ã o e in te le c tu a liza ç ã o e , a c im a d e tu d o , p e lo " d e se n c a n ta m e n to d o m u n d o " . P r e c isa

m e n te o s va lo r e s ú ltim o s e m a is su b lim e s r e tir a r a m -se d a vid a p ú b lic a , -se ja p a r a o r e in o tr a n sc e n d e n ta l d a vid a m ístic a , se ja p a r a a fr a te m id a d e d a s r e la ç õ e s h w n a n a s d ir e ta s e p e sso a is (....) n ã o é p o r a c a

-so q u e h o je -so m e n te n o s c ír c u lo s m e n o r e s e m a is

ín tim o s, e m situ a ç õ e s h u m a n a s p e sso a is, e m p ia n íssim o , é q u e p u lsa a lg w n a c o isa q u e c o r r e sp o n d e

a o p n e u m a p r o fé tic o , q u e n o s te m p o s a n tig o s va r r ia a s c o m u n id a d e s c o m o u m im ê n d io .fu n d in d o -a s m u n a

só u n id a d e

(WEBER,

1979:182).

No Pós-Renascimento, surgiram Meta-Narrati-vas' seculares que destronaram as teologias agonizan-tes, na sua influência sobre os povos: o hegelianismo,

o Positivismo comtiano, o Marxismo, a Psicanálise, com a mesma pretensão de radicalidade, totalidade e

cer-teza do discurso religioso. Mas as antigas religiões não desapareceram, e acabaram aderindo à racionaliza-ção profusa das ciências humanas emergentes, a va-lores seculares eàrotinização. Atualmente, constata-se

um retorno

à

sacralidade, na forma dos cultos pentecostais e carismáticos, na difusão do esoterismo, que postulam uma religiosidade mais emocional, e a

convicção genuína da transcendência.

UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

E D U C A Ç Ã O O C I D E N T A L , V A L O R E S R E L I G I

-O S -O S E D I S C I P L I N A

Considera-se que a educação sempre desem-penhou papel fundamental na formação da subjetivi-dade, e, portanto, na interiorização de valores sacrais, sendo instrumento de consecução de hegemonia no âmbito do imaginário. Na tradição ocidental, a

D e vo tio moderna, influente na eclosão de

movimen-tos religiosos como a Reforma Protestante e a Con-tra-Reforma (século XVI), caracterizou-se como um

movimento fundamentalista, operoso, de uma religio-sidade íntima e radical que lentamente se transmutou em uma prática rotinizada e formalista. Os rituais

cristalizaram-se e a disciplina emergiu como a habituação estrita - física e mental - através da roti-na. Foi um fenômeno recorrente nas escolas confessionais, católicas e protestantes, que até o fi-nal do século XVIII iriam constituir a matriz funda-mental da educação formal nos países ocidentais. A religião de salvação, do carisma pessoal, cedeu

es-paço a uma socialização regulada pela disciplina, como ação metódica, sob treino constante, o n d e o s fa to r e s e m o c io n a is . 'im p o n d e r á ve is " , sã o r a c io

-n a lm e -n te p o n d e r a d o s (WEBER, 1979: 294). Nos séculos XVI e XVII, com a irrupção da Reforma Protestante, houve difusão de ordens religi-osas católicas devotadas ao ensino e o repensamento da formação eclesiástica, instituiu-se a feição carac-terística da escola disciplinar, cujos traços subsistem

vivamente no século XIX. Épreciso elucidar quais se-riam os fatores que influíram no delineamento de seu perfil particular. Podemos sugerir dois processos his-tóricos fundamentais: a re-cristianização empreendi-da pela Reforma Protestante, Contra-Reforma e Restauração católica (século XIX), e o movimento de

racionalização social, que a interpenetra estreitamente. A re-cristianização pôde ser vislumbrada nos

processos de domesticação e submetimento das várias modalidades da cultura popular, a partir do século XVII, até então compartilhada de forma relativamente ho-mogênea, mas que se apresentava como uma estrutura compósita de subculturas regionais, profissionais e re-ligiosas, embora as cores locais fossem esbatidas a um perfil padrão engendrado, em certa medida, pelo

Cris-tianismo. A "reforma" da cultura popular intentava a sua moralização, sendo capitaneada pelo clero católico e protestante, e redundou efetivamente no expurgo dos

IMeta-Narrativas são amplos sistemas coerentes de idéias sobre o homem e a sociedade, com virtualidades explicativas, e que portam,

de forma subjacente ou explícita, uma pretensão de verdade e de uma compreensão totalizante da vida social (CONNOR, 1993). A Psicanálise e o Marxismo são exemplos de meta-narrativas.

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resquicios pagãos.

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O s je s u íta s q u e p r e g a va m e m H u e b r a , a o e s te d e Se vilh a , d e c la r a va m , n o fin a l d o

s é c u lo XVI , q u e o s h a b ita n te s p a r e c ia m m a is ín d io s

d o q u e e s p a n h ó is . (BURKE, 1989: 232). A

re-cristianização se utilizou da pregação e da educação formal como instrumentos de conversão. Na educação

formal, impôs-se um novo paradigma de ensino: a es-cola disciplinar.

A escola disciplinar se utilizou, além de uma

economia política de recompensas e punições, de dis-positivos espaciais, da vigilância profusa - a discipli-na - dos rituais, e se trata de uma escola confessiodiscipli-nal, nos rituais transparece o espírito doutrinal. Os valo-res religiosos foram plasmados no aparato disciplinar e nos rituais sacros das escolas, e convém compreendê-los e descrever a sua evolução. A disciplina passou também a ser um aspecto fundamental do cotidiano, o seu ânimo nonnativo mais recôndito.

Foucault (1987) nos mostra uma modificação considerável após o "Anciên Regime", nos sistemas punitivos e disciplinares, manifestada irregularmente nos hospitais, quartéis, prisões e escolas. A disciplina se apresentou, então, como um conjunto de métodos que permitem o controle minucioso das operações do

corpo, sujeitando suas forças a uma relação de docilidade-utilidade.

O processo de ensino-aprendizagem, por sua vez, à semelhança do adestramento militar, fragmen-tou-se em etapas seriadas de acordo com o conheci-mento e a idade, com a constituição do moderno conceito de infância e adolescência (ARIES, 1981). O objetivo foi a re-cristianização da cultura popular -a reform-a mor-al, íntim-a, pelo isol-amento no

interna-to, através do controle, e da eficiência do ensino, com a otimização do tempo e do espaço.

O ensino foi enfatizado como instrumento de

recomposição da hegemonia, entre católicos como e protestantes. Nos países católicos, proliferaram ordens religiosas como osjésuítas (1534), oratorianos (1614), lassalistas (1684), cuja função precípua era o ensino, de acesso, contudo, mais elitizado. O fenômeno mais destacado não foi, no entanto, a quantidade de esco-las, e sim a sua organização interna: a seriação por idade e conhecimento, o ensino simultâneo e o rígido controle moral.

O colégio se sobressaiu, então, como a institui-ção escolar por excelência, com sua diretividade,

detalhamento do plano de instrução, quadriculamento do espaço e preocupação moral, revestidos posterior-mente da racionalização científica, da Pedagogia, e da Psicologia, que discriminarão padrões de nonnali-dade e desenvolvimento ideal. Impôs-se a

nonnati-zação irrestrita, o atrelamento de meios e fins, a otimização do tempo e do espaço, a ênfase na

produ-tividade e no rendimento. O quadro é de uma técnica de poder e de um processo de saber centrado na for-mação de subjetividades, e que, além de efetivar a re-cristianização seiscentista, refletiu o processo de racionalização social pós-renascentista, que compõe o padrão cultural típico da civilização moderna - da intelectualização progressiva da vida (WEBER, 1979). A escola transformou-se, então, em uma "máquina de ensino", que almejava o controle moral, mas,

outros-sim, a operacionalização de resultados.

A reversão lenta do fundamentalismo religio-so, com o I1uminismo (século XVIII), que seculari-zou a visão de mundo das massas, não elidiu o aparato disciplinar rituaIístico, e muitas práticas devocionais das escolas confessionais e leigas, até meados do

sé-culo XX.

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Épossível rever a rigorista pedagogia puri-tana ou contra-reformada na descrição ficcional, mas

não menos realista de Denis Diderot - A r e lig io s a (1760); de Charlote Brõnte - J a n e E yr e (1847) e O

p r o fe s s o r (1855); de Somerset Maugham -Se r vid ã o h u m a n a (1915); em Edgar AlIan Poe - H is tó r ia s e x-tr a o r d in á r ia s ; no retrato contundente, em plagas bra-sileiras, de Raul Pompéia - O Ate n e u (1888); de Rachei de Queiróz -As tr ê s M a r ia s (1939); de Ciro dos Anjos - O Abdias (1945).

Avultava, inclusive, certa isomorfia disciplinar da escola masculina e feminina, religiosa e laica, por-que decorrente da mesma inspiração monástica, tor-nada consensual com a D e vo tio moderna: ainda é a pedagogia pessimista, da vigilância contínua e estratificada, da sanção que normaliza, para moldar, por castigos e prêmios morais, um ideal universal e atemporal de estudante - o erudito probo, cristão.

No século XIX emergiu, apesar disso, um paradigma disciplinar alternativo, inspirado no natu-ralismo roussauniano, que enfatizou a crença da

bon-dade essencial do homem e de sua liberbon-dade, ante os códigos entricheirados da cultura européia, e da mo-ral cristã. Tratava-se de remir a autêntica

humanida-de, solapada por uma pedagogia da reverência aos modelos culturais, que apostava na ascese árdua rumo aos ideais de cunho ético e estético (FORQUIN, 1993).

Ao invés do esforço e vigilância, seriam defendidos o espontaneísmo e a ausência de constrição; nesta in-fluência, despontará, no século XX, a Escolanova, sob o signo do relativismo cultural, que deslegitimava a cultura européia, clássica, em favor dos interesses e necessidades individuais, da realidade cotidiana, da cultura local e regional. Decaíram os ideais atemporais e universais de educando, realçando o indivíduo

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berto da tradição e da sacralidade, ora para a sua fe-licidade pessoal, ora para a satisfação das demandas do mercado de trabalho. É necessário investigar se o surgimento de um ensino de massas nos vastos com-plexos escolares deste século e a defesa da pedagogi-as libertáripedagogi-as de extração roussauniana consentiram a reversão radical do modelo disciplinar pautado na ra-cionalização do ensino e do controle moral, cujas raízes se encontram nas escolas confessionais do sé-culo XVI.

Resta saber, outrossim, o grau de impacto do paradigma disciplinar seiscentista e dos rituais sacros da escola contra-reformada na educação católica bra-sileira. Convém considerar que a escola brasileira foi, até 1759, com a expulsão dos jesuítas, predominante-mente, uma escola católica. A educação feminina for-mal, como na Europa, seria de feitio conventual para a formação eclesiástica, e de futuras esposas e mães, das órfãs, das transgressoras dos códigos morais. Era uma educação de reclusão, cujo tempo era o "tempo dos sinos"(ALGRANTI, 1993).

O movimento da Romanização (século XIX) na igreja católica brasileira fortaleceu o bispado no Brasil e expandiu a educação formal em colégios femininos e masculinos, porque foi utilizada como instrumento de recomposição da hegemonia, de reforma da cultu-ra popular, e de controle moral reativando rituais

sacrais e da disciplina, de antigas raízes, da época tridentina.

Assinala-se, então, a vinda ao Brasil das Irmãs do Imaculado Coração de Maria (1856), dos francis-canos de caridade (1896), das irmãs de São José de Moutiers (1898), das irmãs de Santa Catarina (1900), dos maristas franceses (1900), dos salesianos italia-nos (1901), dos lassalistas franceses (1904).

A Romanização influenciou a educação brasi-leira de forma considerável porque se superpôs a uma tradição contra-reformada, jesuítica, e porque logrou o domínio considerável do ensino, devido à exigüidade histórica da escola pública brasileira; deste modo, o aparato disciplinar jesuítico ainda influenciava o co-tidiano das escolas leigas, públicas e privadas, confes-sionais e não confesconfes-sionais.

Era uma manifestação de uma pedagogia de exemplo, que se utilizava da regulação dos castigos e

recompensas, da submissão à autoridade, apesar do estímulo ao individualismo, da vaidade pessoal, e da supressão do sentido de grupo, graças à competição; era também uma pedagogia ascética, do esforço.

Enquanto isso, a própria Igreja lançava as se-mentes de uma renovação ética e pastoral que iria

re-verter a rigorosa e penitencial tradição tridentina. A ação

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1-católica especializada se intensificou a partir da década de 1950, com a mobilização da Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC), conjugando-se com o surgimento de uma liderança autônoma e carismática do Episcopado, unido na Conferência Na-cional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1952. Houve a lenta reversão da teologia tomista, tridentina, rumo às teorias do desenvolvimento e depois às teorias da dependência, de extração marxista, influentes na teo-logia da libertação, após a década de 1960.

Tratava-se do corolário da nova cura das almas do final do século XIX, efetivada nas cidades, e que visava conquistar fiéis em um contexto de crescente secularização; o catolicismo acabou não resistindo ao "desencanto", que foi a supressão do sobrenatural do mundo, que é regido por leis físicas, apreensíveis pela razão; o catolicismo apoiou-se nas ciências hu-manas: Sociologia, Psicologia, História, como substrato de uma doutrina religiosa que se desvin-culava gradualmente da revelação e da tradição, bus-cando, cada vez mais, a explicação e intervenção no mundo fenomênico, a fim de evangelizá-lo; com efei-to, sancionou-se a ação política mundana, e a salva-ção no próprio mundo através da transformação econômica e do ativismo político, enfatizando-se a coletividade, e não, o indivíduo; a sociedade, ao in-vés da transcendência; a transformação social, em detrimento de ascese individual através do sacrifício; o voluntarismo, ao invés da hierarquia eclesiástica (HOONAERT, 1990).

Estas manifestações na ética e na pastoral cató-lica talvez manifestassem parcialmente a crise dos valores ocidentais no século XX, evidenciada na van-guarda modernista, na cultura alemã no início do sé-culo XX, que se efetivou no imaginário europeu após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). EKSTEINS (1991) caracteriza o século XX como a era da

rebel-dia, em que despontavam movimentos de ruptura - das mulheres, dos jovens, dos homossexuais, do proleta-riado - com a ênfase da libertação dos paradigmas institucionais, éticos, estéticos e sexuais. O

moder-nismo prenunciou a crise dos valores ao defender a concepção de arte como libertação.

.... O

a r tis ta , p a r a a lc a n ç a r a lib e r d a d e d e vis ã o , n ã o d e via r e s p e ita r a m o r a lid a d e . D e via s e r a m o r a !. A m o r a lid a d e , c o m o a va n g u a r d a g o s ta -va d e d ize r , e r a u m a in ve n tio n d e s la id s , a vin

-g a n ç a d o s fe io s . A lib e r ta ç ã o p a r a a c o n q u is ta d a b e le za n ã o vir ia a tr a vé s d e u m e s fo r ç o c o le tivo , m a s a tr a vé s d o e g o tis m o , a tr a vé s d e u m a s a lva

(5)

e g o tis m o , a tr a vé s d e u m a s a lva ç ã o p e s s o a l e

n ã o d e o b r a s s o c ia is .

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(EKSTElNS, 1991,p.51)

o

resultado seria o individualismo, o materia-lismo, o hedonismo orgiástico, a subjetivação da éti-ca. A civilização deixou de ser, com o modernismo e a Primeira Guerra Mundial, o sinônimo de valores objetivos: justiça, dignidade, moderação, lei, progres-so. O código vitoriano de valores sociais, éticos e re-ligiosos, decaiu. A guerra "cubista" destruiu a visão cavalheiresca, heróica, do século XIX, com o

surgimento do soldado sem rosto, na guerra

"imó-vel" das trincheiras, do bombardeio submarino, do gás asfixiante. O belo mundo, encantador e seguro, com suas certezas intocadas, de uma civilização de classe média, deixara de existir.

o

in d ivid u a lis m o p e r d e u s u a d im e n s ã o s o c i-a l, m i-a s n i-a im i-a g in i-a ç ã o in d ivid u a l, n a e n e r g ia e n a vo n ta d e d io n is ia c a (. ..) o h o m e m fo r a

s o lto . A lib e r d a d e já n ã o e r a u m a q u e s tã o d e s e r livr e p a r a fa ze r o q u e é m o r a lm e n te c o r r e to e e tic a m e n te r e s p o n s á ve l. A lib e r d a -d e to r n a r a -s e u m a q u e s tã o p e s s o a l, u m a r e s -p o n s a b ilid a d e s o b r e tu d o p a r a c o n s ig o

m e s m o . (EKSTElNS, 1991, p. 341).

Consagrava-se a "regressão" a um estado sel-vagem, na repulsa à civilização comporificada em suas

maiores realizações: a ciência, a religião, a arte re-quintada, repleta de cânones, a moralidade

convenci-onal; ao invés, vingaria a ênfase da juventude livre e iconocasta, da excitação, do primitivismo, das formas elementares, das emoções, da fantasia. Este padrão cultural seria esbatido, no Brasil, em particular, a uma

estrutura familiar patriarcal em decomposição, em meio à urbanização e industrialização, imigração

es-trangeira, migrações internas e crise econômica, ao longo de meio século. A nova postura ética do Oci-dente haveria de repercutir na vivência religiosa,

plas-mando a reversão das matrizes sacrais e disciplinares do século XVII. Resta saber em que direção, e este é

um aspecto enfocado neste estudo.

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É

preciso investigar se as modificações

poste-riores da doutrina católica, da cultura ocidental e das

mentalidades engendraram a reversão do aparato dis-ciplinar e dos rituais religiosos da escola católica bra-sileira, dos seus valores fundamentais.

A matriz básica da educação brasileira foi a escola confessional; nesse sentido, analisar a escola confessional significa desvelar os valores, e a organi-zação disciplinar da escola brasileira. Este estudo

enfocou o Colégio da lmaculada Conceição (ClC), do Município de Fortaleza, fundada em 1865; tornou-se pertinente um estudo de caso desta escola, no sentido de descrever a evolução do ethos sacral e das práticas disciplinares das décadas de 1930 a 1970. Foi utiliza-da a metodologia da história de vida com 17

ex-alu-nos e ex-professores. Os sujeitos relataram sua experiência na escola, enfatizando suas percepções dos eventos religiosos e disciplinares.HGFEDCBA

H IS T Ó R IA D O C IC N O M U N iC íP IO D E

F O R T A L E Z A

A fundação do C/C

O CIC foi fundado em 1865, em Fortaleza, pela congregação francesa de São Vicente de Paulo, a pe-dido do Bispo Dom Luís Antônio dos Santos, devido

àRornanização. Tratava-se de uma estratégia política

e de uma reforma cultural (BURKE, 1989), que visa-va à erradicação dos requícios do catolicismo popular (na América Latina), mestiço, não hierocrático, e da onda de liberalismo, materialismo e ateísmo (HOONAERT, 1990) disseminado a partir do século XVIII. Fundou-se, pois o colégio das órfãs em 1865, com o auxílio da Diocese e das doações de particula-res, que, por não contar com os recursos necessários, acarretou a criação de um colégio para as moças da sociedade como pensionistas e externas.

O colégio das órfãs funcionou com o carisma vicentino do assistencialismo cristão, garantindo sus-tento, ensino e profissionalização em artes manuais; o currículo era semelhante ao das pensionistas, em-bora fossem minorados os aspectos intelectuais.

Além do orfanato, as Irmãs de Caridade funda-ram a escola dominical para meninas acima dos 12 anos; em 1891, o Externato já possuía uma fábrica de meias.

O Externato (ou escola dominical) e o colégio das órfãs afinizavam-se com a proposta vicentina da educação caritativa. No ClC, no entanto, a educação formal tornou-se mais complexa e intelectualizada, equiparando-se, em 1921, à escola normal do Colégio Pedra lI, com o reconhecimento dos diplomas.

A década de J920 - 40: ascetismo, hierocracia,

disciplina seiscentista

O currículo do ClC acusava disciplinas cujo objetivo era desenvolver a sensibilidade estética, a devoção, a etiqueta social, as prendas domésticas e os conhecimentos gerais das mulheres da elite,

(6)

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do requintadas e virtuosas mães de família à européia; isso perpetuava o ensino feminino de elite desde o

Renascimento, nos moldes da escola confessional, como se difundiu na Europa do século XIX.

Os professores do CIC eram profissionais

libe-rais de prestígio na sociedade cearense, o que perdu-rou até os anos 70.

Desenvolveu-se uma espécie de religiosidade centrada na "rejeição religiosa do mundo" (WEBER,

1979), com um alto nível de ritualização: missas em latim, incenso, trajes especiais, diagramação do espa-ço nas cerimônias do calendário litúrgico e na missa.

Era, outrossim, o "tempo dos sinos" da educação conventual, porque todos os momentos da vida cotidiana eram marcados pela sacralidade (ALGRANTI, 1993): as refeições, a hora de dormir, afora a presença constante do Divino através do si-lêncio, que além de um dispositivo disciplinar, favore-cia a interiorização da fé e da ética conventual, antimundana. Isso sugere também a concepção da escola monástica, como um espaço "purificado" de um mundo repleto de vícios; foi uma característica da pedagogia pós-renascentista, a reclusão (ARtES,

1981), visível, por exemplo, na proliferação das esco-las-internato nos países católicos e protestantes, e que sobreviveram mesmo após à onda de laicização dos séculos XVIII e XIX.

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E a g e n te jic a va e m s ilê n c io perfeito, n ó s s ó fa -lá va m o s d ia d e d o m in g o e d ia d e fe s ta , a is a ia m o s p a r a o r e c r e io (....) a g e n te r e za va p a r a p o d e r c o m e ç a r o r e c r e io(Internada décadade 1930).

P is a va -s e d e va g a r , e m s ilê n c io . N ã o s e d e i-xa va a s m e n in a s a p a r e c e r e m n a ja n e la (Interna da décadade 1930).

O ensino de Religião centrava-se no estudo mnemônico, intelectualista, de alta abstração teológi-ca, que evitava o uso da Bíblia, talvez por receio da heterodoxia; neste sentido, o catecismo de pergunta e

resposta se atinha à interpretação hierocrática, e sacramentava-se uma religiosidade convencional, "rotinizada", apoiada no ritual e na racionalização

teo-lógica.

Havia a concepção do Deus-temor, que pu-nia infrações, situando-se num alto plano hierárqui-co, e suas relações com os homens se davam através da renúncia pela penitência, ou pelo cumprimento

de boas obras. Foi ratificada uma antropologia pes-simista, o que teve implicações na configuração do

aparato disciplinar, porque se o homem possui más inclinações, está contaminado pelo pecado original,

é preciso vigiar de modo sutil para evitar o afloramento dos vícios.

Era a Igreja romanizada por excelência, que enfatizava a hierocracia e a ortodoxia tomista, fomen-tando algumas organizações dedicadas à santificação

de seus membros, consagrando o elitismo salvífico em associações como as Filhas de Maria, a Cruzada Eucarística, as Senhoras de Caridade, que funciona-vam sob o signo da mariolatria, em especial, e da cristologia.

As Senhoras de Caridade foram instauradas por São Vicente de Paulo, no século XVII, como uma

as-sociação leiga de fins assistencialistas, para cooperar com as Irmãs de Caridade, no cuidado de pobres e

doentes.

As Filhas de Maria existiam desde meados do século XIX sob o signo da devoção a Maria, suscita-das pela aparição da Virgem à noviça Catarina Labourê, com a oferta da chamada medalha milagro-sa. As Filhas de Maria apresentavam uma hierar-quização interna por grau de "santificação", ou de elevação espiritual, assinalada pelo recebimento, em rituais de iniciação, de fitas de várias cores: azul (a mais importante) e verde, a partir da demonstração pública de contrição religiosa e pudor sexual.

P r a r e c e b e r

afita,

vo c ê n ã o p o d ia d a n ç a r , n ã o p o d ia ir a fe s ta s , m a s n ã o tin h a q u e fa ze r c a -r id a d e , e -r a u m a q u e s tã o d e c o m p o r ta m e n to e d e c ê n c ia (Ex-alunada décadade 20).

As F ilh a s d e M a r ia e r a m m u ito r íg id a s , e r a m o b r ig a d a s a vir à s r e u n iõ e s d e b r a n c o , u s a -va m a q u e la

fita,

to d o m ê s tin h a m a q u e la r e u -n iã o , m is s a o b r ig a tó r ia , e r e tir o e s p ir itu a l, m a is r íg id o ; tin h a a q u e la s o b r ig a ç õ e s d e r e za r o te r ç o e o o jic io d e N o s s a Se n h o r a to d a s e m a n a (Ex-alunada décadade 40).

Havia as Luísas de Marillac, como uma associ-ação inspirada na fundadora do ramo feminino da

or-dem vicentina, que havia, no século XVII, exaltado a assistência volante nas ruas, aos miseráveis, crianças e velhos.

A disciplina se apresentava com um alto grau de ritualização, consagrando valores de hierarquia e autoridade; quando o professor chegava, os alunos se levantavam das carteiras e o cumprimentavam. Evi-denciava-se a chamada vigilância hierárquica (FOUCAULT, 1987) cujos traços residuais

permane-cem até hoje: bedéis, a irmã de turma, a direção. O dispositivo disciplinar envolvia ainda o uso de avisos sonoros - uma espécie de castanholas - utilizadas

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Ias freiras para obter silêncio e a formação de filas; aliás, isso durou até os anos 50.

Era uma pedagogia diretiva, do controle moral,

irradiante, nos dispositivos disciplinares:

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As a lu n a s e s tã o s o b a e xa c ta vig ilâ n c ia d a s Ir -m ã s q u e n u n c a a s d e ixa m s ó s , p r e e n c h e n d o ju n to d ' e lla s o s d e ve r e s d e m ã e s c o m a s o lic itu d e

q u e in s p ir a a R e lig iã o , p a r a o q u e a s s is te m a o s s e u s d ive r tim e n to s e d o r m e m n o m e s m o d o r m itá -r io (: ..) P a -r a a b ô a o -r d e m e -r e g u la -r id a d e d e u m

E s ta b e le c im e n to d e e d u c a ç ã o , é m e lh o r p r e ve n ir a s fa lta s d o q u e r e p r im i-la s ; o s m e io s p a r a is s o e m vig o r n o c o lle g io s ã o n o ta s , b o lle tin s m e n s a e s ,

q u a d r o d e h o n r a , e tc (Estatutos do Collégioda ImaculadaConceição,de 1928).

Evidenciava-se a normalização; a sociedade pós-iluminista havia criado dispositivos de visibilidade per-manente e controle - a sanção normalizadora e a vigilância

hierárquica - que, em nome do respeito às liberdades e direitos fundamentais ante o Estado, vão institucionalizar

a "modelagem" sutil das condutas.

Efetivou-se o paradoxo de que a s lu ze s q u e d e s

-c o b r ir a m a s lib e r d a d e s in ve n ta r a m ta m b é m a s d is c

i-p lin a s . (FOUCAULT, 1987). Impôs-se a estruturação

e divisão dos espaços, com pátios quadrangulares, que se opunham ao mundo lá fora, como instância peca-minosa e de perdição, mas também esquadrinhando os espaços internos, que garantiam a visibilidade e o movimento contínuo. Havia um liame perfeito entre o

ensino religioso, o calendário litúrgico e as práticas disciplinares, n a s q u a is s e r e c o r d a va e fe m e r id a d e d a

vid a e a c o n s ta n te n e c e s s id a d e d e e s ta r s e m p r e a le r ta e s e m m a n c h a d ia n te d e D e u s (: . .) p r e d is p o n d o a o e xa m e d e c o n s c iê n c ia e à c o n fis s ã o c o m o m e c a n is -m o s q u e " to c a va m a a lm a s e m to c a r o s c o r p o s " ,

p r o d u zin d o u m a ve ~ d a d e s o b r e s i m e s m o . (FRAN-CISCO, 1998: 5). Visava-se à auto-regulação, à

disci-plina interiorizada.

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A década de 1950-60: operosidade mundana e

consciência social

Ao longo da década de 50, a religiosidade ori-entou-se para uma postura mais secularizada, de ação direta no mundo, e sem vínculo com o carisma assistencialista vicentino (e também medieval),

consubstanciada com maior nitidez na JEC.

A JEC funcionava em cada colégio através de uma assessora, realizando encontros periódicos com outros assessores. Era um movimento cristocêntrico,

ca, a JAC, a JUC; a JEC possuía atividades: encon-tros periódicos semanais, retiros, jornadas, grupos de estudo.

A JEC congregava alunos de outros colégios da cidade e dos outros Estados, discutindo problemas

da educação e da sociedade brasileira, e possuía outra concepção de catolicidade, mais secular e política, que ia se conflitar com a religiosidade tradicional, ascética, penitencial, das Filhas de Maria, embora ainda con-templasse a moralização da conduta, da decência e do pudor, aspecto que seria gradualmente minorado. Po-demos dizer que a JEC colaborou para a lenta rever-são das antigas estruturas sacro-disciplinares da escola católica brasileira.

A J E C a c h a va a s F ilh a s d e M a r ia a tr a s a d a s , a J E C e r a d e u m a c a b e ç a m a is a b e r ta c o m c o is a m a is p o lític a s , s o c ia is , n ã o lia m a B í-b lia , n ã o tin h a m a tivid a d e s c o m o s p o b r e s , a g e n te te n ta va p o litiza r e le va r o u tr a s a lu n a s (Ex-alunada décadade 50).

Impôs-se o novo ethos que se difundirá nas dé-cadas posteriores, permanecendo, um tanto precário e fragmentado, até hoje: a positivação da ação munda-na, engajada na cristianização do mundo, e não na sal-vação fora dele; o mundo deixara de ser uma instância inelutável de pecado e expiação.

O calendário litúrgico dos anos 50 e 60 respira-va, no entanto, numa atmosfera conventual, do "tem-po longo"; "tem-por exemplo, na mariolatria, similar à década de 30, cujos traços principais ainda encontramos no final da década de 90.

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m ê s d e m a io e r a c e le b r a d o n o C o lé g io , d o p r im e ir o a o ú ltim o d ia , c o m a c o r o a ç ã o d e N o s s a Se n h o r a ; a s c o r o a ç õ e s e r a m n o fin a l d e s e m a n a , m a s h a via a p r e p a r a ç ã o p o r tu r

-m a s d o s a lta r e s , c a d a tu r -m a e r a d ivid id a e m g r u p o s e c a d a g r u p o a p r e s e n ta va s e m a n a p o r s e m a n a u m a lta r d ife r e n te (....) a g o r a , n o r

-m a l-m e n te n o a lta r d e N o s s a Se n h o r a h a via u n s p o m b in h o s o u u m a n jin h o , d e a c o r d o c o m o q u e a g e n te ia fa ze n d o , a q u e le p o m b in h o ia s u b in d o a té c h e g a r p e r to d e n o s s a Se n h o r a (Ex-alunada décadade 50).

As Filhas de Maria persistiam com certo vigor no início da década de 50, como uma associação de cristãs qualificadas por pureza moral e fisica, contando

ainda com os ritos de iniciação, que funcionaram como dispositivos sutis de normalização (FOUCAUL T, 1987).

106 • EDUCAÇÃO EM DEBATE· FORTALEZA· ANO 21 • V 2 • NQ 38 •

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cotidiano era marcado pela sacralidade, como

na década de 20-40, e a antiga estrutura sacral ainda persistia significativamente. A ética católica enfatizava também a ascese pelo esforço, na renúncia aos

instin-tos e desejos da individualidade, com um componen-te componen-teocêntrico, de "rejeição religiosa do mundo"; a prática de retiros era sugestiva desta "rejeição religi-osa do mundo" (WEBER, 1979), porque eram três dias de silêncio, meditação e palestras que enfatizavam o pecado, a danação, em uma atmosfera conventual; o retiro apartava as alunas do mundo para convencê-Ias

a resistir aos seus apelos. de

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U m a d a s r e c o m e n d a ç õ e s d o r e tir o e r a n ã o fa la r c o m n in g u é m , fa ze r s a c r ific io , a í vo c ê c h e g a va e m c a s a fe ito m ú m ia , n ã o e r a p a r a fa la r c o m n in g u é m , e r a p r a fa ze r s a c r ific io e

n ã o p e c a r (. ..) d e p o is h a via a c o n fis s ã o c o m

o p a d r e (Ex-alunada década de 50).

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,-Na década de 50-60, o bom aluno era aquele que demonstrava conhecimentos intelectuais, mas, ou-trossim, cortesia, qualidades éticas e devoção religio-sa. Era ainda a escola disciplinar, por excelência, que objetivava a reforma íntima, da subjetividade, e não apenas a aprendizagem intelectual. Este aspecto será atenuado a partir da década de 70, na ênfase dos ves-tibulares para o ensino superior "de massas".

Ocorreu a lenta reversão da concepção de Deus-temor rumo ao Deus-amor, perdão, ao longo dos anos 50-60, ao mesmo tempo em que os retiros abandona-vam a contrição do silêncio total, e que a religião pouco a pouco deixou de enfatizar o pudor sexual, e a humil-dade, em favor de um ethos de fraternihumil-dade, mesmo perseverando o aparato ritual do calendário litúrgico, e as práticas disciplinares. A concepção de Deus-amor denota a mudança da representação hierárquica do di-vino, que abandona a posição de incomensurabilidade

de antes; isto se vinculou à crise geral de autoridade e emergência de um credo igualitário, e do

individualis-mo, da valorização das emoções pessoais, após a Pri-meira Guerra Mundial, com o Modernismo; isso iria desativar o ensino religioso centrado em complexas ra-cionalizações teológicas (SEVCENKO, 1992).

D e u s e r a u m s e r d e a m o r , e n tã o vo c ê tin h a d e a m á -Io , e r a u m a m ig o , e r a u m a p r e s e n ç a d a q u a l vo c ê p r e c is a va , e e r a a q u e la p e s s o a e

x-tr a o r d in á r ia q u e s ó tin h a a m o r p a r a d a r , s e n ã o d a va c e r to o s e u r e la c io n a m e n to c o m E le , e r a

p o r q u e vo c ê n ã o q u e r ia , n ã o tin h a m a is o a s p e c to d o te m o r (Ex-alunada década de 60).

Nas aulas de catecismo, ainda perseveraram al-guns aspectos da década de 20-30, mas surgiram ino-vações pedagógicas, que realçavam a participação discente, como as maratonas espirituais, e a prática das reflexões; o ensino de religião, no entanto, ainda se caracterizava por certo intelectualismo ortodoxo, com ênfase na mernorização, no estudo de História Sagrada - dogmas, sacramentos, virtudes teologais, liturgia e moral - usando, outrossim, o catecismo de perguntas e respostas, perpetuando uma tradição tridentina de estudo da religião. Inclusive houve o surgimento de concursos de catecismo - as maratonas espirituais, existentes desde os anos 50 - e que eram em forma de perguntas e respostas, com grau progres-sivo de complexidade e reflexão, que ocorria nos co-légios católicos.

A vigilância hierárquica existia na manifesta-ção de um corpo funcional de bedéis, coordenadoras de classe (que eram freiras), professores e direção; havia o controle estrito dos horários, fardas, movimen-tação no colégio; as irmãs de classe influíam sobre o professorado, viam a disciplina, preparavam as notas dos boletins e ministravam aula de religião, como hoje, só que não dividiam tarefas com os leigos.

Persistiam os dispositivos da sanção norma-lizadora, na classificação por notas refletida no espa-ço da sala, com os melhores alunos à frente.

A sanção normalizadora confundia mérito

in-telectual com atos disciplinares de respeito à autori-dade e polidez; se uma aluna conversasse na aula, poderia perder pontos na matéria; existia, já desde a década de 20 a chamada nota de comportamento, que englobava atitudes exteriores de pontualidade, orga-nização e respeito à autoridade.

Os aspectos disciplinares dos anos 60 reedita-vam, no tempo longo, vários traços da décadas anteri-ores, progressivamente suavizados; há o apuro com a vestimenta, na ênfase do pudor sexual: não se podia desabotoar a gola ou encurtar as meias.

O silêncio monástico era enfatizado ainda,

par-ticularmente no internato, na hora das refeições; avul-tava o controle do uso do tempo e do espaço, porque o momento da conversa, após ser servida a comida, era assinalado com as matraquinhas.

A década de 1970: secularização e pedagogia gerencial

Na década de 70, o colégio é reformulado por uma diretora carismática, que já havia trabalhado na coordenação de turma na década de 40-50, e que

deto-nará a "virada" da tradicional escola vicentina rumo a

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um ensino "moderno", das escolas de massa, dos

colé-gios-empresa então emergentes. Foi introduzida a prá-tica dos encontros de pais e mestres e do planejamento

conjunto dos docentes, coordenadores e direção. Houve também a modernização do ensino reli-gioso, que se tornou mais secular, voltado para os pro-blemas sociais e para a vivência pessoal. Na verdade,

essas modificações já vinham sendo gestadas desde os anos 50, de forma lenta, também sob o influxo da JEc.

Tratava-se agora de preparar alunos para o

su-cesso nos exames vestibulares para o ensino superior em expansão; os conteúdos se tornaram padronizados e pausterizados, cobrados progressivamente em assépticas provas objetivas.

Nos anos 70, a orientação religiosa do CIC man-teve os valores seculares de uma orientação no mundo e para o mundo, com voluntarismo salvífico, e da justiça social (embora sem laivos marxistas), bem próprios da JEC dos anos 60 (e que permanecem até hoje, por exem-plo, no serviço de lideranças), suprimindo por completo o ethos sacral tridentino, austero e hierocrático.

Houve a descaracterização do ensino religioso, com certo esvaziamento do calendário litúrgico, ape-sar da existência de várias freiras na coordenação e na docência, mesmo após a tentativa de outra direto-ra, que pouco durou, de restabelecer algo do aparato ritualístico tridentino e do rigor disciplinar; essa

ex-periência não prosperou, e a inovação-secularização foi instaurada; tratava-se, na verdade, de certa con-versão à lógica dos colégios-empresa e à pedagogia gerencial - para ensinar mais e melhor.

As aulas de catecismo se desvincularam das "perguntas e respostas", de uma teologia racionalista, tradicionalista, ortodoxa, pós-tridentina. Introduziu-se a "realidade social", concernente ao problema socio-econômico, sexualidade, drogas, ao invés da

transcendência, da ética ascética, de antes; introdu-ziu-se a experiência direta, imediata, pessoal, ao in-vés das abstrusas construções teológicas, que remetiam ao supra-terreno, de uma pedagogia da renúncia, em busca da perfeição espiritual: era enfocada, nos anos 70, a realidade concreta, atual; o indivíduo e a vivência pessoal (SEVCENKO, 1992).

A escola não seguia mais a lógica de um

con-vento, de um espaço purificado, que apartasse o alu-no do mundo corrupto, e a religiosidade não era mais de rejeição religiosa do mundo (WEBER, 1979).

Não havia mais Luísas de Marillac, Filhas de Maria, e, devido à repressão do regime militar

pós-64, a JEC se desvanecera.

A tradição escolar católica, cujos elementos foram forjados a partir do século XVII, foi

desarticu-lada, como outras tradições, com o advento de trans-formações sociais bruscas, como a industrialização, a urbanização, a dissolução da família patriarcal, cIânica, que era católica; estes fenômenos foram pro-gressivamente se acentuando na sociedade brasileira a partir da década de 50 e refletiram, outrossim, mu-danças culturais do Ocidente que se gestavam desde o início do século XX e que se traduziram no des-monte das tradições estéticas, religiosas e

intelectu-ais em favor da subjetividade espontânea, emocional, em busca da felicidade e do prazer (EKSTEINS, 1991),

e que positivou a esfera mundana como

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lo e u s legíti-mo da atuação humana.

Rompeu-se a continuidade ideológica entre a escola e a vida social, cujo traço definidor era a famí-lia. O resultado foi a necessidade de modernização-secularização da própria Igreja, a fim de recompor a hegemonia, que se refletiu no abandono das remotas estruturas sacrais e disciplinares, na década de 70. A Igreja se rendeu ao ethos mundano, pragmático, da sociedade mais ampla, cuja manifestação pedagógica foi a pedagogia gerencial, expressa no tecnicismo, e ao influxo das ciências humanas, com a teologia da libertação, que se esboçou sutilmente no CIC, dada a repressão militar no pós-64.

A vigilância hierárquica de cunho religioso das irmãs em cada turma, bedéis e direção se matizou com

a introdução das orientadoras educacionais, no Servi-ço de Orientação Educacional (SOE), que sob a influ-ência da direção, passou a cuidar dos "casos difíceis", das condutas de desajuste e indisciplina que então se manifestavam. A divisão social do trabalho escolar -cujas raízes se encontram na escola pós-renascentista, sob o signo da racionalização social (WEBER, 1979) - intensificou-se; agora, com o advento da matriz pe-dagógica do tecnicismo, da pedagogia gerencial,

va-lorizou-se ainda mais a especialização de funções e as ciências humanas.

O "silêncio disciplinar" durou até a década de 60, em que não se registrava o enfrentamento pessoal ou coletivo da autoridade. Nos anos 70, isso se rever-teu, sem contar com o concurso primordial da religião; a secularização se manifestou com a substituição da religião pelas ciências humanas - a Psicologia, a

Soci-ologia, das orientadoras educacionais, que, em reuni-ões periódicas com a direção e com os pais, visavam obter a normalização discente (FOUCAULT, 1987).

Já se consubstanciava com mais nitidez, nos anos 70, certo "desencanto" com a autoridade moral e intelectual, o que se refletiu na concepção do profes-sor como assalariado, sem a sua aura mística. Isso iria influenciar no "desmonte" do aparato disciplinar

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seiscentista, não com o desaparecimento total dos dis-positivos da vigilância hierárquica, da sanção

normalizadora, e do

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p a n o p tic o n (dispositivo espacial de visibilidade contínua, corno torres centrais ou

páti-os), mas com a sua progressiva ineficácia na regulação das subjetividades.

Nos anos 70, não havia mais quadros de honra, entregas de medalhas, classificação e diagramação das carteiras da sala, e não se distinguiam em especial os

melhores alunos, ninguém era inferiorizado por ir para recuperação. Isso realça a emergência de um credo igualitário, individualista, anti-hierárquico, consensual nas ciências humanas e no discurso pedagógico, que iria influir na desativação de práticas pedagógicas

agora reputadas discriminatórias, repressivas,

"polí-tica e pedagogicamente incorretas".

UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

A Reforma Protestante e a Contra-Reforma repercutiram na educação formal, difundindo a neces-sidade de vigiar e controlar a moral religiosa das cri-anças e jovens; surgiram as práticas disciplinares: a vigilância hierárquica, as classes seriadas, a sanção normalizadora; o aparato ritualístico-religioso. Estes fenômenos também foram conseqüência da racionali-zação social na esfera educativa (WEBER, 1979), que operacionalizou o ensino em busca de resultados ime-diatos e satisfatórios, e da re-cristianização, que pre-tendia a conversão religiosa e o expurgo do paganismo.

A educação brasileira foi introduzida, com os jesuítas, que efetivaram uma escola confessional com

modelo sacro-disciplinar formulado pela Igreja Cató-lica, nos moldes já descritos.

No século XIX, chegaram no Brasil outras or-dens religiosas voltadas para o ensino formal, devido ao movimento de Rornanização do cristianismo

bra-sileiro, que surgiu para ratificar o Concílio de Trento, opondo a intensa clericalização da vida eclesial ao

ca-tolicismo popular (confrarias e beatos). Insistiu no au-mento da influência do Vaticano, e objetivou suprimir o Padroado - domínio do Estado sobre a Igreja - para resgatar a Cristandade do materialismo ateu e

conse-guir prosélitos.

As Filhas de São Vicente de Paula desembar-caram no Brasil em 1849 em Minas Gerais, visando à educação feminina e à formação de professoras. Em

1865, elas vieram ao Ceará, fundando o Colégio da Imaculada Conceição. As irmãs implantaram o

ensi-no formal para as jovens, antes relegadas à aprendiza-gem dos costumes e boas maneiras da alta sociedade

e ajudaram na assistência às órfãs, que era o principal

objetivo da Ordem, pois, na época, famílias inteiras morriam devido às epidemias e muitas crianças fica-vam no completo abandono.

Inicialmente o colégio assumiu a missão de casa

de instrução feminina e de casa de caridade de prote-ção à pobreza através do orfanato.

Nas décadas de 1930-40, a igreja católica bra-sileira estava sob a ação da Romanização, com a ên-fase da hierocracia e da ortodoxia tomista, com o

retorno à Escolástica, gerando urna religião ascética e penitencial; Destacou-se o fomento a associações dedicadas à santificação de seus membros - Filhas de Maria, Cruzada Eucarística, Senhoras de Caridade, com o culto às virgens e uma nova cristologia, eivado do subjetivismo devocional característico da época: o indivíduo salvava-se com a relação transcendental com Deus, através da prática de retiros espirituais

obriga-tórios. Houve a negação do mundo e a preocupação com o pecado e a punição divina; existia a convicção de um Deus-temor e uma antropologia pessimista, que acreditava no homem pecador, que precisa ser vigia-do e corrigivigia-do de seus males. O ritualismo foi carac-terístico dessa época, principalmente no mês de maio, quando ocorria a coroação de nossa Senhora.

O internato era tipicamente conventual e a edu-cação das alunas se centrava na religião, na salvação através das boas obras, na humildade pessoal, na fuga do mundo, com a reclusão e separação das internas

das externas; as associações foram um modo de aprofundamento deste sentimento e ação.

No final da década de 40, houve o início da ação especializada - a ação católica - de cunho políti-co, sob o influxo da urbanização e do liberalismo po-lítico, que despontou na formação da JEC.

As práticas disciplinares dessa época ainda eram

semelhantes aos jesuítas, com punição e recompen-sas simbólicas, controle e vigilância constante.

Nas décadas de 1950-60, a igreja católica bra-sileira apresentou novos rumos, principalmente depois da CNBB (1952), e do Concílio Vaticano II (1962) e das Conferências de Puebla, que incrementaram o epis-copado profético; a Igreja Católica percebeu a emer-gência da questão social, institucionalizando a ação desenvolvimentista no mundo através da ação

católi-ca especializada: JAC, JEC,

nc,

JOC,

rue,

e outras, mobilizando vários segmentos da sociedade. Nesse período, houve a ampliação da diocese e arquidiocese, aumentando, assim, as áreas de atuação da igreja.

A escola confessional manifestou as mudanças da igreja através de um novo ethos religioso, da fraternidade, da preocupação com o outro; o pudor

(11)

foi superado pela consciência social; foi legitimada a ação mundana, através da ação católica especializada - JEC - onde o proselitismo leigo foi marcante, pois buscavam-se mais adeptos para a transformação da igreja e da sociedade.

As práticas religiosas desta época eram seme-lhantes às das décadas anteriores, com o retiro espiri-tual, as comemorações dos santos, a coroação de

Maria, mas o subjetivismo devocional foi sendo subs-tituído pela consciência social, pelo sentido do outro, e pela ação católica especializada, que discutia a ação do indivíduo na sociedade e não só a relação solipsista com Deus. Esta reversão das estruturas sacro-disci-plinares da época tridentina no seio da própria Igreja Católica refletiu modificações culturais mais amplas,

em curso desde o início do século XX, a partir do modernismo e da Primeira Guerra Mundial, e que pos-tularam o abandono de cânones intelectuais, estéti-cos, morais, religiosos e científicos. Houve a ênfase da liberdade individual e das emoções em detrimento das convenções culturais e dos valores de dignidade, justiça, bem-comum. Consubstanciou-se a legitimação da esfera mundana, em um credo hedonista e

eudemonista.

Estes valores lentamente corroeram a ética mo-nástica, de rejeição religiosa do mundo, da escola tridentina, e de seu aparato disciplinar e ritualístico subjacente, o que foi intensificado pela urbanização, e formação de uma indústria cultural iconoclasta, além da dissolução da família brasileira, ao longo do século

XX. Nas escolas, existiu ainda a gradual difusão das pedagogias libertárias de extração roussauniana - a Escolanova, A pedagogia anarquista, a corrente

psica-nalítica, a teoria crítica, e outras - que enfatizaram a personalidade livre, seus interesses e necessidades, e a transformação social, mas não a transmissão de

mode-los culturais superiores que repousassem em valores absolutos de ord~!D moral, estética e intelectual (FORQUIN, 1993). O relativismo cultural reinante ter-minou por consagrar o individualismo libertário que infletiu sobre a tessitura básica dos valores religiosos.

As práticas disciplinares dos anos 50-60, no

entanto, ainda se centravam no controle e na vigilân-cia constante, ressaltadas por Foucault (1987) como

características da escola, da prisão, do hospital e do quartel, objetivando a normalização dos indivíduos; nesse período cada turma tinha uma irmã para vigiar sua rotina diária. O parlatório era utilizado para

re-preender os "maus" alunos.

Na década de 70, a igreja católica brasileira re-formou as universidades católicas; surgiram as pasto-rais (da terra, operária, da mulher, dos negros, dos

índios) e a teologia da libertação, com a teoria marxista da revolução pela radicalização classista: a opção da Igreja pelos pobres; houve também uma renovação sacerdotal em novos moldes.

Ocorreu o desmonte parcial do aparato disci-plinar seiscentista, da sanção normalizadora e da vigi-lância hierárquica, desativado, em parte, pelo credo libertário da cultura ocidental e da cultura escolar, em especial após os anos 50, e que exprobrava o modelo universalista e atemporal de homem, a ser plasmado pela aquisição da cultura letrada, européia. Esta de-sarticulação da disciplina foi atenuada, no entanto, pelas características da clientela, proveniente, até os anos 70, das elites sociais e econômicas do Estado, e que buscava qualificação intelectual para o sucesso nos exames vestibulares. Embora se esmaecesse pro-gressivamente a formação estética desinteressada, o ensino do CIC alcançou resultados excelentes sem o recurso aos vetustos dispositivos disciplinares de nor-malização. De fato, a emergência da pedagogia gerencial no CIC não ativou antigas estruturas sacro-disciplinares, como, por exemplo, a ritualização, sem a incidência expressiva da indisciplina.

O ethos religioso acentuou o sentimento do

mundo e da ação mundana para transformação social; enfatizou-se a consciência social, no colégio, com a

visita às favelas, na defesa de uma religião relaciona-da com a virelaciona-da. O Deus-temor passa a Deus-amor, que perdoa a todos. A fé intelectualizou-se, com o discur-so marxista, e as práticas religiosas secularizaram-se, tornando-se eventos banais, que antes eram cruciais

na formação da

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w e lts a n n c h a u u n g das alunas. Houve a inserção de professores leigos para ministrar a

dis-ciplina de religião, contribuindo para a maior secula-rização do ensino religioso.

Conclui-se que os valores sacrais, católicos, dos séculos XVII-XIX - o ascetismo penitencial, a nega-ção do mundo, o ritualismo profuso, o elitismo salvífico, a ortodoxia doutrinal - consubstanciados em

uma estrutura disciplinar conventual, marcada pela vigilância hierárquica e sanção normalizadora,

expe-rimentaram, a partir da década de 1950, uma seculari-zação extensiva, que privilegiou a ação política e a negação do sobrenatural, da transcendência, como postulado da salvação do homem.HGFEDCBA

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Referências

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