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A agonia do fast track MARCELO DE PAIVA ABREU

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O Estado de São Paulo 13 de novembro de 1997

A agonia do fast track

MARCELO DE PAIVA ABREU

A despeito das previsões de quase todos os especialistas e de uma frenética mobilização do presidente Clinton, de seus assessores na Casa Branca e de todos os ministros da área econômica do governo norte-americano, foi impossível aprovar no Congresso dos EUA, na última semana, a autoridade negociadora conhecida como fast track. O fast track permite que o Executivo negocie assuntos comerciais e submeta o resultado das negoclaçoes in toto ao Congresso, que poderá apenas aprová-lo rejeitá-lo, sendo vedadas emendas de detalhe.

O instrumento foi essencial para que o Executivo norte-americano pudesse negociar, por exemplo, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) ou o acordo final da Rodada Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), e é condição importante para que sejam levadas à frente as negociações de uma zona de comércio preferencial entre EUA e Chile ou a Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

O presidente contou com importante apoio da bancada republicana na Casa de Representantes, mas não teve condições de atrair muito mais de 50 votos do próprio partido. Parece pouco provável que até o final da semana os obstáculos à aprovação sejam contornados. A ampliação do apoio democrata dependeria da inclusão de cláusulas sobre meio ambiente e condições de trabalho inaceitáveis pelos republicanos. O aumento do apoio republicano dependeria de concessões quanto à legislação sobre o aborto já explicitamente rejeitadas pelo presidente Clinton. O exame do assunto no próximo ano sempre foi considerado extremamente arriscado, pois as resistências de caráter eleitoral tenderão a aumentar, especialmente o temor dos congressistas favoráveis ao fast track de serem associados, em ano eleitoral, à alegada perda de empregos que adviria das iniciativas comerciais propostas pelo Executivo. Cabe, em meio a muitos desenvolvimentos adversos, algum regozijo em Brasília, pois a falta de autoridade negociadora do Executivo dos Estados Unidos certamente arrefecerá o seu entusiasmo, reiteradamente demonstrado nas negociações da Alca, quanto à necessária obtenção de resultados concretos correspondentes a uma "colheita precoce". Poderá também, moderar as dificuldades relativas à conciliação de posições opostas de Mercosul e EUA, quanto ao formato das negociações incluir, ou não, iniciativas de integração preexistentes, como o Mercosul, negociando em bloco.

Mas a derrota do Executivo dos EUA vai muito além das implicações sobre as negociações relativas a preferências hemisféricas, pois também afeta a autoridade negociadora nos foros multilaterais, em particular na Organização Mundial de Comércio (OMC). Assim, a derrota

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tem sido interpretada como derrota dos defensores do livre comércio, embora ironicamente, no caso das iniciativas de integração, este livre comércio, sendo preferencial, viole um dos princípios básicos de uma política comercial liberal que é a não-discriminação entre parceiros. Essa característica da derrota do fast track deve ser lamentada por suas possíveis implicações futuras quanto à extração de um fast track para permitir a retomada do processo de gradual liberalização comercial que é um dos objetivos explícitos da OMC, como sucessora do Gatt.

A confusão quanto à relação entre comércio regional, liberalização comercial e protecionismo também se manifesta no Brasil, embora em formato diferenciado. O argumento utilizado pelo Itamaraty para resistir a qualquer "colheita precoce" tem repisado as dificuldades brasileiras de assumir compromissos quanto à liberalização hemisférica que seria superposta à liberalização unilateralmente adotada até 1993, combinada às reduções tarifárias da Rodada Uruguai e da Tarifa Externa Comum do Mercosul. Os acontecimentos recentes de desestabilização financeira na Asia e na América Latina, colocando sob pressão a política cambial brasileira, e em última instância o sucesso da estabilização, tendem a reforçar esta reticência da política brasileira. Com base nestes argumentos foi possível obter uma visão praticamente consensual no Brasil quanto à preferência por um horizonte longo de integração regional, em oposição à impaciência do Executivo dos EUA.

Mas parte desse apoio a uma política de cautela está enraizada na atitude de oposição a qualquer política que envolva a abertura d,os mercados brasileiros de bens e serviços. É essencial que se cuide para que a derrota do fast track nos EUA não seja utilizada pelo lobby protecionista no Brasil para justificar uma reversão geral da política de liberalização comercial em nome de salvação pública. O governo está pagando as penas de ter repousado sobre os louros e protelado, por razões de conveniência política, um ajuste fiscal de dimensões -adequadas. Ou seja, compatível com a manutenção sem sobressaltos da credibilidade da sua política cambial cuja paridade refletiria um novo regime permanente de contínua capacidade de atração de capitais.

Os problemas que afetam o Brasil são decorrentes de reformas estruturais incompletas ou excessivamente proteladas, e não o resultado da próprias reformas. É fundamental que não se jogue fora o bebê com a água do banho.

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Marcelo de Paiva Abreu é professor do departamento de Economoi da PUC-Rio, atualmente professor-visitante na Universidade de Columbia, em Nova York.

Referências

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